A Mobilidade em uma Pequena Cidade Baiana: Um Estudo Sobre Belo Campo/BA
Silmara Oliveira Moreira
Bolsista de iniciação científica - UESB
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
Email: [email protected]
Resumo: O objetivo deste artigo é discutir como se deu/dá a mobilidade do trabalho na cidade de
Belo Campo/BA, diante das relações campo-cidade que nela se constituem. Nesse sentido, a
compreensão da dinâmica do urbano que permeia uma pequena cidade, uma vez que a cidade
em estudo se encontra nesse âmbito de classificação, ajuda a entender empiricamente as
motivações que levam o trabalhador do campo a deixar seu local de origem e como se dá a sua
instalação no espaço urbano. As causas, ligadas à precarização do trabalho no campo, são
reflexos da ausência de políticas públicas voltadas para a manutenção desse camponês no seu
local de origem. Essa precarização levou um grande número de trabalhadores a deixarem suas
terras e irem em direção à cidade, acreditando que lá teriam acesso a um trabalho menos árduo
com acesso aos serviços básicos e a “melhores condições de vida”. As dificuldades e desafios
enfrentados por esse camponês na cidade apontam o difícil acesso à moradia, ao trabalho e aos
mesmos serviços que antes eram de difícil acesso no campo. Nessa direção, tanto no campo,
quanto na cidade, o período pós revolução industrial, no Brasil, foi marcado por uma intensificação
na precarização do trabalho.
Palavras-chave: mobilidade do trabalho, Belo Campo, Precarização, cidade-campo
Introdução:
O presente trabalho é resultado das pesquisas desenvolvidas dentro do grupo de
pesquisa Urbanização e Produção de cidades na Bahia, a fim de compreender a dinâmica
das pequenas cidades baianas, sobretudo, as pequenas cidades do território de
Identidade de Vitória da Conquista, ao qual é utilizado como recorte para a delimitação da
pesquisa.
O objetivo deste artigo é discutir como se deu/dá a mobilidade do trabalho na
cidade de Belo Campo/BA, diante das relações campo-cidade que nela se constituem.
Nesse sentido, a compreensão da dinâmica do urbano que permeia uma pequena cidade,
uma vez que a cidade em estudo se encontra nesse âmbito de classificação, ajuda a
entender empiricamente as motivações que levam o trabalhador do campo a deixar seu
local de origem e como se dá a sua instalação no espaço urbano.
O município de Belo Campo, limita-se com os municípios de Tremedal, Cândido
Sales, Caraíbas e Vitória da Conquista, sendo que a cidade fica às margens da BA-265. É
um município que foi emancipado na segunda metade do século XX, mais precisamente
em 1962, no período que o Brasil começava a intensificar seu processo de urbanização.
Nesse momento, houve um grande número de municípios emancipados no estado da
Bahia, fazendo surgir muitas cidades, sendo que muitas dessas ainda são consideradas
de pequeno porte.
Esse intenso processo de urbanização é chamado por Damiani (2009) de
urbanização crítica, que se conforma como tal fazendo com que haja uma impossibilidade
do urbano para todos, nos marcos da economia em vigência e na reprodução da
sociedade urbanizada. (DAMIANI, 2009, p. 69). Essa tendência da urbanização, marcada
pela periferização da classe trabalhadora, além de gerar conflitos, tende a acentuar os já
existentes no espaço urbano. Também, a urbanização, diante da maneira perversa como
vem se estabelecendo para atender a lógica de interesses do capital, cada vez mais
aguça as desigualdades. Nesse sentido, é importante considerar que a presente pesquisa
procura entender a urbanização enquanto um processo, que deve ser analisado como
movimento espaço-temporal, ou seja, considerando os fatores que ao logo do tempo
influenciaram para as transformações na urbanização e consequentemente na
configuração do espaço urbano, com base nas ideias de Sposito (2004).
Reflexões sobre a noção de pequena cidade
Ao tratar de pequena cidade, há uma grande divergência de conceitos entre
estudiosos do urbano. No Brasil, segundo o IBGE, todo distrito sede de município é
considerado cidade e são classificadas da seguinte maneira: cidades com até 20.000
habitantes são consideradas pequenas; acima desse número são médias; e acima de
500.000 são classificadas como grandes cidades. Nesse sentido, é importante salientar
que cada país tem a sua classificação. Ao tratar do assunto, Ferreira argumenta o
seguinte:
Entendemos que a qualificação ou não de cidades, deva ir além do número
de habitantes e, que esse critério não deve ingressar as discussões e
análises. Tal critério apresenta-se como um caminho, entretanto, a vida de
relações presente na localidade é que devem definir seu contexto urbano
ou rural. A maneira como a população emprega seu tempo nas atividades
realizadas e como suas práticas cotidianas são preenchidas por hábitos
urbanos, valores urbanos vinculados, geralmente ao consumo de
mercadorias industrializadas. (FERREIRA, 2008, p. 03)
É importante destacar, no entanto, que a classificação de uma cidade em pequena,
média ou grande, segundo o dado demográfico por si só, não é suficiente para a
compreensão do papel da cidade, e sim a função que essa exerce na escala regional, ou
até mesmo nacional, dentre outros aspectos.
De acordo com o exposto, Belo Campo deve ser considerada uma pequena cidade
pela influência regional quase não existente, uma vez que só polariza o município e uma
cidade de pequeno porte pela questão demográfica, pois possui 9.036 habitantes1.
Diante das grandes divergências, como citado anteriormente, na conceituação e na
denominação de pequena cidade, uma vez que órgãos se diferem quanto à classificação,
é importante salientar que as pequenas cidades também carregam em si um conteúdo
urbano nas relações estabelecidas - sejam elas de ordem econômica ou nas relações
sociais - ainda que a ruralidade, mesmo em pequena escala, se faça presente.
Nessa direção, o ritmo com que esse urbano se verifica na cidade pequena é
diferenciado das médias e grandes cidades, e esse é um caminho de discussão ainda
pouco explorado empiricamente, sobretudo, no caso das cidades baianas.
Ferreira pondera a respeito da importância se conhecer a fundo as necessidades
socioespaciais dessas pequenas cidades, uma vez que essas também enfrentam
problemas na sua configuração espacial, antes notados apenas nas grandes cidades. Por
apresentar especificidades diferentes das grandes cidades, a aplicação de modelos
administrativos ou de planejamentos realizados nas cidades maiores em pequenas
cidades, nem sempre apresentam um bom resultado. (FERREIRA, 2008).
M. Santos, ao tratar das redes urbanas, denomina a pequena cidade de cidade
local. Para o autor, a cidade local é de extrema importância para as vilas e a zona rural do
município, mesmo possuindo um nível urbano elementar. (SANTOS M. 1979 apud
OLIVEIRA, 2008). Assim, para o autor, a cidade local é caracterizada pela satisfação das
necessidades imediatas de consumo, ou mesmo de circulação das suas mercadorias,
uma vez que não era possível uma ligação com as cidades maiores. Essa realidade,
segundo Soares e Ferreira, vem mudando:
1
Fonte: IBGE – Censo demográfico 2010 – dados da população urbana do distrito sede.
Atualmente essas pequenas cidades têm diminuído os seus papéis como
localidades centrais, apresentando um entorno territorial que se esvazia,
razão do acesso mais facilitado aos centros regionais possibilitado pela
facilidade de deslocamento. (FERREIRA; SOARES, 2008, p. 08)
Nesse sentido, essas pequenas cidades vêm transformando sua dinâmica, diante
da crescente facilidade que os indivíduos têm de acesso aos centros maiores, com o
avanço da tecnologia e da circulação tanto de mercadorias, como de pessoas.
Para Barcelar, a definição de cidade como grande aglomeração não contempla a
dinâmica das pequenas cidades, pois:
[...] alguns estudiosos do urbano estabelecem critérios rigorosos para
caracterizar um determinado assentamento humano como cidade e assim
relegam cidades menores a um limbo conceitual e até mesmo modificam
suas características de conceituação ao afirmarem serem as pequenas
cidades, não-cidades. (BACELAR, 2003, p.03)
Assim, é importante lembrar que as mudanças decorrentes do processo de
urbanização, em uma pequena cidade, acontecem de maneira totalmente diferenciada
das demais cidades.
É nessa perspectiva que se adota a classificação de pequena cidade para se
discutir no presente trabalho, entendendo que a questão demográfica, não sozinha, mas
aliada à função que a cidade desempenha na rede urbana e o conteúdo da urbanidade
presente no tecido urbano são elementos essências para entender a dinâmica de uma
pequena cidade. Nesse momento, dar-se á prioridade aos dados levantados sobre a
cidade de Belo Campo, situada no sudeste da Bahia e a sudoeste da cidade de Salvador,
a capital do Estado. (Figura 01).
Figura 01: Município de Belo Campo, localização na Bahia, 2010
Nesse sentido, é pertinente o entendimento de que as pequenas cidades na Bahia
desempenham papel muito importante na rede urbana. Sua economia, normalmente, está
ligada aos empregos gerados pelo setor público ou às atividades desempenhadas no
campo, ou seja, atividades do setor primário da economia. Nos últimos anos, o Produto
Interno Bruto – PIB no setor de comércio e serviço vem apresentando uma parcela
crescente do peso nessas cidades, como no caso de Belo Campo. (Tabela 01)
Tabela 01:
Belo Campo / BA
Produto Interno Bruto 2000 – 2006
Agrícola
2000
Serviços
Indústria
24,18%
59,77%
16,05%
Fonte: IBGE
Agrícola
2006
Serviços
Indústria
9,48%
79,22%
11,30%
Como pode ser observado, o setor de serviços em Belo Campo vem crescendo
significativamente nos últimos dez anos, sendo esse responsável por quase 80% do PIB
municipal em 2006. Nesse sentido, os dados revelam que Belo Campo não foge à regra
dos pequenos municípios baianos, que, na sua grande maioria, têm no setor de serviços a
principal fonte de renda de seus moradores, composto pelas receitas geradas pelo setor
público, ou seja, empregos da prefeitura e do estado, além da aposentadoria e de uma
pequena movimentação no comércio.
Nessa direção, vale lembrar que, segundo dados do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada – IPEA, o município de Belo Campo desde a década de 1970 vem
apresentando um crescimento significativo no setor de serviços, enquanto que o setor
agropecuário apresenta oscilações com uma tendência à estagnação. (Figura 02)
FIGURA 02: PIB Municipal, Belo Campo, 1970-2004
FONTE: IPEA
A dinâmica das pequenas cidades se transformou demasiadamente com a
intensificação do processo de urbanização na Bahia, após a década de 1980, quando o
estado, assim como todo o território brasileiro, foi atingido de modo mais profundo por tal
processo. O setor de comércio e serviço passou a assumir grande significado nas
finanças do município de Belo Campo, enquanto o setor agrícola tendeu a cair.
Os agentes propulsores e o camponês no espaço urbano de Belo Campo/BA
Os estudos a respeito da mobilidade propõem duas correntes de abordagem
teórica - a dos neoclássicos e a dos neomarxistas. Os neoclássicos entendem que a
mobilidade física parte da decisão do indivíduo em se deslocar por vontade própria, sem
levar em consideração a conjuntura espacial geoeconômica. Já os neomarxistas,
contrários a essa idéia, propõem que a mobilidade seja um fenômeno de um grupo
produzido socialmente. (GHIZZO; ROCHA, 2008).
Assim, de acordo com os neomarxistas, os indivíduos não migram por vontade
própria, mas devido às condições econômicas e sociais que estão postas. Nas palavras
dos autores, “o indivíduo trabalhador, submisso ao capital e desprovido de outros bens,
encontra, como única forma de sobrevivência, a venda do único bem de que dispõe: sua
força de trabalho.” (GHIZZO E ROCHA, 2008, p. 102)
Nessa direção, a mobilidade no modo de produção capitalista assume uma
característica específica, que, para os autores supracitados, é a seguinte:
Se, no período primitivo, significava para o homem o único recurso de
obtenção de alimentos para a sobrevivência de seu grupo, veremos que,
no sistema capitalista, para uma grande massa de indivíduos
trabalhadores, a mobilidade também significa o único recurso gerador de
subsídios de sobrevivência para si e sua família. (GHIZZO; ROCHA, 2008,
p. 102)
Essa idéia proposta por Ghizzo e Rocha está de acordo com a proposta de
Gaudemar que, ao abordar a questão da mobilidade do trabalho, a define como um
processo “em que os homens, os seus corpos e seus espaços de vida não passam de
instrumentos de valorização do capital” (GAUDEMAR, 1977, p. 58). A força do trabalho
utilizada para a sobrevivência do homem se transforma em mercadoria. Para o autor:
A mobilidade da força de trabalho é assim introduzida, em primeiro lugar,
como a condição de exercício de sua liberdade de se deixar sujeitar ao
capital, de se tornar a mercadoria cujo consumo criará o valor e assim
produzirá o capital. (GAUDEMAR, 1977, p. 190)
Essa mão de obra mobilizada se torna produtora de mercadorias e, ao mesmo
tempo, mercadoria que é vendida com a intenção da acumulação. Assim, “A liberdade de
trabalho encontra-se totalmente definida nesta dupla determinação: o trabalhador dispõe
livremente da sua força de trabalho, mas tem absoluta necessidade de a vender”
(GAUDEMAR, 1977, p. 190). Para que o trabalho seja transformado em capital, o
capitalista precisa encontrar no mercado o trabalho livre em dois sentidos: o trabalhador
deve dispor de sua vontade, da sua força de trabalho, como mercadoria que lhe pertence
e deve ser totalmente carente, das coisas indispensáveis a realização da sua força de
trabalho (GAUDEMAR, 1997).
Sendo assim, o trabalhador pode de certa forma escolher como utilizar da sua força
de trabalho, mas vê-se obrigado a atender a uma lógica do mercado, que o impulsiona a
se sujeitar a ocupação de cargos muitas vezes precários, a fim de manter sua
sobrevivência. Ou seja, “Os capitalistas vendem os meios de subsistência para a
obtenção da atividade de trabalho; os operários vendem suas forças de trabalho para a
aquisição dos meios de subsistência” (ROCHA, 1999, p.159).
A mobilidade, nesse
sentido, se revela num movimento contraditório, que, para Ghizzo e Rocha:
[...] embora a mobilidade humana seja um fato presente na história do
homem, foi com a introdução das relações capitalistas de produção no
espaço geográfico que este fenômeno se acentuou. A mobilidade
encontrou seu índice mais representativo quando as relações capitalistas
foram introduzidas no espaço agrário, levando a expropriação da terra aos
pequenos proprietários rurais. [...]
Este fato foi sentido de forma mais redundante pelos pequenos produtores
rurais, os quais passaram a se proletarizar no espaço urbano. (GHIZZO;
ROCHA, 2008. p. 105)
Nesse sentido, muitos sujeitos, devido à expropriação dos meios de produção no
contexto do processo de urbanização pelo qual passa a sociedade e pela não condição
de sobreviver do trabalho ao qual está sendo empregado, devido à intensa precarização
do trabalho, migram em direção a outras localidades.
“A mobilidade da força de trabalho surge então como uma condição necessária, se
não suficiente da gênese do capitalismo e como um índice do seu desenvolvimento
(GAUDEMAR, 1977, p. 192). Essa mobilidade possui uma relação inseparável com o
acúmulo do capital, pois o sujeito ao migrar muda a sua posição no contexto da divisão do
trabalho.
No Brasil, a mobilidade se manifesta nos pequenos municípios, tanto com a
migração de pessoas que saem do município em direção aos grandes centros, quanto os
que saem da zona rural em direção às pequenas cidades. Esse último, em menor escala,
mas representativo no contexto de um país que, devido ao intenso processo de
urbanização que vem passando, com o decorrer dos anos, tem a maior parte da sua
população vivendo na cidade.
Em Belo Campo, com base em questionários aplicados a pessoas que vieram para
a cidade nas décadas de 1980 a 1990, 46% dessas disseram que já haviam residido em
outro estado ou município antes de fixarem residência na cidade (Figura 03).
Figura 03: Belo Campo, moradores que antes de fixarem residência na
cidade moraram em outro município, 2010
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
Uma prática bastante frequente relatada pelos entrevistados é o fato das pessoas
ter saído do campo para outros estados ou municípios e quando resolveram retornar para
a Belo Campo, mormente, passam a morar na cidade e não no campo, pois, para esses,
o campo, embora seja considerado um lugar bom pra se viver, devido a sua tranquilidade,
na maioria das vezes, é considerado o local do atraso, diante das péssimas condições de
acesso a serviços básicos.
Com base na aplicação dos questionários, ficou claro que ainda há um intenso
fluxo migratório de Belo Campo para a Região Sudeste. Isso pode ser constatado no fato
que 42% dos entrevistados responderam que tem algum membro da família morando em
outro estado ou município. Sendo que desses, 96% estão no estado de São Paulo e
somente 4% em Vitória da Conquista, a cidade média mais próxima do município. É
importante salientar que a maioria dessas famílias possui entre um e quatro integrantes
vivendo fora de seu local de origem. (Figura 04)
Figura 04: Belo Campo, quantidade de membros da família que residem em
outro estado ou município, 2010
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
Sendo Belo Campo uma cidade que tem pouca oferta de trabalho, como dito
anteriormente, e que também tem sua economia primordialmente baseada nos empregos
gerados pelo poder público e nas receitas dos aposentados, essas pessoas vão para
outras regiões em busca de trabalho. A. Santos, ao discutir sobre as migrações no Brasil,
relata o seguinte: “De fato, ao gerar trabalhadores excedentes no seu movimento contínuo
de acumulação, o capital cria a necessidade de fluxos de deslocamento em busca de
trabalho” (A. SANTOS, 2006, p.06), pois o capital precisa estar constantemente
encontrando maneiras de efetuar a sua acumulação.
Essa mobilidade é também constatada entre campo e cidade no próprio município
em estudo, porque há uma significativa parcela de trabalhadores rurais aposentados que,
ao chegarem à velhice, não aguentando mais trabalhar e, uma vez que o acesso aos
serviços de saúde era muito difícil, devido à falta de transporte, foram para a cidade.
Existem, ainda, aqueles que foram porque precisavam estudar e/ou colocar os seus filhos
na escola, pois no povoado onde moravam não tinha escola ou era muito longe e não
havia transporte.
Foi possível observar também que muitas pessoas consideravam a vida no campo
difícil, alegando a falta da água (principalmente os que residiam na zona da caatinga), de
escolas, postos de saúde, transporte, energia elétrica, ou seja, serviços básicos. Sobre os
fatores que contribuem para a mobilidade, Ghizzo e Rocha utilizam as seguintes
proposições:
Estudos voltados para a questão da mobilidade comprovam que a decisão
de concretizar este ato reside muito mais nas causas de repulsão que nas
de atração. Entretanto, elas se entrelaçam, formando uma conjuntura em
que a mobilidade seja a única saída para as pessoas. (GHIZZO; ROCHA,
2008. p. 107)
De acordo com o que propõe os autores e a realidade observada, fica evidente que
os fatores de repulsão, ou seja, os problemas citados anteriormente, nesse caso, são
mais incisivos na decisão dessas pessoas em migrarem para a cidade.
Os moradores entrevistados, residentes de diversos bairros da cidade, relataram
que quando moravam na zona rural a sua grande maioria trabalhava na terra e de lá
retiravam o sustento da sua família. (Figura 05)
Figura 05: Belo Campo, Fonte de renda dos trabalhadores quando residiam no
campo, 2010
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
É pertinente observar que muitos desses moradores alegam ser o fato de não
estarem mais conseguindo sobreviver da renda que tiravam da terra o motivo de irem
morar na cidade. Esses eram trabalhadores que, em sua grande maioria, mais
especificamente 84% dos entrevistados, labutavam somente em sua propriedade. Os
demais trabalhavam em sua propriedade e de outros, sendo que alguns o faziam para
complementar a renda que tiravam da lavoura ou da criação de animais. Ainda de acordo
com Ghizzo e Rocha:
Na maioria das vezes, a mobilidade é incentivada por uma ideologia,
instigada no indivíduo através de uma fantasia irreal. Mas, em todo caso,
este indivíduo parte motivado pela esperança, pelo desejo de mudar de
vida, de ser melhor, de encontrar um trabalho ou condições que lhe
proporcionem uma ascensão social. (GHIZZO; ROCHA, 2008. p. 107)
Essa ideologia da qual trata o autor, da cidade como local do progresso, foi
constatada em campo na fala dos indivíduos. Uma senhora quando perguntada como era
a vida no campo disse o seguinte: “Era horrível, não tinha água, o trabalho era muito
cansativo e não tinha perspectiva de vida, agente não tinha chance de desenvolver.”
Nessa fala, fica evidente como a cidade ainda é vista como sinônimo de prosperidade,
como lugar onde há uma chance de ascensão social e econômica.
Pôde ser constatado também em campo que uma grande parte dos trabalhadores,
seja diante da necessidade de compra da casa própria, uma vez que iria residir na cidade,
seja por não almejar mais trabalhar na terra, se desfez de sua propriedade (Figura 06).
Figura 06: Belo Campo, O que foi feito com a propriedade, após a vinda do
camponês para a cidade, 2010
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
Das pessoas que continuaram com suas propriedades, muitas deixaram para que
algum membro da família pudesse tomar conta, e outras continuam trabalhando na
mesma. Outra finalidade dessas terras é garantir a aposentadoria de donos e seus
familiares, pois com o trabalho que muitos desenvolvem na cidade, sem nenhum direito
trabalhista, dificilmente esse indivíduo conseguirá se aposentar.
Damiani, ao comentar sobre a visão de Pierre George a respeito da migração,
argumenta o seguinte: “Pierre George fala de migração não só como uma deslocação
humana, mas como irradiação geográfica de um dado sistema econômico e de uma dada
estrutura social”. A autora explica ainda que, na maioria das vezes, a migração é um
acontecimento controlado politicamente, ou seja, não depende somente da vontade do
individuo, mas dos condicionantes políticos que interferem de maneira direta na sua
decisão (DAMIANI, 1998, p. 40).
Nos relatos das pessoas entrevistadas na cidade de Belo Campo, ficou claro que
esses indivíduos são impelidos de várias maneiras a deixarem o local de origem. Esses
camponeses são naturais de povoados do próprio município de Belo Campo e de outros
municípios do entorno, como Caraíbas e Tremedal.
Ao chegarem à cidade, esperançosos de uma “vida melhor”, como relatam, os
trabalhadores se depararam com as mais adversas situações. Muitos entrevistados ao
relatarem sobre a época que chegaram à cidade disseram ter encontrado dificuldades.
Esses somam 58%, sendo que as principais dificuldades apontadas foram a falta de
emprego e/ou o emprego que conseguia era precário, pois oferecia baixíssimos salários.
Normalmente, as mulheres se encarregavam de trabalhos em casa de família e os
homens na construção civil, realizando “bicos”. Muitos desses trabalhadores (homens e
mulheres), não encontrando nenhum trabalho na cidade, tinham de sair todos os dias de
suas casas para trabalhar no campo, afim de que pudessem garantir a sobrevivência da
família. Nessa direção, era intensa a mobilidade do trabalhador para o campo afim da
realização do trabalho, sendo que no final do dia o indivíduo retornava para a cidade.
Os relatos apontam que, na maioria das vezes, o valor pago pelos seus serviços
não era o suficiente, uma vez que alguns consideravam o custo de vida na cidade mais
alto que no campo.
Esses camponeses, ao chegarem à cidade, em sua grande maioria, se instalaram
no Centro. Contudo, há uma grande parte (44%) que foram morar nos bairros Alvorada e
Cidade Nova (Figura 07).
Figura 07: Belo Campo, primeiro bairro que o camponês fixou residência ao
chegar à cidade, 2010
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
Segundo pesquisa documental, o bairro Cidade Nova foi criado no ano de 1993 e
nesse mesmo período a atual gestão municipal criou uma lei que dava respaldo legal à
doação de lotes para pessoas que não tinham residência na cidade. Nessa direção, não
somente os habitantes da cidade, mas pessoas que moravam na zona rural ganharam
lotes, para assim construir suas casas. Essa prática, mesmo que pontualmente, já que
eram poucas as pessoas que ganhavam esses lotes, fomentava no morador do campo
certo desejo da possibilidade de viver na cidade, uma vez que o campo, naquele
momento, já era marcado por uma intensa precarização do trabalho, como falamos
alhures.
Nesse sentido, faz-se necessário advertir que grande parte dessas pessoas,
quando chegaram à cidade, foi morar em casa própria (Figura 08), como dissemos,
porque venderam sua propriedade na zona rural. Mas, em contraste, muitas afirmam ter
encontrado dificuldades para conseguir comprá-la. Sendo que boa parte dos
entrevistados, ainda não possuem.
Figura 08: Belo Campo, situação da residência do trabalhador ao chegar à
cidade, 2010
Fonte: Pesquisa de campo, 2010
No que diz respeito situação da renda familiar dos entrevistados, no total soma-se
141 pessoas adultas, sendo que dessas 78% possuem renda. A maior parte da renda
vem de subempregos e uma parcela de aposentados. De acordo com os dados
levantados, apenas 28 pessoas desse total de 141 não trabalham. Pôde-se perceber que
dos 57% das pessoas que dizem estar trabalhando, apesar de viverem na cidade, 23%
são lavradores que retiram do campo sua renda.
Observou-se que esses trabalhadores, não diferente de quando chegaram à
cidade, ainda se ocupam, em sua grande maioria, com trabalhos mal remunerados. São
os casos dos balconistas, vendedores, empregadas domésticas e algumas funções no
setor público. Seus salários raramente chegam a um salário mínimo. A fim de
exemplificar, pode ser exposta a ocorrência de uma mulher, mãe de dois filhos
entrevistada, que com 27 anos, trabalha em uma casa de família, onde realiza todas as
atividades da casa e recebe pelo seu trabalho R$ 200,00 mensalmente. Sua jornada de
trabalho varia entre 07 e 09 horas diária. A vida dessas pessoas é intensamente marcada
pela precarização e desvalorização do seu trabalho. No entanto, esses trabalhadores não
vêm outra saída, senão de se submeter a essa lógica.
Considerações Finais
A mobilidade do trabalho é claramente constatada nos municípios baianos, não só
em direção à Região Sudeste do país, como ficou bem claro que ainda existe fortemente
em Belo Campo, mas também, em direção às pequenas cidades do próprio município,
como uma saída que os trabalhadores encontram para conseguirem garantir sua
sobrevivência.
Essa mobilidade é conseqüência, dentre outros fatores, da precarização do
trabalho no campo diante da imensa falta de políticas públicas. Por conseguinte, na
cidade, ao trabalhador também é negada a possibilidade de reprodução da vida por meio
do trabalho.
Outro aspecto relevante é a forte propagação da idéia de cidade como sinônimo do
moderno e do campo como lugar do atraso. Essa idéia é resultado de uma política após a
intensificação do processo de industrialização no Brasil em meados do século XX que
volta os olhares para a cidade enquanto que o campo é esquecido, competindo ao
trabalhador se subjugar a lógica decorrente a fim de mobilizar sua força de trabalho.
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