A MICROPOLÍTICA DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE - REVENDO ALGUNS CONCEITOS MICRO-POLITICS OF WORK IN THE PUBLIC HEALTH SECTOR, REVIEWING CONCEPTS LA MICROPOLITICA DEL PROCESO DE TRABAJO EN SALUD: MIRANDO OTROS CONCEPTOS Deborah Carvalho Malta Emerson Elias Merhy * ** RESUMO O artigo recupera alguns autores clássicos enfocando o tema do trabalho, sua importância na vida do homem, a sua intencionalidade e a sua criatividade. A seguir faz uma reflexão sobre o processo de trabalho em saúde e a intervenção na sua micropolítica buscando um novo fazer em saúde, em defesa da vida. Palavras Chave: Saúde Coletiva; Trabalho – Tendências O intencionalidade, a sua capacidade criativa. Ainda, segundo Marx (1): artigo a seguir procura fazer uma reflexão sobre o processo de trabalho em saúde e a importância de intervir na micropolítica buscando um novo fazer em saúde. Visando uma melhor compreensão recuperaremos alguns conceitos de autores clássicos visando a introdução do tema. "uma aranha desempenha operações que se parecem com a de um tecelão, e a abelha envergonha muitos arquitetos na construção de seu cortiço. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor das abelhas é o que o arquiteto figura na mente sua construção antes de transforma-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que já existia antes O trabalho ocupa lugar central em qualquer sociedade. idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma Para Marx (1): "o trabalho é um processo consciente por meio do apenas o material sobre o qual opera, ele imprime ao material o qual o homem se apropria da natureza para transformar seus projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a materiais em elementos úteis para sua vida." (...) No trabalho lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem que interagem, segundo Marx, o homem e a natureza, e o homem subordinar sua vontade". "com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza". O que importa no trabalho humano não é a semelhança Duas idéias delimitam ainda o conceito do trabalho humano, que são a energia e a transformação. Algo que havia antes se transforma em outro algo, através da aplicação de com os outros animais, mas as diferenças essenciais que o energia distinguem como diametralmente oposto, ou seja, a sua trabalho (que contém as potencialidades do produto) em um * ** Médica, Doutora em Saúde Coletiva (Administração e Planejamento), Professora Adjunta da Escola de Enfermagem/UFMG. Médico, Doutor em Saúde Pública, Professor Livre Docente do Departamento de Medicina Preventiva e Social da FCM/UNICAMP. (2) . Esse processo de transformação do objeto de Endereço para correspondência: Escola de Enfermagem da UFMG Av. Alfredo Balena, 190 5º andar - Santa Efigênia 30130-100 - Belo Horizonte - Minas Gerais E-mail: [email protected] - Rev. Min. Enf., 7(1):61-66, jan./jul., 2003 61 A MICROPOLÍTICA DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE - REVENDO ALGUNS CONCEITOS dado produto, é mediado por um gasto de energia necessária trabalhador no que se refere ao processo de trabalho e à sua transformação (3). seus resultados (6). Os elementos componentes do processo de trabalho, O trabalho em saúde constitui-se em ação complexa, de acordo com Marx (1):, são: a atividade adequada a um fim, envolvendo articulação de diferentes processos, no qual cada isto é o próprio trabalho; a matéria a que se aplica o trabalho, o profissional com sua ação parcelar possui objeto próprio, objeto de trabalho e os meios de trabalho, o instrumental de saberes e instrumentos específicos (5). trabalho. Segundo Marx (1), "o meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto." As diferentes forma de organização do trabalho, uma breve revisão instrumentos Ao analisar o processo de trabalho é preciso avaliar a correspondem às forma materiais e não materiais que forma de organização da sociedade, as relações humanas, os possibilitam a apreensão do objeto e constituem os saberes determinantes econômicos. Braverman (7), discute que a divisão específicos (epidemiológico, clínica, educação em saúde, social do trabalho existe desde que o homem começou a viver dentre outros), insumos, técnicas de ação (medidas de em sociedades. Já nas sociedades primitivas ocorria essa profilaxia, planejamento, avaliação e controle), equipamentos divisão. "A divisão social do trabalho é aparentemente inerente (radioimagem, laboratórios) e toda a tecnologia disponível, característica do ser humano", seria então a divisão do trabalho voltada para o atendimentos das necessidades em saúde (3): em ofícios inerente ao ser humano. A divisão social do trabalho No trabalho em saúde, estes O processo de trabalho em saúde difere do consumo de serviços em geral basicamente porque, no setor saúde, o usuário não se porta como um consumidor comum diante da mercadoria; pois está desprovido de conhecimentos técnicos e não detém informações necessárias para a tomada de decisão sobre o que irá consumir. Outras especificidades se colocam no processo de trabalho em saúde, com a sua finalidade, ou seja, a ação terapêutica, de cuidado, tendo como objeto o indivíduo ou grupos, doentes sadios ou expostos a riscos; os meios de trabalho correspondem aos saberes, instrumentos e como produto final a própria ação de assistência à saúde, produzida e consumida concomitante (4,5) . Por outro lado, o processo compartilha características comuns com outros setores da economia, por estar marcado por uma direcionalidade técnica e envolver o uso de instrumentos e força de trabalho. Em relação à incorporação tecnológica, tem ocorrido outro diferencial no setor saúde, que divide a sociedade entre ocupações, cada qual apropriada a certo ramo de produção. Com o surgimento da manufatura e da indústria ocorreu outro fenômeno, ou, o parcelamento do trabalho, a divisão manufatureira do trabalho. O produto para ser produzido passou a ser decomposto em numerosas operações executadas por diferentes trabalhadores, assim temos a divisão técnica do trabalho. Segundo Braverman(7) a divisão social do trabalho subdivide a sociedade, a divisão parcelada do trabalho subdivide o homem" Segundo Braverman(7) a gerência científica, significa um empenho no sentido de aplicar os métodos da ciência aos problemas complexos e crescentes do controle do trabalho nas empresas capitalistas em rápida expansão. Economistas clássicos debruçaram-se sobre os problemas da organização do trabalho no seio das relações capitalistas de produção. Frederick Taylor destacou-se no fim século XIX, por sistematizar princípios que modelaram as empresas capitalistas modernas. é a incorporação de tecnologia avançada sem a redução dos Taylor ocupava-se dos fundamentos da organização do postos de trabalho, diferentemente dos demais setores da processo de trabalho e do controle sobre eles. Através de economia (6). estudos pormenorizados de tempos e movimentos exercidos Outra particularidade do trabalho em saúde é que a pelos operários para executarem as tarefas necessárias à direcionalidade técnica tem natureza coletiva. Trata-se de um produção, concluiu que era necessário separar o processo de processo que envolve a atuação de um conjunto de categorias planejamento da execução, transferindo o pensar para o e indivíduos que compartilham recursos técnicos e cognitivos, administrador e, parcelando, fragmentando em etapas, o portanto a produção depende do trabalho coletivo. Cabe trabalho operário, retirando-lhe o conhecimento global do ressaltar a centralidade do trabalho médico, sua prática é o processo produtivo. Através desses princípios Taylor imprimiu núcleo do qual derivam outros trabalhos. Garantir a articulação ao trabalho rapidez, maior produtividade e maior extração de dos diversos profissionais na prestação da assistência é um mais valia, resultando em alienação dos trabalhadores(7). grande desafio ao se repensar o processo de trabalho em saúde (4). Dando segmento a esta estruturação do trabalho, Ford, criou a "esteira rolante" em 1914. Através da esteira eram Outras características do trabalho em saúde estão transportados os carros, na medida que passavam, com diretamente ligadas à fragmentação dos atos, e à alienação do paradas periódicas os homens iam executando operações 62 - Rev. Min. Enf., 7(1):61-66, jan./jul., 2003 A MICROPOLÍTICA DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE - REVENDO ALGUNS CONCEITOS simples. Esse modelo resultou na mudança da organização do Qualidade CCQ, na CTQ - Total Quality Control, no trabalho, no aceleramento da produção, no controle da Gerenciamento de Diretrizes e a Administração por objetivos. gerência em todas as etapas do trabalho e no achatamento do Todas essas propostas avançaram no sentido de repensar a salário dos operários. O modelo fordista foi incorporado em administração capitalista, seja por estimular a participação, a larga escala pela indústria automobilística e pela indústria em criatividade, estimular a adoção da visão estratégica da alta geral . (7,8,9) direção, a participação nos lucros, controle do processo, a O trabalho parcelar e fragmentado reduz a ação operária cogestão (como determinação do capital-trabalho, ou gestão a um conjunto repetitivo de atividades, que é chamado por partilhada entre atores distintos) e autogestão (gestão Antunes(8) de "desantroporfização do trabalho", onde o homem dos envolvidos) passa a ser apenas o apêndice de uma máquina ferramenta, que garanta ao capital maior extração do sobretrabalho. Esse modelo de produção taylorismo/fordismo foi (10) . Existem divergências quanto à aplicação dos princípios da Teoria Geral da Administração no setor público. Autores como Paulo Roberto Mota, citado por Cecílio (10) , discutem que hegemônico durante quase todo o século XX, sendo somente os mesmos não se aplicariam ao setor público, pelo fato de não entre o final dos anos 60 e início dos anos 70 que esse padrão se pautar pela estratégia de crescimento baseada na produtivo, começou a dar sinais de esgotamento(8,9). competição, não ser administrado pelos critérios de mercado, e A crise recessiva capitalista dos anos 70 força uma nova reestruturação produtiva do capitalismo, objetivando a redução de custos, aumento da produtividade e da taxa de lucros. O novo modelo que se estrutura opera uma nova forma de gestão da empresa e abre para processos de subjetivação dos trabalhadores. O novo modelo, chamado de Toytismo ou Ohnismo (por ter sido idealizado por Taichi Ohno) se inspira nas mudanças do processo de trabalho desenvolvidas na Toyota, no Japão pós guerra e que rapidamente se propagaram pelo país e outras partes dos planetas. As principais características desse novo modelo seriam: produção visando atende um mercado consumidor mais exigente, portanto mais individualizado, diferenciando-se da produção em série do taylorismo/fordismo; fundamenta-se no trabalho em equipe, com multivariedade de funções, rompendo o caráter parcelar típico do fordismo; processo produtivo mais flexível, permitindo ao operário operar várias máquinas; melhor aproveitamento da produção, princípio just in time, reposição rápida de peças e estoques; estrutura das empresas horizontalizada, reduzindo gerências intermediárias; organização de círculos de controle de qualidade, onde grupos de trabalhadores são estimulados a discutir seu desempenho e estímulos. Além disso, o toyotismo adotou o emprego vitalício(8,9). Franco destaca a importância do toyotismo na ênfase (9) no trabalho coletivo como um dos pilares de reorganização do pelo processo decisório não se basear na mesma racionalidade das empresas privadas, autonomia, competitividade. Max Weber discute ainda o modelo burocrático adotado nas organizações públicas, legitimando o tratamento frio e impessoal, o apego às regras e a inflexibilidade, o autoritarismo, a resistência às mudanças (11) . Já outros autores defendem a modernização do setor público que passaria pela maior democratização, criação de condições efetivas na participação dos trabalhadores e da população no processo decisório, a descentralização, à introdução de mecanismos de planejamento, da análise institucional e da mudança do processo de trabalho em saúde. O Planejamento pensado a partir da racionalidade comunicativa do agir comunicativo de Habermas é uma abordagem que vai de encontro à busca da adesão dos trabalhadores e dos usuários ao projeto da Reforma Sanitária, repensando a administração pública e introduzindo novos elementos na sua gestão cotidiana) superado (10) . O modelo burocrático tem que ser repensando os "recursos humanos" das organizações públicas, seja pela participação, democratização da gerência, do processo decisório, incluindo os trabalhadores como sujeito na formulação de diretrizes, indivíduos antes considerados objetos da ação gerencial . (10,12,13) processo de trabalho, associado à valorização do conhecimento múltiplo, em contraste ao conhecimento parcelar do fordismo. A micropolítica do trabalho em saúde Nesse modelo o trabalho vivo sofre uma captura menor do que no modelo taylorismo/fordismo, ele se impõe para atender ao novo A discussão sobre processo de trabalho em saúde, se formato do mercado consumidor. Paradoxalmente a este se pretende operar mudanças no modo de trabalhar na área, processo, houve uma maciça incorporação de novas tecnologias, passa necessariamente pela abordagem dos aspectos da uma grande substituição de trabalho vivo por trabalho morto nos micropolítica do trabalho em saúde, visando publicizar o espaço processo produtivos, além disso manteve-se o objetivo de e buscar novos sentidos e formatos. aumentar o ritmo de trabalho e a conseqüente produtividade. Vale ressaltar dois conceitos importantes: "trabalho Esses pressupostos foram amplamente praticados e vivo" - refere-se ao trabalho em ato, o trabalho criador; o difundidos na formulação da Administração capitalista, e "trabalho morto" - refere-se a todos os produtos-meios resultaram em outras variantes como os Círculos de Controle de (ferramentas, matérias primas) que são resultados de um - Rev. Min. Enf., 7(1):61-66, jan./jul., 2003 63 A MICROPOLÍTICA DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE - REVENDO ALGUNS CONCEITOS trabalho humano anterior e o homem os utiliza para realizar um de força, a do usuário, também atua de forma instituinte na dado trabalho. busca de sua "autonomia". O espaço intercessor é o lugar que Quando o "trabalho vivo" é capturado, de tal forma que revela estas disputas das distintas forças instituintes; entretanto o homem não consegue exercer nenhuma ação de forma um dado processo instituído pode capturar ou ser invadido por autônoma, ele se torna "trabalho morto". Isto ocorre, por estas forças. Mesmo que o processo instituído abafe este exemplo, numa linha de montagem, onde o capitalista controla movimento, as forças instituintes estarão sempre gerando a tal ponto o autogoverno do trabalhador, que estrutura o ruídos em seu interior (14, 15) . trabalho, definindo previamente todas as características do Outra noção na micropolítica do trabalho em saúde é a do produto final. Assim, o trabalho vivo é capturado e "ruído". Este conceito parte da idéia de que, cotidianamente, domesticado) (13) . ocorrem processos silenciosos nas relações entre os agentes Existem claras diferenciações no trabalho em saúde, no institucionais até o momento em que esta lógica funcional é que se refere à autonomia do "trabalho vivo", que é bem ampla rompida. A ruptura desta lógica normalmente é entendida como se comparada com outros setores da economia. Um operário uma disfunção, um desvio do normal, estes "ruídos", entretanto, numa fábrica tem o seu processo de autonomia controlado, devem ser percebidos como processos instituintes que abrem pois previamente se decide o produto do seu trabalho. Já no possibilidades de interrogação sobre o modo instituído e setor saúde, mesmo que o "trabalho vivo" seja "capturado" mostram distintos modos de caminhar. Cumpre conseguir pelas tecnologias mais estruturadas, descritas anteriormente captar e entender estes ruídos . (14, 15) (duras e leve-duras), ou se estiver também submetido ao Os movimentos instituintes operam como movimentos de controle empresarial, no encontro entre o usuário e o mudanças, ensaiando "rupturas" com as "capturas" do trabalho consumidor dá-se o "espaço intercessor" com possibilidades vivo. Entretanto, este movimento tem aparecido em momentos de mudanças, de atos criativos. É extremamente difícil capturar sociais bem especiais, quando ocorre a aparição de "atores o trabalho vivo em ato na saúde. Este espaço é sempre sociais" novos e organizados com capacidade de confrontação conflituoso, com o processo instituído existindo desdobramentos) diversas possibilidades de . (13,14,15) Segundo Merhy (14, 15) . Uma intervenção institucional que vise provocar mudanças , no encontro de sujeitos criam-se no processo de trabalho em saúde é sempre complexa. espaços de relações, ocorrem interseções entre os dois, ou Quando analisamos um Centro de Saúde, o conjunto de seja, este encontro não é uma simples somatória de um com autogovernos em operação e o jogo de interesses organizados um outro, mas sim o resultado de um processo singular pelo como forças sociais tornam a situação altamente complexa. encontro dos dois em um único momento. Assim também, no Assim, num processo de mudança, não basta possuir uma encontro do trabalhador de saúde com o usuário, estabelece- receita para a ação, deve-se dispor, além de várias e novas se entre eles um espaço intercessor que sempre ocorrerá em ações instrumentais, de capacidade de problematizar cabeças seus encontros e em ato. Este momento, o da produção e e interesses, sempre questionando situações que podem gerar consumo dos atos de saúde, é um momento especial, portador processo de liberação do trabalho vivo, enfim das forças de forças "instituintes". Nos modelos de assistência instituintes e criadoras. O processo de trabalho em sua predominantes hoje, nas relações produzidas nos serviços de micropolítica encontra-se num cenário de disputa entre forças saúde, os espaços intercessores são preenchidos pela "voz" do instituídas, fixadas pelo trabalho morto, e outras que operam no trabalhador e pela "mudez" do usuário. Esta relação em saúde trabalho vivo em ato, que se encontram nos processos deveria ser não desta forma, "objetal", mas do tipo "interseção- imaginários e desejantes. Esta criatividade permanente do partilhada", ou seja, onde aconteçam interações. Assim, se ela trabalhador em ação deve ser explorada na dimensão pública e ocorrer baseada na "mudez" e no "autoritarismo", haverá perda coletiva para que sejam reinventados novos processos de quanto ao mútuo processo instituinte. trabalho, ou mesmo para abri-los em novas dimensões não (14) Neste encontro, o "agente produtor" porta conhecimentos, pensadas. Atuar nestes processos significa buscar novas equipamentos, tecnologias, enquanto o "agente consumidor" possibilidades, isto se torna possível na medida em que a expressa também seus conhecimentos e representações. Estes escuta dos ruídos do cotidiano ocorre. Assim possibilita abrir agentes são ambos portadores de necessidades que, por sua linhas de fuga do instituído. Caberia ao gestor desenvolver a vez, são definidas em processos sociais e históricos. Todo o capacidade de "escutar" estes ruídos, construindo um processo de trabalho é atravessado por lógicas diferentes, que processo de busca de entendimento, possibilitando a invenção se apresentam como necessidades em disputa, como forças de novas missões institucionais e novos sentidos para o instituintes nas suas instituições. A presença de uma linha de processo de trabalho . (14, 15) força médico-hegemônica, que se coloque positivamente, atua Outra questão a ser discutida no processo de trabalho como instituinte no processo de trabalho em ato. A outra linha em saúde é a produção da alienação. A organização parcelar do 64 - Rev. Min. Enf., 7(1):61-66, jan./jul., 2003 A MICROPOLÍTICA DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE - REVENDO ALGUNS CONCEITOS trabalho, a fixação do profissional em determinada etapa de um conhecimentos e ações de competência de cada profissional ou certo projeto terapêutico e a repetição mecânica de atos parcelares especialidade. Por "campo" entende-se saberes, competências e produzem alienação. Segundo Campos (16), se o trabalhador não se responsabilidades sente sujeito ativo no processo de reabilitação, ele perderá contato especialidades. Através do trabalho em equipe, o "campo de com elementos que potencialmente estimulam sua criatividade, competência" tende a se alargar, através das trocas de saberes. não se responsabilizando pelo objetivo final da sua intervenção. Assim preserva-se maior autonomia profissional e das equipes. Para reverter este quadro, deve-se aproximar o trabalhador do Preserva-se o exercício de "núcleos" específicos, próprios da resultado do seu trabalho, valorizar o seu orgulho profissional pelo intervenção de cada profissional, além de alargar os "campos" esforço singular de cada caso. É fundamental abrir espaço para a comuns, melhorando a qualidade da assistência, permitindo liberdade criadora, para a autonomia profissional, bem como para respostas mais abrangentes por parte dos profissionais. a reinvenção de novas maneiras cotidianas de operar a instituição confluentes as várias profissões ou Além disto, cabe definir a responsabilidade nominal de cada profissional, por cada caso, não se diluindo a responsabilidade ou o seu local de trabalho. Para assegurar a qualidade em saúde, faz-se necessário combinar a autonomia profissional com certo grau de definição de pela equipe, operacionalizando-se assim o conceito de vínculo, através da adscrição individual da clientela (17). responsabilidade dos trabalhadores com os usuários, assim como Desta forma o processo de trabalho, enquanto o estabelecimento de um pacto em torno de um projeto coletivo. A micropolítica, pode ser o lugar estratégico da mudança, pautando- recuperação da prática clínica assentada no "vínculo", ou se não pelo modelo médico-hegemônico, mas pela ética do responsabilização com o usuário, é a forma de combinar autonomia compromisso com a vida, com uma postura acolhedora, e responsabilidade profissional. estabelecendo vínculos, buscando a resolutividade e a criação de A crescente especialização dos médicos e demais autonomia dos usuários. profissionais da saúde vem diminuindo a capacidade de resolver os problemas e aumentando a alienação desses profissionais em relação ao resultado e à prática. Uma vez que cada especialista se Novas perspectivas do trabalho em saúde encarrega de uma parte da intervenção, em tese ninguém pode ser A reorganização do processo de trabalho passa pela responsabilizado pelo resultado do tratamento. Este modelo se qualificação da força trabalho dos profissionais, integração dos aplica também no cotidiano da Saúde Pública. Com isto tem profissionais na assistência, resgatando o sentido do trabalho ocorrido uma progressiva perda da eficácia das práticas clínicas, multiprofissional e qualificando o produto final ofertado. diminuindo a capacidade de cada profissional resolver problemas. Outro passo fundamental consiste na ampliação de As áreas básicas tendem a funcionar cada vez mais como espaços democráticos de discussão e de decisão, visando ampliar "triadoras", avaliando riscos e encaminhando para outros. Isto os espaços de escuta, de trocas e decisões coletivas. Dessa forma implica mais e mais especialistas envolvidos, mais apoio investe-se na “criação do sujeito coletivo”, que representa uma força diagnóstico, maior custo e maior imposição de sofrimento e impulsionadora que critica as forças paralisantes da instituição, restrições aos pacientes. As "receitas" para este problema têm sido mobiliza as forças instituintes que tendem a transformar as a retomada dos generalistas e a constituição das equipes instituições, desencadeando um intenso movimento de forças multiprofissionais, como se as equipes compensassem a criativas, mobilizando energias e propostas inovadoras desresponsabilização e a fragmentação que a especialização movimento visa criar novos formatos do trabalho em saúde, que excessiva tem criado e legitimado (17). devem se pautar pela necessidade de responder ao sofrimento dos . Esse (18) , é necessário construir caminhos usuários, buscando articular novas forma de prestação de para sair das polaridades representadas de um lado, pela assistência que possa lhes dar proteção ou resolução dos seus especialização excessiva, geradora de verticalidade na organização problemas. Certamente isso implica em implantar serviços dos acolhedores, que possam se organizar para responder os Segundo Campos processos de (17) trabalho em saúde com profundo desentrosamento das equipes; de outro, por uma completa problemas dos usuários. horizontalização, igualando-se artificialmente todos os profissionais Para que os modelos de assistência possam romper essa sem se ater às especificidades de cada profissão. Haveria que se situação devem se referenciar nos pressupostos de garantia do combinar graus de polivalência com certo nível necessário e acesso e acolhimento aos usuários, responsabilização/ vínculo, inevitável de especialização. integralidade na assistência, democratização (participação de Entram aí dois conceitos fundamentais: "núcleo" e "campo" de competência e responsabilidade. Por "núcleo" entende-se o trabalhadores e usuários na gestão), gestão pública e adequação à realidade local. conjunto de saberes e responsabilidades específicos a cada Ao formular uma proposta de modelo assistencial para o profissão ou especialidade. Marca assim os elementos de SUS deve-se buscar respostas para o enfrentamento dos atuais singularidade que definem cada profissional ou especialista, problemas de saúde e que também dêem conta dos problemas - Rev. Min. Enf., 7(1):61-66, jan./jul., 2003 65 A MICROPOLÍTICA DO PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE - REVENDO ALGUNS CONCEITOS SMM. (org.). O trabalho de enfermagem. São Paulo. Cortez, 1997. futuros, ou seja, do ponto de vista da transição demográfica e das evidências que apontam para uma sociedade com mais pessoas idosas e menos jovens. Nesse sentido Goulart (19) 4. Malta DC. 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Mimeo. aponta alguns aspectos que um modelo tecnoassistencial deveria conter: a) garantir a universalidade, a integralidade e a equidade; b) a atenção a grupos populacionais específicos (idosos, adolescentes e outros); c) atenção a doenças crônicas, tendo em vista os custos crescentes e a incorporação tecnológica; e d) metodologias e tecnologias de educação e promoção de hábitos e comportamentos saudáveis, entre outros. Na continuidade de imprimir os desafios de construir um sistema de saúde universal, equânime e de qualidade, deve-se persistir na aposta de buscar alternativas diversas, referenciadas nesses princípios. Entendendo que a saúde é um território de práticas em permanente estruturação, onde é possível experimentar uma infinidade de fazeres, não existindo apenas um formato único possível. Por se representar um território tenso e aberto, sempre podem emergir novos processos instituintes que podem ser a chave para a permanente reforma do próprio campo de práticas, o que constitui em si desafios constantes para qualquer paradigma a ser adotado. Summary This article examines the subject of "work" from the perspective of renowned authors. It focuses on the importance of work for human life, its purpose and its capacity to generate creativity. The article also elaborates on the dynamics of work in public health (the reach into the micro-politics of the Public Health sector) and on the search for a new approach that prioritizes the care and defense of life. Key-words: Collective Health; Work – Tendencies Resumen El presente artículo recupera la visión de algunos autores clásicos que enfocan el tema del trabajo, su intención y su creatividad. Después reflexiona sobre el proceso de trabajo en salud y su intervención en la micropolítica buscando un nuevo hacer en salud en defensa de la vida. Palabras clave: Salud Colectiva; Trabajo – Tendencias Referências bibliográficas 1. Marx K. O Capital, crítica da economia política. Livro 1, volumes I e II. São Paulo: Bertrand Brasil/DIFEL, 1987. 2. Gonçalvez RBM Tecnologia e organização social das práticas de saúde. Características tecnológicas de processo de trabalho na rede estadual de centros de saúde de São Paulo. São Paulo: HUCITEC/ ABRASCO, 1994. 3. 66 Michima SM, Villa TCS, Silva EM et al. A organização do processo gerencial no trabalho em saúde pública. In Almeida MCP, Rocha - Rev. Min. Enf., 7(1):61-66, jan./jul., 2003 10. Cecílio LCO (Org). Inventando a mudança na saúde. São Paulo: HUCITEC; 1994. 11. Aron R. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes; 1999. 12. Merhy EE. 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