DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO NA AÇÃO DE
RESSARCIMENTO AO ERÁRIO DECORRENTE DE ATO ILÍCITO
Leidiane Mara Meira Jardim
SUMÁRIO: Introdução - 1. Recuperação do patrimônio público: 1.1.
Aspectos gerais sobre patrimônio público; 1.2. Danos ao erário e
recuperação do patrimônio público; 1.3. Ação de improbidade como
instrumento de recuperação do patrimônio público; 1.4. Ação de
ressarcimento
como
instrumento
de
recuperação
do
patrimônio
público - 2. Atos ilícitos e improbidade administrativa: 2.1. Princípio
da moralidade e da probidade administrativa; 2.2. Atos ilícitos e atos
de improbidade administrativa; 2.3. A culpabilidade como elemento
caracterizador da ilicitude e a responsabilidade do agente causador
do dano - 3. Decadência e prescrição na hipótese de ato ilícito que
cause dano ao erário: 3.1. A perda do direito de constituir o crédito decadência - na hipótese de ressarcimento ao erário decorrente de
ilícito; 3.2. A prescrição da pretensão da cobrança na hipótese de
ressarcimento ao erário decorrente de ilícito; 3.3. Prescrição das
ações de ressarcimento ao erário decorrente de atos de improbidade
na visão do STF - Considerações finais - Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 deu especial atenção à probidade
administrativa, contemplando princípios e estabelecendo sanções para os
agentes públicos que praticam atos administrativos em prol de interesse
privado ou diverso da finalidade pública. O legislador constituinte também
primou pela recuperação do patrimônio público, tanto que o art. 37, § 5º,
da Constituição da República permitiu que a lei dispusesse sobre os
prazos prescricionais para os atos ilícitos que causam prejuízos ao erário.
Todavia, ressalvou as respectivas ações de ressarcimento. Não obstante
essa
ressalva
jurisprudência
constitucional,
têm
pugnado
alguns
pela
doutrinadores
prescritibilidade
e
parte
da
das
ações
de
ressarcimento ao erário, ainda que decorrentes de ato ilícito.
Embora exista essa divergência, há uma tendência em prevalecer a
imprescritibilidade dessas ações, especialmente no que tange ao ilícito
decorrente de improbidade, tendo em vista a interpretação dada pelo
Supremo Tribunal Federal acerca da ressalva constante no art. 37, § 5º, da
Constituição Federal.
Nesse diapasão, o presente trabalho se propõe a verificar se, nas
hipóteses de atos ilícitos que causam prejuízos ao patrimônio público, o
prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 23 da Lei nº 8.429/92
também alcançaria a ação de ressarcimento ao erário ou, em observância
à ressalva estabelecida no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, seria
imprescritível
a
pretensão
da
cobrança.
Da
mesma
maneira,
será
verificado se a ressalva de imprescritibilidade prevista no § 5º do art. 37 da
Constituição Federal alcança o direito de constituir o crédito - decadência ou se somente a pretensão da ação de cobrança.
O objetivo específico deste trabalho consiste em buscar a melhor
interpretação a ser dada ao art. 37, § 5º, da Constituição Federal, tendo
como parâmetro o direito de forma integrada. Este trabalho utilizará o
método dedutivo, por meio de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, e se
fundamentará no posicionamento de diversos doutrinadores acerca da
matéria, bem como no entendimento jurisprudencial com enfoque nas
decisões dos Tribunais Superiores.
O segundo capítulo tratará da recuperação do patrimônio público,
com o apontamento dos conceitos e dos aspectos gerais relacionados ao
entendimento desse assunto. Far-se-á também uma breve concepção do
2
que seja dano ao erário e recuperação do patrimônio público propriamente
dito, bem como se apresentarão a ação de improbidade e a de
ressarcimento ao erário como instrumentos de recuperação do patrimônio
público.
O terceiro capítulo discorrerá sobre os atos ilícitos e a improbidade
administrativa. Primeiramente será feita uma abordagem sobre o princípio
da moralidade e da probidade administrativa. No segundo momento, serão
conceituados os atos ilícitos e os atos de improbidade administrativa para,
posteriormente, adentrar na responsabilidade do agente causador do dano,
tendo a culpabilidade como elemento caracterizador da ilicitude.
Por fim, o quarto capítulo tratará da decadência e da prescrição na
hipótese de ato ilícito que cause dano ao erário. Será feito também um
estudo
sobre
a
prescrição
das
ações
de
ressarcimento
ao
erário
decorrente de atos de improbidade na visão do Supremo Tribunal Federal
(STF). O capítulo finalizará traçando um parâmetro sobre o alcance da
exceção prevista no art. 37, § 5º, da Constituição.
1. RECUPERAÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO
1.1. Aspectos Gerais sobre Patrimônio Público
A Lei 4.717/65, que trata da ação popular, em seu artigo 1º,
parágrafo 1º, 1 conceitua patrimônio público como todos os bens e
interesses de natureza moral, econômica, estética, artística, histórica ou
turística pertencentes aos entes da Administração Pública direta e indireta.
Segundo a referida lei, o que define patrimônio público é o fato de este ser
propriedade do Poder Público.
1
Art. 1º, § 1º, da Lei 4.717/65: “Consideram-se patrimônio público para os fins
referidos neste artigo, os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético,
histórico ou turístico” (Redação dada pela Lei nº 6.513, de 1977).
3
Urge ressaltar que a expressão “patrimônio público” já não é tão
restrita como a constante na lei que disciplina a ação popular, pois engloba
não só os bens e direitos discriminados pela Lei 4.717/65, mas também
aqueles de natureza cultural e ambiental (art. 225 da CF/88 2). Ademais, o
art.
70 3
da
Constituição
Federal
é
de
suma
importância
para
a
compreensão do que seja patrimônio público, tendo em vista que o
dispositivo trata das fiscalizações contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta
e indireta (SUNDFELD; BUENO, 2003, p. 265).
Diante da importância do controle realizado pelo Tribunal de Contas
da União (TCU), consideram-se patrimônio público, em sentido lato, todos
os valores que estejam sujeitos à sua fiscalização. Assim, incluiriam bens
que fossem confiados a terceiros, bem como recursos governamentais.
De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, um
dos meios de averiguar o interesse econômico da União na causa consiste
no fato de a verba por ela repassada à entidade vinculada estar sujeita à
fiscalização do Tribunal de Contas. 4
2
Art. 225 da CF/88: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes
e futuras gerações”.
3
Art. 70 da CF/88: “A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e
patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à
legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de
receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo
sistema de controle interno de cada Poder”.
4
Para a Suprema Corte: “O fato de a verba ser proveniente da União, somada à
previsão contida no art. 71, VI, da CF, de que qualquer recurso repassado por ela se
sujeita à fiscalização do TCU, [...] é suficiente para evidenciar que o interesse da
União ou da entidade a ela vinculada fica agregado ao recurso repassado, pois sua
aplicação permanece à mercê da fiscalização do Tribunal de Contas da União” (STF,
HC nº 80.867-1/PI, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ de 12.04.2002 - grifo nosso).
4
1.2. Danos ao Erário e Recuperação do Patrimônio Público
O
termo
“erário”
pode
ser
compreendido
como
substantivo
designador das pessoas jurídicas que integram a administração direta e
indireta, mas também pode ser conceituado como uma parcela do
patrimônio público de conteúdo econômico-financeiro.
O ressarcimento ao erário é espécie do gênero patrimônio público e
restringe-se aos bens e aos direitos de cunho financeiro do ente estatal.
Assim, a expressão “recuperação do patrimônio público” é mais abrangente
que “ressarcimento ao erário”, pois envolve não só os bens e os direitos
públicos de cunho econômico-financeiro, mas também aqueles de valores
imateriais artístico, histórico e cultural.
Certas medidas judiciais são específicas para corrigir a conduta
administrativa, tais como habeas corpus, habeas data, mandado de
segurança, mandado de injunção, ação popular, ação civil pública e ação
direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão. Algumas dessas
ações, no entanto, têm como finalidade precípua a recuperação do
patrimônio público.
As medidas judiciais mais utilizadas, em sentido estrito, para a
recuperação do patrimônio público são: ação regressiva, execução forçada
e ação de improbidade. Nesse sentido, a Administração Pública, em se
tratando de créditos inscritos em dívida ativa, poderá valer-se da execução
forçada, por meio do rito previsto na Lei 6.830/80, e exigir do devedor o
cumprimento de uma obrigação. Ao passo que a ação regressiva será
utilizada nos casos em que o Poder Público precisa buscar a tutela
jurisdicional, por meio de ação de conhecimento, para reconhecer o seu
direito de ser ressarcido. Trata-se de créditos oriundos de relação jurídica
de
direito
privado
que
não
podem
ser
formalizados
pela
própria
Administração Pública.
5
Conforme ressalta Célio Rodrigues da Cruz (2009, p. 6-7), “um
exemplo típico de adequação e utilidade da ação regressiva” é verificado
no art. 120 da Lei 8.213/91,
5
que contempla o dever de ressarcimento ao
erário, nos casos de “concessão de benefício previdenciário de natureza
acidentária”, em virtude de culpa comprovada dos empregadores que
descumpriram normas de “proteção à saúde e à segurança do trabalho”.
O dano ao erário, para fins de ressarcimento, é concebido sob o
ponto
de
vista
econômico,
de
forma
que
somente
é
exigível
o
ressarcimento na ocorrência de dano real, tendo em vista que a lesão ao
patrimônio
público
não
pode
ser
moral,
presumida
ou
hipotética
(PAZZAGLINI FILHO, 2009, p. 29). Para Emerson Garcia e Rogério
Pacheco Alves (2008, p. 251), a noção de dano não está “adstrita à
necessidade de demonstração da diminuição patrimonial, sendo inúmeras
as hipóteses de lesividade presumida previstas na legislação”.
Sob
o
aspecto
econômico-financeiro,
o
dano
passível
de
ressarcimento é aquele que diminui o patrimônio público. Porém, não se
deve confundir lesão ao patrimônio público com a simples redução deste,
ou seja, o patrimônio público é lesado quando a sua diminuição é ilegal,
como acontece nos casos em que o administrador viola o princípio da
economicidade.
1.3. Ação de Improbidade como Instrumento de Recuperação do
Patrimônio Público
A Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA) surgiu em
um momento de investigações conturbadas sobre indícios de cometimento
5
Dispõe o art. 120 da Lei 8.213/91: “Nos casos de negligência quanto às normas
padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e
coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis”.
6
de atos de improbidade, de forma que se traduziu em muitos dispositivos
que
contêm
excessos e
contradições, tornando-se
imprescindível a
interpretação sistemática ao aplicá-los.
A compreensão da finalidade da Lei de Improbidade Administrativa
privilegia os princípios da razoabilidade, da eficiência e da legalidade
administrativa. A jurisprudência, ao aplicar a Lei nº 8.429/92, tem
apresentado ponderação, tendo em vista que a ação de improbidade é
radical e “não se abatem pardais disparando canhões”. O Superior Tribunal
de Justiça já decidiu que “a lei alcança o administrador desonesto, não o
inábil”.
6
Um dos fins da ação de improbidade administrativa é a obtenção de
título executivo judicial a fim de ressarcir o erário. Vale lembrar que a
Administração também possui outra forma, menos drástica, de obter título
executivo passível de cobrança judicial. Esta consiste nos casos em que
as contas dos agentes responsáveis pelo patrimônio público são julgadas
irregulares pelo TCU, tornando-se título executivo quando a decisão
transitada em julgado é publicada, conforme art. 71, XI, § 3º, da CF/88 7 c/c
art. 23, III, “b”, da Lei nº 8.443/92. 8
É
importante
frisar
que
a
finalidade
primordial
das
sanções
administrativas não é castigar o administrado, mas desestimular a prática
de uma conduta proibida pela lei ou mesmo constranger o agente público
ao cumprimento das determinações legais e morais (CRUZ, 2009, p. 5).
6
STJ, REsp nº 213.994-MG, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 27.09.99, p. 59.
CF/88: “Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido
com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...] XI - representar
ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados. [...] § 3º As decisões
do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título
executivo”.
8
Lei 8.443/92: “Art. 23. A decisão definitiva será formalizada nos termos estabelecidos
no Regimento Interno, por acórdão, cuja publicação no Diário Oficial da União
constituirá: [...] III - no caso de contas irregulares: [...] b) título executivo bastante
para cobrança judicial da dívida decorrente do débito ou da multa, se não recolhida no
prazo pelo responsável”.
7
7
Assim, outra importante função da ação de improbidade administrativa
consiste em combater a chamada “corrupção administrativa”, que, por
todos
os
meios,
promove
o
desvirtuamento
do
interesse
público,
desrespeitando os princípios fundamentais do ordenamento jurídico, em
busca do favorecimento pessoal ou de
terceiro em detrimento da
sociedade. Desta feita, a finalidade máxima da Lei 8.429/92 é proteger o
direito do administrado de ter um administrador honesto, e não apenas o
patrimônio material e imaterial da Administração Pública.
1.4. Ação de Ressarcimento como Instrumento de Recuperação do
Patrimônio Público
A ação de ressarcimento ao erário, diferentemente da ação de
improbidade, visa primordialmente à recuperação do patrimônio público, ou
seja, reparar o dano causado ao erário. Sabe-se que o dever de indenizar
decorre não apenas da conduta ilícita e do nexo causal, pois é
imprescindível que tenha havido repercussão material ou imaterial no
acervo dos bens públicos.
Embora a ação de ressarcimento tenha como fim precípuo a
recomposição do patrimônio público, a mesma acaba por apresentar
também caráter pedagógico, como acontece nas ações regressivas
acidentárias, em que o empregador que foi condenado a indenizar o INSS,
devido ao acidente de trabalho em que concorreu com culpa, é estimulado
a obedecer às regras de segurança do trabalho, sob pena de novamente
ter que reparar o prejuízo ocasionado à Autarquia.
Segundo Salvo Venosa (2004, p. 243), “o dano deve ser real, atual e
certo. Não se indeniza, como regra, por dano potencial ou incerto”.
Preceitua o art. 402 do CC que “as perdas e danos devidos ao credor
abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente
8
deixou de lucrar”. Nesse particular, cumpre esclarecer que para se
arbitrarem
os
lucros
cessantes
é
possível
ser
feito
um
juízo
de
probabilidade. Assim, por exemplo, se um veículo oficial for abalroado por
culpa, a indenização abrangerá não só o dano efetivo, mas também o
quantum do prejuízo que a supressão desse bem ocasionou.
2. ATOS ILÍCITOS E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
2.1. Princípio da Moralidade e da Probidade Administrativa
A Moral surge de acordo com o que for interessante para o grupo
social, por isso não se pode considerar que a Moral decorre apenas da
convicção íntima do ser humano. Na atualidade, assim como nos
primórdios, a Moral é constituída por um conjunto de normas impregnadas
de valores como boa fé, honestidade e virtudes oriundas dos costumes ou
práticas
religiosas
de
um
determinado
grupo
social,
que
foram
internalizadas de forma consciente ou inconsciente. Nesse raciocínio,
pode-se dizer que a criação de uma norma dotada de moralidade pelo
legislador só ocorre quando este investiga determinada realidade, tendo
em vista ser a Moral um dado histórico.
A moralidade administrativa é um dos princípios que - juntamente
com a legalidade, a impessoalidade, a publicidade e a eficiência - norteiam
a Administração Pública. Nesse sentido, a obrigação do administrador
público de zelar por esses princípios tem origem no próprio Estado
Democrático de Direito, que tem seus pilares assentados nos mesmos.
Dessa forma, a administração de má qualidade agride, por ação ou
omissão, os mencionados princípios.
Odete Medauar (2005, p. 146) ressalta que o princípio da moralidade
é de “difícil tradução verbal talvez porque seja impossível enquadrar em
9
um
ou
dois
vocábulos
a
ampla
gama
de
consultas
e
práticas
desvirtuadoras das verdadeiras finalidades da Administração Pública”.
Ainda nesse aspecto, a autora aponta que “a percepção da imoralidade
administrativa ocorre no enfoque contextual”, ou seja, considera-se o
momento em que a decisão foi tomada, como é o caso da aquisição de
automóveis de luxo em momento de grande crise financeira.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 743) compreende as
expressões “probidade administrativa” e “moralidade administrativa” como
sinônimas, uma vez que apresentam o mesmo conteúdo normativo, ou
seja, dizem respeito aos valores de honestidade, boa fé, boa administração
e lealdade. A maioria dos doutrinadores, porém, a exemplo de Wallace
Paiva Martins Júnior (2002, p. 111) e Juarez Freitas (1996, p. 65-84),
concebe o princípio da probidade administrativa como subprincípio da
moralidade administrativa. Para Inocêncio Mártires Coelho (2009, p. 883),
“o princípio da moralidade densifica o conteúdo dos atos jurídicos, e em
grau tão elevado que a sua inobservância pode configurar improbidade
administrativa”.
A
improbidade
seria,
em
breves
palavras,
uma
imoralidade
qualificada pelo resultado que pode configurar como enriquecimento ilícito,
lesão ao erário ou atentado aos princípios da Administração Pública. Tanto
que,
topograficamente,
o
princípio
da
moralidade
é
tratado
pela
Constituição Federal de forma mais ampla que o princípio da probidade
administrativa. Este se situa de forma restrita no § 4º do art. 37,
9
ao passo
que aquele se encontra no caput do referido artigo, o que reforça o
entendimento de que a probidade seria espécie do gênero moralidade,
ambas mencionadas no artigo 37, caput e § 4º, da Constituição Federal.
Na prática, a moralidade, assim como a probidade administrativa, é vista
9
Dispõe o § 4º do art. 37 da CF/88: “Os atos de improbidade administrativa importarão
a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos
bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo
da ação penal cabível”.
10
como conceitos jurídicos indeterminados que se verificam no caso
concreto, com prudência na interpretação.
Embora os atos de improbidade possam ter consequências na esfera
criminal, com a concomitante instauração de processo criminal, e na esfera
administrativa (instauração de processo administrativo e perda da função
pública), a improbidade é um ilícito de natureza cível e política, tendo em
vista que acarretará a indisponibilidade dos bens, o ressarcimento ao
erário e a suspensão dos direitos políticos.
2.2. Atos Ilícitos e Atos de Improbidade Administrativa
O ato ilícito surge quando o agente dos negócios e atos jurídicos, por
ação ou omissão, pratica ato contrário ao Direito, mesmo que não tenha a
intenção manifesta de prejudicar, mas acaba por causar prejuízo a outrem.
O ato ilícito pode decorrer de ato único, de uma série de atos ou condutas
ilícitas
e
pode,
também,
receber
punição
civil
ao
acarretar
dano
indenizável, bem como sofrer sanção penal. Na esfera penal, é o chamado
crime, delito ou contravenção. A sanção, a exemplo da multa, seria a
consequência desse ilícito.
Para diferenciar o ilícito penal e o administrativo, é necessário
verificar a competência para a aplicação da sanção. A esse respeito, Célio
Rodrigues da Cruz (2009, p. 3) ensina que, “se a atribuição for da
autoridade administrativa, a natureza será de ilícito administrativo; se a
competência for da autoridade judiciária, a natureza será de ilícito penal”.
Urge ressaltar que, no direito privado, o direito de ser indenizado
pressupõe a existência de um dano, do contrário, o ato ilícito seria
irrelevante. O dano também pode não decorrer de ato ilícito, mas, por
exemplo, da prática de um ato oriundo de legítima defesa ou estado de
11
necessidade que cause prejuízo a alguém, ensejando a necessária
reparação.
Por
outro
lado,
a
infração
administrativa
decorre
da
materialização de um ato ilícito, incidindo o infrator em uma sanção que
terá como escopo a punição e, eventualmente, a reparação.
A Lei 8.429/92 regulamentou o art. 37, § 4º, da Constituição,
estabelecendo as sanções aplicáveis aos agentes públicos que praticaram
ilícitos configuradores dos atos de improbidade por ela descritos. Diante
dos dispositivos da referida lei, pode-se dizer que pratica ato de
improbidade aquele que, no trato da “coisa pública”, age de forma antiética
e desonesta, aproveitando dos poderes e facilitadores decorrentes do
exercício de suas funções. A Lei 8.429/92 tipifica os atos de improbidade
como: atos que importam em enriquecimento ilícito (art. 9ª); atos que
causam prejuízo ao erário (art. 10); e atos que atentam contra os
princípios da Administração Pública (art. 11). Além da antijuridicidade,
consubstanciada na conduta incompatível com os princípios regentes da
atividade estatal, o agente deve concorrer com dolo.
10
Célio Rodrigues da Cruz (2009, p. 14) adverte que a Lei de
Improbidade não tipifica delito penal, embora muitas dessas condutas
estejam tipificadas na norma penal como crime. Para que a improbidade
administrativa seja caracterizada, é necessária a existência do elemento
subjetivo
dolo,
não
bastando
a
simples
ocorrência
dos
atos
de
improbidade.
De acordo com o caput do art. 9º da LIA,
emana
enriquecimento
ilícito
decorre
de
11
o
o ato de improbidade que
agente
público
obter
dolosamente vantagem patrimonial indevida, para si ou para outrem, em
10
STJ, REsp 734.984, Proc. 2005/0044974-2/SP, Primeira Turma, Rel. Min. José
Augusto Delgado, Julg. 18.12.2007, DJE 16.06.2008.
11
“Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito
auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de
cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º
desta lei, e notadamente: [...].”
12
razão direta do exercício, do cargo, do emprego, do mandato, da função ou
da atividade nas entidades relacionadas no art. 1º e parágrafo único. 12
Essa é a modalidade mais grave de improbidade administrativa, uma
vez que trata de comportamento torpe do agente público que, no exercício
de suas funções, age de forma imoral e desonesta. Desse modo, é
imprescindível o elo entre a vantagem econômica recebida pelo agente e o
desempenho da atividade pública. A inexistência dessa conexão acabaria
por incidir no art. 10,
13
no caso de ocorrer lesão ao erário, ou no art. 11,
14
se houver afronta aos princípios reguladores da Administração Pública. Da
mesma forma, a ciência da ilicitude é necessária na medida em que não há
enriquecimento ilícito imprudente ou negligente. A vantagem recebida deve
ter cunho econômico, porém independe de lesão ao patrimônio público,
como ocorre no exemplo citado por Marino Pazzaglini Filho (2009, p. 44),
em que o agente público desonesto obtém vantagem econômica, a título de
gratificação ou comissão, a fim de praticar ato de ofício lícito, que não
causa prejuízo ao erário.
Por sua vez, o art. 10 da LIA trata da improbidade administrativa que
causa lesão ao Erário, e o prejuízo causado nesse delito é o núcleo
12
“Art. 1º Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou
não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da
União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa
incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário
haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da
receita anual, serão punidos na forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de
improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção,
benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para
cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta
por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção
patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.”
13
“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário
qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio,
apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades
referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...].”
14
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios
da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de
honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:
[...].”
13
principal. Dessa forma, nos artigos 9º e 11, o ressarcimento integral irá
ocorrer quando houver dano; entretanto, no art. 10, o prejuízo ao
patrimônio sempre haverá. Marino Pazzaglini Filho (2009, p. 61-62)
ressalta que a tipificação de improbidade administrativa lesiva ao erário é
consequência da “conduta ilegal do agente público, ativa ou omissiva,
coadjuvada pela má-fé (dolosa ou culposa), no exercício da função
pública” que “causa prejuízo financeiro efetivo ao patrimônio público”.
Quando os atos de improbidade previstos no art. 10 importarem em
enriquecimento de terceiros, será aplicável a sanção de perdas de bens ou
valores acrescidos ilicitamente. Se essa vantagem for do próprio agente,
haverá o deslocamento da tipificação para uma das figuras previstas no
art. 9º da LIA (GARCIA, 2008, p. 252).
Em contrapartida, o art. 11 da Lei 8.429/92 dispõe que constitui ato
de improbidade administrativa atentatório aos princípios que regem a
Administração Pública qualquer ação ou omissão, decorrente da função do
agente público, que viole os deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade e lealdade às instituições. Nesse caso, a lesão aos cofres
públicos e o
enriquecimento
ilícito não
precisam ocorrer. Todavia,
conforme jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça,
assim
como
nas
outras
modalidades,
a
má-fé
(desonestidade)
15
do
administrador é imprescindível.
As hipóteses de improbidade administrativa previstas nos incisos dos
arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8.429/92 não são taxativas, pois são inúmeras as
condutas que podem levar à improbidade. Ademais, a prática de ato de
improbidade já transgride, por si só, o princípio constitucional da
legalidade e, na maioria das vezes, outros princípios constitucionais
explícitos ou implícitos. Por isso, após verificar o elemento volitivo do
agente, é importante que se faça a subsunção da conduta ao tipo legal, de
forma que a norma contida no art. 11 da LIA deve ser compreendida como
15
STJ, REsp 831178/MG, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 14.05.2008.
14
residual, relativamente às normas insertas nos arts. 9º e 10 do mesmo
diploma legal. Convém ressaltar que não basta se alcançar a tipificação
formal, pois a individualização do ato de improbidade passa também pelo
princípio da proporcionalidade, que irá evitar a aplicação desarrazoada da
Lei em comento.
2.3. A Culpabilidade como Elemento Caracterizador da Ilicitude e a
Responsabilidade do Agente Causador do Dano
Segundo o art. 186 do CC: “Aquele que, por ação ou omissão
voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a
outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Dessa forma,
será responsabilizado civilmente o agente público que, por ação ou
omissão, dolosa ou culposa, causar dano à Administração.
O art. 5º da Lei de Improbidade Administrativa dispõe: “Ocorrendo
lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do
agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano”. Marino
Pazzaglini Filho (2009, p. 28-29) entende que o referido artigo da LIA
apresenta dois princípios fundamentais que direcionam a aplicação e a
exegese das normas jurídicas que a integram. O primeiro seria a “adoção
do sistema de responsabilidade civil subjetiva, que se baseia na teoria da
culpa” (art. 186 do Código Civil), a fim de que haja obrigação jurídica do
agente público ou de terceiro de indenizar integralmente o dano que
causou ao erário. O segundo seria “o de sancionar a reparação integral do
dano patrimonial causado, independentemente do grau de culpabilidade
que informa ação ou omissão ímproba que lhe originou”.
Diverge a doutrina com relação à presença do elemento subjetivo
nas três espécies de ato de improbidade, por exemplo, Emerson Garcia e
Rogério Pacheco Alves (2008, p. 267) entendem necessário o dolo nos
15
casos de enriquecimento ilícito e atentado aos princípios. De outro ângulo,
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2007, p. 823) assevera que a incidência nos
dispositivos da Lei de Improbidade exige que o sujeito ativo haja com dolo
ou culpa. Segundo a autora, embora não haja responsabilidade objetiva do
agente público (art. 37, § 6º, da CF/88), “pode se dizer que algumas
hipóteses
de
atos
de
improbidade,
em
especial
nos
que
causam
enriquecimento ilícito, a culpa é presumida” (PIETRO, 2007, p. 824).
Saber a intenção do agente é importante, tendo em vista a
severidade
das
sanções
decorrentes
da
improbidade
administrativa,
elevadas, até mesmo, no patamar constitucional. Ademais, é enorme a
quantidade de leis para que todos possam conhecê-las, sendo que muitas
apresentam diferentes interpretações. Dessa maneira, para a correta
aplicação das medidas punitivas, não basta a improbidade formal, mas é
imprescindível a improbidade material, a qual é verificada quando a
intenção do agente é atrelada ao princípio da razoabilidade, assim
compreendido como a proporcionalidade entre os meios e os fins.
Assim, embora apenas o art. 10 da Lei faça referência à ação ou
omissão dolosa ou culposa, o elemento subjetivo deve ser aferido nos três
artigos que tratam do ato de improbidade administrativa. Porém, o
elemento aferido deve ser o doloso, pois não se deve olvidar que o
objetivo primordial da LIA é combater a corrupção e que a desonestidade é
uma conduta incompatível com o agir culposo, não intencional, do
administrador público. Para os atos culposos existem outras leis capazes
de punir adequadamente o agente.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido
de que não há reparação civil decorrente de ato de improbidade
administrativa lesivo ao patrimônio público sem culpa, in verbis:
16
A interpretação do art. 5º da Lei nº 8.429/92 permite afirmar que o
ressarcimento do dano por lesão ao patrimônio público exige a presença
do elemento subjetivo, não sendo admitida a responsabilidade objetiva em
sede de improbidade administrativa. (STJ, REsp nº 802.382/MG, Rel. Min.
Denise Arruda, DJ 24.06.08).
Nesse passo, os últimos julgados do Superior Tribunal de Justiça
têm exigido a presença da má-fé (dolo) do agente para caracterizar o ato
de improbidade, verbis:
PROCESSUAL
CIVIL.
ADMINISTRATIVO.
AÇÃO
CIVIL
PÚBLICA.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92. RESSARCIMENTO DE
DANO
AO
ERÁRIO.
IMPRESCRITIBILIDADE.
CONTRATAÇÃO
DE
SERVIDORES SEM CONCURSO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE DANO AO
ERÁRIO
E
DE
PRINCÍPIO
MÁ-FÉ
DA
(DOLO).
APLICAÇÃO
DAS
PENALIDADES.
PROPORCIONALIDADE.
DIVERGÊNCIA
INDEMONSTRADA.
1. O caráter sancionador da Lei 8.429/92 é aplicável aos agentes públicos
que,
por
ação
ou
omissão,
violem
os
deveres
de
honestidade,
imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notadamente: a)
importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causem prejuízo ao erário
público (art. 10); c) atentem contra os princípios da Administração Pública
(art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade administrativa.
2. A exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a
gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve ser
realizada cum granu salis, máxime porque uma interpretação ampliativa
poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis
de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador
público, preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além do que
o legislador pretendeu. 3. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato
ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando
a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração
17
Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador. (STJ, REsp nº
909.446/RN, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 22.04.10).
Frisa-se que o legislador, ao inserir a figura da culpa em sentido
estrito no art. 10 da LIA, não foi coerente com a finalidade que a Lei de
Improbidade Administrativa pretende alcançar, que é combater a corrupção
no trato da “coisa pública”. Dessa forma, a interpretação teleológica da
referida norma não admite a figura do ímprobo culposo, tendo em vista que
o elenco dos atos de improbidade reclama a desonestidade, e esta não se
coaduna com a imprevisibilidade integrante do agir culposo.
Assim, a culpabilidade a ser aferida nos atos ilícitos, para fins de
ressarcimento ao erário, terá como elemento subjetivo dolo e culpa, em se
tratando de ilícitos que não configurem ato de improbidade, pois, para se
enquadrar no referido ato, não basta que o agente concorra com a culpa,
sendo imprescindível a intenção dolosa caracterizada pela má-fé.
3. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO NA HIPÓTESE DE ATO ILÍCITO QUE
CAUSE DANO AO ERÁRIO
3.1. A Perda do Direito de Constituir o Crédito - Decadência - na
Hipótese de Ressarcimento ao Erário Decorrente de Ilícito
A decadência possui natureza impessoal, contínua e peremptória. Os
prazos decadenciais, por não serem de direito processual, mas sim de
direito material, não se sujeitam à interrupção ou suspensão, salvo raras
exceções (CAHALI, 2009, p. 186).
Na esfera privada, à pessoa, quando é lesionada, cumpre provocar o
Judiciário para verificar a existência do dano. Já no âmbito administrativo,
a existência de irregularidades pode ensejar um processo instaurado
18
internamente pela própria Administração, que, observando o devido
processo legal, determinará, conforme o caso, o quantum a ser ressarcido
ao erário. Todavia, por não possuir meios próprios para essa cobrança, a
execução é feita judicialmente.
Assim, em princípio, haveria um prazo decadencial para constituir o
crédito e um prazo prescricional para executá-lo, apesar de não existir,
com relação aos créditos não tributários, norma específica que determine
esses prazos.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
16
em razão do
princípio da simetria e da igualdade, pacificou o entendimento de que, na
ausência de norma específica, a Administração terá o mesmo lapso
temporal que tem o administrado para cobrar do Poder Público, a iniciar-se
com o encerramento do processo administrativo. O prazo de cinco anos
previsto
no
Decreto
20.910/32 17
também
tem
sido
adotado
pela
Administração para a constituição dos créditos não tributários.
No que tange à existência de uma limitação temporal da ação de
controle interno administrativo, para constituir o crédito decorrente de ato
ilícito, a doutrina e a jurisprudência não são uníssonas, divergindo quanto
à possibilidade de serem reconhecidos os efeitos validáveis em atos nulos.
Os defensores da tese que admite a decadência utilizam como
argumento o fato de que os atos, uma vez que não poderiam ser anulados
judicialmente, também não poderiam ser pela Administração em sede de
autotutela (FERNANDES, 2005, p. 70).
16
STJ, AgRg no Ag 1045273/RS, 2ª Turma, Relatora Min. Eliana Calmon, DJ
15.12.2008.
17
O Decreto 20.910/32 dispõe: “Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e
dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal,
estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos
contados da data do ato ou fato do qual se originarem”.
19
Há quem entenda que a possibilidade de controle de atos ilegais
deveria ser perpétua, como acontece em outros países, com exceção da
França, Alemanha e Portugal (SILVA, 2004). Porém, certas condições
excepcionais, com respaldo no ordenamento jurídico, estão impedidas de
serem invalidadas; ainda que a Administração convalide ou invalide um
ato, os efeitos pecuniários ficarão limitados pela prescrição, como nos
casos de prestações continuadas (FERNANDES, 2005, p. 68).
Almiro do Couto e Silva (2004) adverte que, em se tratando de ato
administrativo nulo, não se deve falar em decadência, não porque o ato
seja ilícito e haja agressão a valores morais e constitucionais ou acarrete
lesão ao erário, mas tão somente porque os atos nulos não estão sujeitos
à prescrição ou decadência.
A análise da decadência muitas vezes está atrelada à existência de
boa-fé do agente, caracterizada, segundo Luiz Fabiano Corrêa (2001, p.
430), pela “falsa imagem da situação jurídica em que consiste a aparência
de direito”. A boa-fé é um princípio geral do Direito de grande aplicação no
Direito administrativo, tanto que o art. 54 da Lei 9.784/99 18 limitou a
autotutela administrativa, estabelecendo um prazo de cinco anos para
rever seus atos, salvo comprovada má-fé. Apesar disso, o Tribunal de
Contas da União entendeu ser o referido dispositivo inaplicável em seus
julgados, tendo em vista que a sua função não é administrativa stricto
senso, mas de controle externo da Administração Pública Federal.
19
entendimento, todavia, não é pacífico no Supremo Tribunal Federal.
20
Esse
Segundo Alexandre de Araújo Costa e Henrique de Araújo Costa
(2008), o comando do art. 54 da Lei de Processo Administrativo não teria
18
“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que
decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da
data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.” (Lei nº 9.784/99).
19
TCU, Decisão nº 1020/2000, Plenário, Processo nº TC-013.829/2000-0, Rel. Ministro
Marcos Vinícius Vilaça, DOU 15.12.2000.
20
STF, MS 23550/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 31.10.2001, p. 6.
20
muita implicação para o TCU, uma vez que este pode, após o decurso do
prazo para anular um ato, por meio da Tomada de Contas Especial (TCE),
punir infratores e ressarcir o erário, já que a TCE não tem como objetivo
anular atos, mas sim identificar irregularidades. Ademais, a má-fé que faz
parte da maioria dos casos de irregularidade afasta a decadência.
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2005, p. 78) adverte que “há
tendência do direito moderno em ampliar as regras da decadência, mesmo
para
os
casos
em
que
houver
lei
específica”.
Mas,
pela
lógica
hermenêutica, o prazo decadencial previsto na Lei 9.784/99 só incidirá no
ato regido por legislação especial quando esta não definir outro prazo ou
expressamente declarar a inexistência de limite temporal.
O Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela possibilidade de os
atos administrativos praticados antes da Lei nº 9.784/99 serem revistos a
qualquer tempo, tendo em vista que antes inexistia norma legal definindo
prazo para tal iniciativa. Dessa forma, o prazo decadencial de cinco anos
somente incidiria após a vigência da referida Lei, ressalvados os casos
previstos na legislação especial, como acontece na Lei 8.213/91, que fixou
em 10 anos o prazo decadencial para o INSS rever seus atos que
produzam efeitos favoráveis a seus beneficiários. 21
Com relação ao ato de improbidade, Ada Pellegrini Grinover (2005)
dispõe que o art. 12 da LIA traz sanções de naturezas diversas. Assim,
haveria provimentos tipicamente condenatórios, pois impõem ao agente a
obrigação de pagar determinada quantia e há provimentos tipicamente
constitutivos, a exemplo da perda da função pública e da suspensão dos
direitos políticos.
21
STJ, REsp 1.114.938-AL, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em
14.04.2010.
21
Os provimentos de natureza constitutiva (perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos, proibição de contratar com o Poder
Público ou de receber incentivos ou benefícios fiscais ou creditícios)
sujeitam-se ao prazo decadencial, pois não se trata de um dever de prestar
ou abster-se, mas sim de modificação de estado jurídico. Os provimentos
de natureza condenatória, insertos no art. 12 da LIA, consistentes em
indenização por dano moral ou pagamento de multa civil, não são
alcançados pela imprescritibilidade prevista no art. 37, § 5º, da CF/88, pois
não se trata em sentido técnico de ressarcimento do erário. Dessa forma, a
norma restritiva de direito não poderia ser interpretada extensivamente
(GRINOVER, 2005).
A jurisprudência que compartilha do entendimento exposto no
parágrafo anterior reconhece a imprescritibilidade do ressarcimento, mas
considera prescrita a multa que, muitas vezes, é oriunda de processo
administrativo instaurado que acabou por redundar em tomada de contas
junto ao TCU.
Sobre o assunto, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no
sentido de que a condenação do TCU visa ao mesmo ressarcimento ao
erário de valores desviados pelo agente ímprobo e, portanto, também está
sujeita à imprescritibilidade, in verbis:
ADMINISTRATIVO. TOMADA DE CONTAS ESPECIAL. DANO AO ERÁRIO.
RESSARCIMENTO.
IMPRESCRITIBILIDADE.
MULTA.
PRESCRIÇÃO
QUINQUENAL. ART. 1º DA LEI 9.873/99. INAPLICABILIDADE.
1. A pretensão de ressarcimento por prejuízo causado ao Erário é
imprescritível. Por decorrência lógica, tampouco prescreve a Tomada de
Contas Especial no que tange à identificação dos responsáveis por danos
causados ao Erário e à determinação do ressarcimento do prejuízo
apurado. Precedente do STF.
22
2. Diferente solução se aplica ao prazo prescricional para a instauração da
Tomada de Contas no que diz respeito à aplicação da multa prevista nos
arts. 57 e 58 da Lei 8.443/1992. Em relação à imposição da penalidade,
incide, em regra, o prazo quinquenal (STJ, REsp 894539/PI, Data do
julgamento: 20.08.2009).
Da
mesma
forma,
o
Tribunal
de
Contas
da
União
pacificou
divergência existente na Corte, decidindo que “as ações de ressarcimento
movidas pelo Estado contra os agentes causadores de danos ao erário são
imprescritíveis, ressalvando a possibilidade de dispensa de instauração de
tomada de contas especial prevista no § 4º do art. 5º da IN TCU nº
56/2007”. 22
A ausência de normas jurídicas que disciplinem a tramitação
processual no TCU, em relação aos prazos decadenciais e prescricionais
do ressarcimento ao erário decorrente de atos ilícitos, tem sido objeto de
divergência doutrinária e jurisprudencial há bastante tempo. O próprio TCU
já considerou a imprescritibilidade 23 e posteriormente o prazo decadencial
de 20 ou 10 anos, dependendo se a hipótese ocorreu antes ou após o novo
Código Civil, respeitadas as regras de transição.
24
Atualmente, as
decisões da Corte de Contas têm se inclinado para retomar a tese da
imprescritibilidade diante do art. 37, § 5º, da Constituição. 25
Por uma razão de lógica jurídica, se a interpretação da exceção,
prevista
no
art.
37,
§
5º,
da
Constituição
Federal,
levar
à
imprescritibilidade do ressarcimento ao erário decorrente de determinados
atos ilícitos, convém que haja a ausência de prazo decadencial para a
Administração constituir o direito proveniente desses mesmos atos.
22
Incidente de Uniformização de Jurisprudência, no Acórdão 2709/2008, pelo plenário
do TCU, em Sessão de 26.11.2008.
23
TCU, Acórdão 105/1994, Rel. Min. Lincoln Magalhães da Rocha, DOU 22.03.1994.
24
TCU, Acórdão 40/2006, Rel. Min. Benjamin Zymler, DOU 01.02.2006.
25
Acórdão 631/2010, Rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti, DOU 26.02.2010.
23
3.2.
A
Prescrição
da
Pretensão
da
Cobrança
na
Hipótese
de
Ressarcimento ao Erário Decorrente de Ilícito
O dispositivo do art. 37, § 5º, da Constituição prevê duas situações
distintas: uma diz respeito à sanção decorrente de ato ilícito e outra é
relativa ao ressarcimento ao erário. No primeiro caso, cumpre à lei
ordinária fixar os prazos prescricionais, porém, no segundo, tem-se a
imprescritibilidade das ações de reparação de dano. Desse modo, a
cogitação de imprescritibilidade é apenas no tocante ao ressarcimento ao
erário decorrente de ato ilícito, sendo de cinco anos a prescrição relativa
aos atos de improbidade administrativa, nos termos do art. 23 da Lei
8.429/92. 26
A norma citada no parágrafo anterior estabelece diferença entre
prazos prescricionais em razão da forma de provimento do cargo, da
função ou do emprego público. Como ressalta Benedicto de Tolosa Filho
(2003, p. 165), aqueles que são nomeados para exercer cargos eletivos ou
cargo em comissão, bem como aqueles que exercem função pública,
podem ser demandados em até cinco anos, a contar do término do
mandato, da dispensa ou da exoneração, ao passo que aqueles que
exercem emprego público e cargo de provimento efetivo sujeitam-se ao
prazo prescricional previsto em lei destinada a punir as faltas funcionais.
A
corrente
doutrinária
que
defende
a
imprescritibilidade
do
ressarcimento ao erário, com fundamento no art. 37, § 5º, da CF/88, a
exemplo de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2008, p. 500), não
vê validade nas normas que estabelecem prazos prescricionais que limitem
a recuperação do patrimônio público quando oriundos de atos ilícitos.
26
Dispõe o art. 23 da Lei 8.429/92: “As ações destinadas a levar a efeito as sanções
previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício
de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo
prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com
demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou
emprego”.
24
Adverte Elody Nassar (2006, p. 41) que: “Os prazos prescricionais no
Brasil, em geral, são superiores aos de outros países. Na França, por
exemplo, a regra é a prescrição quadrienal. Na Itália, a média é de três
anos”. A imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário não
poderia subsistir, tendo em vista os princípios gerais da prescrição, sendo
conveniente que se fixe um prazo prescricional até para evitar que o
decurso do tempo acabe por dificultar as provas a serem apresentadas em
juízo (NASSAR, 2006, p. 186).
Acerca desse argumento, no que tange ao ressarcimento decorrente
de improbidade, cumpre citar o art. 16, caput e parágrafos, da LIA, que
permitem a adoção de medidas acautelatórias, a exemplo da quebra do
sigilo bancário. Quando a quebra de dados sigilosos é requerida durante a
fase do inquérito, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2008, p. 571)
entendem que se estaria diante da produção antecipada de prova, nos
termos do art. 846 e seguintes do CPC.
Fábio Medina Osório (2005, p. 540), apesar de ter defendido
anteriormente a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário,
defendendo-a sob o ponto de vista ideológico, atualmente considera que a
solução seria estabelecer justamente um prazo maior para que as ações
de ressarcimento ao erário tivessem sua prescrição consumada. De fato, o
prazo prescricional de cinco anos é demasiadamente curto para prescrever
atos de tamanha gravidade, ainda mais considerando os aspectos
burocráticos e políticos que norteiam a Administração Pública.
Segundo Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2008, p. 31), na
“senda das medidas anticorrupção adotadas no plano internacional,
inúmeros países têm redimensionado seus sistemas de combate à
corrupção”.
Assim,
também
no
âmbito
internacional,
a
busca
probidade tem alcançado cada vez mais espaço.
25
pela
A proteção do crédito público diz respeito à coletividade e, portanto,
em
muitas
situações,
imprescritibilidade
do
foge
direito
às
da
regras
do
Administração
direito
de
ver
privado.
seu
A
crédito
ressarcido, especialmente quando oriundo do ato de improbidade, além de
encontrar amparo constitucional, tem como “pano de fundo” privilegiar o
princípio da indisponibilidade do interesse público e principalmente o da
moralidade, essencial no trato da “coisa pública”. Para esse interesse
público ser protegido, em consonância com o princípio da segurança
jurídica, seria necessário estabelecer um prazo prescricional maior do que
aqueles previstos nas Leis Administrativas e no Código Civil, os quais
muitas vezes são adotados, por meio da analogia, por aqueles que
defendem a prescritibilidade dessas ações.
3.3. Prescrição das Ações de Ressarcimento ao Erário Decorrente de
Atos de Improbidade na Visão do STF
Segundo Benedicto de Tolosa Filho (2003, p. 37), embora a Lei
8.429/92 sirva ao fim a que se destina, a mesma é vista no meio jurídico
como uma “verdadeira ‘babel jurídica’ ”, pois apresenta normas de Direito
penal, processual penal, administrativo, econômico e civil. Vale destacar
que a Lei de Improbidade apresenta lacunas procedimentais e ausência de
maior rigor técnico, o que acaba por dificultar a sua interpretação e
aplicação.
Como o art. 23 da LIA define o prazo prescricional de cinco anos
para a apuração das faltas funcionais cometidas pelos agentes públicos,
há doutrina e jurisprudência que entendem que as ações decorrentes de
ressarcimento ao erário também prescreveriam em cinco anos. Embora a
jurisprudência seja divergente acerca do prazo prescricional do direito ao
ressarcimento
pelos
danos
causados
ao
patrimônio
das
entidades
26
previstas no art. 1º da referida lei, há uma “decisão de peso” sobre o
assunto, pois a Suprema Corte já manifestou o entendimento de que é
imprescritível a ação de ressarcimento ao erário, in verbis:
MANDADO
DE
BOLSISTA
DO
SEGURANÇA.
CNPQ.
TRIBUNAL
DE
DESCUMPRIMENTO
CONTAS
DA
DA
UNIÃO.
OBRIGAÇÃO
DE
RETORNAR AO PAÍS APÓS TÉRMINO DA CONCESSÃO DE BOLSA PARA
ESTUDO
NO
EXTERIOR.
RESSARCIMENTO
AO
ERÁRIO.
INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA.
I - O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder
Público, não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no
contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor.
II - Precedente. MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau.
III - Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição
Federal, no tocante à alegada prescrição.
IV - Segurança denegada. (STF, MS 26.210/DF, Publicação 10.10.2008).
Após a referida decisão, a jurisprudência acerca da matéria tornouse mais segura. Porém, essa decisão não vincula a imprescritibilidade aos
atos de improbidade administrativa, havendo, inclusive, no julgado em
testilha, divergência quanto ao alcance da exceção prevista no art. 37, §
5º, da Constituição.
Nesse diapasão, o rumo das ações de ressarcimento ao erário
decorrente de ato ilícito dependerá do entendimento a ser firmado acerca
da extensão da norma em referência. Ou seja: a imprescritibilidade deve
ou não alcançar todo ato ilícito indiscriminadamente? De acordo com Jorge
Ulisses Jacoby Fernandes (2005, p. 238), o ilícito, a que se refere o art.
37, § 5º, da Constituição da República, “não é o de natureza penal, mas
ilícito-conduta contra a lei genericamente considerada - que causa
prejuízo”. Entretanto, o Ministro Cézar Peluso, no voto proferido no MS
27
26.210-9/DF, ao citar precedente do Tribunal de Contas, argumenta que o
ilícito, previsto no art. 37, § 5º, da Constituição, seria de natureza penal.
A jurisprudência é escassa sobre a possibilidade de ser estendida a
imprescritibilidade prevista no art. 37, § 5º, da Constituição, a todo e
qualquer ilícito. Apesar da interpretação dada pela Suprema Corte não se
restringir aos atos ímprobos, o Superior Tribunal de Justiça tem, nos
últimos julgados, aplicado a imprescritibilidade aos atos ilícitos decorrentes
de improbidade. 27
O precedente do Supremo Tribunal Federal (MS 26.210-9/DF),
28
embora não seja uma súmula vinculante, externou o posicionamento que a
mais alta Corte vem tomando em relação à matéria, de forma que a
jurisprudência, especialmente dos Tribunais Regionais, poderá ampliar o
entendimento acerca da exceção em comento. Todavia, é importante que
se fixem parâmetros consistentes para aferir a abrangência da ilicitude
prevista no art. 37, § 5º, da Constituição, sob pena de vulnerar o princípio
da segurança jurídica.
Tendo em vista que o dispositivo constitucional em comento está
inserido no capítulo destinado à Administração Pública, o primeiro ilícito
em que se poderia pensar seria o ilícito administrativo. Todavia, o que
parece limitar o alcance da imprescritibilidade não é propriamente a esfera
de que o ilícito provém, mas sim a conduta do agente, já que o art. 37,
caput, refere-se à moralidade e à legalidade no trato da res pública, dentre
os princípios que informa.
27
STJ, 2ª Turma, REsp 1107833, Relator Min. Mauro Campbell Marques, DJE
18.09.2009.
28
STF, MS 26.210-9/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julg.
04.09.2008, DJE 10.10.2008, p. 39.
28
Assim, para fins de ressarcimento ao erário decorrente de ato ilícito,
convém que a exceção prevista no art. 37, § 5º,
29
da Constituição seja
aplicada ao dano intencional, e não àquele decorrente de culpa em virtude
de negligência, imprudência e imperícia, como aponta Jorge Ulisses
Jacoby Fernandes:
Como a lei usa as expressões “praticados por agentes” e “que causem
prejuízo”, pareceu-nos necessário evoluir sobre o tema para considerar
que estão excluídos os atos decorrentes de culpa, nas modalidades de
negligência, imprudência e imperícia, que causem dano ao erário. Estaria
incluído o dano intencional, porque se admitir-se a culpa lata haverá a
completa imprescritibilidade, ofendendo-se outros princípios da relação
jurídica. (FERNANDES, 2005, p. 238).
De fato, atribuir às ações de ressarcimento provenientes de ilícito
culposo a imprescritibilidade prevista no art. 37, § 5º, da Constituição
permitiria uma infinidade de ações que não prescreveriam, vulnerando
demasiadamente o princípio da segurança jurídica. Assim, um critério
razoável para definir a ilicitude passível de imprescritibilidade seria
justamente verificar o elemento subjetivo intencional, de forma que seriam
imprescritíveis
as
ações
de
ressarcimento
decorrente
de
atos
de
improbidade, bem como aquelas advindas de ilícito, seja civil, penal ou
administrativo, em que haja dolo do agente servidor ou não. Essa
interpretação busca alcançar a essência da exceção constitucional, que
consiste em não deixar o decurso do tempo impedir a reparação do
prejuízo ocasionado ao erário por aquele que de má-fé lesionou o
patrimônio público.
29
Dispõe o § 5º do art. 37 da Constituição da República: “A lei estabelecerá os prazos
de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que
causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”.
29
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Carta Maior permitiu, em seu art. 37, § 5º, que lei dispusesse
sobre os prazos prescricionais para os atos ilícitos que causem prejuízos
ao erário, porém ressalvou as respectivas ações de ressarcimento. O art.
23 da Lei 8.429/92 estabeleceu o prazo prescricional de cinco anos para
os ilícitos de improbidade administrativa, tendo como objetivo assegurar a
moralidade, a probidade e a honestidade na Administração Pública. Para
atender aos fins a que essa lei se propõe, torna-se imprescindível verificar
a intenção do agente causador do dano. Conhecer a intenção do agente é
de fundamental importância devido à severidade das sanções decorrentes
do ato de improbidade que foram destinadas ao administrador desonesto.
Desse modo, é imprescindível, para a correta aplicação das medidas
punitivas, conjugar o princípio da proporcionalidade com o elemento
subjetivo (dolo) e assim buscar identificar a improbidade material.
O entendimento jurisprudencial que considera imprescritíveis as
ações de ressarcimento ao erário decorrente de improbidade praticada em
face das entidades previstas no art. 1º da Lei 8.429/92 tem se tornado
mais seguro após a interpretação dada ao mencionado dispositivo
constitucional pela Suprema Corte. Apesar disso, vale lembrar que essa
interpretação não vincula a imprescritibilidade aos atos de improbidade
administrativa, tendo, inclusive, divergência acerca do alcance da exceção
prevista no art. 37, § 5º, da Constituição.
A Administração Pública é burocrática e, como gestora de bens
públicos, necessita de um tratamento diferenciado para preservar e
recuperar seu patrimônio, que perfaz o interesse de toda a coletividade.
Assim,
o
princípio
da
segurança
jurídica
não
pode
ter
maior
preponderância do que o princípio da legalidade e da moralidade, visto que
todos esses princípios encontram respaldo constitucional. Mesmo que se
faça uma interpretação sistemática, e não apenas gramatical, a norma
30
inserida no art. 37, § 5º, da Constituição da República irá traduzir a
imprescritibilidade como solução mais justa a ser adotada no momento,
especialmente com relação às ações de improbidade, já que a legislação
atual não apresenta um prazo razoável capaz de atender a algumas
peculiaridades que norteiam essas ações.
A imprescritibilidade, porém, não pode ser aplicada de forma
indiscriminada a todo e qualquer ilícito, sob pena de se alcançar a
completa imprescritibilidade dos créditos públicos. Um parâmetro razoável
para definir o alcance dessa ressalva constitucional consiste em aferir a
intenção (dolo) do agente que praticou o ato ilícito. Nessa esteira, é
aceitável que a interpretação do art. 37, § 5º, da Constituição seja feita em
prol da moralidade e do interesse público, de forma que se adote a
imprescritibilidade com relação às ações de ressarcimento ao erário
decorrente de atos de improbidade e de outros ilícitos praticados com máfé, bem como a ausência de decadência de constituir esses direitos em
obediência à sistematicidade jurídica.
Cumpre registrar, porém, que há uma tendência mundial em primar
pela moralidade no trato da “coisa pública”, mas também o princípio da
segurança jurídica continua sendo cada vez mais privilegiado. Nesse
sentido, a fim de que os interesses público e moral continuem protegidos e
ao mesmo tempo se harmonizem com a segurança jurídica, seria
conveniente estabelecer um prazo maior para a Administração Pública
buscar reparar o patrimônio público pelos danos provenientes de ato ilícito.
(*) Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do título de
Especialista em Direito Público, no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu
da Universidade de Brasília, em parceria com a Escola da Advocacia-Geral
da União - AGU. Orientador: MsC. Célio Rodrigues da Cruz.
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DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO NA AÇÃO DE