ARQUITETURA DOS SENTIDOS
CAMPOS, CÁSSIO
Casa do Baile
Centro de Referência de Urbanismo, Arquitetura e Design
Avenida Otacílio Negrão de Lima, 751, Pampulha
[email protected]
RESUMO
A mediação sensorial do patrimônio arquitetônico como plataforma de ações de acessibilidade
cultural, comunicação horizontal e dialógica.
Palavras-chave: mediação, acessibilidade cultural, patrimônio, arquitetura
Apresentação
A Casa do Baile integra o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, Belo Horizonte, idealizado e
projetado por Juscelino Kubitschek e Oscar Niemeyer para dotar a região com um complexo
de lazer e turismo de vanguarda nos anos 1940. Um dos marcos da arquitetura modernista,
o Baile foi originalmente projetado para ser um restaurante dançante, um espaço de
diversão mais popular.
A Pampulha é um marco não somente pela inovadora arquitetura de Niemeyer ou dos
jardins de Burle Marx, mas trata-se de uma grande obra de arte coletiva que integra outras
áreas como a pintura, azulejaria, escultura, com nomes como Portinari, Ceschiatti,
Zamoyski, Paulo Werneck, Athos Bulcão, José Pedrosa. Instaura na cidade um novo modo
de viver e socializar com os ares trazidos pelo modernismo, pois as pessoas passam a se
encontrar no espaço da lagoa para dançar, jogar, praticar esportes, comungar uma religião.
Pampulha se apresenta como uma paisagem cultural apropriada pela cidade de diferentes
formas em diferentes períodos, sem perder sua forte significância. O conjunto possui
tombamento nas três esferas (federal, estadual e municipal) e empenha candidatura à
Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO.
Inaugurada em 1942, a Casa fazia um contraponto ao Cassino da Pampulha, conhecido
como Palácio de Cristal, espaço luxuoso de diversão da capital. O Baile foi então palco de
diversões mais populares, sobretudo da classe média, com seus bailes e festas. Era comum
a travessia em barco do Cassino para o Baile a fim de terminar a noite dançando. Também
eram comuns as reuniões de pessoas para assistirem às competições de regata e remo.
Todavia a proibição de jogos de azar no Brasil, em 1946, faria com que o Cassino da
Pampulha encerrasse suas atividades e em meio a outros fatores, como a não sagração da
Igreja da Pampulha, surtos de esquistossomose e outras doenças e o rompimento da
barragem em 1954 submergisse a Pampulha numa fase de crise.
A Casa do Baile passaria a ter fases de usos alternados, muitos deles como restaurante,
espaço de festas, depósito, períodos de inutilização, não se havendo com critérios de
preservação do patrimônio. Nos anos 1980 pensa-se na Casa como espaço museológico,
uma espécie de museu redondo. Mas o Baile volta a se encontrar com seu uso original não
criterioso e tornam-se notórias as interferências e danos à edificação. Tal situação se agrava
culminando num período de abando e ruína, com o espaço sendo ocupado por uma família
de moradores de rua. A partir de 1998 iniciam-se os trabalhos de uma comissão técnica,
com a participação de Oscar Niemeyer, para tratar das obras de restauro da Casa e definir
sua nova vocação. Em 2002 é reaberta como Centro de Referência de Urbanismo,
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Arquitetura e Design, com exposições, seminários e ações educativas concernentes a essas
temáticas.
Atualmente a Casa do Baile integra a Diretoria de Políticas Museológicas, da Fundação
Municipal de Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte e trabalha de forma colaborativa e em
integração com os educativos de outros equipamentos culturais, a saber Museu de Arte da
Pampulha, Casa Kubitscheck, Centro de Cultura Belo Horizonte/Centro de Referência da
Moda, Centro de Referência Audiovisual e Museu Histórico Abílio Barreto.
A partir de 2010 a Casa do Baile passa a consolidar seu Programa Educativo permanente,
reforçando e ampliando as ações realizadas, entendendo a importância da Pampulha como
marco arquitetônico, paisagístico, social, cultural, um acervo operacional da cidade. Propõe
e realiza ações de mediação dialógica dentro e fora do espaço museal voltadas para os
mais diferentes perfis de públicos, entendendo e respeitando as diferenças. Nesse contexto
surgem também as ações de acessibilidade cultural.
Por ser um marco arquitetônico inserido numa paisagem de forte apelo natural e cultural,
percebeu-se que a visibilidade era o recurso museológico, expográfico e educativo mais
utilizado e o Programa Educativo confrontou-se com uma seguinte realidade: como uma
pessoa com deficiência visual, por exemplo, poderia usufruir e se apropriar desse espaço?
Como perceber as curvas de Niemeyer ou as belezas dos jardins de Burle Marx e da própria
Lagoa da Pampulha?
As questões de acessibilidade, quando eram percebidas, limitavam-se apenas às barreiras
arquitetônicas ou ao enquadramento ou não às normas técnicas específicas. O Programa
Educativo se colocou diante da seguinte questão: adianta uma pessoa com deficiência, seja
ela qual for, apenas conseguir chegar à Casa do Baile, adentrar seu espaço, e utilizar um
banheiro adaptado, por exemplo? E com relação aos conteúdos culturais nela expostos, e
antes de tudo a própria Casa como o principal acervo a ser explorado? Diante disso buscouse a implantação de ações de acessibilidade tanto arquitetônica quanto cultural,
direcionadas aos mais variados públicos, começando pelas pessoas com deficiência visual
(cegueira e baixa visão) entendendo que essas pessoas teriam o maior grau de dificuldade
de fruição cultural.
Arquitetura dos Sentidos: conceitos e métodos
O projeto “Arquitetura dos Sentidos” nasce a partir da percepção da necessidade de
implantação de ações de acessibilidade cultural em campo ampliado, oferecendo práticas de
mediação dialógica para públicos com pouca ou nenhuma apropriação de espaços
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museológicos como pessoas com deficiências e mobilidade reduzida, pessoas em
condições
sociais
vulneráveis,
não
letrados,
que
possuem
dificuldade
com
a
língua/linguagem, crianças, estrangeiros, de outras etnias e outros. Propõe estabelecer uma
comunicação horizontal, partindo do pressuposto de um educativo que enxerga a mediação
como um acontecimento único e particular entre mediador e público e em que ambos
tenham uma mesma potência de atuação.
O projeto “Arquitetura dos Sentidos” realiza visitas mediadas para grupos mistos – pessoas
com deficiências e pessoas sem deficiências, propondo uma nova forma de mediação da
arquitetura e conteúdos correlatos a partir dos sentidos. Não se atém a “adaptar” formatos,
mas a elaborar uma nova abordagem patrimonial que beneficie a todos os públicos, a partir
de um pressuposto de que somos seres sensoriais e múltiplos na percepção da realidade.
As primeiras ações têm sido direcionadas para atender às pessoas com deficiência visual cegueira e baixa visão - e o público vidente é vendado. Essas visitas nascem a partir de um
novo desenho e insere novos dispositivos educativos.
A metodologia utilizada propõe dois grandes marcos: um primeiro de exploração sensorial e
construção de um imaginário mental referencial sobre espaço, arquitetura, uso, função,
história e outro voltado para a exploração espacial, pautado pelo deslocamento por todos os
espaços e sendo explorados os sentidos (toque dos diferentes materiais, toque e cheiro do
jardim, as diferenças de incidência solar e os micro climas, a brisa da lagoa, as diferenças
de ruídos). As visitas ocorrem em grupos entre 10 a 15 participantes contando com o
máximo de 2 pessoas para cada mediador, para garantir segurança e qualidade de
interação e diálogo.
Acessibilidade em campo ampliado significa eliminação de barreiras físicas, de
comunicação e informação, aderência e aceitação do público em relação aos
conteúdos
apresentados
pelos
espaços
culturais
em
suas
ofertas.
(SARRAF, 2013, p.19)
Espaços livres de barreiras e que considerem diferentes formas de relacionamento,
percepção e cognição são mais atrativos para todas as pessoas, independente de
suas condições físicas, sensoriais e intelectuais. (SARRAF, 2013, p.20)
No momento em que o sentido da visão prevalece sobre os outros sentidos e
começa a ter um status excessivamente maior que o tato, o olfato, o paladar e,
sobretudo, a propriocepção – a percepção de si mesmo – temos um desequilíbrio.
Se valorizássemos o tato tanto quanto valorizamos a visão teríamos uma sociedade
profundamente diferente (BAITELLO, 1999, p.5)
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A vocação museológica da Casa do Baile é ser, desde 2002, um Centro de Referência de
Urbanismo, Arquitetura e Design. Assim, a arquitetura é, a princípio, objeto primeiro das
visitas, bem como suas derivações e relações com o entorno, paisagem, geografia, história,
hábitos, costumes. Para além da concretude da forma, a arquitetura tida como expressão do
homem. Isso somado ao fato da própria Casa ser um marco arquitetônico modernista
projetado por Oscar Niemeyer inserida numa relevante paisagem cultural: a Pampulha.
Tratar uma edificação como acervo operacional da cidade é um pressuposto conceitual do
projeto, que prevê a itinerância da atividade em outros exemplares arquitetônicos relevantes
da cidade.
Para cada visita é seguido um mesmo procedimento metodológico na sua elaboração:
pesquisa para levantamento de dados históricos, geográficos, culturais, arquitetônicos e
outros a fim de elaborar um arcabouço informacional; desenho de um roteiro de visitação
(conteúdos, pontos de interesse, formas de abordagem, trajeto); elaboração de peças e
materiais; visita – teste; visita com público; avaliação. São feitos estudos de formação,
parcerias de cooperação técnica com outras instituições museais que já possuem ações de
acessibilidade cultural e convívio / diálogo com pessoas e instituições que lidam com as
pessoas com deficiência visual.
Casa do Baile
Em agosto de 2013 foi realizada a primeira visita vendada. Num primeiro instante o grupo foi
reunido no auditório da Casa do Baile e os videntes foram vendados. Partiu-se de uma
concepção que foi além de uma visita adaptada para aqueles que não enxergam, mas
antes, colocar numa mesma experiência pessoas que possuem uma visão dita normal e
relativizar as deficiências e potencialidades de todos os presentes.
A primeira parte da visita constou de uma contextualização histórica e geográfica ilustrada
por fonogramas intercalados na mediação, explorando a audição e traçando uma trajetória
narrativa, uma cronologia sonora, propondo que além de receber uma informação formal, o
visitante construa e viva uma experiência. Por exemplo, mais do que saber que era comum
nos anos 1940 as pessoas cruzarem a lagoa em barcos, foi estimulado que as pessoas se
imaginassem dentro desse barco atravessando a lagoa. Os fonogramas utilizados foram os
seguintes:
1. Som de pássaros (Pampulha antiga, rural, anterior ao conjunto arquitetônico)
2. Som de restaurante (Casa do Baile com sua função original de restaurante dançante)
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3. Som de barco na água (as travessias comuns entre o então Cassino e a Casa do
Baile pela Lagoa da Pampulha)
4. Som dos músicos (baixo)
5. Som dos músicos (bateria)
6. Som dos músicos (trompete)
7. Som dos músicos (piano)
8. Som de música de época (Moonlight Serenade) (ambientação de época)
9. Som de vazamento de água (rompimento da barragem da Pampulha em 1954 –
momento de crise)
10. Som de suspense (fase de abandono da Casa do Baile)
11. Som de vidro quebrado (fase de abandono da Casa do Baile)
12. Som de desenho à lápis (reabertura da Casa como espaço museal – visita de
Niemeyer em 2003 e feitura manual de croquis em painel)
13. Som de depoimento de Niemeyer (fala sobre a Pampulha).
Num segundo instante os visitantes passaram por um momento de exploração tátil de
maquetes de edificações de diferentes estilos arquitetônicos da cidade e de dois exemplares
da Pampulha: Casa do Baile e Igreja São Francisco de Assis. Com essa atividade
pretendeu-se a percepção das diferenças de formas e traçados além da construção mental
de um referencial macro da Casa como um todo que auxiliasse posteriormente a exploração
espacial.
Complementando essa ação também foram utilizadas pranchetas em relevo contendo a
planta da Casa do Baile, para a construção de um mapa mental com a distribuição espacial
do local que auxiliasse posteriormente no deslocamento e fornecesse bases para a
percepção da arquitetura numa relação entre parte-todo e um mapa da lagoa da Pampulha
com a distribuição espacial pontual dos diversos equipamentos idealizados por Niemeyer e
J.K. para o conjunto.
Em seguida foi realizado um momento de exploração tátil de objetos, a saber um antigo
cardápio, único remanescente da história do uso original da Casa e um exercício de
exploração de lâmpadas (forma-função), que no espaço, por ser de uma arquitetura que se
propôs fugir de padrões convencionais estéticos e estruturais apresenta inúmeras
particularidades. Os visitantes puderam perceber isso através da iluminação, que conta com
mais de doze tipos diferentes de lâmpadas, de áreas internas e externas, nos mais variados
usos.
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Logo após os visitantes partiram para a exploração espacial do local, sempre
acompanhados e instigados por um mediador. Eles tocaram toda a extensão da parede
curva interna da Casa, das grandes paredes de vidro, do piso em taco (incluindo o toque de
uma peça avulsa solta para a noção de parte-todo), descrição do espaço interno (altura,
entrada-saída, painel com croqui feito à mão Niemeyer em 2003 e outros elementos).
Depois ocorreu a exploração da área externa, com o toque do piso em calçada portuguesa
(novamente usando o conceito de peças soltas para o parte-todo), toque das plantas
(estímulo tátil, formas, texturas, cheiros, agrupamentos, cores), de elementos arquitetônicos
(colunas em granito, pastilhas sextavadas, azulejaria – foi utilizada uma peça com a
reprodução do padrão em relevo) e sensações (incidência solar, brisa, diferenças de ruídos,
proximidade da lagoa – feito através do exercício de jogar pedras na água).
Ao final foi realizado um exercício que propôs ao visitante uma autonomia de caminhada
orientada pelo guarda corpo da ponte de acesso à Casa. Os participantes voltaram ao
auditório e as vendas foram retiradas. No fim da atividade houve um momento de conversa
na qual foram reunidas e trocadas impressões, ouvidas opiniões, sugestões e críticas.
Museu de Arte da Pampulha
O Museu de Arte da Pampulha integra o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, sendo o
primeiro projeto elaborado por Niemeyer ali. Sua função original era um cassino, espaço
destinado ao jogo e diversão sofisticados. A própria arquitetura nos conta isso: uma
edificação imponente, mesclando retas e curvas, com deslocamento feito em níveis através
de suas graciosas rampas e materiais nobres provenientes de várias partes do mundo. Era
conhecido à época como Palácio de Cristal e havia uma integração com a Casa do Baile,
então destinada ao lazer mais popular, através das travessias feitas em barco. Margeando o
então cassino há um imponente jardim projetado por Burle Marx com esculturas de Alfredo
Ceschiatti, José Pedrosa e August Zamoyski.
O conjunto é oficialmente inaugurado em 1943 tendo como grande âncora o cassino.
Todavia, apenas após 3 anos de uso, o cassino fecharia suas portas com a proibição dos
jogos de azar no Brasil pelo presidente Dutra, em 1946. A partir de então o espaço continua
voltado para espetáculos de diferentes ordens até se transformar em museu de arte
moderna e contemporânea em 1957, função que desempenha até os dias de hoje.
Na edição do Museu de Arte da Pampulha foi feito contato com o Setor Braile da Biblioteca
Pública Luís de Bessa, que reuniu um grupo de pessoas com deficiência visual para
participarem da visita. A Casa do Baile forneceu transporte, entendendo que as ações de
acessibilidade em alguns momentos envolvem além do “receber” o “trazer” as pessoas com
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deficiências. O restante do grupo foi composto por público vendado. A visita contou com
uma mediação central e mediadores replicadores, que acompanhavam uma ou duas
pessoas e além de repassar a informação criavam diálogos, mediações e interações
específicos, minivisitas dentro da visita. A visita seguiu o seguinte roteiro:
- Apresentação: parte do grupo foi vendado e em seguida foi apresentada a proposta da
atividade e cada membro do grupo também de apresentou. Seguiu-se breve apresentação
da Pampulha. A atividade se realizou na sala multiuso.
Em virtude do tempo e para testar a metodologia optou-se por utilizar os materiais táteis de
construção de referencial espacial para o fim da visita. A descrição foi utilizada como
recurso para prover tal referência. Todavia, ao término da visita constatou-se que esse
momento inicial de conceituação através de materiais táteis é mais eficaz.
- Abraço: o grupo começa então o deslocamento em uma exploração espacial do lugar.
Próximo à escultura “O Abraço”, de Alfredo Ceschiatti, foi realizada uma atividade de
propriocepção. O grupo foi dividido em duplas e cada integrante ficava de costas para o
outro. Num primeiro momento cada pessoa tocava seu próprio corpo: dedos, mãos, braços,
peito, cabeça. Num segundo momento, ainda de costas, as pessoas se tocavam pelas mãos
e iam se virando uma de frente para outra, repetindo os exercícios de toque na outra pessoa
e se aproximando mais até um completar um abraço. A atividade se propôs a um despertar
inicial dos sentidos, em especial o toque, despertar a percepção do próprio corpo e
promover um momento de interação.
- Azulejos: através de material educativo tátil foi realizada exploração tátil, na qual foi
possível ver o padrão do azulejo, atribuídos a Paulo Werneck.
- Referencial espacial: posicionado em frente à entrada principal foi feita uma descrição
espacial (de todo terreno, posição dos jardins, da edificação, lagoa, arruamento). Foi
realizada descrição da edificação (volumetria, posicionamento, materiais).
- Jardins: exploração sensorial dos jardins de Burle Marx (forma, cor, aroma, textura,
tamanho) e as sensações de incidência solar, vento, sons e outros. Revelou-se o momento
mais apreciado pelo grupo, em especial as pessoas com deficiência visual. Foi realizada
também a exploração tátil da escultura “Nu”, de August Zamoyski.
- Salão / mezanino: exploração espacial e dos materiais de revestimento, variados e ricos,
característicos da edificação inicialmente idealizada para ser um cassino. Foi incentivado a
exploração tátil com as mãos e pés.
- Auditório: aproveitando-se a acústica do lugar foi realizada mais uma atividade de
propriocepção relacionada ao som. Num primeiro momento as pessoas foram convidadas a
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colocar um dedo dentro de um ouvido e emitir um som, para perceber sua voz interna. Num
segundo momento, uma a uma, se posicionava ao centro do espaço de reverberação e era
convidado a emitir um som e perceber seu eco.
Também foi realizado o toque de peças que remetiam ao uso original do cassino, no caso
uma roleta e fichas de jogo. Uma ação conjunta com o setor de conservação e restauração
do MAP.
Com todo o grupo reunido a visita foi encerrada numa roda de conversa onde foram
trocadas impressões, feitas sugestões, críticas e apontamentos. Posteriormente seguiu-se
um momento livre de conversa com os mediadores e de exploração de peças táteis.
Casa do Baile: pelos jardins de Burle Marx
Em maio de 2014 o projeto retorna para a Casa do Baile. Nesta edição foram abordados os
jardins projetados por Roberto Burle Marx, numa experiência sensorial, sinestésica e
cinestésica (propriocepção). A ideia foi contextualizar a importante obra do renomado
paisagista brasileiro, os elementos e princípios de composição de seus jardins e sua
interação com a arquitetura de Oscar Niemeyer.
O grupo foi reunido no auditório e os videntes foram vendados. Foi apresentada a dinâmica
da visita e cada participante se apresentou aos demais. Em seguida foi apresentada uma
cronologia sonora sobre a evolução histórica da Pampulha / Casa do Baile.
►fonograma 1 : pássaros [Pampulha velha, rural, evolução social e urbana para o conjunto
modernista]
►fonograma 2: lagoa-barco [travessia cassino-baile, a lagoa como complexo de lazer e
turismo]
►fonograma 3: restaurante [uso original da Casa do Baile – restaurante dançante]
►fonograma 4: Moonlight Serenade [evocação de época]
►fonograma 5: rompimento barragem [crise da Pampulha]
►fonograma 6: desenhar [Painel Niemeyer, novo uso Casa do Baile, transformações da
Pampulha
Em seguida foi apresentada uma curta biografia: “Roberto Burle Marx São Paulo SP 1909 –
Rio de Janeiro RJ 1994. Paisagista, arquiteto, desenhista, pintor, gravador, litógrafo,
escultor, ceramista, designer de joias, decorador. Vive sua infância no Rio de Janeiro e em
1928 parte com a família para a Alemanha e participa ativamente da vida cultural de Berlim.
Nos jardins e museus botânicos se encanta ao encontrar exemplares da flora brasileira.
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Nos anos 1930 volta ao Rio de Janeiro e estuda pintura e arquitetura na Escola Nacional de
Belas Artes. Em 1932 realiza seu primeiro projeto de jardim para a residência Schwartz a
pedido de Lúcio Costa. Entre 1934 e 1937 se torna diretor de parques e jardins de Recife e
tem aulas periódicas com Portinari e Mario de Andrade no Rio.
O fim dos anos 1930 marca o início da integração de seu paisagismo com a arquitetura
moderna, experimentando formas orgânicas e sinuosas em seus projetos. Sua paixão por
botânica e jardinagem faz com que em 1949 organize uma coleção de plantas num sítio de
800.000 m2 em Campo Grande, Rio de Janeiro. Com outros botânicos realiza viagens para
diversas partes do país para coletar exemplares de plantas, reproduzindo em sua obra a
diversidade brasileira.
O caráter inovador da obra de Burle Marx reside em trabalhar tanto como botânico como
pesquisador, descobrindo e incorporando espécies vegetais do cerrado, Amazônia e
nordeste, além de elementos arquitetônicos e minerais.
Em seus jardins é notável a preocupação com as massas de cor obtidas através do
agrupamento de plantas, as formas orgânicas e a integração entre a paisagem construída e
o cenário natural. Trabalha em colaboração com arquitetos modernos em projetos
residenciais e institucionais, destacando-se sua atuação em Pampulha nos anos 1940 e
Brasília em 1960”.
Os conceitos e princípios principais de seus jardins foram apresentados:
- rompimento do paisagismo vigente (natureza ordenada pelo homem e para o homem):
priorização de relações ecológicas.
- valorização da flora autóctone (introdução de plantas “não nobres”).
- rompimento com padrões europeus (francês e inglês): forma original e tropical de lidar com
a paisagem.
- continuum: obra integrada ao entorno.
- maciços de cores.
- poucos elementos em destaque.
- jardim sinuoso
- introdução de jardins aquáticos em muitos projetos.
Em seguida foi lido para o grupo uma fala do próprio paisagista, destacando seu
reconhecimento da diversidade da flora brasileira:
Parece que tudo o que a gente encontra em nossa natureza tem a designação de
mato e por ser mato não serve. Tenho me batido muito pela utilização de plantas
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brasileiras, sobretudo por ser a nossa flora tão rica. Tenho à minha disposição mais
de 5 mil espécies de árvores e mais de 50 mil espécies de plantas. É absurdo não
introduzi-las nos jardins”. MARX, s.d.
Foi realizada uma contextualização espacial através da visualização tátil do paisagismo da
Casa do Baile, jardins internos e externos, numa concepção de relação “parte-todo”,
gerando um ideário mental de deslocamento. Para isso é foi utilizada uma peça educativo
que mostra o paisagismo sobreposto à planta arquitetônica da Casa.
Enquanto a peça tátil do paisagismo circulava pelo grupo os demais componentes eram
convidados a participar de dois exercícios de estimulação sensorial: tátil (manipulação de
peças rígidas com diferentes formas, tamanhos e texturas) e olfativa (bastões aromáticos
sintéticos – erva doce, chocolate, morango e trousseau). Foi sugerido o acesso à memória
olfativa através dos aromas citados e pedido ao grupo que compartilhasse um momento de
vida marcante relacionado a um cheiro.
O próximo passo foi a exploração espacial dos jardins, interno e externo, com estímulo ao
toque (texturas, cores, formas), cheiros, sensações, num movimento de estímulo –
informação – experimentação.
Foi realizado um trajeto em que as espécies vegetais eram tocadas, intercalando alguns
exercícios de propriocepção (percepção de si mesmo), conforme sequência:
a) Tradescantia sphatacea: moisés no berço, barco-de-moisés, abacaxi roxo ; América
tropical e subtropical.
Erythrina speciosa: murungu, mulungu do litoral, mulungu, eritrina, corticeira; Brasil.
Tradescantia pallida purpúrea: trapoeraba, coração roxo; México.
b) Cyperus giganteus: papiro-brasileiro, papiro; Brasil
c) Exercício de propriocepção: caminhada vendada autônoma, utilizando o beiral da ponte
de acesso para orientação.
d) Chorisia speciosa: árvore de lã, árvore de paina, barriga d’água, barriguda, bomba
d’água, paina, paineira, paineira branca, paineira fêmea, paineira rosa, paineira de espinho,
paineira de seda; Brasil.
No trajeto para o próximo ponto, estimular a percepção podo tátil - sonora (pés) dos
diferentes tipos de piso (calçada portuguesa, grama, galhos e gravetos): qual o som de um
passo?
e) Canna x generalis - (amarela e vermelha): cana- da – Índia, birí, bananeirinha de jardim;
América tropical
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f) Exercício de propriocepção – audição: posicionados de frente para a lagoa, cada
integrante do grupo irá lançar uma pedra na lagoa. Foi pedido que prestassem atenção ao
som e imaginem uma distância. Em seguida será repetido o exercício e o desafio será tentar
perceber se a pedra traçou uma trajetória maior ou menor. Estimular ainda a percepção de
outros ruídos, numa espécie de pequeno inventário sonoro.
g) Yucca elephantipes: iúca; América central.
h) Strelitzia nicolai: bananeira de jardim, bananeira selvagem, ave gigante do paraíso; África
do Sul.
i) Encerramento: colocar o grupo no semicírculo, voltado para a lagoa. Retirar a venda e
pedir que lentamente as pessoas abram seus olhos, para não machucar os olhos com a
luminosidade. Momento para troca de experiências, impressões, críticas e sugestões.
Considerações
Um patrimônio cultural, material ou imaterial, independente do seu tipo de manifestação traz
intrínsecas as ideias de valor e pertencimento. É consenso sua importância como registro de
uma sociedade e seu usufruto e manutenção. Falar em patrimônio é dizer, de certa forma,
que algo é de todos. Falar em acessibilidade cultural é dizer que todos têm direito à plena
fruição desse patrimônio, de forma digna, autônoma e segura.
O projeto “Arquitetura dos Sentidos” nasce do ensejo de proporcionar mecanismos de
ativação do patrimônio arquitetônico modernista da Pampulha, projetado por Oscar
Niemeyer, que desde sua gênese alcançou repercussão internacional por seu caráter único
e inovador, de uma nova arquitetura, uma arquitetura brasileira. Tal reconhecimento faz com
que a Pampulha se torne atualmente candidata ao título de “Patrimônio Cultural Mundial“
pela UNESCO.
Assim, o que significa dizer que um patrimônio, sobretudo arquitetônico, é de todos? Nossa
sociedade confere à visibilidade o status máximo de percepção e apropriação de realidades,
numa afirmativa cultural e social do “basta apenas ver”. Toda a pluralidade sensorial e de
propriocepção (percepção de si mesmo) é pouco ou não utilizada. Basta apenas ver?
Com esse projeto o Programa Educativo da Casa do Baile se impôs o desafio da construção
de novos diálogos, de novas comunicações, dialógicas e horizontais pautadas no patrimônio
arquitetônico como plataforma para experiências, antes de visitas formais. Acessar a
arquitetura, o paisagismo, as artes integradas além de conteúdos, numa abertura à voz do
outro, sua interferência. Não basta ver a arquitetura com a visão, mas vê-la com os sentidos,
todos, em sua plena potência. Uma ação não destinada apenas às pessoas com
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deficiências, sobretudo as visuais, mas à todas as pessoas dispostas a ver com todos os
“olhos” que nosso corpo possui.
Vendar-se é se permitir ver e os relatos das pessoas que foram vendadas nessas visitas
tem em comum o quanto elas “não viam antes”, em como os detalhes passavam
despercebidos, em como não prestaram atenção a um detalhe, em como não sabiam algo
sobre certo aspecto, enfim, em como sua relação com esse patrimônio mediado apenas
pela visão “normal” é pobre. As ações, atividades e peças educativas elaboradas serviam
mais às pessoas vendadas, muitas delas frequentadoras assíduas desses espaços, do que
às pessoas com deficiências visuais.
Um patrimônio cujo valor é dado não somente por títulos e graus de tombamento, mas cuja
significância reside na experiência e vivência individual. Na edição realizada no Museu de
Arte da Pampulha uma participante, cega, relatou que participava todo ano da Volta
Internacional da Pampulha, e segundo ela, corria para o vazio. Após a visita, em que teve a
oportunidade de ver uma peça tátil com o contorno da Lagoa da Pampulha e seus principais
pontos turísticos afirmou: “agora sei para onde corro”.
Sentido não apenas como uma manifestação sensorial (tato, visão, audição, olfato e
paladar), mas também no sentido do que é sentido, sentido como direção, sentido como
vivenciado, que se sente. A arquitetura como plataforma de itinerância, uma vez que as
visitas ocorrem em exemplares arquitetônicos significativos da cidade, a cada edição,
cumprindo a vocação da Casa do Baile como Centro de Referência de Urbanismo,
Arquitetura e Design. A mediação como formação, premissa importante do constante
aprendizado e trocas das mais diversas ordens. Patrimônio como algo de todos, com todos
e para todos.
“(...) agora sei para onde corro”.
Referências
BAITELLO, Norval Júnior. Imagem e violência: a perda do presente. São Paulo em
perspectiva – Violência e mal estar na sociedade, São Paulo: Fundação SEADE, v.13,
n.13, p.81-84, jul./set. 1999.
SARRAF, Viviane Panelli. A comunicação dos sentidos nos espaços culturais
brasileiros: estratégias de mediações e acessibilidade para as pessoas com suas
diferenças. 2013. 251f. Tese (Doutorado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2013.
3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro
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