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Relação de Alteridade
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Em um relacionamento saudável uma das principais buscas é a comunhão entre os
relacionistas. Busca-se a comunhão porque existe a distância originária ou a separação
originária. A união é a procura do estabelecimento de uma unidade de ideais. Jamais
podemos pensar em união eliminando a idéia de separação, ou seja, pensar em união é
admitir a realidade da distância originária – o próprio sentido do termo indica a
admissão da distância, senão, porque unir-se a alguém? – que por unir alguma coisa? por que juntar?
Quando falamos em união envolvendo seres racionais jamais podemos admitir uma
união sem admissão mútua. Admitir união sem mútuo consentimento é aceitar a
redução do ser racional a categoria de objeto, pois apenas as coisas objetivantes são
juntadas sem a necessidade de admissão ou de desejo. Quando falamos em união entre
seres racionais, uma palavra de forte significação deve vir-nos a tona. Não entendemos
efetivamente o significado de união entre seres de razão sem entender o significado de
alteridade. Pensar em união, sem admitir a realidade da alteridade é cometer o
equivoco de reduzir pessoas a objetos, é confundir uma relação de aproximação mútua
com uma colagem artificial coisificante e arbitrária.
Deus é o ser de razão por excelência, como seres humanos, fomos criados a partir de
sua razão -, com nossa razão nos assemelhamos a aspectos de sua imagem. Como ser
de razão o ser humano ama, expressa sentimentos, cria, e é pessoal, em outras
palavras, é uma pessoa que se distingue de outra, que em muito se aproxima, mas que
também nutre algumas peculiaridades. Deus é amor em plenitude, em uma palavra, é
um ser pleno. Somos distintos de Deus porque Deus é um-Outro, um não-eu. Por outro
lado, a aliança proposta por Deus existe porque existe essa alteridade, ou seja, porque
existe a concretude do outro, a admissão da existência do outro – não sou Deus e
muito menos Deus me é.
Deus criador criou o homem em sua alteridade, como um ser concretamente outro. Sua
criação é feliz quando se relaciona com esse criador em amor, quando se apraz em
estar junto a Ele, pois estar junto a Deus é estar junto ao Bem Maior, estar afastado de
Deus é estar afastado do Bem Maior.
Em sua alteridade Deus e considerando a alteridade do homem Deus não elege o
homem a vivência de uma relação de maneira absolutamente predeterminista, nem
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rejeita uma aproximação nos mesmos moldes; crer em uma aproximação
absolutamente determinista é não crer na alteridade de Deus nem na alteridade do
homem. Se Deus é outro e o homem também o é, lembrando que são seres de razão,
logo qualquer aproximação ou religação, ou também rejeição, como também um
completo afastamento só pode acontecer como resposta pessoal a um chamado ou
como negação. Determinar qualquer relação sem resposta é determinar uma ligação
coisificante e objetivante.
As Escrituras mostram-nos uma maneira diferente de Deus se relacionar com o ser
humano, diferente daquelas que alguns círculos dogmáticos protestantes tentam
demonstrar. Percebe-se em várias passagens o homem fazendo o que Deus não
gostaria que ele fizesse, escolhendo coisas e tomando posições por Deus consideradas
reprováveis, porém, apesar da reprovação explicita, mesmo assim, Deus não impede
que o homem se distancie de seu desejo, ou, em outras palavras, não siga a sua
vontade. O que isso pode significar? Fica claro que Deus não se relaciona com o
homem da maneira em que nós nos relacionamos com um objeto. Com um objeto nós
manipulamos para cumprir determinadas funções que lhe designamos. Se o objeto não
serve, logo o jogamos fora. Os calvinistas gostam de comparar o homem a um objeto e
Deus a um objetivador. Deus como aquele que se relaciona com o objeto, como aquele
que tem metas traçadas para aquele objeto e o homem simplesmente como o objeto a
ser usado e escolhido para a tal meta, e como objeto, usado ou reprovado de maneira
indiferente ao seu desejo ou a sua aplicação, para isso, se fixam na alegoria do oleiro e
do vaso de barro citada pelo apóstolo Paulo em Romanos 9. Essa apropriação indevida
esta ligada a alguns problemas, um deles é porque os que interpretam esse texto como
indicando um Deus determinista deixam de observar as fontes escrituristicas que o
apóstolo citou. Se observarmos a fonte originária, no diálogo de Deus com Jeremias
você pode perceber idéias como arrependimento. Naquela passagem, Deus diz ao
profeta se a nação de Israel se arrependesse não seria quebrada, portanto, não se
percebe uma a fria e impessoal relação objetivante-objeto . Quanto ao texto de Paulo,
a asserção do apóstolo se dá em direção aos homens que, ostentando o título de Judeus
não aceitam a sua condição, em direção a eles é que o apóstolo se apropria da alegoria
do vaso e do oleiro. Sobre essa questão Jacobus Arminius tem uma excelente
expicação, que creio se harmoniza com a forma holística em que as escrituras nos
apresentam Deus e sua relação com os homens, vejamos:
Nós devemos agora ver como aquelas coisas que nós atribuímos a Deus naquelas
aplicações devem ser compreendidas; a saber, isto “Ele pode fazer da raça humana,
fazer vaso para honra e outro a desonra, um homem para receber misericórdia, e
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outro para ser endurecido pela sua vontade irresistível." A palavra "poder" utilizada
aqui, significa não a capacidade, mas o direito e a autoridade. É ejxousi>a não um
du>namiv. Por isso, o assunto nesta passagem, não é o poder absoluto pelo qual Ele é
capaz de fazer qualquer coisa, mas a razão pela qual é lícito que ele deva fazer
qualquer coisa. (1)
Depois Arminius continua:
Deus não fez o homem, que só poderia ser aquilo que ele foi feito, mas, que ele
poderia tender a maior perfeição. Também não acho que Deus em Sua própria
bondade foi satisfeito, quando ele tinha se comunicado a Si mesmo ao homem, como
seu criador, mas glorificou-se a si mesmo, mas, Ele quis comunicar-se ainda mais
para o homem, como também "o glorificador do homem;" e que isto poderia ser
possível se Ele o dotasse, não só com sua natureza, mas também com dons
sobrenaturais. Mas a justiça prescreveu a regra e a medida desta comunicação, a
saber, que deveria ser feito só com a condição de que o homem deva viver conforme a
imagem divina, na obediência às ordens de Deus, e, desde que se ele pode ser
exaltado, ele também pode ser subjugado, — e nada é mais justo de que subjugá-lo, se
ele abusar dos dons, que pelo uso direito dos tais ele poderia ser exaltado a mais alta
dignidade. (2)
Aqui vemos a alteridade. O homem ou nação feito vaso para desonra, ou honra, recebe
misericórdia ou é endurecido, porque Deus levando em consideração os desígnios
pessoais desse homem ou os costumes de cada nação levou cada homem ou nação à
vivência dos frutos que semeou. Ou seja, deu a cada um segundo as suas obras. No
caso da nação Israelita, Deus fez um pacto que pelos israelitas foi quebrado, a quebra
desse pacto levou a nação ser desonrada e endurecida. Apesar de escolher uma nação
para honra para que essa o honrasse, Deus não impediu que essa nação o desonrasse
com os seus atos.
Arminius também nos leva a pensar que a resposta positiva do homem a Deus levaria
a si mais honra, e, portanto, o estado de desonra em que vive o homem está
relacionado diretamente com a resposta negativa que o próprio homem em sua
alteridade direciona a Deus, na liberdade de ser distintamente um outro.
O estado ideal em que o homem se encontra é debaixo da potente mão de Deus e
submetido aos seus conselhos, porém, o desejo de Deus é de encontrar pessoas que o
adorem em Espírito e em verdade, não por força, mas pelo convencimento de seu
Espírito, e por convencimento, não se entende como uma hipnose que leva alguém a
crer no que foi imposto, ou usando uma linguagem mais teológica, em uma graça
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irresistível, e sim uma relação dialogal com o outro mostrando a verdade e
necessidade da vivência de suas proposições.
Assim se dá uma relação de alteridade, Deus quando convida o homem a se
arrepender, a escolher e a vigiar, leva em consideração a alteridade – a vivência
pessoal do outro, por isso convida e não força, por isso chama e não carrega a força;
busca através da graça aproximar o outro para si mesmo a fim de que todos sejam um
no Pai, em perfeita comunhão, momento em que a alteridade se submergirá na
unidade(3) – e, enfim será aniquilada a separação originária.
Lailson Castanha
Blog: http://teologiaarminiana.blogspot.com/
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(1)Works Of Arminius Vl. 3
(2)Ibid
(3) 1 Coríntios 15.28
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