O DESENHO DA FI GURA HUM ANA E
A IDENTIFICAÇÃO PRECOCE DE ALTAS HABILIDADES
Elisabete Beatr iz M aldaner 1
Altas Habilidades, Pré-Escolar, Identificação
INTRODUÇÃO
Quando se fala em indivíduo portador de altas habilidades ou superdotado,
popularmente, pode-se entender que é alguém completamente diferente, que não está
muito próximo de nós, enfim, que é um gênio. Todavia, são pessoas que estão muito
mais perto de nós do que imaginamos e podemos pensar que, mais do que crianças
comuns, precisam de auxílio para poderem suprir suas necessidades e desenvolver seu
potencial, pois do contrário poderão ter repercussões negativas em outras áreas de sua
vida.
A criança superdotada começa a mostrar sinais de precocidade desde a mais
tenra idade, mas poucas são as que recebem oportunidade de desenvolver suas
habilidades na família e na escola. Começam então a experimentar desde cedo
frustrações, pois no momento que partem para os desafios são barradas e até mesmo
rotuladas de inconvenientes ou hiperativas. Entretanto, para fazer um acompanhamento
dessas crianças, primeiramente é necessário identificá
-las de um modo o mais fidedigno
possível. São poucas as pesquisas existentes na área da superdotação
-escolar,
préapesar
de ser esta a melhor idade para a criança começar a ter um acompanhamento adequado.
Robinson (1987) coloca que nós sabemos muito mais a r
espeito de crianças
superdotadas em idade escolar do que as muito jovens e que a chave para maximizar o
crescimento e o ajuste pessoal pode estar, em grande, parte nos primeiros anos de vida.
A escassez de programas especiais para essas crianças pode gerar
conseqüências
negativas, de modo que tais crianças talvez não atinjam seu potencial, se perderem
experiências no início da vida necessárias para o desenvolvimento máximo (Kitano
1985).
1
Psicóloga clínica, Mestre em Psicologia Social e da Personalidade (PUCRS), Docente da Universidade
Luterana do Brasil (Unidade de Guaíba e Gravataí).
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O nosso interesse nesta pesquisa volta-se para a verificação de instrumental
adequado que possa identificar pré-escolares portadores de altas habilidades.
Considerando que é necessário detectar precocemente a superdotação, considerando que
existe precariedade de instrumentos para crianças de pouca idade, o esforço foi ver se
um instrumento como Teste do Desenho da Figura Humana (DFH) que é econômico,
fácil de aplicar e comum à experiência da criança, pois desenhar é natural para ela,
poderia nos servir para uma triagem inicial de crianças superdotadas. No Brasil, tem-se
utilizado a Escala de Maturidade Mental Colúmbia (Colúmbia), que é um teste de
elevado custo financeiro, às vezes cansativo e irritante para a criança e que vem
passando por um estudo de adaptação, padronização e validação. O DFH, através de
Koppitz (1977), permite estabelecer valores de Q.I. e indicadores evolutivos, que são
indicadores de idade mental (a partir de cinco anos). O Colúmbia, ao fornecer o Q.I.,
também fornece indicadores de idade mental. A idéia de fazer uma correlação entre
esses dois testes se deu em virtude de um teste trabalhar com raciocínio mental e o outro
depender mais de uma habilidade motora. Para o exame de tal correlação, também
pensamos em introduzir outro teste que é verbal, o Teste de Inteligência Slosson
(Slosson). Este último, entretanto, não havia sido traduzido para o português, mas
valeria a pena, num esforço inicial, tentar examinar esses três instrumentos em termos
de sua correlação, de modo a verificar se um deles seria suficiente para ser utilizado
para uma triagem de inteligência e, principalmente, se o DFH, por ser barato e por ser
do mundo da criança desenhar, poderia ser utilizado ao invés do Colúmbia. O Slosson,
entrou como um coringa e também como um primeiro estudo de um teste novo entre
nós. Portanto, procuramos encontrar um instrumento econômico e de fácil aplicação
para fazer uma triagem inicial de crianças superdotadas para eventualmente então,
depois desse primeiro esforço, criar uma tabela da freqüência dos itens do Teste do
Desenho da Figura Humana em crianças com idade menor de cinco anos. Discutiremos
também a possibilidade dos pais e professores poderem avaliar as capacidades dos
filhos e da possibilidade dos mesmos poderem ter o mesmo parecer sobre a criança em
questão, através de listagens de comportamentos.
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METODOLOGIA
A seleção dos sujeitos teve como prerrogativa a idade entre 3 anos e 6 meses a 4
anos e 11 meses e a freqüência em uma instituição (creche, maternal, jardim de
infância).
Em relação às crianças, 335 realizaram o DFH. Esse número foi reduzido, pois
de somente 202 crianças foram obtidos os escores para o Colúmbia e o Slosson.
Quanto aos pais e professores dessas crianças, um total de 178 pares de
pais/professores de uma mesma criança responderam ao Renzulli-Smith.
A pesquisa foi desenvolvida em instituições (creches, maternais e jardins de
infância) da área geográfica de Porto Alegre. O trabalho com as crianças foi na própria
instituição em uma ou duas sessões, conforme o ritmo da criança.
Sexo e idade não foram controlados por emparelhamento, em virtude de se ter
feito um estudo independente em cada grupo etário e sexo, conforme estudo realizado
por Koppitz (1977).
Uma primeira etapa do trabalho geral foi a tradução e validação semântica do
Renzulli-Smith (Renzulli e Smith, 1977) e do Slosson (Smutny e Blockson, 1990).
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
Para fazermos a correlação entre os testes aplicados nas crianças, foi feito
inicialmente um estudo de consistência interna de cada teste, usando-se a Escala Alpha
de Cronbach. Foi estudada a consistência do total dos itens e também a consistência nas
individualizações de cada grupo de idade.
Feito o estudo com o DFH dos 335 sujeitos, podemos verificar que o teste tem
uma boa consistência interna (Alpha = 0,86) para o grupo estudado. Subdividindo os
sujeitos em três grupos, podemos verificar o valor do Alpha em cada grupo e as suas
particularidades: no grupo de crianças de 3 anos e 6 meses a 3 anos e 11 meses tivemos
um alpha = 0,85; no grupo de crianças com 4 anos e 0 meses a 4 anos e 5 meses
obtivemos um alpha = 0,86; no grupo de crianças de 4 anos e 6 meses a 4 anos e 11
meses obtivemos um alpha = 0,82, o menor índice encontrado.
O estudo da consistência interna do Colúmbia nos assegura que este teste
realmente tem uma boa consistência interna. Encontramos, no grupo total de 202
sujeitos que realizaram este teste, um alpha = 0,94, sendo que o grupo com crianças
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menores obteve um alpha = 0,96, o intermediário de 0,91 e o grupo de crianças de 4
anos e 6 meses a 4 anos e 11 meses um alpha = 0,92.
O Slosson, apesar de só traduzido, e pelo nosso conhecimento, tendo sido usado
pela primeira vez aqui no Brasil, nos deu mostras que é perfeitamente viável um estudo
mais aprofundado do mesmo com vistas a uma possível padronização. Encontramos, no
grupo total de sujeitos um alpha = 0,90, no grupo de crianças de 3 anos e 6 meses a 3 e
11 meses o alpha = 0,85, no grupo de 4anos e 0meses a 4anos e 5 meses o alpha = 0,83
e no grupo de crianças de 4 anos e 6 meses a 4 anos e 11 meses alpha =0,92.
Terminado todo este estudo de consistência interna, nos sentimos respaldados
para partir para o passo seguinte que é o de correlações entre os testes. Fizemos um
estudo da correlação (usando o coeficiente de Pearson) entre os testes com os 202
sujeitos que responderam aos três instrumentos. Podemos verificar que o DFH
correlacionado com o Colúmbia nos deu um coeficiente de 0,46, o que nos indica uma
correlação média, porém válida, porque o baixo valor do p indica uma correlação
estatisticamente altamente significativa. Podemos dizer então, que há uma relação,
embora não intensa, efetiva entre os testes, apesar deles não estarem avaliando as
mesmas particularidades nos mesmos sujeitos (criatividade, raciocínio lógico e
inteligência verbal). O mesmo acontece com o DFH e o Slosson que apresentou um
coeficiente (0,42) mais baixo que o anterior, com um p baixo, o que resulta numa
correlação também altamente significativa. A correlação entre o Colúmbia e o Slosson
nos apresentou um coeficiente de 0,57 que nos indica uma correlação média e também
altamente significativa em virtude do p ter uma valor muito baixo; apesar da correlação
entre esses dois últimos instrumentos ser ligeiramente mais forte que os anteriores,
ainda não nos indica que podemos substituir um pelo outro.
Portanto, partimos inicialmente da idéia de que os três testes se
correlacionariam; neste caso, um poderia substituir o outro. Entretanto, encontramos
uma correlação média entre os três instrumentos (o que, na área de Ciências Humanas,
se constitui num bom achado). Com esse resultado, não podemos afirmar que um teste
pode substituir, em todas as particularidades, o outro; mas também não podemos
afirmar que não é válido dar continuidade às pesquisas do DFH com crianças menores
de cinco anos, com fins de usá-lo como teste indicativo para um objetivo de triagem de
crianças superdotadas, pois houve uma correlação média entre o DFH e o Colúmbia.
Sendo assim, se a criança responder bem ao DFH, então poderemos levar o processo da
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avaliação adiante, pois dificilmente uma criança superdotada teria uma motricidade tão
ruim que a impedisse de cumprir a tarefa. Mesmo que o traçado fosse ruim, os itens do
DFH estariam presentes e então estaremos diante de uma criança que se diferencia de
outra pelo número de itens que ela coloca no desenho. Conseqüentemente, essa criança
assim triada, poderia ser melhor examinada e, a partir de então, melhor avaliada através
de observações sistemáticas, entrevistas com pais e professores e com toda uma bateria
de testes que incluísse maturidade, condições emocionais, enfim, o desenvolvimento do
psiquismo total.
Como vimos anteriormente, autores como Robinson (1987) e Shore e
colaboradores (1991) questionam a avaliação de crianças pré-escolares superdotadas
através de instrumentos que medem habilidades específicas, de modo a darem mais
crédito àqueles que medem a inteligência global. Já, para Gardner (1994b), o resultado
dos testes padronizados que avaliam o Q.I. nos fornece achados que nem sempre nos
permitem interpretá-los diretamente, pois as tarefas que avaliam somente uma das
inteligências correlacionam-se altamente entre si, enquanto que aquelas que avaliam
inteligências diferentes, correlacionam-se menos.
A discussão entre o uso ou não de testes padronizados nos parece permanente.
Quando falamos em avaliar habilidades de pré-escolares, parece que a discussão fica
ainda mais delicada, pois este é o início do processo de simbolização do indivíduo e,
muitas vezes, pecamos ao avaliar algumas de suas habilidades ao mesmo tempo que
deixamos de avaliar outras. Todavia, na nossa realidade, considerando a falta de
instrumento adequados e as condições precárias da maioria das escolas, fica muito
difícil, num primeiro momento, buscar uma solução plena para esta questão, uma vez
que é grande a falta de investimentos em pesquisas na área. Para Gardner (1994a,
1994b), a idade entre os dois e cinco anos é marcada pelo desenvolvimento da
simbolização básica, momento em que desenvolve-se a capacidade da criança apreciar e
criar exemplos de linguagem. Ao mesmo tempo que ela conta histórias e objetos, faz
desenhos e começa a criar significados, tentando dar um sentido geral ao mundo. Enfim,
é o período no qual ela busca integrar as informações, de modo que possa começar a
compreender a si mesma e aos outros. Para o autor, a passagem da atividade motora
para a simbolização se dá no momento que a criança produz uma forma e pode
interpretar como semelhante a algum objeto do seu meio e, na maioria das vezes, a
primeira forma simbólica é a figura humana. No momento que o autor nos coloca que a
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criança procura reproduzir no papel algo semelhante ao que está percebendo no mundo
externo, podemos perceber que, independente do crescimento intrapsíquico da criança,
ela está interagindo com o meio e este está influenciando de algum modo no seu
processo psicológico (Marques, 1987). O conceito que adotamos de altas habilidades
(superdotação) deriva da interação do envolvimento com a tarefa, da criatividade e
da capacidade acima da média, além da interação do indivíduo com o ambiente em
que convive (Brasil, 1995). Já vimos que, ao desenhar, a criança procura reproduzir a
sua relação com o meio. O envolvimento com a tarefa é observado na criança quando
a mesma faz suas atividades com bastante interesse, motivação e empenho pessoal
(Mettrau, 1995). Ora, a criança quando solicitada a desenhar vai demonstrar o grau em
que se comprometerá com a tarefa e, mesmo expressando que não sabe, no mínimo fará
a tentativa de responder ao que lhe for solicitado, demonstrando perseverança e
capacidade de correr riscos. Por mais simples que pareça ser a tarefa de desenhar uma
pessoa, a criança quando é solicitada, mobiliza sua ansiedade e, se a motivação inclui
também um componente emocional em virtude da tarefa ser significativa e/ou atrativa
(Mönks, 1992), poderemos perceber, além da expressividade dada à figura desenhada,
também as reações que a criança tem frente a uma tarefa que precisa desempenhar.
Considerando que a criatividade consiste em reconfigurar o já configurado (Guenther,
1983), formar novas relações independente das existentes ou já identificadas (Santos,
1988), ter sensibilidade para os problemas, flexibilidade e fluência de pensamento
(Guilford, 1979), saber fazer uso do seu auto-conhecimento, dos seus sentimentos e
experiências, além de demonstrar espírito explorador e inovador frente a situações
novas e desafiantes (Gardner, 1996), podemos dar relevância à importância da
criatividade de uma criança pré-escolar ao fazer o desenho da figura humana. Para nós
adultos, parece simples fazer o desenho de uma pessoa, mas também ficamos
apreensivos quando nos é solicitada tal tarefa. Para a criança, que ainda está ensaiando o
manuseio com o lápis, a necessidade de reconfigurar no papel algo que está presente em
seu psiquismo, muitas vezes se torna difícil. Percebemos que aquelas crianças que ainda
não sabem desenhar com muita clareza, utilizam-se de um ponto, por exemplo, para
representar os olhos e dizem: “esse é o olho e aqui dentro é esse pinguinho preto que
temos no olho”(sic). Nos parece lógico que a criança, apesar de ainda não saber
desenhar a pupila, consegue expressar com exatidão o que quer representar no desenho.
Tal conduta exige bastante criatividade, pois o pré-escolar está conseguindo perceber
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em seu desenho o que nós adultos não perceberíamos caso não tivéssemos perguntado a
ele o que tinha desenhado. Quando falamos que um pré-escolar pode ter uma
capacidade acima da média, parece, num primeiro momento, difícil de analisar tal
capacidade a partir do desenho da figura humana. Todavia, se considerarmos que a
criança com altas habilidades consegue perceber a si e ao meio em que convive com
maior rapidez e também consegue dar respostas mais efetivas ao que lhe é solicitado, se
comparada com outra criança de uma habilidade dentro dos limites da normalidade,
podemos levantar a hipótese de que tal criança irá perceber mais rápido o corpo humano
e, conseqüentemente, representá-lo de um modo mais completo que outra.
Dentro desses argumentos, continuamos pensamos no Teste do Desenho da
Figura Humana como um instrumento de triagem, pois, como sabemos, a criança desde
cedo mostra um interesse especial em rabiscar e mostrar formas através de seus
rabiscos. Sendo esta uma de suas primeiras manifestações externas possíveis de
avaliação e acompanhamento concreto, acreditamos que é um dos modos nos quais ela
demonstra, além do seu amadurecimento, sua criatividade e inteligência.
O uso do Teste do Desenho da Figura Humana como instrumento de triagem
de pré-escolares superdotados não significa que poderemos selecionar 100% da
clientela. Depois do processo de triagem, através de um estudo pormenorizado do teste
em questão, ele poderá nos servir de mais um instrumento disponível para avaliar as
altas capacidades. Para Eby e Smutny (1990), a aplicação de testes formais
padronizados é freqüentemente precedida de uma seleção geral, utilizando testes de
inteligência em grupo ou indicações de pais e professores. Esses autores colocam que os
testes individuais tipicamente usados com pré-escolares geralmente incluem o Teste de
Inteligência Stanford Binet, o Teste do Desenho da Figura Humana, o Teste de
Pensamento Criativo em Ação e Movimento, Matrizes Progressivas Raven e a Bateria
Psico-educacional Woodcock-Johnson. Gardner (19995) refere que algumas abordagens
contemporâneas de avaliação indicam o uso de testes padronizados quando é feita uma
triagem, pois o resultado dos mesmos pode acelerar o processo de identificação de
crianças superdotadas e decidir melhor quem mais precisa de atendimento. Como vimos
anteriormente, Wechsler (1985, 1987, 1988) coloca o Teste do Desenho da Figura
Humana como um dos mais indicados para avaliar o potencial intelectual de uma
criança; Cunha, Nunes e Silveira (1990) citam este teste como um dos mais escolhidos
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para avaliar pré-escolares; e Hutz e Bandeira (1993) o colocam como sendo usado
sistematicamente nas diversas linhas de pesquisa.
Também vimos a necessidade, além da aplicação de testes para a avaliação da
superdotação, de utilizarmos também escalas de avaliação do comportamento
(“check-lists”) de crianças, que devem ser respondidas por pais e professores. Hany
(1993) coloca que, em muitos países, as decisões de professores são centrais no
procedimento de seleção de alunos para programas especiais, apesar de ser pouco
conhecido o modo como os professores tomam tais decisões. Já, para Eby e Smutny
(1990) os pais têm freqüentemente mais conhecimento e compreensão de seus filhos
pequenos do que qualquer outro adulto. Ressaltam que, apesar de muitos pesquisadores
estarem aceitando essa idéia, os educadores estão com dificuldade de aceitá-la. Como a
nossa pesquisa teve a pretensão de encontrar instrumentos para avaliar pré-escolares
superdotados, decidimos neste primeiro momento avaliar se pais e professores tem o
mesmo parecer sobre determinada criança através do Renzulli-Smith. Os dados foram
analisados primeiramente através do estudo da correlação (usando o coeficiente de
correlação de Pearson) entre os questionários respondidos pelos pais e professores,
sendo que o resultado nos indicou que não há correlação, pois encontramos um alpha =
0,13 com um p (0,07) não significativo. A fim de explorarmos de outra maneira esse
estudo, nós o repetimos com outro tratamento estatístico que é a prova de Wilcoxon e
que nos dá o valor das diferenças entre cada par (pais/professores) ao responder os
questionários, ou seja, qual dos pares atribuiu valores mais altos à criança analisada e
quantos atribuíram valores iguais. Para tanto, num primeiro momento procuramos
dividir as escolas em que foi feita a pesquisa em três, conforme o nível de instrução dos
educadores:
- Escola 1: os atendentes das crianças não cursam ou cursaram o Magistério ou
curso superior (Educação ou Pedagogia). A formação que fizeram foi o curso de
especialização de atendente de creche 2.
- Escola 2: os atendentes das crianças, ou têm curso de especialização de
atendente de creche, ou cursam Magistério ou nível superior (Educação ou Pedagogia).
- Escola 3: os atendentes das crianças cursam Magistério ou nível superior
(Educação ou Pedagogia).
2
Curso de especialização de atendente de creche: curso à nível de
° grau
1 oferecido por instituições
públicas ou privadas para a habilitação de pessoas para o acompan
hamento de crianças em instituições
públicas ou privadas (creche, maternal ou jardim de infância).
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Ao analisarmos cada item do Renzulli-Smith, percebemos que pais e professores
diferem significativamente na maioria das questões. É possível que a tradução tenha que
ser verificada, embora tenha sido realizada pela comparação da tradução entre juízes.
Todavia, o que percebemos durante a coleta dos dados é que pais e professores não
estão acostumados a responder instrumental de pesquisa de qualquer natureza.
A tarefa de um observador ao usar uma escala de classificação do
comportamento de um aluno e classificar ou listar indivíduos de um grupo que possuam
um determinado comportamento pode gerar vários problemas, pois muitos têm
interpretações diferentes de várias características e colocam ênfases diferentes em
comportamentos indicativos de certas características (Tuttle, Becker e Souza, 1988).
Sigaran (1995) refere que a validação e a fidedignidade dos instrumentos
utilizados para avaliação do temperamento da criança, por parte dos pais, tem gerado
muitas controvérsias. Cita diversos autores que alertam para o fato de muitos pais
distorcerem suas percepções ou relatos, de modo a comprometerem a descrição do
comportamento de seus filhos. Para evitar tais distorções, seria necessário um protocolo
de entrevista, cujos itens exijam um relato detalhado, com fatos e comportamentos
descritos ou com o relato de comportamentos concretos ocorridos nas últimas semanas.
Percebemos durante a pesquisa, a dificuldade dos pais responderem ao
inventário e, nos parece que, se ele fosse mais detalhado ou se os mesmos fossem
solicitados para uma entrevista, maiores ainda seriam as dificuldades para que os
mesmos respondessem, ainda que houvesse mais comprometimento daqueles
respondentes e informações mais corretas.
Para Dierberger e Rosenberg (1976) o professor é a primeira pessoa que deveria
identificar crianças superdotadas, mas não é o que ocorre, pois os mesmos não se
desfazem dos rótulos quando necessitam identificar tais crianças. Tuttle, Becker e
Souza (1988) colocam que o fracasso dos professores em identificar indivíduos
superdotados pode ser um reflexo de sua inabilidade em reconhecer comportamentos
indicativos de superdotação. Os professores tendem, geralmente, a enfatizar tais
comportamentos como boa aparência, pontualidade, respostas corretas e cooperação, os
quais não são, necessariamente, características de superdotação. Colocam ainda que, por
consideração em relação ao tempo dispendido para responder o inventário e pelo
interesse da maioria dos alunos, o professor pode não considerar o que está por trás da
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resposta e interpretá-la incorretamente, dando uma recomendação média ou fraca ao
aluno superdotado.
Gardner (1995), no Projeto Espectro, pediu a pais e professores para
responderem um questionário a fim de confirmar se as potencialidades descobertas até
então, através de testes e observações das crianças, seriam reconhecidas também por
ambos. Na avaliação dos questionários, constataram que os pais eram mais generosos ao
identificar os filhos com uma “notável capacidade em alguma área” (p. 88), enquanto
que os professores raramente o faziam. A discrepância entre as avaliações de pais (oito
em trinta) e professores (uma em trinta), segundo o autor, pode se explicar em virtude
do professor ver a criança “no contexto de seu grupo de iguais” (p. 88) e os pais,
embora possam ter a mesma tendência, ao mesmo tempo, “têm menos oportunidades de
observar as potencialidades de um grande número de crianças” (p. 88). Para o autor,
apesar dos professores de pré-escola serem competentes, é difícil que eles proporcionem
às crianças experiências em todas as áreas, principalmente naquelas que ele está menos
familiarizado como as “tarefas de percepção musical e inferência lógica” (p. 89).
Através dos formulários respondidos pelos pais, percebeu que estes identificaram com
maior exatidão as áreas que incluíam “percepção musical, habilidade mecânica e
movimento criativo”(p. 89).
A explicação para o fato dos pais identificarem melhor a superdotação pode se
dar pela razão dos mesmos observarem as crianças mais freqüentemente do que os
professores e o fazerem em situações mais informais e descontraídas. Indivíduos, muitas
vezes, demonstram suas habilidades sob essas circunstâncias, enquanto que, na sala de
aula, eles tendem a se conformar com o restante da turma ou cair na categoria dos
inadequados (Tuttle, Becker e Souza, 1988).
Os estudos de Kitano (1985) revelam que, apesar dos pais parecerem ser
melhores que os professores na identificação de superdotados, os mesmos tendem a
superestimar as habilidades dos filhos. Através dos nossos achados, percebemos que as
médias obtidas nos inventários respondidos pelos pais é mais alta que a dos professores,
ou seja, eles atribuem, em suas respostas, valores mais altos que os professores para as
características ou comportamento dos filhos. Isso tende a confirmar a tendência dos pais
atribuírem valores mais altos que os professores para as habilidades dos filhos.
Como vimos, as discrepâncias entre as avaliações de pais e professores são
muitas, o que nos leva a pensar na possibilidade do nosso instrumento aplicado estar
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nos dando uma realidade já existente em países onde os instrumentos para a avaliação
de crianças superdotadas estão muito a frente dos nossos, ou seja, pais e professores
percebem de forma diferente a mesma criança. Quanto à questão de pais tenderem a
identificar melhor que professores as altas habilidades da criança, não foi possível
verificar neste estudo. Inicialmente, entre as propostas para a pesquisa estava o estudo
de correlação entre as respostas dos pais e professores com os resultados obtidos a partir
dos instrumentos aplicados nas crianças. Todavia, os instrumentos utilizados na
pesquisa (DFH, Slosson e Renzulli-Smith) estão numa fase inicial de estudo e para tal
achado seria necessário um estudo mais pormenorizado e que pudesse dar validade para
todos eles.
A nossa questão continua sendo a busca de uma forma adequada para avaliar
pré-escolares superdotados. Kitano (1985) refere que, apesar dos testes de inteligência
administrados durante os primeiros anos da infância não serem estimativas confiáveis
do posterior desenvolvimento de uma criança, aqueles aplicados individualmente
poderiam identificar melhor as crianças superdotadas do que testes em grupo. Para
Robinson (1993), mesmo com as melhores medidas psicométricas, se usarmos somente
testes para identificar talentos nos primeiros anos de uma criança, os resultados tendem
à instabilidade, de modo que os resultados altos são ainda mais instáveis do que os
baixos ou médios. A autora coloca que para melhor avaliar pré-escolares superdotados a
melhor estratégia a ser usada é escolher domínios nos quais as habilidades estão apenas
emergindo, onde a precocidade é visível para observadores adultos e, de certa forma
incomum, mas não rara e, nos quais, ferramentas de avaliação confiáveis são
disponíveis.
A identificação precoce da superdotação encoraja os pais a buscar assistência
profissional para estimular as habilidades de seus filhos, assim como favorece com que
possam ter informações de como melhor auxiliar os filhos para o desenvolvimento das
habilidades. Conseqüentemente, a criança superdotada irá compreender melhor o que se
passa com ela e se tornar um adulto mais produtivo e bem consigo próprio.
Infelizmente, num país como o nosso, de pouca atenção à educação em geral e à
superdotação mais ainda, as crianças pré-escolares com características de superdotação
passam absolutamente desapercebidas. Inicia-se o conflito da criança problema na
escola e do desperdício do seu potencial. Então, é necessário uma boa triagem para,
conseqüentemente, se fazer uma boa avaliação das crianças que, triadas, indicam altas
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habilidades. Com essas crianças que, na triagem indicam uma superdotação, se faria um
procedimento de avaliação psicológica mais dispendiosa, tanto em tempo como em
custo financeiro dos materiais, como emocionalmente para a criança e para a família. Se
numa triagem a criança não atinge um patamar de suspeita de superdotação, não se leva
o processo adiante porque é caro e emocionalmente pesado para pais, crianças e
professores. Mas, uma vez havendo indicador na triagem, vale a pena o processo. Então,
o primeiro passo seria: saber quais são os testes de avaliação de inteligência mais
adequados. Para esse esforço, fizemos a pesquisa e obtivemos uma boa consistência
interna dos testes e, sendo consistentes, foi possível fazer a correlação entre os mesmos
que nos mostrou uma correlação média. Isso significa que, ainda que a correlação não
tenha sido alta, um esforço inicial de triagem pode ser feito através do Teste do
Desenho da Figura Humana e, ainda que a correlação tenha sido média, valeria a pena
um esforço de um estudo com um número maior de sujeitos em idade pré-escolar, que
seria o próximo passo da pesquisadora. Outros estudos também seriam necessários: a
realização da validação do Slosson, em virtude do mesmo ter sido apenas traduzido e
por ter dado uma boa consistência interna no nosso trabalho; a verificação da tradução
do Renzulli-Smith e aplicação em um grupo de pais e professores treinados para
respondê-lo e em outro não treinado; a correlação entre os dados obtidos através dos
instrumentos aplicados nas crianças, com os resultados obtidos através do inventário
aplicado em pais e professores; a criação de oportunidades para observar as crianças nas
pré-escolas, de modo a comparar tal observação com os resultados obtidos de todos os
instrumentos acima citados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa nos levou a verificar uma necessidade ainda maior de estudos na
área da superdotação pré-escolar e nos deu a possibilidade de pensar em termos mais
concretos a respeito de instrumentos para a avaliação de superdotados pré-escolares:
- O Teste do Desenho da Figura Humana não substitui a Escala de Maturidade
Mental Colúmbia, mas é um bom instrumento (fácil aplicação, baixo custo financeiro e
estimulante como tarefa a ser desenvolvida pela criança) para se fazer uma triagem
inicial da superdotação.
- A Escala de Maturidade Mental Colúmbia continua sendo um bom instrumento
para avaliar o raciocínio lógico da criança; entretanto, os sujeitos da pesquisa, muitas
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vezes, se mostravam cansados no meio da aplicação do instrumento, por ele ser bastante
longo. Sendo assim, além de ser um instrumento de elevado custo financeiro para a
maioria das instituições, ele também muitas vezes dificulta o processo da identificação,
no caso de uma triagem inicial.
- O Teste de Inteligência Slosson é um bom instrumento, pois nos mostrou uma
boa consistência interna, o que o torna passível de maiores pesquisas com o mesmo.
- A maioria das escolas não está preparada para receber pesquisadores, o que
dificultou a obtenção de mais sujeitos.
- Pais e professores não estão acostumados, nem preparados, para participar de
pesquisas, o que, de certa forma, dificulta muito a pesquisa nesta área, pois o parecer o
mais correto possível de ambos é condição importante no processo de identificação
Portanto, se temos poucas pesquisas no Brasil referentes a instrumentos que
avaliem a capacidade e personalidade dos indivíduos, menores ainda são aquelas que
envolvem a avaliação da superdotação do pré-escolar. Isso parece contraditório se
levarmos em conta o alto desenvolvimento da tecnologia e a que ela se propõem:
procurar minimizar tempo e trabalho e dar conforto e bem estar social aos indivíduos.
Porém, fica aqui a tentativa de minimizar um pouco nossas dificuldades e, mais uma
vez, a necessidade de aproveitar as riquezas dos anos iniciais da infância para suprir ou
reduzir o sofrimento e as dificuldades desses indivíduos quando adultos.
Para concluir, desejamos esclarecer mais uma vez que esta pesquisa teve o
objetivo de verificar a possibilidade de encontrar instrumentos capazes de avaliar a
superdotação pré
-escolar. Embora o DFH não possasubstituir o Colúmbia, podemos
considerar, a partir deste momento, que ele pode ser utilizado desde que sejam feitos
estudos individualizados daquelas crianças que, na triagem, mostrarem indicadores de
altas habilidades ou superdotação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL (1995). Diretrizes gerais para o atendimento aos alunos portadores de
altas habilidades. Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de
Educação Especial.
CUNHA, J. A., NUNES, M. L. T. & SILVEIRA, M. O. (1990). Panorama geral da
utilização de técnicas projetivas na infância e, em especial, na faixa pré-escolar.
Ciência e Cultura, 42(7): 463-464.
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o desenho da figura humana e a identificação precoce de altas