RECOMENDAÇÃO ADMINISTRATIVA n° 03/2013 O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por meio de seu órgão de execução, no exercício de suas atribuições na Promotoria de Justiça da Comarca de Pontal do Paraná, com fundamento nos artigos 129, incisos III e IX, da Constituição da República de 1988; artigo 27, parágrafo único, inciso IV, e artigo 80, ambos da Lei Federal 8.625/93; e artigo 6º, inciso XX, da Lei Complementar Federal 75/93, e: CONSIDERANDO: 01. que incumbe ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do patrimônio público, da moralidade, da legalidade e da eficiência administrativa, nos termos dos artigos 127, caput, e 129, III, da Constituição da República de 1988 (CR/88); artigo 114, caput, da Constituição do Estado do Paraná; artigo 25, IV, “a”, da Lei Federal n.º 8.625/93; 02. que são princípios norteadores da Administração Pública, dentre outros, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a eficiência, expressamente elencados no artigo 37, caput, da CR/88 e os princípios da razoabilidade e economicidade, previsto no artigo 27, caput, da Constituição do Estado do Paraná; 03. que no litoral paranense existe problema histórico de abuso na concessão e pagamento de diárias a vereadores, conforme faz prova a reportagem em anexo; 04. que, devido à natureza indenizatória e eventual das diárias, elas não podem ser convertidas, de modo expresso ou implícito, em remuneração indireta, conforme lições da doutrina especializada: “Indenizações – São previstas em lei e destinam-se a indenizar o servidor por gastos em razão da função. Seus valores podem ser fixados em lei ou em decreto, se aquela 1 permitir. Tendo natureza jurídica indenizatória, não incorporam a remuneração, não repercutem no calculo dos benefícios previdenciários e não estão sujeitas ao imposto de renda. Normalmente, recebem as seguintes denominações: ajuda de custo – destina-se a compensar as despesas de instalação em nova sede de serviço, pressupondo mudança de domicílio em caráter permanente; diárias – indenizam as despesas com passagem e/ou estadia em razão de prestação de serviços em outra sede e em caráter eventual; auxílio-transporte – destina-se ao custeio total ou parcial das despesas realizadas pelo servidor com transporte coletivo nos deslocamentos de sua residência para o trabalho e vice-versa. Outras podem ser previstas pela lei, desde que tenham natureza indenizatória. Seus valores não podem ultrapassar os limites ditados por essa finalidade, não podem se converter em remuneração indireta. Há de imperar, como sempre, a razoabilidade.” (LOPES MEIRELLES, Hely. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 460). 05. que, historicamente, a raiz do problema do pagamento de diárias não reside apenas nas más práticas de gestão por parte dos servidores, vereadores e prefeitos, mas na própria legislação municipal que fixa o valor das diárias (Lei Municipal 1288, sancionada em 08 de maio de 2013, publicada hoje no Órgão Oficial do Município de Pontal do Paraná – Edição nº 393, cópia anexa) desvirtuando sua natureza indenizatória; 06. que de acordo com a lei acima mencionada, o valor da diária no Município de Pontal de Paraná para deslocamento aos demais municípios do território nacional que não Curitiba ou região Metropolitana ou litoral do Paraná, para todos os servidores municipais, é de 05 (cinco) UFM, sem pernoite, e 11 (onze) UFM (por dia completo) ou 05 (cinco) UFM (por fração), em caso de 2 pernoite. 07. que a referida Lei promoveu o aumento injustificado do valor das diárias em questão, que desde 06 de dezembro de 2004 eram fixadas em 03 (três) UFM, sem pernoite; e 07 (sete) UFM por dia completo ou 03 (três) UFM por fração, em caso de pernoite; 08. que segundo o Decreto nº 4112, de 07 de novembro de 2012, o valor da Unidade Fiscal do Município é de R$ 69,19 (sessenta e nove reais e dezenove centavos); 09. que com base na inconstitucional e ilegal lei, o valor atual da diária dos servidores municipais é de R$ 761,09 (setecentos reais e sessenta e um centavos), o que fere as diretrizes dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, legalidade, economicidade, eficiência, impessoalidade e moralidade (artigo 37, caput, da Constituição da República de 1988 e artigo 27, caput, da Constituição do Estado do Paraná); 10. que o valor fixado a título de diárias dos servidores municipais também viola o artigo 37, inciso XI, da Constituição da República de 1988, uma vez que, ao se desvirtuar o caráter indenizatório da diária, instituiu-se, de forma indireta, verdadeiro subsídio complementar, alheio aos limites constitucionais de despesas desta natureza; 11. que, apenas a título de exemplo e para demonstrar a ilegalidade e a desproporcionalidade das diárias pagas no Município de Pontal do Paraná, mencione-se que, no Supremo Tribunal Federal, o valor da diária para viagens nacionais de um Ministro, o qual serve de parâmetro para todo o Poder Judiciário, de acordo com a Resolução n. 73, de 28 de abril de 2009, do CNJ, foi fixada em R$ 614,00 (seiscentos e quatorze reais), pela Resolução n. 439, de 21 de setembro de 2010, da Presidência do STF (documento em anexo), tendo em vista que o valor da diária deve equivaler, no máximo, ao valor do subsídio do respectivo beneficiário, dividido por 30 (trinta); 12. que a inconstitucionalidade da Lei Municipal 1288, sancionada em 08 de maio de 2013, ainda pendente de publicação no Diário Oficial poderá ser declarada de modo incidental e/ou por meio de ação direta; 3 13. que declarada a inconstitucionalidade da referida Lei Municipal, os efeitos da decisão retroagem ao tempo em que a lei foi publicada: “[...] a questão da inconstitucionalidade das leis situa-se no plano da validade dos atos jurídicos: a lei inconstitucional é lei nula. Dessa premissa teórica resultam duas consequências práticas importantes. A primeira: a decisão que reconhece a inconstitucionalidade limita-se a constatar uma situação preexistente, estabelecendo acerca dela uma certeza jurídica. Sua natureza, portanto, é declaratória. A segunda: sendo o vício de inconstitucionalidade, como regra, congênito à lei, os efeitos da decisão que o pronuncia retroagem ao momento de seu ingresso no mundo jurídico, isto é, são ex tunc [...]”.1 14. que com a retroação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, os recursos pagos pelo Município a título de diária para servidores deverão ser restituídos de modo espontâneo ou coercitivo, mediante ajuizamento de ações de indenização pelo Ministério Público e pelo próprio Município de Pontal do Paraná, tendo em vista que a pretensão de natureza reparatória do patrimônio público é imprescritível (artigo 37, § 5º, da CR/1988). RESOLVE RECOMENDAR ao Prefeito do Município de Pontal do Paraná, que, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias, contado a partir do recebimento da presente Recomendação Administrativa, apresente projeto de lei que regulamente o pagamento de diárias para servidores do Poder Executivo Municipal, respeitando a natureza indenizatória da diária, que deve ser calculada, no máximo, com base no valor do subsídio do beneficiário, dividido por 30 (trinta). O descumprimento desta Recomendação Administrativa pelo Sr. Prefeito Municipal resultará: 1 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no Direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 208. 4 (i) na responsabilização pela prática de ato de improbidade administrativa (artigo 11, caput e incisos II e VI, da Lei n.º 8.429/92); (ii) ajuizamento de ações civis públicas, com preceitos cominatórios, buscando a cessação das práticas abusivas de pagamento de diárias de natureza remuneratória, e não indenizatória, por parte da Prefeitura de Pontal do Paraná e declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1288/2013, publicada hoje no Órgão Oficial do Município de Pontal do Paraná – Edição nº 393; (iii) a remessa de ofício para o Procurador-Geral de Justiça para, analisado os fatos aqui narrados e a seu critério, ajuizar ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Paraná; (iv) o ajuizamento de ações de indenização contra cada servidor público municipal, buscando a reparação do dano provocado ao patrimônio público, desde a publicação da lei, com cobrança de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês e correção monetária; e, (v) o oferecimento de denúncia, pela prática, em tese, de eventuais crimes que vierem a ser apurados no curso das investigações do pagamento das diárias superfaturadas (artigo 1º, incisos V e XIV, do Decreto-lei n. 201/1967 e artigo 312 do Código Penal). Pontal do Paraná, 28 de junho de 2013. RENATA SORDI LOPES DE PAIVA Promotor de Justiça 5