Julho/2002 CONFERÊNCIA DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE COMÉRCIO E DESENVOLVIMENTO – UNCTAD Relatório sobre os “Países Menos Desenvolvidos” 2002 Em junho/2002 a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) publicou o "The Least Developed Countries Report - 2002", que é o primeiro relatório a fazer uma análise comparativa internacional sobre a pobreza nesses países utilizando um novo conjunto de parâmetros criados especialmente para esse estudo. Os países menos desenvolvidos (LDCs) são um grupo de 49 países que foram identificados pelas Nações Unidas como “os menos desenvolvidos” em termos de seu baixo PIB per capita, baixo nível de seus recursos humanos e alta vulnerabilidade de sua economia.1 Os novos dados sobre consumo privado das famílias baseado nas contas nacionais, bem mais confiáveis que os anteriores, que tinham como base de informação questionários distribuídos às famílias, - mostram que o percentual da população vivendo em extrema pobreza nos países mais pobres, especialmente na África tem aumentado. Além disso, a metodologia anterior subestimava a gravidade do problema. Em outros países em desenvolvimento, esse percentual vem diminuindo. O relatório mostra que a pobreza é generalizada e persistente na maior parte dos LDCs A sua incidência é maior naqueles países mais dependentes da exportação de produtos primários. A pobreza nos LDCs tem efeitos em nível nacional que são causa da sua manutenção e até mesmo do seu aumento e, seus relacionamentos externos, 1 Nota do editor: Apesar das semelhanças, o Brasil não é um deles. Julho/2002 1 ACOMPANHAMENTO INTERNACIONAL nos mercados financeiro e comercial, também reforçam o ciclo de estagnação econômica e pobreza. O atual modelo de globalização está apertando a armadilha da pobreza. Para reverter essa tendência, deveria haver um ambiente internacional mais disposto a ajudar. Essa ajuda deveria incluir perdão da dívida externa, um sistema de auxílio mais eficiente, revisão e reformulação da política internacional de comercialização de produtos primários, e políticas que reconheçam a interdependência entre a marginalização socio-econômica dos países mais pobres e a crescente polarização da economia global. No que se refere à ligação entre a dependência de produtos primários e a extrema pobreza, de acordo com o relatório, o tipo de exportação no qual cada país se especializa faz muita diferença em seu sucesso econômico e em seus padrões de pobreza. São os exportadores de produtos primários que estão ficando mais para trás no desenvolvimento mundial. No período 1997-99, 79% das pessoas que vivem com menos de US$ 1 por dia nos LDCs estavam nesses países. Em 1999, o PIB real per capita médio (ajustado de acordo com o poder de compra) nos países LDCs exportadores de produtos primários (exceto petróleo) era mais baixo do que tinha sido em 1970. Incidência de pobreza de acordo com a especialização das exportações 1981-1983, 1987-1989 e 1997-1999 (Participação da população vivendo com menos de $1 por dia) 90 82 80 67 70 69 63 68 64 63 65 61 Percentual 60 48 50 48 44 40 41 43 40 30 30 28 25 20 10 0 Exportadores de prod. primários (exceto petróleo) Exportadores de prod. agrícolas 1981-1983 Exportadores de prod. minerais 1987-1989 Exportadores manufaturados Exportadores manufaturados (exceto Bangladesh) Exportadores de serviços 1997-1999 NOTA: Os LDCs estão classificados de acordo com a composição de suas exportações no final dos anos 90. Fonte: UNCTAD O relatório afirma que, ao contrário do que se pensa, a persistente pobreza nos países pobres não se deve à pouca abertura comercial ou falta de integração comercial. No período 1997-98, as exportações e importações de bens e serviços tinham participação de 43% no PIB desses países, isto é, quase o mesmo percentual dos países desenvolvidos. A pobreza estaria mais ligada ao tipo de integração e mais especificamente ao tipo de especialização na exportação. Julho/2002 2 ACOMPANHAMENTO INTERNACIONAL A queda dos preços das commodities (exceto petróleo) faz com que a receita dessas exportações diminuiria apesar do aumento do volume. Como conseqüência, os LDCs acabam não tendo dinheiro suficiente para pagar sua dívida externa e acabam usando a ajuda internacional que recebem para pagar o serviço da dívida, em vez de usá-lo para fins sociais. Alguns LDCs vem tentando diversificar suas exportações para manufaturados intensivos em mão-de-obra. Entretanto, essa estratégia muitas vezes esbarra na incapacidade dos países em desenvolvimento mais industrializados em avançar nas cadeias produtivas, devido a bloqueios tecnológicos e comerciais pelos países desenvolvidos. A maior parte das atividades produtivas desenvolvidas nos novos LDCs exportadores de manufaturas é de baixo valor adicionado, com pouca capilaridade no resto da economia do pais. Há necessidade de políticas de promoção às exportações mais pró-ativa. Existe um grande número de políticas de exportação já testadas com sucesso e que ainda podem ser usadas pelo LDCs de acordo com as regras da Organização Mundial de Comércio tais como redução tarifária na importação de insumos, isenção de impostos, crédito preferencial para exportadores, seguro de crédito na exportação, informações de mercado e subsídios à infra-estrutura. Essas medidas poderiam ser inseridas nos Documentos de Estratégia para Redução da Pobreza que os governos são obrigados a elaborar e aplicar para obtenção de ajuda e redução da dívida no âmbito do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial. Outro ponto salientado pelo relatório é a relação direta entre crescimento econômico e pobreza nos LDCs, o que antes não era evidente. Nesses países, o crescimento sustentado do nível de renda per capita e do nível de consumo per capita tem um efeito muito grande na redução da pobreza. Já nos países ricos, onde só uma pequena parcela da população é pobre, o crescimento econômico não afeta esse grupo pois já existem recursos suficientes na economia. O problema é só sua distribuição. Nesse caso, há necessidade de algum sistema de bem estar social que redistribua a renda. Embora altas taxas de crescimento econômico facilitem a aceitação dessas políticas, não existe ligação direta entre altos crescimentos econômicos e o acesso da população pobre a mais renda. Os dados coletados nos LDCs indicam que se o consumo privado per capita médio nesses países subir 1%, o percentual das pessoas que vivem com até 1 dólar por dia pode cair entre 0.5 e 3%. No caso da linha de pobreza de 2 dólares por dia, a queda pode ser entre 0.5 e um pouco mais de 2%. Se o consumo real privado per capita de determinado país dobrasse de US$ 400 para US$ 800 por ano, o percentual da população vivendo com menos de 1 dólar por dia se reduziria de 65% para menos de 20%. A partir de US$ 1000, esses efeitos já começam a cair bastante. Isso ocorre porque, quando uma grande parte da população de um pais sobrevive com até 1 dólar por dia, a maior parte desse dinheiro vai para suprir as necessidades básicas dos indivíduos e não sobra quase nada para ser usado na melhoria das condições de vida. Assim o ciclo da pobreza se auto-alimenta. A melhor maneira de conseguir um crescimento econômico que permita romper este ciclo é através de um crescimento do investimento, das exportações e da resultante da interação entre ambos, capaz de aumentar a capacidade produtiva e de gerar meios de subsistência sustentáveis. Julho/2002 3 ACOMPANHAMENTO INTERNACIONAL A abordagem alternativa da UNCTAD se baseia nas políticas que facilitaram o crescimento econômico sustentado durante um longo período no Leste Asiático e nas maneiras possíveis de se aplicar essas políticas experimentadas na África Subsahariana. O estabelecimento de uma ligação entre investimento e exportações, por meio da criação de oportunidades de investimento rentáveis, reduz os riscos e a incerteza da economia, favorecendo a instalação de um circulo econômico virtuoso, e garante que sejam disponibilizados financiamentos para que os empresários possam investir no aumento da produção. Os principais elementos desta abordagem são políticas macroeconômicas mais orientadas para o crescimento, políticas de desenvolvimento da produção setorialmente direcionadas, políticas de promoção às exportações e políticas que assegurem que não haja marginalização nos próprios LDCs ao se registar um crescimento econômico. Nesse ambiente mais propício, caberá às empresas privadas desempenhar um papel mais importante nas estratégias de redução da pobreza orientadas para o desenvolvimento. Mas o processo de desenvolvimento deverá ser catalisado e orientado pelo Estado que, através de um bom controle dos mercados, deverá aproveitar a motivação do lucro para fins como o desenvolvimento nacional e a redução da pobreza. Criar Estados eficazes e uma classe empresarial nacional dinâmica, disposta a canalizar os seus recursos para os investimentos internos e não para o consumo de artigos de luxo ou para a posse de riqueza no estrangeiro, continua a ser uma questão institucional essencial. Julho/2002 4