XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉ-ALAS BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI. GT06 - Gênero, política, feminismos e desenvolvimento. Mulher Pesca e Cidadania: Uma trajetória de luta Claudia Lima (UFRPE) – Autor E-mail [email protected] Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão (UFRPE) - Co-Autor: rosá[email protected] Mulher Pesca e Cidadania: Uma trajetória de luta Claudia Lima1 (UFRPE) - Autor Maria do Rosário de Fátima Andrade Leitão 2(UFRPE) - Co-Autor O artigo inclui o debate sobre gênero, pesca e cidadania das mulheres pescadoras do Estado de Pernambuco, temática a qual estou inserida desde 2008 em atividades com o grupo de pesquisa Desenvolvimento e Sociedade, coordenado pela prof. Drª. Maria do Rosário Leitão e também com as colônias de pesca Z-10 e Z-01 em Itapissuma e nas comunidades de Brasília Teimosa, Bode e Ilha de Deus, cuja forma de atuação é uma metodologia participativa baseada no diálogo e discussões de temas de interesses como: Políticas públicas, desenvolvimento local, participação e meio ambiente. A proposta inclui o aporte teórico sobre trabalho, gênero e desenvolvimento local e assim refletir como as desigualdades entre homens e mulheres estão construídas, naturalizadas e cristalizadas na sociedade, especialmente na cadeia produtiva da pesca artesanal. Historicamente, mulheres pertencentes a distintas categorias de trabalhadoras têm sido ignoradas, invisibilizadas e excluídas das esferas de participação e decisão junto a órgãos do governo. Hoje, porém, a crescente mobilização das mulheres é um fato social e político que tem alcançado uma nova dimensão, na medida em que mais e mais mulheres começam a se mobilizar e a se organizar em associações, sindicatos e entidades representativas de seus direitos. Nesse sentindo, o movimento de mulheres que trabalham na pesca, que tanto são referidos como pescadeiras ou pescadoras, vem se juntar aos demais 1 Mestranda em Extensão Rural e Desenvolvimento Local (Posmex) UFRPE E-mail [email protected] ²Professora Drª Associada I, Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal Rural de Pernambuco e Coordenadora do projeto:Ações para Consolidar a Transversalidade de gênero nas políticas públicas para pesca Aqüicultura , E-mail: rosá[email protected] movimentos de mulheres de outras categorias de trabalhadores que lutam por sua autonomia e valorização. Mesmo estando em fase embrionária, esse movimento vem conseguindo alguns resultados, ainda que de forma pontual. A desvalorização do papel da mulher na manutenção do grupo, seu confinamento, que não tem nada de natural, ao espaço do lar e que, em consequência, restringe os movimentos da mulher no espaço social, contribuem, também, para abafar sua voz. A mulher, por conta disso, não frequenta ou frequenta menos os espaços associativos dos “homens”, como a colônia ou o sindicato de pescadores. Sem consciência de sua importância pública, a mulher reduz seu potencial de luta àqueles setores em que sua contribuição seria de imediato fundamental. Nas comunidades pesqueiras, a mulher vive todos os dias, muito mais que os homens, as dificuldades concretas da vida em terra. Ela teria por isso mesmo o importante papel de levantar também questões especificas quanto à qualidade de vida, contribuindo, assim, para a valorização da categoria dos pescadores artesanais. A mudança nas concepções de gênero que tendem a menosprezar seu papel social deveria permitir sua participação ativa no movimento de pescadores, visto que tem interesses que, no fundo, são comuns aos de seus companheiros e aos de todos aqueles que vivem da pesca. Se a sociedade brasileira, tal como está estruturada, não permite aos pescadores e pescadoras condições dignas de trabalho, a superação dessa situação depende de que todos participem do movimento. Isso porque a submissão da mulher em casa, na sua comunidade, pelo fato de que ela não estuda e não participa das reuniões, só contribui para que ela aceite mais passivamente a dominação social mais ampla, exercida pelos que detêm o poder econômico e político na sociedade como um todo. As mulheres pescadoras atuam em dois espaços distintos, em terra e nas águas. No espaço da terra, elas estão envolvidas com a realização de atividades produtivas e atividades voltadas à reprodução do grupo familiar. No primeiro caso, elas podem ser encontradas na roça, na pesca, confeccionando e reparando materiais de trabalho, no artesanato e na comercialização de produtos oriundos dessas atividades. No espaço das águas, costeiras e interiores (rios e lagos), elas pescam empregando técnicas e materiais diversos. Embora por atividades produtivas sejam entendidas comumente apenas aquelas que geram renda, existem atividades que as mulheres realizam e que não são geradoras de renda imediata, mas são imprescindíveis para uma pesca bem sucedida. Dentre essas encontra-se a confecção de trastes de pesca (redes, covos, matapi etc.), seu conserto e conservação, o beneficiamento do pescado (salga, secagem e armazenamento) e a venda do pescado. Essas tarefas desenvolvem-se principalmente no espaço de terra, dentro de casa e nos quintais. No contexto da cadeia produtiva da pesca artesanal é conhecido que a desigualdade está presente sendo mais explícita na vida de mulheres, jovens e idosas que estão numa situação de exacerbação da exclusão Este artigo se norteia pelos dados colhidos no Projeto “Ações para Consolidar a Transversalidade de Gênero nas Políticas Públicas Para Pesca e Aqüicultura”, o qual tem como objetivo garantir a incorporação da transversalidade de gênero na formulação e implementação das políticas públicas do MPA/PR3 e demais órgãos públicos, através de ações articuladas e dialógicas com entidades parceiras e comunidades beneficiárias, compartilhando e gerando conhecimentos na busca da eficácia das ações na redução das assimetrias de gênero, assegurando uma governabilidade mais democrática e inclusiva para as mulheres trabalhadoras da pesca e da aqüicultura. Esse projeto contempla Paraíba, Ceará, Santa Catarina e Pará. Ao cinco estados: Pernambuco, analisarmos as contradições nas relações de gênero e seu custo social e econômico identificamos em relatório da UNIFEM4 que essa desigualdade, está atrelada principalmente à violência. Por isso, as questões de gênero foram aqui contempladas no debate sobre desenvolvimento local que incorpora as seguintes dimensões: sustentabilidade ambiental, participação política das comunidades e regulação institucional local desses programas. Além destes aspectos, o novo paradigma de desenvolvimento local articula três grandes questões: o conceito de desenvolvimento, os mecanismos que favorecem os processos de desenvolvimento e as formas eficazes de atuação dos atores econômicos, sociais e políticos. 3 Ministério da Pesca e Aqüicultura da presidênciada Republica. http://www.unifem.org.br/sites/700/710/00000395.pdf acessado em maio de 2010. Relatório do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) foi criado em 1976 como resposta às demandas das organizações de mulheres presentes na Primeira Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a Mulher, que se realizou na Cidade do México, em 1975.’ 4 De acordo com Tauk Santos e Callou (1995, p. 45); A perspectiva de desenvolvimento local passa por um esforço de mobilização de pequenos grupos no município, na comunidade, no bairro, na rua, a fim de resolver problemas imediatos ligados às questões de sobrevivência econômica, de democratização das decisões, de promoção de justiça social. O conceito de desenvolvimento local se apóia na idéia de que as localidades e territórios dispõem de recursos econômicos, humanos, institucionais, ambientais e culturais, além de economias de escala não exploradas, que constituem o seu potencial de desenvolvimento, como destaca Barquero; A existência de um sistema produtivo capaz de gerar rendimentos crescentes, mediante a utilização dos recursos disponíveis e a introdução de inovações, garante a criação de riqueza e a melhoria do bem estar da população local. (BARQUERO,1999). O enfoque sobre mulher e pesca consiste num tema instigante porque o fato de estar mais presente nos discursos, não significa que as propostas estejam sendo postas em prática, se são realizadas de forma coerente ou de forma segmentada. Buscamos, portanto, o aporte teórico sobre trabalho, gênero e desenvolvimento local de modo a refletir como as desigualdades entre homens e mulheres estão construídas, naturalizadas e cristalizadas na sociedade, especialmente na cadeia produtiva da pesca artesanal. De acordo com Leitão (apud VIEIRA, 1997, p.127), as teorias de desenvolvimento do século XX defendiam a ideia de que só o crescimento econômico poderia promover o progresso social, melhorar a qualidade de vida e reduzir as desigualdades, mas, ao contrário do previsto,o crescimento econômico trouxe consigo o aumento da pobreza e da exclusão social. Um dos graves problemas que afeta a pesca artesanal ainda é a exclusão das mulheres e sua não participação política. Quais as possíveis alternativas para essas mulheres? Cooperação? Participação? Liderança? Perguntamos se essas são ferramentas para que ocorra um maior empoderamento das mulheres. E ainda o que significa empoderamento? Empoderamento é um neologismo que se refere ao ato de tornar-se o poder, realizado por quem carece dele. O empoderamento das mulheres implica, então, em garantir-lhes, os meios para que possam tornar-se a idéia e o ato, e desse modo, consigam combater a discriminação de que são objeto e elevar sua posição social (Costa,2000 PAG 35). O mecanismo de exclusão das mulheres, enquanto mulheres, difere dos mecanismos de exclusão de outras categorias sociais. O mais importante na exclusão social das mulheres é, como vimos no capítulo anterior, o predomínio do patriarcado, cuja lógica se sustenta na concepção do homem como o provedor e dominador na relação familiar. De acordo com COSTA (1999, p.38), ainda hoje, apesar de todas as transformações ocorridas na condição feminina, muitas mulheres, de todos os níveis sociais, não podem decidir sobre suas vidas, não se constituem enquanto sujeitos, não exercem o poder e principalmente não acumulam esse poder, mas o reproduzem, não para elas mesmas, mas para aqueles que de fato controlam o poder. Neste contexto, a realidade é que se ser mulher é desvalorizado, ser mulher negra ou pescadora, o é ainda mais em um universo masculino. Na profissão de pescadora, a relação entre homens e mulheres repete o que ocorre no resto da sociedade: mesmo se esforçando como pescadoras as mulheres não tem o seu trabalho valorizado. Por isso, muitas vezes, elas próprias não conseguem enxergar a importância de seu papel! (LEITÃO, 2008 p.54). E ainda passam por dificuldades onde muitas não possuem carteira de trabalho, a maioria não sabe nadar, as mitologias que no mar elas levam azar para a tripulação etc. Essas são problemáticas que serão analisadas nesta pesquisa. Há muitas dificuldades para alcançar a igualdade, porque as concepções sobre o ser homem e ser mulher são passadas de uma geração para outra, e a família atua como se as diferenças entre masculino e feminino fossem somente biológicas. (LEITÃO, 2010, p.43) Nesse contexto, os conflitos entre homens e mulheres muitas vezes são ignorados, tratados como comportamentos naturais, quando, na verdade, eles são construídos no cotidiano, pela cultura. (LEITÃO,ibid) Ainda sobre gênero, COSTA (1999, p.36) afirma que apesar das diferenças de classe, raça, cultura e alguns outros aspectos derivados da condição de subordinação, são comuns a todas as mulheres: o controle masculino sobre o seu trabalho; o acesso restrito aos recursos econômicos e sociais e ao poder político; a violência masculina e o controle da sexualidade. Ao pesquisar sobre gênero, trabalho e desenvolvimento local vale ressaltar a importância de estudar o tema considerando a exclusão das mulheres no setor pesqueiro, visto que somente a partir de 1979 é que obtiveram o reconhecimento na legislação federal de sua qualificação profissional (LEITÃO, ibid). Ainda hoje as Colônias são presididas, em sua maioria, por homens e a pesada rotina das pescadoras vinculada à maré e à família dificulta sua integração em outros movimentos onde também predomina a liderança masculina (LEITÃO, ibid). Por estes motivos as mulheres tornam-se invisíveis no trabalho da pesca, sem contar com as dificuldades dentre as quais se destaca o fato de que a maioria não sabe nadar e nem tem colete e, mesmo assim, têm que enfrentar situações como quando o vento sopra na direção contraria e que, para se proteger, ficam próximas as gaiteiras5; têm que passar por mar e rio, inclusive em lugares fundos onde necessitam de varas com comprimento de 4 metros; contam, ainda, que “existe um local onde há um peixe grande do tamanho de um homem” (sic) e ainda destacam que é mais difícil remar quando a maré enche. A pesada rotina das pescadoras artesanais está atrelada à maré e a família. Na atividade desde a infância ou adolescência, essas mulheres pescam diariamente sururu, marisco e outros pescados do mangue, sendo que grande parte delas também trabalha no beneficiamento da sua produção. A maioria das pescadoras vive 5 Algas vermelhas presas ao solo marinho. com seu companheiro e os filhos, ou seja, constituíram família própria. Dentre as solteiras, algumas também são mães. Desse modo, como podemos constatar, suas vidas estão fortemente marcadas pela condição de pescadora, de mulher e de mãe. A posição que ocupam na família6 regula o tempo dessas mulheres. O fato de ser mãe, demanda sobre elas uma responsabilidade de cuidado com os filhos que não é dividida de forma eqüitativa com seus companheiros. Esse fator interfere no trabalho produtivo, sobretudo quando os filhos são de idades menores, isso porque é preciso deixá-los sob a guarda de alguém, que na maioria das vezes, são outras mulheres da família como as avós, tias, irmãs. Na ausência destas, é preciso levá-los para a maré. Como afirma esta pescadora: Pesco em canoa e muitas vezes, levava os meus filhos para aprenderem a pescar também. Meu marido cata marisco e pesca e eu faço o beneficiamento. . Pesquisas levadas a efeito em comunidades pesqueiras do país têm contribuido para mostrar a importância das atividades das mulheres. Não se trata apenas daquelas realizadas no âmbito doméstico, tais como cuidar e educar os filhos, cuidar da casa e pescar e plantar para o consumo da família, como também da própria pesca comercial. É esse, pois, o caso das “marisqueiras”, e de diversas mulheres dentre as quais um grupo de índias, tecedeiras, das ex- pescadoras, das esposas e filhas de pescadores. (MANECHY, 1995, p. 83). Constata-se,pois que o movimento de mulheres pescadoras guarda especificidades em relação aos movimentos de outras categorias de trabalhadoras, mas, em essência, exprime muitos problemas comuns: falta de assistência médicoprevidenciária, seguro-saúde em casos de acidentes de trabalho, remuneração diferenciada, discriminação por parte de seus pares,falta de uma politica que lhes garanta aposentadoria digna na velhice,entre outros. Assim, guardadas as particularidades, podemos dizer que o movimento das mulheres pescadoras na luta 6 Prado(1981)define a família como pessoas aparentadas que moram numa mesma casa. Normalmente, tais pessoas são mãe, pai e filhos, estes podem ser adotivos ou não. Esta configuração recebe o nome de família nuclear. Também pode ser classificada como família de origem a dos pais e de reprodução, formada por dois novos indivíduos e seus filhos. por melhores condições de existência vem se somar ao de todas as outras que hoje lutam por seu reconhecimento social e profissional. Além das dificuldades profissionais muitas mulheres pescadoras sofrem com problemas de saúde devido ao fato de ficarem em posição agaixada,isto faz com que elas venham a ter fortes dores na coluna devido também ao peso dos baldes que pegam no final da cata de marisco. Outro problema de saúde são as doenças ginecológicas ocasionada pela lama do mangue, muitas mulheres passam a ter coceiras terriveis que chegam a infeccionar. Outra marisqueira fala: “Tive um problema de saúde serissimo na região vaginal e cheguei até passar água sanitária, pois a coceira era tanta que não aguentava”. Segundo ela o posto de saúde mais próximo fica no bairro do Pina e muitas vezes quando chegam para se consultarem não encontram médicos e quando eles estão, passam o mesmo medicamento que é o “ “Permaganato”7 para cicatrizar os ferimentos formados pela coceira. Muitas preferem utilizar remédios caseiros como o banho de aroeira. Outra dificuldade vivida pelas mulheres é quando tentam se aposentar ou reivindicar auxílio doença e muitas vezes os médicos do INSS não acreditam que elas são pescadoras,pois estão arrumadas, limpas e com unhas feitas, sempre pedem para elas mostrarem as mãos e muitas não ganham o seu beneficio de direito. A noção do trabalho associado à doença está, aliás, presente no discurso de mulheres em várias regiões do litoral brasileiro (Alencar,1991). Com efeito,a situação das mulheres pecadoras no que se refere às politicas sociais vigentes nas áreas de saúde, previdência e educação, não é diferente da de outras trabalhadoras que atuam em outras áreas de produção. No tocante ao trabalho na pesca propriamente dita e às condições de produção de um modo geral, as dificuldades variam de acordo com as particularidades do ambiente em que atuam e de outros fatores de ordem técnica e econômica, tais como o acesso aos mercados,condições de armazenamento etc. Consequentemente, as formas de intervenção e as lutas especificas das pescadoras,devem levar em conta tais especificidades. 7 é um composto químico de função química sal, inorgânico, formado pelos íons potássio (K+) e permanganato (MnO4−). É um forte agente oxidante. Tanto como sólido como em solução aquosa apresenta uma coloração violeta bastante intensa que, na proporção de 1,5g por litro de água (em média), torna-se vermelho forte. É utilizado em banhos de imersão. Um dos problemas básicos é a distância do mercado consumidor e as incertezas desse mesmo mercado,o que deixa dependentes dos intermediários as populações pesqueiras que compram seus produtos. As marisqueiras encontram dificuldades para comercializar sua produção pela insuficiência ou ausência de meios de estocar o camarão e os mariscos até o momento em que podem realizar a comercialização nas feiras, o que geralmente ocorre aos sábados. As pescadoras partilham também com seus colegas homens, as dificuldades de aquisição de material de trabalho,de acesso ao crédito etc. Segundo Maneshy (1995, p. 96), tal como as mulheres de outras esferas da produção, as pescadoras têm de trabalhar e ao mesmo tempo responder às exigências que partem das atividades reprodutivas que estão a seu encargo. A mesma autora ainda destaca: cuidar dos filhos,manter a casa funcionando,são atribuições que demandam parte consideravél de seu tempo. Essa superposição de tarefas que se expressa pela fragmentação de seu tempo,impede que elas se dediquem integralmente à pesca. As mulheres que já não estão mais no período reprodutivo,seja por questão de idade ou porque foram esterilizadas, e que têm filhos crescidos, contam com o apoio dos filhos nessa atividade. A parceria com marido e filhos, como visto, é frequente, o que demonstra mais uma vez a importância da familia enquanto unidade de trabalho nas comunidades de pescadores artesanais. Resgatar a importância das atividades desempenhadas pelas mulheres, inclusive naquelas pescas “femininas”, praticadas no “mar raso”, segundo a terminologia apresentada por Maldonado (1986), é um passo importante para o resgate da identidade da mulher pescadora. A ação dos movimentos sociais tem tido efeitos extremamente positivos do ponto de vista da cidadania. Conquistas importantes relativas a valores sociais, à qualidade de vida de segmentos sociais marginalizados,à preservação ambiental, só foram possíveis quando a sociedade civil conseguiu um grau de organização de modo a poder reivindicar direitos sociais de forma eficiente. No conjunto desses movimentos, a organização das pescadoras pode ser também decisiva na conquista, por elas, dessa cidadania e uma contribuição para a mudança da condição da mulher brasileira,especialmente da mulher pobre e trabalhadora. Ao se afirmarem, enquanto trabalhadoras, as pescadoras reivindicam direitos já adquiridos ou buscados por outras categorias profissionais, como seguros previdenciários, salário desemprego, aposentadoria digna, etc. Um passo importante para as pescadoras, especificamente, é sua participação nas entidades de classe dos pescadores (colônia,sindicatos, associações) e a aquisição da carteira de pescadora junto ao IBAMA. Percebemos que, apesar de sua dura realidade, a pesada rotina dessas mulheres é invisível num mundo machista e autoritário o qual considera as mulheres seres inferiores e subalternos. O dia a dia das pescadoras é particulamente marcado pela desigualdade e exclusão social. Baixa renda, pouca escolaridade, acesso precário à assistência médica são fatores, que somados à disparidade nas condições laborais e nas relações de gênero,contribuem ainda para a subalternidade a que vivem submetidas essas mulheres. A fragmentação laboral que, segundo Santos e Buarque (2006), também é histórica, atribui atividades e responsabilidades diferentes para homens e mulheres, as quais são hierarquizadas e valorizadas de forma diferente e desigual, a exemplo dos sentidos dados ao trabalho reprodutivo (feminino) e produtivo (masculino), já mencionados anteriormente. Essa distinção incide diretamente no tempo das mulheres, desqualificando o tempo dedicado ao trabalho reprodutivo, o qual é essencial para o capital pela capacidade que tem de reproduzir a força de tabalho para esse modelo econômico. A subordinação feminina é recorrente no mundo do trabalho pesqueiro, no qual, como já dissemos, existe a dificuldade em reconhecer as mulheres como pescadoras que trabalham em regime familiar no conserto e confecção de rede e no beneficiamento de produtos do mar. Além de não ter esse reconhecimento, a rotina desta mulheres não é fácil. Acordam as 04:00 da manhã, preparam o café da familia, e algum lanche para levarem para maré; as que tem filhos voltam por volta do meio dia para levarem as crianças para a escola e retornam para casa para fazer a limpeza do marisco, atividade nada fácil, e cuidar da casa; no final da tarde pegam as crianças novamente e, então, têm que cuidar de preparar o almoço do dia seguinte, assim, é só por volta das 23::00 que conseguem deitar para dormir. As que não tem filhos ou têm filhos grandes passam mais tempo na maré ou no mar e seus produtos são vendidos por R$ 6.00 o quilo. A rotina exaustiva da pesca no mangue, a condição de ser mulher e, portanto, de enfrentar um cotidiano delineado por relações díspares, acabam privando essas mulheres do acesso pleno à cultura e ao lazer. Referência AMARAL,Célia Chaves Gurgel do. Debates de gênero: a transversalidade do conceito. Fortaleza: EDITORA UFC, 2005. BARQUERO, Antonio Vázquez. 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