A Mobilidade em uma Pequena Cidade Baiana: Um Estudo Sobre Belo Campo/BA Silmara Oliveira Moreira Bolsista de iniciação científica - UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB Email: [email protected] Resumo: O objetivo deste artigo é discutir como se deu/dá a mobilidade do trabalho na cidade de Belo Campo/BA, diante das relações campo-cidade que nela se constituem. Nesse sentido, a compreensão da dinâmica do urbano que permeia uma pequena cidade, uma vez que a cidade em estudo se encontra nesse âmbito de classificação, ajuda a entender empiricamente as motivações que levam o trabalhador do campo a deixar seu local de origem e como se dá a sua instalação no espaço urbano. As causas, ligadas à precarização do trabalho no campo, são reflexos da ausência de políticas públicas voltadas para a manutenção desse camponês no seu local de origem. Essa precarização levou um grande número de trabalhadores a deixarem suas terras e irem em direção à cidade, acreditando que lá teriam acesso a um trabalho menos árduo com acesso aos serviços básicos e a “melhores condições de vida”. As dificuldades e desafios enfrentados por esse camponês na cidade apontam o difícil acesso à moradia, ao trabalho e aos mesmos serviços que antes eram de difícil acesso no campo. Nessa direção, tanto no campo, quanto na cidade, o período pós revolução industrial, no Brasil, foi marcado por uma intensificação na precarização do trabalho. Palavras-chave: mobilidade do trabalho, Belo Campo, Precarização, cidade-campo Introdução: O presente trabalho é resultado das pesquisas desenvolvidas dentro do grupo de pesquisa Urbanização e Produção de cidades na Bahia, a fim de compreender a dinâmica das pequenas cidades baianas, sobretudo, as pequenas cidades do território de Identidade de Vitória da Conquista, ao qual é utilizado como recorte para a delimitação da pesquisa. O objetivo deste artigo é discutir como se deu/dá a mobilidade do trabalho na cidade de Belo Campo/BA, diante das relações campo-cidade que nela se constituem. Nesse sentido, a compreensão da dinâmica do urbano que permeia uma pequena cidade, uma vez que a cidade em estudo se encontra nesse âmbito de classificação, ajuda a entender empiricamente as motivações que levam o trabalhador do campo a deixar seu local de origem e como se dá a sua instalação no espaço urbano. O município de Belo Campo, limita-se com os municípios de Tremedal, Cândido Sales, Caraíbas e Vitória da Conquista, sendo que a cidade fica às margens da BA-265. É um município que foi emancipado na segunda metade do século XX, mais precisamente em 1962, no período que o Brasil começava a intensificar seu processo de urbanização. Nesse momento, houve um grande número de municípios emancipados no estado da Bahia, fazendo surgir muitas cidades, sendo que muitas dessas ainda são consideradas de pequeno porte. Esse intenso processo de urbanização é chamado por Damiani (2009) de urbanização crítica, que se conforma como tal fazendo com que haja uma impossibilidade do urbano para todos, nos marcos da economia em vigência e na reprodução da sociedade urbanizada. (DAMIANI, 2009, p. 69). Essa tendência da urbanização, marcada pela periferização da classe trabalhadora, além de gerar conflitos, tende a acentuar os já existentes no espaço urbano. Também, a urbanização, diante da maneira perversa como vem se estabelecendo para atender a lógica de interesses do capital, cada vez mais aguça as desigualdades. Nesse sentido, é importante considerar que a presente pesquisa procura entender a urbanização enquanto um processo, que deve ser analisado como movimento espaço-temporal, ou seja, considerando os fatores que ao logo do tempo influenciaram para as transformações na urbanização e consequentemente na configuração do espaço urbano, com base nas ideias de Sposito (2004). Reflexões sobre a noção de pequena cidade Ao tratar de pequena cidade, há uma grande divergência de conceitos entre estudiosos do urbano. No Brasil, segundo o IBGE, todo distrito sede de município é considerado cidade e são classificadas da seguinte maneira: cidades com até 20.000 habitantes são consideradas pequenas; acima desse número são médias; e acima de 500.000 são classificadas como grandes cidades. Nesse sentido, é importante salientar que cada país tem a sua classificação. Ao tratar do assunto, Ferreira argumenta o seguinte: Entendemos que a qualificação ou não de cidades, deva ir além do número de habitantes e, que esse critério não deve ingressar as discussões e análises. Tal critério apresenta-se como um caminho, entretanto, a vida de relações presente na localidade é que devem definir seu contexto urbano ou rural. A maneira como a população emprega seu tempo nas atividades realizadas e como suas práticas cotidianas são preenchidas por hábitos urbanos, valores urbanos vinculados, geralmente ao consumo de mercadorias industrializadas. (FERREIRA, 2008, p. 03) É importante destacar, no entanto, que a classificação de uma cidade em pequena, média ou grande, segundo o dado demográfico por si só, não é suficiente para a compreensão do papel da cidade, e sim a função que essa exerce na escala regional, ou até mesmo nacional, dentre outros aspectos. De acordo com o exposto, Belo Campo deve ser considerada uma pequena cidade pela influência regional quase não existente, uma vez que só polariza o município e uma cidade de pequeno porte pela questão demográfica, pois possui 9.036 habitantes1. Diante das grandes divergências, como citado anteriormente, na conceituação e na denominação de pequena cidade, uma vez que órgãos se diferem quanto à classificação, é importante salientar que as pequenas cidades também carregam em si um conteúdo urbano nas relações estabelecidas - sejam elas de ordem econômica ou nas relações sociais - ainda que a ruralidade, mesmo em pequena escala, se faça presente. Nessa direção, o ritmo com que esse urbano se verifica na cidade pequena é diferenciado das médias e grandes cidades, e esse é um caminho de discussão ainda pouco explorado empiricamente, sobretudo, no caso das cidades baianas. Ferreira pondera a respeito da importância se conhecer a fundo as necessidades socioespaciais dessas pequenas cidades, uma vez que essas também enfrentam problemas na sua configuração espacial, antes notados apenas nas grandes cidades. Por apresentar especificidades diferentes das grandes cidades, a aplicação de modelos administrativos ou de planejamentos realizados nas cidades maiores em pequenas cidades, nem sempre apresentam um bom resultado. (FERREIRA, 2008). M. Santos, ao tratar das redes urbanas, denomina a pequena cidade de cidade local. Para o autor, a cidade local é de extrema importância para as vilas e a zona rural do município, mesmo possuindo um nível urbano elementar. (SANTOS M. 1979 apud OLIVEIRA, 2008). Assim, para o autor, a cidade local é caracterizada pela satisfação das necessidades imediatas de consumo, ou mesmo de circulação das suas mercadorias, uma vez que não era possível uma ligação com as cidades maiores. Essa realidade, segundo Soares e Ferreira, vem mudando: 1 Fonte: IBGE – Censo demográfico 2010 – dados da população urbana do distrito sede. Atualmente essas pequenas cidades têm diminuído os seus papéis como localidades centrais, apresentando um entorno territorial que se esvazia, razão do acesso mais facilitado aos centros regionais possibilitado pela facilidade de deslocamento. (FERREIRA; SOARES, 2008, p. 08) Nesse sentido, essas pequenas cidades vêm transformando sua dinâmica, diante da crescente facilidade que os indivíduos têm de acesso aos centros maiores, com o avanço da tecnologia e da circulação tanto de mercadorias, como de pessoas. Para Barcelar, a definição de cidade como grande aglomeração não contempla a dinâmica das pequenas cidades, pois: [...] alguns estudiosos do urbano estabelecem critérios rigorosos para caracterizar um determinado assentamento humano como cidade e assim relegam cidades menores a um limbo conceitual e até mesmo modificam suas características de conceituação ao afirmarem serem as pequenas cidades, não-cidades. (BACELAR, 2003, p.03) Assim, é importante lembrar que as mudanças decorrentes do processo de urbanização, em uma pequena cidade, acontecem de maneira totalmente diferenciada das demais cidades. É nessa perspectiva que se adota a classificação de pequena cidade para se discutir no presente trabalho, entendendo que a questão demográfica, não sozinha, mas aliada à função que a cidade desempenha na rede urbana e o conteúdo da urbanidade presente no tecido urbano são elementos essências para entender a dinâmica de uma pequena cidade. Nesse momento, dar-se á prioridade aos dados levantados sobre a cidade de Belo Campo, situada no sudeste da Bahia e a sudoeste da cidade de Salvador, a capital do Estado. (Figura 01). Figura 01: Município de Belo Campo, localização na Bahia, 2010 Nesse sentido, é pertinente o entendimento de que as pequenas cidades na Bahia desempenham papel muito importante na rede urbana. Sua economia, normalmente, está ligada aos empregos gerados pelo setor público ou às atividades desempenhadas no campo, ou seja, atividades do setor primário da economia. Nos últimos anos, o Produto Interno Bruto – PIB no setor de comércio e serviço vem apresentando uma parcela crescente do peso nessas cidades, como no caso de Belo Campo. (Tabela 01) Tabela 01: Belo Campo / BA Produto Interno Bruto 2000 – 2006 Agrícola 2000 Serviços Indústria 24,18% 59,77% 16,05% Fonte: IBGE Agrícola 2006 Serviços Indústria 9,48% 79,22% 11,30% Como pode ser observado, o setor de serviços em Belo Campo vem crescendo significativamente nos últimos dez anos, sendo esse responsável por quase 80% do PIB municipal em 2006. Nesse sentido, os dados revelam que Belo Campo não foge à regra dos pequenos municípios baianos, que, na sua grande maioria, têm no setor de serviços a principal fonte de renda de seus moradores, composto pelas receitas geradas pelo setor público, ou seja, empregos da prefeitura e do estado, além da aposentadoria e de uma pequena movimentação no comércio. Nessa direção, vale lembrar que, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, o município de Belo Campo desde a década de 1970 vem apresentando um crescimento significativo no setor de serviços, enquanto que o setor agropecuário apresenta oscilações com uma tendência à estagnação. (Figura 02) FIGURA 02: PIB Municipal, Belo Campo, 1970-2004 FONTE: IPEA A dinâmica das pequenas cidades se transformou demasiadamente com a intensificação do processo de urbanização na Bahia, após a década de 1980, quando o estado, assim como todo o território brasileiro, foi atingido de modo mais profundo por tal processo. O setor de comércio e serviço passou a assumir grande significado nas finanças do município de Belo Campo, enquanto o setor agrícola tendeu a cair. Os agentes propulsores e o camponês no espaço urbano de Belo Campo/BA Os estudos a respeito da mobilidade propõem duas correntes de abordagem teórica - a dos neoclássicos e a dos neomarxistas. Os neoclássicos entendem que a mobilidade física parte da decisão do indivíduo em se deslocar por vontade própria, sem levar em consideração a conjuntura espacial geoeconômica. Já os neomarxistas, contrários a essa idéia, propõem que a mobilidade seja um fenômeno de um grupo produzido socialmente. (GHIZZO; ROCHA, 2008). Assim, de acordo com os neomarxistas, os indivíduos não migram por vontade própria, mas devido às condições econômicas e sociais que estão postas. Nas palavras dos autores, “o indivíduo trabalhador, submisso ao capital e desprovido de outros bens, encontra, como única forma de sobrevivência, a venda do único bem de que dispõe: sua força de trabalho.” (GHIZZO E ROCHA, 2008, p. 102) Nessa direção, a mobilidade no modo de produção capitalista assume uma característica específica, que, para os autores supracitados, é a seguinte: Se, no período primitivo, significava para o homem o único recurso de obtenção de alimentos para a sobrevivência de seu grupo, veremos que, no sistema capitalista, para uma grande massa de indivíduos trabalhadores, a mobilidade também significa o único recurso gerador de subsídios de sobrevivência para si e sua família. (GHIZZO; ROCHA, 2008, p. 102) Essa idéia proposta por Ghizzo e Rocha está de acordo com a proposta de Gaudemar que, ao abordar a questão da mobilidade do trabalho, a define como um processo “em que os homens, os seus corpos e seus espaços de vida não passam de instrumentos de valorização do capital” (GAUDEMAR, 1977, p. 58). A força do trabalho utilizada para a sobrevivência do homem se transforma em mercadoria. Para o autor: A mobilidade da força de trabalho é assim introduzida, em primeiro lugar, como a condição de exercício de sua liberdade de se deixar sujeitar ao capital, de se tornar a mercadoria cujo consumo criará o valor e assim produzirá o capital. (GAUDEMAR, 1977, p. 190) Essa mão de obra mobilizada se torna produtora de mercadorias e, ao mesmo tempo, mercadoria que é vendida com a intenção da acumulação. Assim, “A liberdade de trabalho encontra-se totalmente definida nesta dupla determinação: o trabalhador dispõe livremente da sua força de trabalho, mas tem absoluta necessidade de a vender” (GAUDEMAR, 1977, p. 190). Para que o trabalho seja transformado em capital, o capitalista precisa encontrar no mercado o trabalho livre em dois sentidos: o trabalhador deve dispor de sua vontade, da sua força de trabalho, como mercadoria que lhe pertence e deve ser totalmente carente, das coisas indispensáveis a realização da sua força de trabalho (GAUDEMAR, 1997). Sendo assim, o trabalhador pode de certa forma escolher como utilizar da sua força de trabalho, mas vê-se obrigado a atender a uma lógica do mercado, que o impulsiona a se sujeitar a ocupação de cargos muitas vezes precários, a fim de manter sua sobrevivência. Ou seja, “Os capitalistas vendem os meios de subsistência para a obtenção da atividade de trabalho; os operários vendem suas forças de trabalho para a aquisição dos meios de subsistência” (ROCHA, 1999, p.159). A mobilidade, nesse sentido, se revela num movimento contraditório, que, para Ghizzo e Rocha: [...] embora a mobilidade humana seja um fato presente na história do homem, foi com a introdução das relações capitalistas de produção no espaço geográfico que este fenômeno se acentuou. A mobilidade encontrou seu índice mais representativo quando as relações capitalistas foram introduzidas no espaço agrário, levando a expropriação da terra aos pequenos proprietários rurais. [...] Este fato foi sentido de forma mais redundante pelos pequenos produtores rurais, os quais passaram a se proletarizar no espaço urbano. (GHIZZO; ROCHA, 2008. p. 105) Nesse sentido, muitos sujeitos, devido à expropriação dos meios de produção no contexto do processo de urbanização pelo qual passa a sociedade e pela não condição de sobreviver do trabalho ao qual está sendo empregado, devido à intensa precarização do trabalho, migram em direção a outras localidades. “A mobilidade da força de trabalho surge então como uma condição necessária, se não suficiente da gênese do capitalismo e como um índice do seu desenvolvimento (GAUDEMAR, 1977, p. 192). Essa mobilidade possui uma relação inseparável com o acúmulo do capital, pois o sujeito ao migrar muda a sua posição no contexto da divisão do trabalho. No Brasil, a mobilidade se manifesta nos pequenos municípios, tanto com a migração de pessoas que saem do município em direção aos grandes centros, quanto os que saem da zona rural em direção às pequenas cidades. Esse último, em menor escala, mas representativo no contexto de um país que, devido ao intenso processo de urbanização que vem passando, com o decorrer dos anos, tem a maior parte da sua população vivendo na cidade. Em Belo Campo, com base em questionários aplicados a pessoas que vieram para a cidade nas décadas de 1980 a 1990, 46% dessas disseram que já haviam residido em outro estado ou município antes de fixarem residência na cidade (Figura 03). Figura 03: Belo Campo, moradores que antes de fixarem residência na cidade moraram em outro município, 2010 Fonte: Pesquisa de campo, 2010 Uma prática bastante frequente relatada pelos entrevistados é o fato das pessoas ter saído do campo para outros estados ou municípios e quando resolveram retornar para a Belo Campo, mormente, passam a morar na cidade e não no campo, pois, para esses, o campo, embora seja considerado um lugar bom pra se viver, devido a sua tranquilidade, na maioria das vezes, é considerado o local do atraso, diante das péssimas condições de acesso a serviços básicos. Com base na aplicação dos questionários, ficou claro que ainda há um intenso fluxo migratório de Belo Campo para a Região Sudeste. Isso pode ser constatado no fato que 42% dos entrevistados responderam que tem algum membro da família morando em outro estado ou município. Sendo que desses, 96% estão no estado de São Paulo e somente 4% em Vitória da Conquista, a cidade média mais próxima do município. É importante salientar que a maioria dessas famílias possui entre um e quatro integrantes vivendo fora de seu local de origem. (Figura 04) Figura 04: Belo Campo, quantidade de membros da família que residem em outro estado ou município, 2010 Fonte: Pesquisa de campo, 2010 Sendo Belo Campo uma cidade que tem pouca oferta de trabalho, como dito anteriormente, e que também tem sua economia primordialmente baseada nos empregos gerados pelo poder público e nas receitas dos aposentados, essas pessoas vão para outras regiões em busca de trabalho. A. Santos, ao discutir sobre as migrações no Brasil, relata o seguinte: “De fato, ao gerar trabalhadores excedentes no seu movimento contínuo de acumulação, o capital cria a necessidade de fluxos de deslocamento em busca de trabalho” (A. SANTOS, 2006, p.06), pois o capital precisa estar constantemente encontrando maneiras de efetuar a sua acumulação. Essa mobilidade é também constatada entre campo e cidade no próprio município em estudo, porque há uma significativa parcela de trabalhadores rurais aposentados que, ao chegarem à velhice, não aguentando mais trabalhar e, uma vez que o acesso aos serviços de saúde era muito difícil, devido à falta de transporte, foram para a cidade. Existem, ainda, aqueles que foram porque precisavam estudar e/ou colocar os seus filhos na escola, pois no povoado onde moravam não tinha escola ou era muito longe e não havia transporte. Foi possível observar também que muitas pessoas consideravam a vida no campo difícil, alegando a falta da água (principalmente os que residiam na zona da caatinga), de escolas, postos de saúde, transporte, energia elétrica, ou seja, serviços básicos. Sobre os fatores que contribuem para a mobilidade, Ghizzo e Rocha utilizam as seguintes proposições: Estudos voltados para a questão da mobilidade comprovam que a decisão de concretizar este ato reside muito mais nas causas de repulsão que nas de atração. Entretanto, elas se entrelaçam, formando uma conjuntura em que a mobilidade seja a única saída para as pessoas. (GHIZZO; ROCHA, 2008. p. 107) De acordo com o que propõe os autores e a realidade observada, fica evidente que os fatores de repulsão, ou seja, os problemas citados anteriormente, nesse caso, são mais incisivos na decisão dessas pessoas em migrarem para a cidade. Os moradores entrevistados, residentes de diversos bairros da cidade, relataram que quando moravam na zona rural a sua grande maioria trabalhava na terra e de lá retiravam o sustento da sua família. (Figura 05) Figura 05: Belo Campo, Fonte de renda dos trabalhadores quando residiam no campo, 2010 Fonte: Pesquisa de campo, 2010 É pertinente observar que muitos desses moradores alegam ser o fato de não estarem mais conseguindo sobreviver da renda que tiravam da terra o motivo de irem morar na cidade. Esses eram trabalhadores que, em sua grande maioria, mais especificamente 84% dos entrevistados, labutavam somente em sua propriedade. Os demais trabalhavam em sua propriedade e de outros, sendo que alguns o faziam para complementar a renda que tiravam da lavoura ou da criação de animais. Ainda de acordo com Ghizzo e Rocha: Na maioria das vezes, a mobilidade é incentivada por uma ideologia, instigada no indivíduo através de uma fantasia irreal. Mas, em todo caso, este indivíduo parte motivado pela esperança, pelo desejo de mudar de vida, de ser melhor, de encontrar um trabalho ou condições que lhe proporcionem uma ascensão social. (GHIZZO; ROCHA, 2008. p. 107) Essa ideologia da qual trata o autor, da cidade como local do progresso, foi constatada em campo na fala dos indivíduos. Uma senhora quando perguntada como era a vida no campo disse o seguinte: “Era horrível, não tinha água, o trabalho era muito cansativo e não tinha perspectiva de vida, agente não tinha chance de desenvolver.” Nessa fala, fica evidente como a cidade ainda é vista como sinônimo de prosperidade, como lugar onde há uma chance de ascensão social e econômica. Pôde ser constatado também em campo que uma grande parte dos trabalhadores, seja diante da necessidade de compra da casa própria, uma vez que iria residir na cidade, seja por não almejar mais trabalhar na terra, se desfez de sua propriedade (Figura 06). Figura 06: Belo Campo, O que foi feito com a propriedade, após a vinda do camponês para a cidade, 2010 Fonte: Pesquisa de campo, 2010 Das pessoas que continuaram com suas propriedades, muitas deixaram para que algum membro da família pudesse tomar conta, e outras continuam trabalhando na mesma. Outra finalidade dessas terras é garantir a aposentadoria de donos e seus familiares, pois com o trabalho que muitos desenvolvem na cidade, sem nenhum direito trabalhista, dificilmente esse indivíduo conseguirá se aposentar. Damiani, ao comentar sobre a visão de Pierre George a respeito da migração, argumenta o seguinte: “Pierre George fala de migração não só como uma deslocação humana, mas como irradiação geográfica de um dado sistema econômico e de uma dada estrutura social”. A autora explica ainda que, na maioria das vezes, a migração é um acontecimento controlado politicamente, ou seja, não depende somente da vontade do individuo, mas dos condicionantes políticos que interferem de maneira direta na sua decisão (DAMIANI, 1998, p. 40). Nos relatos das pessoas entrevistadas na cidade de Belo Campo, ficou claro que esses indivíduos são impelidos de várias maneiras a deixarem o local de origem. Esses camponeses são naturais de povoados do próprio município de Belo Campo e de outros municípios do entorno, como Caraíbas e Tremedal. Ao chegarem à cidade, esperançosos de uma “vida melhor”, como relatam, os trabalhadores se depararam com as mais adversas situações. Muitos entrevistados ao relatarem sobre a época que chegaram à cidade disseram ter encontrado dificuldades. Esses somam 58%, sendo que as principais dificuldades apontadas foram a falta de emprego e/ou o emprego que conseguia era precário, pois oferecia baixíssimos salários. Normalmente, as mulheres se encarregavam de trabalhos em casa de família e os homens na construção civil, realizando “bicos”. Muitos desses trabalhadores (homens e mulheres), não encontrando nenhum trabalho na cidade, tinham de sair todos os dias de suas casas para trabalhar no campo, afim de que pudessem garantir a sobrevivência da família. Nessa direção, era intensa a mobilidade do trabalhador para o campo afim da realização do trabalho, sendo que no final do dia o indivíduo retornava para a cidade. Os relatos apontam que, na maioria das vezes, o valor pago pelos seus serviços não era o suficiente, uma vez que alguns consideravam o custo de vida na cidade mais alto que no campo. Esses camponeses, ao chegarem à cidade, em sua grande maioria, se instalaram no Centro. Contudo, há uma grande parte (44%) que foram morar nos bairros Alvorada e Cidade Nova (Figura 07). Figura 07: Belo Campo, primeiro bairro que o camponês fixou residência ao chegar à cidade, 2010 Fonte: Pesquisa de campo, 2010 Segundo pesquisa documental, o bairro Cidade Nova foi criado no ano de 1993 e nesse mesmo período a atual gestão municipal criou uma lei que dava respaldo legal à doação de lotes para pessoas que não tinham residência na cidade. Nessa direção, não somente os habitantes da cidade, mas pessoas que moravam na zona rural ganharam lotes, para assim construir suas casas. Essa prática, mesmo que pontualmente, já que eram poucas as pessoas que ganhavam esses lotes, fomentava no morador do campo certo desejo da possibilidade de viver na cidade, uma vez que o campo, naquele momento, já era marcado por uma intensa precarização do trabalho, como falamos alhures. Nesse sentido, faz-se necessário advertir que grande parte dessas pessoas, quando chegaram à cidade, foi morar em casa própria (Figura 08), como dissemos, porque venderam sua propriedade na zona rural. Mas, em contraste, muitas afirmam ter encontrado dificuldades para conseguir comprá-la. Sendo que boa parte dos entrevistados, ainda não possuem. Figura 08: Belo Campo, situação da residência do trabalhador ao chegar à cidade, 2010 Fonte: Pesquisa de campo, 2010 No que diz respeito situação da renda familiar dos entrevistados, no total soma-se 141 pessoas adultas, sendo que dessas 78% possuem renda. A maior parte da renda vem de subempregos e uma parcela de aposentados. De acordo com os dados levantados, apenas 28 pessoas desse total de 141 não trabalham. Pôde-se perceber que dos 57% das pessoas que dizem estar trabalhando, apesar de viverem na cidade, 23% são lavradores que retiram do campo sua renda. Observou-se que esses trabalhadores, não diferente de quando chegaram à cidade, ainda se ocupam, em sua grande maioria, com trabalhos mal remunerados. São os casos dos balconistas, vendedores, empregadas domésticas e algumas funções no setor público. Seus salários raramente chegam a um salário mínimo. A fim de exemplificar, pode ser exposta a ocorrência de uma mulher, mãe de dois filhos entrevistada, que com 27 anos, trabalha em uma casa de família, onde realiza todas as atividades da casa e recebe pelo seu trabalho R$ 200,00 mensalmente. Sua jornada de trabalho varia entre 07 e 09 horas diária. A vida dessas pessoas é intensamente marcada pela precarização e desvalorização do seu trabalho. No entanto, esses trabalhadores não vêm outra saída, senão de se submeter a essa lógica. Considerações Finais A mobilidade do trabalho é claramente constatada nos municípios baianos, não só em direção à Região Sudeste do país, como ficou bem claro que ainda existe fortemente em Belo Campo, mas também, em direção às pequenas cidades do próprio município, como uma saída que os trabalhadores encontram para conseguirem garantir sua sobrevivência. Essa mobilidade é conseqüência, dentre outros fatores, da precarização do trabalho no campo diante da imensa falta de políticas públicas. Por conseguinte, na cidade, ao trabalhador também é negada a possibilidade de reprodução da vida por meio do trabalho. Outro aspecto relevante é a forte propagação da idéia de cidade como sinônimo do moderno e do campo como lugar do atraso. Essa idéia é resultado de uma política após a intensificação do processo de industrialização no Brasil em meados do século XX que volta os olhares para a cidade enquanto que o campo é esquecido, competindo ao trabalhador se subjugar a lógica decorrente a fim de mobilizar sua força de trabalho. Referências: BACELAR, W. K. de A. As dualidades das pequenas cidades: as cidades com menos de 10.000 habitantes do cerrado triangulino. In: II Simpósio Regional de Geografia: perspectivas para o cerrado no século XXI, Uberlândia, Anais.., 2003. DAMIANI, Amélia. População e Geografia. 9 ed. São Paulo: Contexto, 1998. 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