O DESENHO DA FI GURA HUM ANA E A IDENTIFICAÇÃO PRECOCE DE ALTAS HABILIDADES Elisabete Beatr iz M aldaner 1 Altas Habilidades, Pré-Escolar, Identificação INTRODUÇÃO Quando se fala em indivíduo portador de altas habilidades ou superdotado, popularmente, pode-se entender que é alguém completamente diferente, que não está muito próximo de nós, enfim, que é um gênio. Todavia, são pessoas que estão muito mais perto de nós do que imaginamos e podemos pensar que, mais do que crianças comuns, precisam de auxílio para poderem suprir suas necessidades e desenvolver seu potencial, pois do contrário poderão ter repercussões negativas em outras áreas de sua vida. A criança superdotada começa a mostrar sinais de precocidade desde a mais tenra idade, mas poucas são as que recebem oportunidade de desenvolver suas habilidades na família e na escola. Começam então a experimentar desde cedo frustrações, pois no momento que partem para os desafios são barradas e até mesmo rotuladas de inconvenientes ou hiperativas. Entretanto, para fazer um acompanhamento dessas crianças, primeiramente é necessário identificá -las de um modo o mais fidedigno possível. São poucas as pesquisas existentes na área da superdotação -escolar, préapesar de ser esta a melhor idade para a criança começar a ter um acompanhamento adequado. Robinson (1987) coloca que nós sabemos muito mais a r espeito de crianças superdotadas em idade escolar do que as muito jovens e que a chave para maximizar o crescimento e o ajuste pessoal pode estar, em grande, parte nos primeiros anos de vida. A escassez de programas especiais para essas crianças pode gerar conseqüências negativas, de modo que tais crianças talvez não atinjam seu potencial, se perderem experiências no início da vida necessárias para o desenvolvimento máximo (Kitano 1985). 1 Psicóloga clínica, Mestre em Psicologia Social e da Personalidade (PUCRS), Docente da Universidade Luterana do Brasil (Unidade de Guaíba e Gravataí). 2 O nosso interesse nesta pesquisa volta-se para a verificação de instrumental adequado que possa identificar pré-escolares portadores de altas habilidades. Considerando que é necessário detectar precocemente a superdotação, considerando que existe precariedade de instrumentos para crianças de pouca idade, o esforço foi ver se um instrumento como Teste do Desenho da Figura Humana (DFH) que é econômico, fácil de aplicar e comum à experiência da criança, pois desenhar é natural para ela, poderia nos servir para uma triagem inicial de crianças superdotadas. No Brasil, tem-se utilizado a Escala de Maturidade Mental Colúmbia (Colúmbia), que é um teste de elevado custo financeiro, às vezes cansativo e irritante para a criança e que vem passando por um estudo de adaptação, padronização e validação. O DFH, através de Koppitz (1977), permite estabelecer valores de Q.I. e indicadores evolutivos, que são indicadores de idade mental (a partir de cinco anos). O Colúmbia, ao fornecer o Q.I., também fornece indicadores de idade mental. A idéia de fazer uma correlação entre esses dois testes se deu em virtude de um teste trabalhar com raciocínio mental e o outro depender mais de uma habilidade motora. Para o exame de tal correlação, também pensamos em introduzir outro teste que é verbal, o Teste de Inteligência Slosson (Slosson). Este último, entretanto, não havia sido traduzido para o português, mas valeria a pena, num esforço inicial, tentar examinar esses três instrumentos em termos de sua correlação, de modo a verificar se um deles seria suficiente para ser utilizado para uma triagem de inteligência e, principalmente, se o DFH, por ser barato e por ser do mundo da criança desenhar, poderia ser utilizado ao invés do Colúmbia. O Slosson, entrou como um coringa e também como um primeiro estudo de um teste novo entre nós. Portanto, procuramos encontrar um instrumento econômico e de fácil aplicação para fazer uma triagem inicial de crianças superdotadas para eventualmente então, depois desse primeiro esforço, criar uma tabela da freqüência dos itens do Teste do Desenho da Figura Humana em crianças com idade menor de cinco anos. Discutiremos também a possibilidade dos pais e professores poderem avaliar as capacidades dos filhos e da possibilidade dos mesmos poderem ter o mesmo parecer sobre a criança em questão, através de listagens de comportamentos. 3 METODOLOGIA A seleção dos sujeitos teve como prerrogativa a idade entre 3 anos e 6 meses a 4 anos e 11 meses e a freqüência em uma instituição (creche, maternal, jardim de infância). Em relação às crianças, 335 realizaram o DFH. Esse número foi reduzido, pois de somente 202 crianças foram obtidos os escores para o Colúmbia e o Slosson. Quanto aos pais e professores dessas crianças, um total de 178 pares de pais/professores de uma mesma criança responderam ao Renzulli-Smith. A pesquisa foi desenvolvida em instituições (creches, maternais e jardins de infância) da área geográfica de Porto Alegre. O trabalho com as crianças foi na própria instituição em uma ou duas sessões, conforme o ritmo da criança. Sexo e idade não foram controlados por emparelhamento, em virtude de se ter feito um estudo independente em cada grupo etário e sexo, conforme estudo realizado por Koppitz (1977). Uma primeira etapa do trabalho geral foi a tradução e validação semântica do Renzulli-Smith (Renzulli e Smith, 1977) e do Slosson (Smutny e Blockson, 1990). ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS Para fazermos a correlação entre os testes aplicados nas crianças, foi feito inicialmente um estudo de consistência interna de cada teste, usando-se a Escala Alpha de Cronbach. Foi estudada a consistência do total dos itens e também a consistência nas individualizações de cada grupo de idade. Feito o estudo com o DFH dos 335 sujeitos, podemos verificar que o teste tem uma boa consistência interna (Alpha = 0,86) para o grupo estudado. Subdividindo os sujeitos em três grupos, podemos verificar o valor do Alpha em cada grupo e as suas particularidades: no grupo de crianças de 3 anos e 6 meses a 3 anos e 11 meses tivemos um alpha = 0,85; no grupo de crianças com 4 anos e 0 meses a 4 anos e 5 meses obtivemos um alpha = 0,86; no grupo de crianças de 4 anos e 6 meses a 4 anos e 11 meses obtivemos um alpha = 0,82, o menor índice encontrado. O estudo da consistência interna do Colúmbia nos assegura que este teste realmente tem uma boa consistência interna. Encontramos, no grupo total de 202 sujeitos que realizaram este teste, um alpha = 0,94, sendo que o grupo com crianças 4 menores obteve um alpha = 0,96, o intermediário de 0,91 e o grupo de crianças de 4 anos e 6 meses a 4 anos e 11 meses um alpha = 0,92. O Slosson, apesar de só traduzido, e pelo nosso conhecimento, tendo sido usado pela primeira vez aqui no Brasil, nos deu mostras que é perfeitamente viável um estudo mais aprofundado do mesmo com vistas a uma possível padronização. Encontramos, no grupo total de sujeitos um alpha = 0,90, no grupo de crianças de 3 anos e 6 meses a 3 e 11 meses o alpha = 0,85, no grupo de 4anos e 0meses a 4anos e 5 meses o alpha = 0,83 e no grupo de crianças de 4 anos e 6 meses a 4 anos e 11 meses alpha =0,92. Terminado todo este estudo de consistência interna, nos sentimos respaldados para partir para o passo seguinte que é o de correlações entre os testes. Fizemos um estudo da correlação (usando o coeficiente de Pearson) entre os testes com os 202 sujeitos que responderam aos três instrumentos. Podemos verificar que o DFH correlacionado com o Colúmbia nos deu um coeficiente de 0,46, o que nos indica uma correlação média, porém válida, porque o baixo valor do p indica uma correlação estatisticamente altamente significativa. Podemos dizer então, que há uma relação, embora não intensa, efetiva entre os testes, apesar deles não estarem avaliando as mesmas particularidades nos mesmos sujeitos (criatividade, raciocínio lógico e inteligência verbal). O mesmo acontece com o DFH e o Slosson que apresentou um coeficiente (0,42) mais baixo que o anterior, com um p baixo, o que resulta numa correlação também altamente significativa. A correlação entre o Colúmbia e o Slosson nos apresentou um coeficiente de 0,57 que nos indica uma correlação média e também altamente significativa em virtude do p ter uma valor muito baixo; apesar da correlação entre esses dois últimos instrumentos ser ligeiramente mais forte que os anteriores, ainda não nos indica que podemos substituir um pelo outro. Portanto, partimos inicialmente da idéia de que os três testes se correlacionariam; neste caso, um poderia substituir o outro. Entretanto, encontramos uma correlação média entre os três instrumentos (o que, na área de Ciências Humanas, se constitui num bom achado). Com esse resultado, não podemos afirmar que um teste pode substituir, em todas as particularidades, o outro; mas também não podemos afirmar que não é válido dar continuidade às pesquisas do DFH com crianças menores de cinco anos, com fins de usá-lo como teste indicativo para um objetivo de triagem de crianças superdotadas, pois houve uma correlação média entre o DFH e o Colúmbia. Sendo assim, se a criança responder bem ao DFH, então poderemos levar o processo da 5 avaliação adiante, pois dificilmente uma criança superdotada teria uma motricidade tão ruim que a impedisse de cumprir a tarefa. Mesmo que o traçado fosse ruim, os itens do DFH estariam presentes e então estaremos diante de uma criança que se diferencia de outra pelo número de itens que ela coloca no desenho. Conseqüentemente, essa criança assim triada, poderia ser melhor examinada e, a partir de então, melhor avaliada através de observações sistemáticas, entrevistas com pais e professores e com toda uma bateria de testes que incluísse maturidade, condições emocionais, enfim, o desenvolvimento do psiquismo total. Como vimos anteriormente, autores como Robinson (1987) e Shore e colaboradores (1991) questionam a avaliação de crianças pré-escolares superdotadas através de instrumentos que medem habilidades específicas, de modo a darem mais crédito àqueles que medem a inteligência global. Já, para Gardner (1994b), o resultado dos testes padronizados que avaliam o Q.I. nos fornece achados que nem sempre nos permitem interpretá-los diretamente, pois as tarefas que avaliam somente uma das inteligências correlacionam-se altamente entre si, enquanto que aquelas que avaliam inteligências diferentes, correlacionam-se menos. A discussão entre o uso ou não de testes padronizados nos parece permanente. Quando falamos em avaliar habilidades de pré-escolares, parece que a discussão fica ainda mais delicada, pois este é o início do processo de simbolização do indivíduo e, muitas vezes, pecamos ao avaliar algumas de suas habilidades ao mesmo tempo que deixamos de avaliar outras. Todavia, na nossa realidade, considerando a falta de instrumento adequados e as condições precárias da maioria das escolas, fica muito difícil, num primeiro momento, buscar uma solução plena para esta questão, uma vez que é grande a falta de investimentos em pesquisas na área. Para Gardner (1994a, 1994b), a idade entre os dois e cinco anos é marcada pelo desenvolvimento da simbolização básica, momento em que desenvolve-se a capacidade da criança apreciar e criar exemplos de linguagem. Ao mesmo tempo que ela conta histórias e objetos, faz desenhos e começa a criar significados, tentando dar um sentido geral ao mundo. Enfim, é o período no qual ela busca integrar as informações, de modo que possa começar a compreender a si mesma e aos outros. Para o autor, a passagem da atividade motora para a simbolização se dá no momento que a criança produz uma forma e pode interpretar como semelhante a algum objeto do seu meio e, na maioria das vezes, a primeira forma simbólica é a figura humana. No momento que o autor nos coloca que a 6 criança procura reproduzir no papel algo semelhante ao que está percebendo no mundo externo, podemos perceber que, independente do crescimento intrapsíquico da criança, ela está interagindo com o meio e este está influenciando de algum modo no seu processo psicológico (Marques, 1987). O conceito que adotamos de altas habilidades (superdotação) deriva da interação do envolvimento com a tarefa, da criatividade e da capacidade acima da média, além da interação do indivíduo com o ambiente em que convive (Brasil, 1995). Já vimos que, ao desenhar, a criança procura reproduzir a sua relação com o meio. O envolvimento com a tarefa é observado na criança quando a mesma faz suas atividades com bastante interesse, motivação e empenho pessoal (Mettrau, 1995). Ora, a criança quando solicitada a desenhar vai demonstrar o grau em que se comprometerá com a tarefa e, mesmo expressando que não sabe, no mínimo fará a tentativa de responder ao que lhe for solicitado, demonstrando perseverança e capacidade de correr riscos. Por mais simples que pareça ser a tarefa de desenhar uma pessoa, a criança quando é solicitada, mobiliza sua ansiedade e, se a motivação inclui também um componente emocional em virtude da tarefa ser significativa e/ou atrativa (Mönks, 1992), poderemos perceber, além da expressividade dada à figura desenhada, também as reações que a criança tem frente a uma tarefa que precisa desempenhar. Considerando que a criatividade consiste em reconfigurar o já configurado (Guenther, 1983), formar novas relações independente das existentes ou já identificadas (Santos, 1988), ter sensibilidade para os problemas, flexibilidade e fluência de pensamento (Guilford, 1979), saber fazer uso do seu auto-conhecimento, dos seus sentimentos e experiências, além de demonstrar espírito explorador e inovador frente a situações novas e desafiantes (Gardner, 1996), podemos dar relevância à importância da criatividade de uma criança pré-escolar ao fazer o desenho da figura humana. Para nós adultos, parece simples fazer o desenho de uma pessoa, mas também ficamos apreensivos quando nos é solicitada tal tarefa. Para a criança, que ainda está ensaiando o manuseio com o lápis, a necessidade de reconfigurar no papel algo que está presente em seu psiquismo, muitas vezes se torna difícil. Percebemos que aquelas crianças que ainda não sabem desenhar com muita clareza, utilizam-se de um ponto, por exemplo, para representar os olhos e dizem: “esse é o olho e aqui dentro é esse pinguinho preto que temos no olho”(sic). Nos parece lógico que a criança, apesar de ainda não saber desenhar a pupila, consegue expressar com exatidão o que quer representar no desenho. Tal conduta exige bastante criatividade, pois o pré-escolar está conseguindo perceber 7 em seu desenho o que nós adultos não perceberíamos caso não tivéssemos perguntado a ele o que tinha desenhado. Quando falamos que um pré-escolar pode ter uma capacidade acima da média, parece, num primeiro momento, difícil de analisar tal capacidade a partir do desenho da figura humana. Todavia, se considerarmos que a criança com altas habilidades consegue perceber a si e ao meio em que convive com maior rapidez e também consegue dar respostas mais efetivas ao que lhe é solicitado, se comparada com outra criança de uma habilidade dentro dos limites da normalidade, podemos levantar a hipótese de que tal criança irá perceber mais rápido o corpo humano e, conseqüentemente, representá-lo de um modo mais completo que outra. Dentro desses argumentos, continuamos pensamos no Teste do Desenho da Figura Humana como um instrumento de triagem, pois, como sabemos, a criança desde cedo mostra um interesse especial em rabiscar e mostrar formas através de seus rabiscos. Sendo esta uma de suas primeiras manifestações externas possíveis de avaliação e acompanhamento concreto, acreditamos que é um dos modos nos quais ela demonstra, além do seu amadurecimento, sua criatividade e inteligência. O uso do Teste do Desenho da Figura Humana como instrumento de triagem de pré-escolares superdotados não significa que poderemos selecionar 100% da clientela. Depois do processo de triagem, através de um estudo pormenorizado do teste em questão, ele poderá nos servir de mais um instrumento disponível para avaliar as altas capacidades. Para Eby e Smutny (1990), a aplicação de testes formais padronizados é freqüentemente precedida de uma seleção geral, utilizando testes de inteligência em grupo ou indicações de pais e professores. Esses autores colocam que os testes individuais tipicamente usados com pré-escolares geralmente incluem o Teste de Inteligência Stanford Binet, o Teste do Desenho da Figura Humana, o Teste de Pensamento Criativo em Ação e Movimento, Matrizes Progressivas Raven e a Bateria Psico-educacional Woodcock-Johnson. Gardner (19995) refere que algumas abordagens contemporâneas de avaliação indicam o uso de testes padronizados quando é feita uma triagem, pois o resultado dos mesmos pode acelerar o processo de identificação de crianças superdotadas e decidir melhor quem mais precisa de atendimento. Como vimos anteriormente, Wechsler (1985, 1987, 1988) coloca o Teste do Desenho da Figura Humana como um dos mais indicados para avaliar o potencial intelectual de uma criança; Cunha, Nunes e Silveira (1990) citam este teste como um dos mais escolhidos 8 para avaliar pré-escolares; e Hutz e Bandeira (1993) o colocam como sendo usado sistematicamente nas diversas linhas de pesquisa. Também vimos a necessidade, além da aplicação de testes para a avaliação da superdotação, de utilizarmos também escalas de avaliação do comportamento (“check-lists”) de crianças, que devem ser respondidas por pais e professores. Hany (1993) coloca que, em muitos países, as decisões de professores são centrais no procedimento de seleção de alunos para programas especiais, apesar de ser pouco conhecido o modo como os professores tomam tais decisões. Já, para Eby e Smutny (1990) os pais têm freqüentemente mais conhecimento e compreensão de seus filhos pequenos do que qualquer outro adulto. Ressaltam que, apesar de muitos pesquisadores estarem aceitando essa idéia, os educadores estão com dificuldade de aceitá-la. Como a nossa pesquisa teve a pretensão de encontrar instrumentos para avaliar pré-escolares superdotados, decidimos neste primeiro momento avaliar se pais e professores tem o mesmo parecer sobre determinada criança através do Renzulli-Smith. Os dados foram analisados primeiramente através do estudo da correlação (usando o coeficiente de correlação de Pearson) entre os questionários respondidos pelos pais e professores, sendo que o resultado nos indicou que não há correlação, pois encontramos um alpha = 0,13 com um p (0,07) não significativo. A fim de explorarmos de outra maneira esse estudo, nós o repetimos com outro tratamento estatístico que é a prova de Wilcoxon e que nos dá o valor das diferenças entre cada par (pais/professores) ao responder os questionários, ou seja, qual dos pares atribuiu valores mais altos à criança analisada e quantos atribuíram valores iguais. Para tanto, num primeiro momento procuramos dividir as escolas em que foi feita a pesquisa em três, conforme o nível de instrução dos educadores: - Escola 1: os atendentes das crianças não cursam ou cursaram o Magistério ou curso superior (Educação ou Pedagogia). A formação que fizeram foi o curso de especialização de atendente de creche 2. - Escola 2: os atendentes das crianças, ou têm curso de especialização de atendente de creche, ou cursam Magistério ou nível superior (Educação ou Pedagogia). - Escola 3: os atendentes das crianças cursam Magistério ou nível superior (Educação ou Pedagogia). 2 Curso de especialização de atendente de creche: curso à nível de ° grau 1 oferecido por instituições públicas ou privadas para a habilitação de pessoas para o acompan hamento de crianças em instituições públicas ou privadas (creche, maternal ou jardim de infância). 9 Ao analisarmos cada item do Renzulli-Smith, percebemos que pais e professores diferem significativamente na maioria das questões. É possível que a tradução tenha que ser verificada, embora tenha sido realizada pela comparação da tradução entre juízes. Todavia, o que percebemos durante a coleta dos dados é que pais e professores não estão acostumados a responder instrumental de pesquisa de qualquer natureza. A tarefa de um observador ao usar uma escala de classificação do comportamento de um aluno e classificar ou listar indivíduos de um grupo que possuam um determinado comportamento pode gerar vários problemas, pois muitos têm interpretações diferentes de várias características e colocam ênfases diferentes em comportamentos indicativos de certas características (Tuttle, Becker e Souza, 1988). Sigaran (1995) refere que a validação e a fidedignidade dos instrumentos utilizados para avaliação do temperamento da criança, por parte dos pais, tem gerado muitas controvérsias. Cita diversos autores que alertam para o fato de muitos pais distorcerem suas percepções ou relatos, de modo a comprometerem a descrição do comportamento de seus filhos. Para evitar tais distorções, seria necessário um protocolo de entrevista, cujos itens exijam um relato detalhado, com fatos e comportamentos descritos ou com o relato de comportamentos concretos ocorridos nas últimas semanas. Percebemos durante a pesquisa, a dificuldade dos pais responderem ao inventário e, nos parece que, se ele fosse mais detalhado ou se os mesmos fossem solicitados para uma entrevista, maiores ainda seriam as dificuldades para que os mesmos respondessem, ainda que houvesse mais comprometimento daqueles respondentes e informações mais corretas. Para Dierberger e Rosenberg (1976) o professor é a primeira pessoa que deveria identificar crianças superdotadas, mas não é o que ocorre, pois os mesmos não se desfazem dos rótulos quando necessitam identificar tais crianças. Tuttle, Becker e Souza (1988) colocam que o fracasso dos professores em identificar indivíduos superdotados pode ser um reflexo de sua inabilidade em reconhecer comportamentos indicativos de superdotação. Os professores tendem, geralmente, a enfatizar tais comportamentos como boa aparência, pontualidade, respostas corretas e cooperação, os quais não são, necessariamente, características de superdotação. Colocam ainda que, por consideração em relação ao tempo dispendido para responder o inventário e pelo interesse da maioria dos alunos, o professor pode não considerar o que está por trás da 10 resposta e interpretá-la incorretamente, dando uma recomendação média ou fraca ao aluno superdotado. Gardner (1995), no Projeto Espectro, pediu a pais e professores para responderem um questionário a fim de confirmar se as potencialidades descobertas até então, através de testes e observações das crianças, seriam reconhecidas também por ambos. Na avaliação dos questionários, constataram que os pais eram mais generosos ao identificar os filhos com uma “notável capacidade em alguma área” (p. 88), enquanto que os professores raramente o faziam. A discrepância entre as avaliações de pais (oito em trinta) e professores (uma em trinta), segundo o autor, pode se explicar em virtude do professor ver a criança “no contexto de seu grupo de iguais” (p. 88) e os pais, embora possam ter a mesma tendência, ao mesmo tempo, “têm menos oportunidades de observar as potencialidades de um grande número de crianças” (p. 88). Para o autor, apesar dos professores de pré-escola serem competentes, é difícil que eles proporcionem às crianças experiências em todas as áreas, principalmente naquelas que ele está menos familiarizado como as “tarefas de percepção musical e inferência lógica” (p. 89). Através dos formulários respondidos pelos pais, percebeu que estes identificaram com maior exatidão as áreas que incluíam “percepção musical, habilidade mecânica e movimento criativo”(p. 89). A explicação para o fato dos pais identificarem melhor a superdotação pode se dar pela razão dos mesmos observarem as crianças mais freqüentemente do que os professores e o fazerem em situações mais informais e descontraídas. Indivíduos, muitas vezes, demonstram suas habilidades sob essas circunstâncias, enquanto que, na sala de aula, eles tendem a se conformar com o restante da turma ou cair na categoria dos inadequados (Tuttle, Becker e Souza, 1988). Os estudos de Kitano (1985) revelam que, apesar dos pais parecerem ser melhores que os professores na identificação de superdotados, os mesmos tendem a superestimar as habilidades dos filhos. Através dos nossos achados, percebemos que as médias obtidas nos inventários respondidos pelos pais é mais alta que a dos professores, ou seja, eles atribuem, em suas respostas, valores mais altos que os professores para as características ou comportamento dos filhos. Isso tende a confirmar a tendência dos pais atribuírem valores mais altos que os professores para as habilidades dos filhos. Como vimos, as discrepâncias entre as avaliações de pais e professores são muitas, o que nos leva a pensar na possibilidade do nosso instrumento aplicado estar 11 nos dando uma realidade já existente em países onde os instrumentos para a avaliação de crianças superdotadas estão muito a frente dos nossos, ou seja, pais e professores percebem de forma diferente a mesma criança. Quanto à questão de pais tenderem a identificar melhor que professores as altas habilidades da criança, não foi possível verificar neste estudo. Inicialmente, entre as propostas para a pesquisa estava o estudo de correlação entre as respostas dos pais e professores com os resultados obtidos a partir dos instrumentos aplicados nas crianças. Todavia, os instrumentos utilizados na pesquisa (DFH, Slosson e Renzulli-Smith) estão numa fase inicial de estudo e para tal achado seria necessário um estudo mais pormenorizado e que pudesse dar validade para todos eles. A nossa questão continua sendo a busca de uma forma adequada para avaliar pré-escolares superdotados. Kitano (1985) refere que, apesar dos testes de inteligência administrados durante os primeiros anos da infância não serem estimativas confiáveis do posterior desenvolvimento de uma criança, aqueles aplicados individualmente poderiam identificar melhor as crianças superdotadas do que testes em grupo. Para Robinson (1993), mesmo com as melhores medidas psicométricas, se usarmos somente testes para identificar talentos nos primeiros anos de uma criança, os resultados tendem à instabilidade, de modo que os resultados altos são ainda mais instáveis do que os baixos ou médios. A autora coloca que para melhor avaliar pré-escolares superdotados a melhor estratégia a ser usada é escolher domínios nos quais as habilidades estão apenas emergindo, onde a precocidade é visível para observadores adultos e, de certa forma incomum, mas não rara e, nos quais, ferramentas de avaliação confiáveis são disponíveis. A identificação precoce da superdotação encoraja os pais a buscar assistência profissional para estimular as habilidades de seus filhos, assim como favorece com que possam ter informações de como melhor auxiliar os filhos para o desenvolvimento das habilidades. Conseqüentemente, a criança superdotada irá compreender melhor o que se passa com ela e se tornar um adulto mais produtivo e bem consigo próprio. Infelizmente, num país como o nosso, de pouca atenção à educação em geral e à superdotação mais ainda, as crianças pré-escolares com características de superdotação passam absolutamente desapercebidas. Inicia-se o conflito da criança problema na escola e do desperdício do seu potencial. Então, é necessário uma boa triagem para, conseqüentemente, se fazer uma boa avaliação das crianças que, triadas, indicam altas 12 habilidades. Com essas crianças que, na triagem indicam uma superdotação, se faria um procedimento de avaliação psicológica mais dispendiosa, tanto em tempo como em custo financeiro dos materiais, como emocionalmente para a criança e para a família. Se numa triagem a criança não atinge um patamar de suspeita de superdotação, não se leva o processo adiante porque é caro e emocionalmente pesado para pais, crianças e professores. Mas, uma vez havendo indicador na triagem, vale a pena o processo. Então, o primeiro passo seria: saber quais são os testes de avaliação de inteligência mais adequados. Para esse esforço, fizemos a pesquisa e obtivemos uma boa consistência interna dos testes e, sendo consistentes, foi possível fazer a correlação entre os mesmos que nos mostrou uma correlação média. Isso significa que, ainda que a correlação não tenha sido alta, um esforço inicial de triagem pode ser feito através do Teste do Desenho da Figura Humana e, ainda que a correlação tenha sido média, valeria a pena um esforço de um estudo com um número maior de sujeitos em idade pré-escolar, que seria o próximo passo da pesquisadora. Outros estudos também seriam necessários: a realização da validação do Slosson, em virtude do mesmo ter sido apenas traduzido e por ter dado uma boa consistência interna no nosso trabalho; a verificação da tradução do Renzulli-Smith e aplicação em um grupo de pais e professores treinados para respondê-lo e em outro não treinado; a correlação entre os dados obtidos através dos instrumentos aplicados nas crianças, com os resultados obtidos através do inventário aplicado em pais e professores; a criação de oportunidades para observar as crianças nas pré-escolas, de modo a comparar tal observação com os resultados obtidos de todos os instrumentos acima citados. CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa nos levou a verificar uma necessidade ainda maior de estudos na área da superdotação pré-escolar e nos deu a possibilidade de pensar em termos mais concretos a respeito de instrumentos para a avaliação de superdotados pré-escolares: - O Teste do Desenho da Figura Humana não substitui a Escala de Maturidade Mental Colúmbia, mas é um bom instrumento (fácil aplicação, baixo custo financeiro e estimulante como tarefa a ser desenvolvida pela criança) para se fazer uma triagem inicial da superdotação. - A Escala de Maturidade Mental Colúmbia continua sendo um bom instrumento para avaliar o raciocínio lógico da criança; entretanto, os sujeitos da pesquisa, muitas 13 vezes, se mostravam cansados no meio da aplicação do instrumento, por ele ser bastante longo. Sendo assim, além de ser um instrumento de elevado custo financeiro para a maioria das instituições, ele também muitas vezes dificulta o processo da identificação, no caso de uma triagem inicial. - O Teste de Inteligência Slosson é um bom instrumento, pois nos mostrou uma boa consistência interna, o que o torna passível de maiores pesquisas com o mesmo. - A maioria das escolas não está preparada para receber pesquisadores, o que dificultou a obtenção de mais sujeitos. - Pais e professores não estão acostumados, nem preparados, para participar de pesquisas, o que, de certa forma, dificulta muito a pesquisa nesta área, pois o parecer o mais correto possível de ambos é condição importante no processo de identificação Portanto, se temos poucas pesquisas no Brasil referentes a instrumentos que avaliem a capacidade e personalidade dos indivíduos, menores ainda são aquelas que envolvem a avaliação da superdotação do pré-escolar. Isso parece contraditório se levarmos em conta o alto desenvolvimento da tecnologia e a que ela se propõem: procurar minimizar tempo e trabalho e dar conforto e bem estar social aos indivíduos. Porém, fica aqui a tentativa de minimizar um pouco nossas dificuldades e, mais uma vez, a necessidade de aproveitar as riquezas dos anos iniciais da infância para suprir ou reduzir o sofrimento e as dificuldades desses indivíduos quando adultos. Para concluir, desejamos esclarecer mais uma vez que esta pesquisa teve o objetivo de verificar a possibilidade de encontrar instrumentos capazes de avaliar a superdotação pré -escolar. Embora o DFH não possasubstituir o Colúmbia, podemos considerar, a partir deste momento, que ele pode ser utilizado desde que sejam feitos estudos individualizados daquelas crianças que, na triagem, mostrarem indicadores de altas habilidades ou superdotação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL (1995). 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