Principais Conclusões do Terceiro Relatório de Avaliação do
Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima
A. Ricardo J. Esparta1 e José Roberto Moreira2
1
Ecoinvest, IEE-USP
Rua Padre João Manoel, 222
01411-000 São Paulo, SP
E-mail: [email protected]
2
Negawatt, Biomass Users Network
Rua Francisco Dias Velho, 814
04581-001 São Paulo, SP
E-mail: [email protected]
Resumo: Desde a sua criação em 1988, um dos principais objetivos do Painel
Intergovernamental sobre Mudança do Clima, o corpo científico da Convenção Quadro das
Nações Unidas sobre Mudança do Clima, é o de periodicamente avaliar a publicações “peerreview” para consolidar relatórios de avaliação sobre a ciência das mudanças climáticas,
impactos, vulnerabilidade e formas de adaptação dos sistemas biológicos e físicos a essas
mudanças e meios de reduzir a emissão/concentração na atmosfera de gases de efeito estufa. Em
2001 foi publicado o Terceiro Relatório de Avaliação do IPCC. O presente trabalho tem por
objetivo selecionar algumas das principais conclusões do supracitado relatório.
Abstract: Since its creation in 1988 one of the main goals of the International Panel on Climate
Change, the scientific body of the United Nations Framework Convention on Climate Change, is
to evaluate regularly peer-review publications in order consolidate assessment reports about the
science of climate change, impacts, vulnerability and adaptation of physical and biological
systems to the changes and ways to reduce the emission/concentration in the atmosphere of the
greenhouse gases. The Third Assessment Report of the IPCC was released in 2001. The present
work aims to select some of the main conclusion of the Report.
1. Introdução
O movimento para análise do risco e definição de ações com relação ao efeito estufa
começou a tomar impulso em 1988 durante uma conferência conjunta da Organização
Meteorológica Mundial (WMO, “Word Meteorological Organization”) e do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP, “United Nations Environmental Program”) com a
criação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, “Intergovernmental
Panel on Climate Change”). O IPCC foi criado como um grupo de cientistas em um processo
consultivo sem precedentes em tamanho e em escopo. A missão do IPCC é a de reunir o maior
número possível de cientistas de diferentes países com o objetivo de coletar e analisar a literatura
(“peer review,” revisada por pares, ou seja, que passa por um processo de revisão por
especialistas no assunto abordado) disponível sobre o aquecimento global e consolidar relatórios
sobre a ciência, possíveis impactos e políticas de reposta às mudanças climáticas (Agrawala,
1997). Para cada um desses temas foram criados grupos de trabalho independentes com as
seguintes tarefas:
§ Grupo I – Base Científica: obter projeções de concentrações futuras de Gases de
Efeito Estufa (GEEs) na atmosfera e de padrões de mudança regional e global da
temperatura, de precipitação, do nível do mar e de eventos climáticos extremos.
Esparta & Moreira, Principais Conclusões do Terceiro Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima
§ Grupo II – Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade: Avaliação dos impactos sócioeconômicos e biofísicos da mudança do clima com relação a riscos a sistemas únicos e
ameaçados, riscos associados a eventos climáticos extremos e riscos de eventos de alto
impacto e/ou larga escala.
§ Grupo III – Mitigação: Avaliação do potencial de atingir uma vasta gama de níveis de
concentração de GEEs na atmosfera através da mitigação e informação sobre como a
adaptação pode reduzir a vulnerabilidade
A versão final do primeiro relatório foi editada e aprovada por todos os países membros
das discussões da conferência Global sobre o Clima, realizada em Genebra, Suíça em 1990.
Estava lançado o Primeiro Relatório de Avaliação do IPCC (IPCC-FAR, “IPCC-First
Assessment Report”, Houghton et al., 1990), a base científica para a negociação de um tratado
internacional a ser acordado durante a Cúpula da Terra (ECO92) no Rio de Janeiro, a Convenção
Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, “United Nations Framework
Convention on Climate Change”; UNFCCC, 1992).
Os relatórios de avaliação do IPCC têm exatamente a finalidade de fornecer o suporte
científico para as decisões tomadas no âmbito da UNFCCC. Conforme mencionado, com base
nos resultados do IPCC-FAR negociou-se o texto final da UNFCC, incluindo o objetivo final
explicitado no artigo segundo: “... alcançar ... a estabilização das concentrações de GEEs na
atmosfera em um nível que impeça uma interferência antrópica perigosa no sistema climático.
Esse nível deverá ser alcançado num prazo suficiente que permita aos ecossistemas adaptarem-se
naturalmente à mudança do clima, que assegure que a produção de alimentos não seja ameaçada
e que permita ao desenvolvimento econômico prosseguir de maneira sustentável.”
O IPCC tem a princípio o desejo de avaliar a nova literatura produzida em períodos de
aproximadamente 5 anos. Até hoje foram publicados três relatórios, o IPCC-FAR em 1990, o
segundo relatório em 1995 (IPCC-SAR, “IPCC Second Assessment Report”; Houghton et al.) e
o terceiro em 2001 (IPCC-TAR, “IPCC Third Assessment Report”; Houghton et al.).
Analisando-se as conclusões de cada um dos relatórios nota-se claramente que a confiança nas
previsões e na influência do ser humano nas mudanças climáticas vêm aumentando. No IPCCFAR utilizaram-se, por exemplo, termos como “parece provável” (“it appears likely”) para falar
de possíveis efeitos amplificadores do aumento da concentração de GEEs com relação a
absorção de carbono por florestas e “melhor suposição” (“best-guess”) estimando o aumento da
temperatura média da superfície do planeta em até 3o C até o final do século 21. Além disso
houve forte pressão política para que as resultados não fossem muito conclusivos. Chegou-se a
afirmar que a mudança climática traria tanto impactos positivos quanto negativos, apesar dos
negativos predominarem (Legget, 1999). No segundo relatório, o IPCC-SAR, já se afirmou que
era improvável que o aumento de temperatura da superfície da terra desde o final do século 19
(de 0,3 a 0,6o C) fosse inteiramente natural em sua origem. Além disso o relatório concluiu que
“... o balanço das evidências, de mudanças da temperatura média do ar na superfície e das
mudanças geográficas, de estações do ano e de padrões verticais da temperatura da atmosfera,
sugerem uma influência discernível do homem no clima global. Ainda há incertezas com relação
a pontos chave, incluindo a magnitude e padrões de variabilidade de longo prazo. O nível do mar
subiu entre 10 e 25 cm nos últimos 100 anos e muito dessa subida pode estar relacionada com o
aumento da temperatura média global.” Finalmente, no último relatório apresentado em 2001
(IPCC-TAR) já se conclui que “há novas e mais fortes evidências que a maior parte do
aquecimento observado nos últimos 50 anos é atribuível a atividades humanas.” Uma das
melhores fundamentações para tal afirmação pode ser obtida da Figura 1.
Quando apenas mudanças naturais são levadas em conta a simulação não representa bem os
valores medidos (Figura 1-a, nota-se que para o modelo os fatores naturais de mudança de
temperatura levariam ao resfriamento da superfície do planeta nas últimas 3 décadas). O mesmo
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acontece se apenas alterações antropogênicas forem consideradas (Figura 1-b). Já quando ambas
as influências são consideradas há uma grande identidade entre os valores sumulados e medidos.
Figura 1 – Comparação entre simulações e resultados medidos das variações da temperatura
média da superfície da terra (a - naturais, b - antropogênicas, c - todas as mudanças; Fonte: IPCC)
O objetivo do presente trabalho é selecionar algumas das principais conclusões IPCCTAR na opinião dos autores.
2. Grupo de Trabalho I+II: Base Científica + Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade
A principais conclusões do grupo de trabalho I são:
§ Pode-se afirmar que o Clima global está mudando. As seguintes evidências, entre
outras, são indicadoras desta afirmação.
o A temperatura média da superfície da terra aumentou cerca de 0,6o C entre 1861 e
2000. A Figura 2 mostra as alterações nos últimos 140 anos (medidas) e nos
últimos 1000 anos (inferidas).
o Os padrões de precipitação (chuvas) mudaram com uma maior incidência de
chuvas mais fortes
o O fenômeno El-Niño tornou-se mais freqüente, persistente e intenso.
o O nível do mar subiu de 10 a 20 cm entre 1900 e 2000.
§ As atividades humanas estão mudando a concentração de GEEs na atmosfera (Figura
3) e esta mudança é principalmente devida a queima de combustíveis fósseis e ao
desmatamento de áreas florestais.
§ Há novas e mais conclusivas evidências de que a maior parte do aquecimento
verificado nos últimos 50 anos é atribuível a atividades antrópicas (Figura 1).
§ As mudanças regionais na temperatura estão associadas a alterações observadas em
sistemas físicos, ecológicos e sócio-econômicos em todo o mundo. Exemplos são a
retração das geleiras não glaciais, a redução em extensão e espessura do Mar Ártico
durante o verão, o florescimento antecipado e o aumento do período de crescimento das
plantas na Europa, migração de espécies vegetais e animais para maiores latitudes e
altitudes, migração antecipada de pássaros, branqueamento de recifes de corais, aumento
de perdas econômicas devido a eventos climáticos extremos (Figura 4), etc.
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§ As emissões futuras de GEEs dependem do crescimento da
população, do
crescimento econômico, das mudanças tecnológicas, entre outros.
§ Todos os cenários, mesmo aqueles fortemente baseados em soluções ecológicas (uso
intensivo de fontes renováveis de energia, redução do desmatamento e aumento do
reflorestamento), projetam um acréscimo das concentrações de GEEs nos próximos 100
anos. Os vários cenários analisados (Tabela 1) chegaram as seguintes projeções:
o A temperatura média superficial da terra aumentará entre 1,4 e 5,8 o C entre 1990
e 2100, com um aumento maior para superfícies terrestres em relação aos
oceanos.
o Aumento global de chuvas, com aumentos e decréscimos locais, e aumento de
eventos de precipitações pesadas/fortes.
o O nível do mar subirá entre 9 e 88 cm entre 1990 e 2100.
o Aumentará a incidência de eventos climáticos extremos, como por exemplo
inundações, secas, ondas de calor, ciclones tropicais, etc.
a – últimos 140 anos (global)
b – últimos 1000 anos (hemisfério norte)
Figura 2 – Variação da temperatura média da superfície da Terra (Fonte: IPCC)
Figura 3 – Indicadores da influência humana na atmosfera durante a era industrial
(concentração e correspondente “radiative forcing” para o dióxido de carbono, CO2 , metano,
CH4 e para o óxido nitroso, N2 O, respectivamente; Fonte: IPCC)
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b – Cobertura regional por seguros entre 1985 e 1999
a – Perdas anuais entre 1950 e 1999
Figura 4 – Perdas relativas a eventos climáticos extremos (Fonte: IPCC)
Cenários
População (bilhões)
GDP mundial (1012 1990 US$/ano)
Razão entre a renda per capita de países desenvolvidos e
em desenvolvimento
Intensidade de energia final (106 J/US$)
Energia primária (1018 J/US$)
Participação do carvão na energia primária (%)
Participação de “carbono-zero” na energia primária (%)
1990
5,3
21
2100
7,0 – 15,1
235 – 550
16,1
1,5 – 4,2
16,7
351
24
18
1,4 – 5,9
514 – 2226
1 – 53
28 - 35
Tabela 1 – Cenários para simulação da evolução do clima (Fonte: IPCC)
Para entender melhor os resultados, é conveniente introduzir algumas das premissas para
os cenários utilizados nas simulações (vide também Tabela 1):
§ IS92a: referência para os novos cenários desenvolvidos. É o cenário “médio”, entre 6
apresentados em suplemento ao IPCC-FAR (Leggett et al., 1992), no qual são previstos
crescimento da população até 11,3 bilhões até 2100, crescimento médio anual de 2,3% e
utilização “business-as-usual” de fontes renováveis e convencionais de energia.
§ A1: rápidos crescimento econômico e introdução de novas tecnologias mais
eficientes. Baixo crescimento populacional. Convergência cultural e econômica com
redução substancial de diferenças de renda per capita. Busca preferencial de aumento de
renda a qualidade ambiental
§ A2: fortalecimento de identidades culturais com ênfase em valores familiares e
tradições locais. Alto crescimento populacional e menor preocupação com o crescimento
econômico
§ B1: rápidas mudanças nas estruturas econômicas, “desmaterialização” da economia
(redução do uso de matérias-primas e do consumo de energia) e melhor distribuição de
renda.
§ B2: ênfase nas soluções locais para a sustentabilidade econômica, social e ambiental.
Sociedades mais heterogêneas. Mudanças tecnológicas mais lentas e diversas. Apoio a
iniciativas comunitárias e inovação social na busca de soluções locais ao invés de
globais.
Com base nessas hipóteses a Figura 5 e a Figura 6 mostram a evolução das emissões de
CO2 , das concentrações de CO2 e de SO2 , da temperatura de superfície da terra e do nível do
mar.
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Figura 5 – O Clima global no século XXI (Fonte: IPCC)
Figura 6 – Variações do temperatura da superfície da Terra de 1000 a 2100 (Fonte: IPCC)
Figura 7 – Cenários de estabilização (Fonte: IPCC)
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Outra possibilidade de avaliação de cenários é o estudo de estabilização da concentração
de GEEs na atmosfera em valores determinados. Nesse sentido foram também realizadas
simulações prevendo a estabilização dessa concentração de CO2 em valores variando de 450 a
1000 partes por milhão em volume (ppmv) desses gases na atmosfera. Os resultados podem ser
vistos na Figura 7.
Para confirmar que os cenários são exeqüíveis, o levantamento das emissões históricas e
das reservas (convencionais e não-convencionais) de combustíveis fósseis pode ser visto na
Figura 8.
Figura 8 – Emissões históricas e reservas de combustíveis fósseis e necessidades
para os diferentes cenários analisados (Fonte: IPCC)
Finalmente a Figura 9 mostra a evolução das emissões de dióxido de carbono de 1971 a
1996 indicando também os principais contribuições por região.
Figura 9 – Emissões mundiais de CO2 por região/grupo de países (Fonte: IPCC)
3. Grupo de Trabalho II: Impactos, Adaptação e Vulnerabilidade
É tarefa do grupo trabalho II analisar os impactos da mudança do clima e a
vulnerabilidade e formas de adaptação dos seres vivos e dos ecossistemas. Assumindo que as
mudanças climáticas ocorrerão, as principais conclusões deste grupo de trabalho são:
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§ As alterações climáticas regionais recentes, em particular o aumento da temperatura,
já afeta muitos sistemas biológicos e físicos.
§ Há indicações preliminares de que alguns sistemas humanos têm sido afetados pelas
recentes enchentes e secas.
§ Sistemas naturais são vulneráveis a mudanças do clima, e alguns sofrerão danos
irreversíveis.
§ Muitos sistemas humanos são sensíveis às mudanças climáticas, alguns são
vulneráveis.
§ Mudanças previstas nos eventos climáticos extremos podem ter graves
conseqüências.
§ O potencial de escala e de possibilidade de impactos irreversíveis leva a riscos que
ainda devem ser quantificados adequadamente.
§ A adaptação é uma estratégia necessária em todas as escalas como complemento a
esforços de mitigação das mudanças climáticas.
§ Adaptação, desenvolvimento sustentável, e melhoria da distribuição/equidade podem
ser sinérgicos (“mutually reinforcing”).
Com relação a impactos, as principais conclusões do texto do Grupo de Trabalho II do
IPCC TAR são:
§
Efeitos adversos da mudança do clima
o Diminuição da disponibilidade de água em regiões carentes do insumo, em
especial em terras áridas e semi-áridas em regiões sub-tropicais.
o Redução da produtividade agrícola: (a) nos trópicos e sub-trópicos para quase
qualquer aquecimento, e (b) nas latitudes médias para aquecimento maior que
alguns poucos graus.
o Mudanças na produtividade e composição de sistemas ecológicos, com florestas e
recifes de corais sendo os mais vulneráveis.
o Aumento do risco de inundações, deslocamento/mudança de milhões de pessoas
devido ao aumento do nível do mar e a eventos de chuvas fortes, especialmente
em pequenos estados insulares e em deltas de rios de baixa altitude (Figura 10)
o Aumento, em especial nas regiões tropicais e sub-tropicais, da incidência da
mortalidade por “stress gerado pelo calor” (“heat stress”) e do número de pessoas
expostas a doenças transmissíveis por vetores, como malária e dengue, e pela
água, como cólera.
§ Conseqüências benéficas da mudança do clima
o Aumento da produtividade agrícola em algumas regiões de latitude média no caso
do aumento de alguns graus na temperatura média
o Aumento da disponibilidade de água em algumas regiões carentes do insumo, por
exemplo, em partes do sudoeste da Ásia.
o Diminuição da mortalidade no inverno em regiões de média e alta latitudes.
o Potencial aumento do suprimento global de madeira advindo de florestas
manejadas.
Do exposto pode-se afirmar que os países em desenvolvimento são os mais vulneráveis a
alterações do clima. Se os cenários se confirmarem aumentarão as desigualdades em qualidade
de saúde, acesso a alimentos, água potável e outros recursos. Isto principalmente porquê estes
países estão mais próximos das margens de tolerância para mudanças de temperatura e de
precipitação (mais secas e maiores áreas ameaçadas de inundações), têm uma vulnerabilidade
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costeira maior (49 de 50 países com custos de proteção costeira acima de 0,5% do GDP são
países em desenvolvimento), têm uma maior dependência de setores dependentes do clima
(agricultura), têm uma infraestrutura de saúde e nutrição média mais pobre (maior risco à vida
humana) e possuem uma menor capacidade de adaptação tecnológica, institucional, educacional
e financeira.
Figura 10 – Perda de terra em Bangladesh com uma subida de 1 m do nível do mar
(Fonte: Banco Mundial)
4. Grupo de Trabalho III: Mitigação
Partindo do princípio de que os principais impactos das alterações climáticas serão
adversos, é função do grupo de trabalho III analisar a literatura sobre os meios de mitigar
(atenuar) a força motriz destas alterações, ou seja, reduzir a necessidade de emissões de GEEs
e/ou retirar parte desses gases da atmosfera. O trabalho do grupo objetiva impulsionar as ações
no sentido do princípio da precaução, já que a inércia do sistema climático é de longo prazo
(Figura 11).
Figura 11 – Inércia do sistema climático (Fonte: IPCC)
As principais conclusões do grupo de trabalho III do IPCC são:
§ Menores emissões exigirão padrões diferentes de desenvolvimento de recursos
energéticos (tendência de “descarbonificação”, isto é, a utilização de combustíveis
menos carbono-intensivos) e aumento da eficiência de uso-final.
§ Progresso técnico significativo e em uma velocidade mais rápida do que a esperada
foi realizado nos últimos 5 anos (por exemplo em aerogeradores, produção mais limpa,
automóveis com motores híbridos, tecnologia de células a combustível, estocagem
subterrânea de dióxido de carbono, entre outros.).
o Metade do aumento estimado das emissões globais de hoje até 2020 pode ser
reduzido com benefícios diretos (“custo negativo”), enquanto que a outra metade
incorrerá em custos menores do que US$100 por tonelada de carbono (tC).
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o A realização dessas reduções envolverá políticas de apoio/superação de barreiras,
pesquisa e desenvolvimento mais intensos e transferência efetiva de tecnologia.
§ Florestas, agricultura e outros ecossistemas terrestres oferecem potencial global
significativo de absorção de carbono (até 100 GtC cumulativos nos próximos 50 anos).
§ Algumas reduções em emissões podem ser obtidas a custo zero ou negativo
explorando-se oportunidades “sem-arrependimento” (“no-regrets”).
o Reduzindo imperfeições institucionais de mercados.
o Benefícios secundários, por exemplo, da melhoria da qualidade do ar local e
regional.
§ O uso dos mecanismos de flexibilidade do Protocolo de Quioto entre os países do
Anexo-B1 (Implementação Conjunta + Comercio de Emissões) reduz os custos de
conformidade pela metade. Estes custos podem ser ainda mais reduzidos com o uso sem
restrições de sorvedouros de carbono e do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
(MDL)2 .
§ Os custos de estabilização da concentração de CO2 crescem moderadamente dos
patamares de 700 ppmv para 550 ppmv e bastante de 550 ppmv para 450 ppmv.
São muitas as possibilidades de mitigação (Tabela 3):
§
Do lado do suprimento
o Substituição de combustível (de carvão para óleo para gás natural para
renovável).
o Aumento da eficiência na geração de eletricidade (de 30% a ~ 60%).
o Intensificação do uso de energias renováveis (biomassa, solar, eólica, hidráulica,
etc.;Tabela 2).
o Sorvedouros de carbono.
o Energia nuclear.
§ Do lado da demanda (Figura 12)
o Transporte (Figura 13).
o Em construções comerciais e industriais.
o Em processos industriais.
§ Uso da terra, mudança do uso da terra e florestas (Figura 14)
o Florestamento, reflorestamento e redução da taxa de desflorestamento.3
o Melhoria no manejo de florestas e áreas agriculturáveis.
§ Gestão de resíduos (lixo) e redução da emissão de halocarbonos.
Mas para e efetivação destas ações de mitigação instrumentos políticos serão necessários
para superar barreiras. Exemplos de políticas, que por sua vez podem exigir acordos
internacionais ou regionais, incluem:
1
Países do Anexo-B do Protocolo de Quioto, ou países do Anexo-I da UNFCCC, são aqueles com
compromissos de limitação compulsória de emissões de GEEs no primeiro período de compromisso que
vai de 2008 a 2012.
2
O MDL é um dos mecanismos de flexibilização dos compromissos domésticos dos países do anexo-B.
Países sem metas compulsórias no primeiro período de compromisso, como por exemplo o Brasil, não são
obrigados a reduzir emissões, mas recebem incentivos se o fizerem. Esta é a essência do MDL, o artigo
12 do Protocolo de Quioto.
3
Aflorestamento é a ação de formar floresta em uma área sem cobertura florestal prévia, desflorestamento
é o ato de remover uma cobertura florestal existente e reflorestar é recuperar a cobertura florestal de uma
área desflorestada.
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§ Estratégias de preço e de taxação da energia.
§ Remoção de subsídios que incentivam o aumento da emissão de GEEs.
§ Internalização dos custos sociais e da degradação ambiental.
§ Criação de cotas/comércio de emissões domesticamente e globalmente.
§ Programas voluntários.
§ Programas regulatórios, incluindo de padronização de eficiência energética.
§ Incentivo ao uso de novas tecnologias no processo de “aprendizado” dessas.
§ Educação, treinamento.
§ Rotulagem.
§ Aceleração
do
desenvolvimento
de
tecnologias
assim
como
do
conhecimento/entendimento das barreiras e limitações (Figura 15) à difusão comercial
requer intensificação da pesquisa, desenvolvimento e demonstração por governos e
iniciativa privada.
Figura 12 – Emissões mundiais de CO2 relacionadas a energia (Fonte: IPCC)
Figura 13 – Média ponderada do consumo de combustível de automóveis de
passeio novos (Fonte IPCC)
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Potencial global de longo prazo (EJ/ano)
Hidráulica
> 50
Geotérmica
> 20
Eólica
> 630
Marémotriz
> 20
Solar
> 1600
Biomassa
> 440
Total renovável
> 2760
Nuclear
77 – 4620
Demanda para o ano 2100 nos diferentes cenários: 515-2737 EJ/ano
Tabela 2 – Potencial global técnico de suprimento de energias renováveis e nuclear de
longo prazo (Fonte: IPCC)
5800
Emissions 1990 (Mt CO2 eq.)
Committed reduction (Mt CO2 eq.)
4800
Annual sequestration through activities in forestry (low estimates)
Mton CO2 eq. per year
3800
Annual sequestration through activities in forestry (high
estimates)
2800
1800
800
-200
-1200
Figura 14 – Magnitude dos “carbon sinks” (sorvedouros de carbono) em relação aos
compromissos de redução assumidos no Protocolo de Quioto (Fonte: IPCC)
Setor
Construção
Transporte
Indústria
-eficiência energética
-eficiência material
-Gases “não-CO2 ”
Agricultura
Resíduos (lixo)
Protocolo de
Montreal
Energia: suprimento e
conversão
Total
Potencial de redução de emissões
em 2010 (106 tCeq. /ano)
700-750
100-300
Potencial de redução de emissões
em 2020 (106 tCeq. /ano)
1000-1100
300-700
300-500
~ 200
~ 100
150-300
~ 200
700-900
~ 600
~ 100
350-750
~ 200
~ 100
n. d.
50-150
350-700
1900-2600
3600-5050
Redução de emissões segundo os diferentes cenários de estabilização: 300-1500 10 9 tC até 2100
Tabela 3 – Potencial de mitigação até 2020 (Fonte: IPCC)
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Figura 15 – Conceitos de potencial de mitigação (Fonte: IPCC)
5. Conclusões
Após pouco mais de 10 anos de trabalhos do IPCC os resultados da análise da literatura
relacionada à mudança global do clima são contundentemente conclusivos. O homem está
alterando o clima através da emissão de GEEs e o conseqüente aumento da concentração desses
gases na atmosfera. Não se pode precisar a ordem de grandeza dessa mudança mas a inércia do
sistema climático é muita lenta e o princípio da precaução deve ser utilizado, ou seja, a incerteza
não pode ser utilizada como desculpa para a falta de ação. Os impactos podem ser de alto risco e
os países menos desenvolvidos são os mais vulneráveis. Existe uma capacidade de adaptação
mas ela é limitada. Felizmente muitas são as opções de mitigação a um custo comparativamente
muito menor que o dos impactos potenciais, mas elas dependem da implementação firme e no
curto prazo de políticas públicas, por exemplo com a exigência de conformidade com os
compromissos assumidos na UNFCCC.
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6. Bibliografia
Agrawala, S. (1997). Explaining the Evolution of the IPCC Structure and Process. ENRP
Discussion Paper E-97-05, Kennedy School of Government, Harvard University.
Houghton, J. T. et al. (eds.) (2001). IPCC Third Assessment Report: Climate Change 2001
(Three volumes), Cambridge University Press, UK.
Houghton, J. T. et al. (eds.) (1995). IPCC Second Assessment Report: Climate Change 1995
(Three volumes), Cambridge University Press, UK.
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Apresentado no IX Congresso Brasileiro de Energia, 20 a 22 de maio de 2002, Rio de Janeiro-RJ
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Principais Conclusões do Terceiro Relatório de Avaliação do Painel