O TRABALHO MUSICOTERÁPICO NO INSTITUTO
SEVERA ROMANA: UMA TRAJETÓRIA
Autora: EDA POMPA ANTUNES
Rio de Janeiro, setembro de 1999
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O TRABALHO MUSICOTERÁPICO NO INSTITUTO
SEVERA ROMANA: UMA TRAJETÓRIA
Autora EDA POMPA ANTUNES
Monografia de conclusão
do Curso de Formação de Musicoterapeutas
Conservatório Brasileiro de Música - Centro Universitário
Orientadora ANNA LÚCIA LEÃO LOPES
Rio de Janeiro, setembro de 1999
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... Resonare fibris
2º verso do Hino a São João Batista
Ou se percebe o ideal incrustado
em tudo que fazemos
ou, tateando,
as nossas mãos apalpam
nada além do vento
E. FARJAT
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais, que me embalaram com o cello e o piano
In memoriam
Ao meu esposo, companheiro em todas as horas
Aos meus descendentes, se me fizer exemplo
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AGRADECIMENTO
À Direção
À Coordenação
Aos Mestres
À Turma de 1979
do Curso de Formação de Musicoterapeutas
do Conservatório Brasileiro de Música - Centro Universitário
do Rio de Janeiro, RJ-Brasil
pelo que aprendi
Ao Instituto Severa Romana
que me recebeu
À Musicoterapeuta ANNA LÚCIA LEÃO LÓPEZ que me orientou,
pela dedicação e competência
Agradeço
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RESUMO
Esta monografia propõe-se a relatar os procedimentos da prática clínica no
Setor de Musicoterapia do Instituto Severa Romana, RJ.
A reflexão sobre este trabalho conduz à releitura de um Caso Clínico, para
avaliação da metodologia musicoterápica utilizada.
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SUMÁRIO
1. Introdução .............................................................................................. p. 08
2. A Instituição
2.1. O Nome ...................................................................................... p. 09
2.2. Histórico e Objetivos da Instituição ........................................... p. 11
2.3. Percurso que trilhei na Instituição ............................................. p. 14
3. Prática e Técnica Musicoterápica
3.1. Metodologia utilizada .............................................................. p.25
3.2. Caso Clínico ........................................................................... p. 37
4. Conclusão ........................................................................................... p. 53
5. Referências Bibliográficas ................................................................ p. 56
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1. INTRODUÇÃO
Esta formatação monográfica explicita os procedimentos musicoterápicos aplicados nas
Escolas-Clínicas Instituto Severa Romana, RJ, abrangendo o período octal 1980-1987.
A Instituição é voltada para a causa da criança e do adolescente com dificuldades de
aprendizagem e de integração ao grupo. Oferece Orientação Medicopsicopedagógica junto do
Ensino Especializado.
Na Unidade do Méier inicio meu trajeto profissional. Instalo o Setor de Musicoterapia,
faço atendimentos individuais e presto orientação especializada à professora de música,
durante as aulas em classes do curso Primário e do Ginásio.
A Direção Técnica solicita-me para organizar o 4O. Festival de Música do Instituto
Severa Romana 1980 - músicas compostas e apresentadas pelos próprios alunos. É o
momento em que desponta um valor artístico e facilita o seu processo de alta terapêutica.
Abrindo o prontuário, faço a releitura de um Caso Clínico.
Transferida para a Unidade de Botafogo, consigo manter os atendimentos no Setor do
Méier e abrir Setor na Unidade de Niterói. Abrangência possível graças à dedicada atuação
dos Estagiários de Musicoterapia, que cumprem seus estágios prioritários na área de
Deficiência Mental, sob a minha supervisão.
1983. Em Belo Horizonte, MG, realiza-se o I Seminário Mineiro de Instituições
Especializadas, promovido pela FEBIEX - Federação Brasileira de Instituições
Especializadas. Sou a convidada pela Direção do Instituto para participar. Então, apresento a
Musicoterapia em território mineiro e represento a Casa:
TÉCNICAS MUSICOTERÁPICAS – O TRABALHO
MUSICOTERAPÊUTICO NO INSTITUTO SEVERA ROMANA - ISR, RJ
Em 1986 recebo Homenagem Especial, o Cartão de Prata. À Musicoterapia confere-se a
distinção.
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2. A INSTITUIÇÃO
2.1. O NOME
A veneração à mártir paraense acompanha o grupo familiar que é fundador da
Instituição. Contabilizando uma graça alcançada, resolve de modo pleno, registrar o
estabelecimento recém-fundado com o nome Severa Romana.
Mas, Severa Romana, por quê? Logo ocorrem indagações. Terá sido competente
mestra ou notável terapeuta?
Apreciando o quadro colocado bem à vista, em todas as Casas, podemos notar que o
desenho a lápis creiom retrata uma jovem, bem jovem mesmo. Como terá alcançado o
mérito?
Esse nome forte razão o confirma. A crença acompanha o século. Justamente no ano
de 1900 é assassinada humilde senhora, maranhense de nascimento, filha de imigrantes
italianos de Roma, que se transferem para Belém do Pará. Com dezenove anos - idade em
que se encontram muitos alunos do Instituto, precocemente, Severa Romana deixa o mundo.
Pautada em obediência e observância aos princípios de moral cristã, sua formação garante-lhe
os subsídios necessários para resistir à tentativa de sedução por parte de um cabo, colega de
caserna de seu marido, o soldado Oliveira, em dia de plantão. A recusa desencadeia luta
mortal, abrupta, sendo esfaqueada do pescoço ao ventre, impedindo Severa de dar à luz um
menino que, a termo, nasceria no prazo de um mês.
A comoção geral aquece a religiosidade belenense. Pescadores se recomendam em
preces à mártir e, como agradecimento, singram os rios na traineira de pintura nova, cujo
nome é Severa Romana. Em Sacramenta, a casa comercial passa a ostentar o mesmo nome
da via pública onde se encontra a Rua Severa Romana, assim batizada por populares, em
coesa manifestação e passeata.
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A população de Belém preserva o seu túmulo, deposita ex-votos e flores. No dia dois de
julho - data do crime - em todos esses anos, a romaria conta com muitos habitantes de
municípios vizinhos. A fé se espraia.
Para fundamentar os fatos a mim relatados, tenho conhecimento da publicação Severa
Romana, de Jaques Flores (5), que se trata de Luiz Teixeira Gomes, um membro da Academia
Paraense de Letras. O referido livro faz parte do acervo e, ouso dizer, que o exemplar tornouse relíquia no Instituto em tela. História e memória juntas.
Severa Romana, pelo exposto e para concluir, não foi educadora ou terapeuta. Passou
distante das diplomações. Quem sabe, terá o encargo de supervisora espiritual?
Patronesse Titular do INSTITUTO
SEVERA ROMANA
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2.2. HISTÓRICO E OBJETIVOS DA INSTITUIÇÃO
A família Monteiro, de projeção social reconhecida na capital paraense, embarca,
literalmente, “num Ita no Norte” (D. Caymmi) e aporta na cidade do Rio de Janeiro, para fixar
residência. Tempos à frente resolve dedicar-se à causa da educação especializada.
A iniciativa conta, em linha de frente, com a professora Marivalda frequentando curso
de orientação especializada na área de Deficiência Mental, com a direção da competente
mestra Helena Antipoff, que lhe assina diploma no ano de 1958. Plena de entusiasmo, a novel
mestra instala uma classe de pré-alfabetização para os portadores de Síndrome de Down,
contando com dez, doze alunos, que logo passam ao número de vinte e cinco.
A
multiplicação das turmas é evidente.
O imóvel precisa ser maior e adequado, tornando-se necessário injetar recursos
financeiros, para inaugurar uma instituição de porte, que ofereça, conjuntamente, Ensino
Especializado e Orientação Medicopsicopedagógica.
O Instituto Severa Romana comemora sua fundação no mês de agosto, desde o ano de
1967, sob a Direção Técnica da professora Marivalda Monteiro Vianna.
É creditado junto aos convênios: LBA - INPS - Patronal - Aeronáutica - Exército Marinha - Banco do Brasil - Instituto do Açúcar e do Álcool - Rede Globo - IASERJ Cooperativa dos Rodoviários.
O Instituto Severa Romana é uma Entidade Particular, destinada ao atendimento de
crianças e adolescentes de ambos os sexos, com dificuldades no aprendizado escolar por
distúrbios neuro-psíquicos, distúrbios de ordem emocional ou da psicomotricidade. O
aprendizado escolar especializado é favorecido pelo suporte terapêutico. Procura a Instituição
resolver as prioridades educativas, fazendo frente à problemática psico-física em torno do
aluno especial.
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A Instituição encampa Escolas-Clínicas e funciona em regime de externato e semiinternato. Em aproximado cálculo, duas centenas de alunos frequentam os endereços aqui
listados:
Instituto Severa Romana - Escolas-Clínicas
Rua Maranhão, 347 - Méier
Rua Visconde de Caravellas, 30 - Botafogo
Rua Noronha Torrezão, 247 e 250 - Santa Rosa - Niterói
Consultório Especializado
Rua Visconde de Caravellas, 11 - Botafogo
Sala de Direção Técnica e Setor Administrativo encontram-se no mesmo endereço do
Consultório Especializado.
O uniforme escolar para as aulas e a prática esportiva é de uso obrigatório. Camisas de
cor azul têm bolsos bordados com a sigla logotípica ISR.
A Equipe é solicitada a usar sobreveste em cores diferenciadas: médicos, jalecos
brancos; paramédicos, rosa; professores, azuis; secretariado, verde. Acredito na uniformidade
capaz de criar uma ordenação psíquica, além de fornecer referências de uma escala de
funções.
Dispõe de atendimento nas áreas de Pediatria, Neuropsiquiatria, Psicologia, Fisioterapia
Fonoaudiologia, Musicoterapia, Terapia Ocupacional e Serviço Social.
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A Instituição avalia a problemática dos futuros clientes, tendo esse procedimento por
objetivo encaminhá-los ou para a sala de aula - com ou sem acompanhamento terapêutico
paralelo - ou tratá-los em sessões individuais com a equipe de saúde, para futura inserção na
escolaridade especializada.
Os Setores Técnico-Pedagógicos e Terapêuticos são formados pelas seguintes equipes
de profissionais: orientadores psicopedagógicos, pediatras, neurologistas, psiquiatras,
psicólogos, fonoaudiólogos, musicoterapeutas, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais,
fisioterapeutas e psicomotricistas; professores do ensino fundamental especializado e de
educação física e recreadores.
A escolaridade especializada é paralela ao Ensino Fundamental, portanto, reconhecida
pelo Ministério de Educação e Cultura - MEC. Oferece classes de Maternal, Jardim e de
Alfabetização. Do Curso Primário até completar o Curso Ginasial há uma trajetória de
dificuldades que o aluno-paciente vai vencendo em tempo mais lento, porém se gratifica ao
receber o Certificado de Conclusão de Curso de Primeiro Grau. Alguns alunos vão conseguir
terminar o Segundo Grau. Até estes dias, três alunos chegam à Universidade.
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2.3. PERCURSO QUE TRILHEI NA INSTITUIÇÃO
Nos primeiros dias do mês de abril de 1980, nesta cidade do Rio de Janeiro, após a
conclusão do Curso de Formação de Musicoterapeutas, do Conservatório Brasileiro de
Música - Centro Universitário - CBM/CEU/RJ, em dezembro de 1979 eu atento ao caderno
dos Classificados. E me dirijo ao Estabelecimento que listava pedidos de profissionais para
recompor o quadro de atendimento terapêutico e de ensino especializado.
A Coordenação Geral do Instituto Severa Romana situa-se junto à Unidade de
Botafogo, portanto é o endereço para as contratações. É esse o local de minha preferência,
tendo em vista a considerável proximidade de minha residência, Leme.
Sou prontamente informada de que a Escola-Clínica de Botafogo já possui
musicoterapeuta atuando. Contudo, a Unidade do Méier ainda não oferece o atendimento
musicoterápico. Em oferta, o endereço da Rua Maranhão, 347 - Boca do Mato.
Eis a oportunidade. Abertura de Setor é de capital importância, recordo um dos pontos
fundamentais ressaltados em aulas durante o quadriênio acadêmico. Do alargamento de
fronteiras dependem a consistência e o futuro aperfeiçoado da prática da Musicoterapia.
Resolvo aceitar, pois estou ciente da responsabilidade com a nova profissão e perante a
minha Classe. Minutos após, preencho uma ficha de contrato, na categoria de profissional
autônomo. Vou comparecer em dois dias por semana e cumprirei a carga horária de oito
horas-dia, abrangendo os dois turnos. Já não importa a distância, rumo ao Méier.
Primeiros passos. Organização do Setor e adaptação do local. É uma sala ampla, de
comprimento duas vezes maior do que a largura. Piano é o único instrumento musical, e
adivinho sua longa trajetória: cordas envelhecidas e, segundo relato, certa vez amanhecera
resguardando pedrisco em seu bojo! - não faltou a mão zelosa para adequada recuperação.
Mais. Há uma comprida mesa, um quadro-negro, uma pequena mesa quadrada, algumas
cadeiras, um banco de encosto - como de praça pública - um armário vertical junto à parede e
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outros armários suspensos, para resguardar o material de TO (Terapia Ocupacional), cujos
trabalhos desenvolvem-se nos dias alternados com o meu atendimento. Devo deixar a Sala
mais livre quanto for possível: guardando nossos instrumentos e demais objetos de apoio nos
referidos armários e solicitando para que retirem outros objetos que nos parecem destituídos
de alguma utilidade. Assim consigo, em parte, neutralizar o ambiente de tantos estímulos, e
arrumá-lo como sala de Musicoterapia. Faço lista de compras: instrumentos rítmicos, de
porte e sonoridades variadas, e de linha melódica: flautas doce, violão, xilofones e
metalofones.
Leio prontuários em busca de informações, com vistas a compor a minha pauta de
atendimentos. Solicito entrevistas com os responsáveis, ou, com estes e os Pacientes, em
separado. Prontuários oferecem-me dados clínicos e pessoais documentados em: relatórios
médicos, psicológicos, de assistência social, como a Folha de Rosto e exames
complementares. Lembro Benenzon (3) (1981: p.104). “É curioso que ao longo da história
da medicina e da psicologia, as anamneses, cada dia mais profundas, tratam muito pouco do
riquíssimo mundo sonoro que rodeia o ser humano e as implicações que esse tem sobre o
psiquismo”.
Realizo a Testificação, baseada no modelo de Benenzon (3), individualmente, na Sala,
em duas etapas: Ficha musicoterápica e Testificação não verbal; “para poder começar a
terapia é necessário conhecer a história sonoro-musical do paciente e de seu ambiente, de
forma profunda e persistente” (Benenzon) (3) (Op. cit. p.105).
Quando o Aluno-Paciente é capaz de responder perguntas sobre seu mundo sonoro,
dizer o que lhe agrada ou aborrece, então, solicito o comparecimento à Sala e preencho a
Ficha musicoterápica.
Respostas recorrentes dos Alunos-Pacientes em avaliação: “Não gosto de buzina de
ambulância”, “Odeio porta e janela batendo por causa do vento, aí eu saio pra longe” ou
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“Tampo os ouvidos quando faz trovão”. Em contrapartida, sirene de carro de bombeiros
ganha preferências. “Desse barulho eu gosto, vou logo pra rua, pra ver até onde vai, vai
sumindo...”. Parece exercer fascínio a vistosa apresentação e a variedade de equipamento a
imprimirem o cunho de ação e aventura.
Tais relatos abrem caminho para o nosso trabalho, ao longo do tratamento.
Há os Pacientes que se apresentam, ainda, em condições de verbalização deficitária ou
portadores de quadros como o de discurso desconexo, e outras sequelas, junto aos quais seria
difícil colher uma ficha esclarecedora. Convoco a pessoa responsável, para relatar a história
sonoro-familiar e peculiaridades, em relação a essa criança ou adolescente alvo de seu/nosso
interesse.
Relato de mãe: “Eu na cozinha fazendo o almoço e a danadinha já andava, então eu
prendia ela no carrinho, e ia dando os pacotes de talharim ninho: a doutora acredite, virava
tudo massinha pra sopa. Como ela gostava daquele barulho de quebrar!”. Segundo Barcellos
(1) (1992 Nº 1: p.35): “Neumann nos diz que o verdadeiro nascimento da criança é moldado
pela cultura humana na medida em que a mãe vive um contexto coletivo cultural. Assim, as
linguagens e os valores que a influenciam vão, de forma inconsciente, mas afetiva,
influenciar também o desenvolvimento da criança. Vemos, então, a importância da cultura no
Processo de Individualização”.
A tia de outro paciente lembra: “O Neném, aí pelos cinco, seis anos, ficava por muito
tempo brincando com um barbante, arrastando pelo chão, dando aquelas voltinhas feito
número oito, e cobrinha, sabe? A senhora atente pra isso, ele foi um menino que não deu um
pingo de trabalho, quieto, só vendo!”.
Os relatos de Testificação não verbal, a seguir, referem-se a dois Pacientes, cujos dados
pesquisei junto aos prontuários. Solicitei entrevistas com seus responsáveis e abri as Fichas
musicoterápicas. São, portanto, meus primeiros contatos com esses Pacientes em estudo.
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JL (14 anos, id. crn.). Chega à Sala: risonho, faz gestos amplos, dá várias voltas
saltitando enquanto olha as paredes, o teto e o ventilador; por último, descobre os
instrumentos que estão dispostos no tatame; vai chutando um a um; para e diz: “Boola”. A
Mt. oferece uma bola; Pac. segura, abraça, gratifica-se e, com cuidado, coloca-a sobre uma
cadeira; volta a chutar os instrumentos pequenos; senta-se no tatame, ri para a Mt. Horário
findo, J.L. entende que deve deixar a Sala.
M. (9 anos, id. crn.) visita a Sala. Braços cruzados encobrem o rosto; para se esconder,
posta-se de baixo da mesa pequena, encostada à parede e coberta de pano azul escuro;
permanece quieto, no mesmo lugar, enquanto a Mt. produz sonoridades: sem respostas; Mt.
agita chocalho e vai chegando perto, roça-o na cobertura da mesa, insiste. M. expõe um pé;
Mt. coloca no chão o instrumento; M. consegue trazer (com o pé) o chocalho para junto de si,
ocultando-o; com o caxixi, a mesma reação, e assim por diante. Ao terminar a testificação,
vou me aproximando e abro a porta girando a maçaneta, ringe o trinco; M. entende, não cobre
o rosto, olha para o chão.
Dois casos como exemplo, mais duas sessões completam a Testificação não verbal.
Os testes, com os seus desdobramentos, estão concluídos. Tenho assim preenchida a
minha pauta de atendimentos, baseada nos resultados obtidos: testes que indicam prioridades.
E os outros Alunos-Pacientes? DM (*) leves; leves para moderados ou moderados? Downs
(**)?
DCM (***)? E os portadores de bloqueios emocionais? A rigor, o atendimento
musicoterápico, se estendido a todos, aliando-se às outras terapias, creio, contabilizaria mais
ganhos, benefícios individuais influenciando o todo, como consequência. Mas, a reduzida
carga-horária não nos permite esse alcance. Porém, o ensino musical vem se alinhar às
matérias constantes do Planejamento Escolar Especializado, no ISR, possibilitando a vivência
sonoro-musical em grupos, nas salas de aula.
DM*
- deficiência mental DCM*** - disfunção cerebral mínima
Down** - Síndrome de Down
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A Professora de Música (*) - licenciatura breve - recém-contratada ensina a notação
musical e o solfejo elementar, nas classes de primário e ginásio. Achando-se em dificuldades
- dispersão ou agitação dos Alunos - pede-me orientação. Coincidentemente, a Direção
(Méier) me faz igual solicitação, pois considera que as aulas de música deverão ser orientadas
por musicoterapeuta. Passamos a atuar juntas e harmoniosamente nas turmas - quando
pacientes faltosos deixam-me horários livres - adequando as propostas didáticas, tanto quanto
reforçando os achados de cada Aluno, para estendê-los ao grupo. O exemplo: É uma classe de
primário. Em prática, a divisão quaternária: C. Ao sentir o calor reinante, a Professora põe em
funcionamento o ventilador de teto. Percebo que uma das hélices dá meia trava, roçando
nalgum ponto do eixo, o que nos oferece a marcação:
3/8
Modifica-se o curso da aula. A sugestão é: percepção, movimentação pela sala, passo
igual à batida do ventilador, tomada de pulso e palmas.
A colaboração que presto junto às aulas de música não restringe o número de
atendimentos individuais. Como aliança temporária é aceitável e oportuna. O fator principal,
nesse momento, é promover conhecimentos musicais e a apreciação das interferências
sonoras do ambiente. Assim evitamos o formalismo - com falhas de adequação pedagógica de alguns programas curriculares. Propugno pela interação de Educação Musical e
Musicoterapia.
* - Emília Souza da Costa
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O calendário escolar do ISR dá um destaque especial às Festas Juninas: são
comemoradas na Unidade do Méier, a maior. Há uma participação maciça dos AlunosPacientes, que muito se divertem. Da canjica à quadrilha, das prendas ao “casamento”, a
sanfona predomina. Professora Emília não está só nessa agradável e laboriosa tarefa; regentes
de classe, terapeuta ocupacional, musicoterapeuta, entre outros, são solicitados a colaborar.
Oportunos eventos interligam as equipes.
Outro espaço de congraçamento é a solenidade de Saudação à Bandeira: semanal,
terças-feiras, 08horas. A guarda-de-honra desce ao pátio sob o alinhamento aos cuidados do
professor de educação física, sendo seguida pelo efetivo escolar ISR Méier e tendo presente a
Equipe Multidisciplinar. Com exceção da professora de música, nessas manhãs que não
comparece, portanto, o diapasão é meu aliado, afinando vozes para a entoação do Hino
Nacional Brasileiro. E prosseguem cantando o Hino do Instituto Severa Romana, autoria de
Doris Hoyer de Carvalho. A propósito e com júbilo, aqui lavro a referência: uma das
competentes profissionais fundadoras do Curso de Formação de Musicoterapeutas.
Na Escola Severa Romana,
carinho que em todos emana...
Festival. A Direção Técnica resolve programar o 4O Festival de Música do Instituto
Severa Romana - 1980, cujo programa apresentará, na 1ª parte, números de coro a capella e
com piano: repertório do folclore; bandinha rítmica; um conjunto de flautas soprano com
Abertura - minha autoria - onde utilizo posições de sol a ré; Improviso, a partir de um
fraseado, cada flauta se alterna. A 2ª parte vai constar de músicas e letras que deverão ser
compostas e apresentadas por seus autores e suas classes. O piano e os instrumentos de ritmo
farão o acompanhamento. Os ensaios utilizam o horário das aulas de música: o interesse
maior está voltado para o Festival.
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As composições estão prontas e se nomeiam: “Rio, minha cidade”, “Lembranças” e
“Rosamor”. Incluímos duas composições de alunos da Unidade de Botafogo, orientadas e
ensaiadas pela Mt. Helena Rodrigues, que acompanha seu grupo. Realizando-se o Festival no
mês de setembro, constitui-se num acontecimento para a história do ISR. Desvela-se o talento,
aponta sua versatilidade artística um aluno da 7a série: histórico e prontuário a serem
considerados à parte: Caso Clínico.
Encerramento do ano letivo, entrega de Certificados para os Concluintes da 8a série do
Primeiro Grau - Unidades do Méier e de Botafogo - no Auditório do Colégio da Imaculada
Conceição. O convite homenageia, Honra ao Mérito, Arnaldo Niskier, Secretário Estadual de
Educação e Cultura do Rio de Janeiro.
Segue-se Audição de Música. ISR convida A. F., com sua flauta soprano, para
apresentar músicas eruditas e de nosso cancioneiro, por mim acompanhado ao piano ou por
instrumentos de ritmo. O desempenho desse Aluno surpreende a plateia, que retribui com
efusivos aplausos, sendo o solista, após o término da Solenidade, muito procurado para os
abraços e as palavras incentivadoras.
Encerra-se o ano letivo, é o período das férias escolares, porém, o Setor Terapêutico
não deixa de atender, apesar da pouca demanda de Pacientes, criando a dependência de
calendários entre Clínica e Escola.
Tenho agendada minha próxima troca de endereço domiciliar, do Leme para Ipanema.
Devo comunicar à Direção Técnica sobre a maior distância a percorrer. Então, vou pedir o
desligamento. Chego ao gabinete da Direção (Méier), onde se encontra inclusive a Senhora
Diretora Técnica. Dirijo-me a ambas, querendo falar... Diretora Marivalda toma a palavra:
“Nossa colaboradora não precisa dizer, mas deve saber que está sendo transferida para as
Unidades de Botafogo”.
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Do ano de mil e novecentos e oitenta e um em diante minha atuação centraliza-se na
Escola e na Clínica de Botafogo. Ambas situam-se na mesma rua, casas frontais. Algum
tempo depois, assumo o ensino musical nas classes de ginásio, em caráter interino, e continuo
com os atendimentos individuais.
Não ficara desativado o setor de Musicoterapia da Unidade do Méier. Deve-se a
continuação das atividades à efetiva colaboração dos Estagiários, que cumprem ou completam
seus estágios prioritários na área de Deficiência Mental, com a minha supervisão. E nos leva a
abrir e organizar o Setor, em Niterói. Cabe aqui o reconhecimento do ISR e meu em especial,
ao esforço e à disposição desse grupo de futuros musicoterapeutas: Celanira Liberatori
Velasques, Eliana Lobo do Carmo Guedes, Fabíola Valiante Tona, Leila Barki, Lauro José de
Oliveira Basile, Luciana Leite Pereira, Maria Elizabeth Cunha de Almeida, Mônica Cunha
Demôro e Pedro Feitosa. Em tempo, eu peço que relevem se lhes faltei com maior apoio de
presença. Desejo sucesso a todos em suas atividades pelos caminhos que vêm trilhando.
Agradecimentos.
A Direção Técnica programa o 1º Festival de Música Popular do ISR de Botafogo 1981. São participantes as classes do Curso Ginasial. Segue o regulamento e os mesmos
critérios de avaliação do Festival anterior (Méier). Resultado que privilegia as concorrentes,
destacando qualidades, como: esta música vence por sua melodia; aquela apresenta a melhor
letra; a terceira vence por seu afinado conjunto vocal e a quarta surpreende pelo desempenho
instrumental. São todas as classes vencedoras.
Depois de muitos ensaios, fazemos a apresentação de: “Convite”, 5a série; “Bons
tempos”, 6a série; “Vejo o céu no mar”, 7a série; “Até um dia”, 8a série. A equipe da Casa
compõe o Corpo de Jurados, num efetivo momento de integração. A Senhora Diretora
Técnica vem confirmando os Festivais como um exercício pleno de criatividade, livre
expressão e confirmado aporte terapêutico.
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Meses de Janeiro e Fevereiro de 1983, nesta Cidade do Rio de Janeiro.
O Núcleo de Extensão e Aperfeiçoamento Empresarial das Faculdades Integradas
Castelo Branco oferece Cursos de Férias.
Com esta chamada: “Em que a MUSICOTERAPIA pode auxiliar no tratamento dos
problemas neurológicos, motores e emocionais?” levo, para um grupo de profissionais de
diversas áreas e universitários de último período, conhecimentos básicos teórico-práticos
sobre a MT, contando, como fonte referencial, minha experiência em Musicoterapia no
Instituto Severa Romana.
1983. Belo Horizonte, MG. A Federação Brasileira de Instituições Especializadas e as
Instituições filiadas à FEBIEX promovem o Iº Seminário Mineiro de Instituições
Especializadas. O Instituto Severa Romana, convidado, se representa. A Direção Geral
escolhe, da equipe técnica, a musicoterapeuta, que, aceitando honroso convite, anote-se:
apresenta a Musicoterapia na terra das Alterosas e divulga o ISR.
Sob o título Técnicas Musicoterápicas - O Trabalho Musicoterapêutico no Instituto
Severa Romana - ISR/RJ, a palestra e projeção de slides são desenvolvidas na sala-auditório
repleta de interessados da área paramédica.
1985. O ISR endossa a importância da Especialização para o corpo docente que
pretende trabalhar nessa área particularizada: Deficiência Mental. Programa e realiza o curso
Introdução à Educação Especial, com Certificados. O setor de MT colabora nessa iniciativa,
no bloco “Equipe Multidisciplinar”, e tem o espaço de meio-turno para perfilar a
Musicoterapia e sua Aplicação.
O setor de MT, por mim representado - incluo a prestimosa colaboração dos
estagiários, nalguns períodos – recebe destacada atenção pela Diretoria do ISR ora me
convocando para discorrer sobre as atividades, quando das inspeções periódicas da LBA;
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participação às Mesas; inclusão de minha foto no Quadro de Formandos; ora conferindo a
distinção anual: Cartão de Prata.
Ilma Profa
Eda Pompa Antunes
Homenagem da 11a Turma
INSTITUTO SEVERA ROMANA
11.12.86
Na Escola-Clínica, em relação à Musicoterapia e Educação Musical, a terapeuta vem
sendo considerada sobremaneira uma professora e o motivo parece proceder dos
conhecimentos de música. O título de professor - confirme-se - é usado de longa data para
nomear quem orienta, engloba e transfere conhecimentos e experiências a outrem. Uma
peculiaridade, concluo.
Durante alguns meses, no jornal especializado “Desafio de Hoje”, encarte semanal do
Jornal do Brasil, divulguei a Musicoterapia, bem como os cursos e as realizações do Instituto
Severa Romana. Colaboradora convidada.
Em face da ampliação das instalações da Escola da Rua Visconde de Caravellas, 30, o
Setor Terapêutico passa a atender nesse endereço, incluindo-se o setor de Musicoterapia,
agora contíguo às salas de aula. Sendo a referida mudança uma necessária medida, se
olharmos por outro ângulo, deixa o atendimento individual em MT privado da utilização do
piano, antes instalado na Clínica da casa nº 11 e frontal. É impossível colocá-lo na ala recémconstruída na Escola – 3º piso. Os pacientes de longa data ressentem a ausência do piano, o
que não ocorre com os novos, pois esses não experimentam a sensação de perda.
“Toda a neurose perturba de algum modo a relação do paciente com a realidade e
serve de instrumento a um afastamento da realidade”.
Freud (7) (1924E,19/183, p.255)
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O que faço é trabalhar a substituição. O Setor possui outros instrumentos solistas, como
os teclados do Soprofon e do acordeão de oito baixos.
Janeiro de 1987. Curso de reciclagem. Seminário sobre meios para a Educação
Especial. O Setor apresenta: A Musicoterapia Como Recurso. Vivência. Evento em período
de férias escolares.
1988. Ano a ano, cumpre o Instituto Severa Romana o calendário de suas atividades
didáticas e terapêuticas, buscando pleno equilíbrio e proveito entre a disposição para os
acertos e a consciência da medida de suas forças.
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3. PRÁTICA E TÉCNICA MUSICOTERÁPICA
3.1. METODOLOGIA UTILIZADA
É um trabalho que se situa no campo da prática. Refere-se à prática de técnicas
musicoterápicas ou meios de que se utiliza a Musicoterapia na relação terapeuta-paciente.
Meios que traduzem o movimento de abrangência pretendida e alcançável junto à populaçãoalvo, nas sessões terapêuticas; movimento de trânsito do profissional de MT, no complexo
Escola-Clínica ISR: interação e integração.
O elemento primordial é o som: de toda a origem e qualidade, percebido e trabalhado.
A expressão corporal e o gestual assumem importância considerável ao reconhecermos o
corpo humano como instrumento musical completo e multidimensional. Por meio dos
instrumentos musicais que o homem como criador foi aperfeiçoando, o corpo se prolonga,
multiplica e se potencializa. E, por oposição, resulta em acoplamento, onde se tangencia e
aborda a interiorização e a sensibilidade aflora. Pensemos justamente no músico violoncelista.
Haverá relação executante-instrumento em situação mais proximal? Um nome é presente:
Juliette Alvin.
São chamadas técnicas o sistema de atuação em Musicoterapia, a própria forma de
desenvolvimento, de intervenção ou consentimento do musicoterapeuta. As técnicas são
variáveis e flexíveis, pois, a partir de ampla fundamentação científica, vão se confirmando,
adaptando e desdobrando para atender ao Paciente, levando-se em consideração a sua
estrutura emocional percebida, a partir da problemática atestada em cada prontuário em
estudo, normalmente.
A priori, estabeleço uma linha de planejamento, com vistas à melhora ou alta, ao longo
do tratamento, bem como preparo cada sessão. Mas, é sumamente importante que eu valorize
o momento, em função de, talvez, mínima proposta esboçada pelo Paciente: devo ser
perceptiva, adaptável e criativa, em busca da sintonia. Preciso entender quando não devo
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intervir, contudo apoiar, amenizando para encorajar. Embora sempre haja um planejamento
em Musicoterapia, difere sua prática do processo didático de ensino diretivo. Sempre que
possível, mantenho a postura não diretiva, para facilitar toda a comunicação possível.
O comparecimento à Sala vem confirmar, de imediato, a aceitação do Paciente à
movimentação musicoterápica, incluindo-se a minha presença. E quando ele traz um carrinho,
uma fita de áudio? Meu plano de Sessão vai priorizar o objeto carrinho, que não veio por
acaso. Deve o mesmo ser explorado de todas as formas e possibilidades, com dinâmica, em
busca de sonoridades e associações. A fita é significativa como objeto de investigação. O
paciente estará mobilizado com a melodia, com esta e a letra, haverá um histórico, será fruto
de uma projeção. Conforme os achados e o interesse percebido, é trabalho para uma sessão ou
mais.
Vale ressaltar que a sessão inicia-se no momento em que o paciente é recebido na Sala.
E são observados os cuidados pessoais, a postura, a disposição ou o retraimento. Atitudes tais
serão comparadas, no decorrer do processo musicoterápico. O paciente, ao completar seu
tempo em Sala, mostrará um ganho, ou este não será percebido. É o que me faz computar
como resultado positivo, no desenvolvimento do trabalho musicoterápico, a se confirmar nas
próximas sessões: importantes para a avaliação continuada, e fortalecida num repensar
criterioso de minha parte.
Estou integrada à Instituição e tenho em vista alcançar objetivos. A estes devo chegar
mediante a atuação, para a qual me preparei recebendo as aulas teórico-práticas, fazendo
aflorar a sensibilidade nos trabalhos reflexivos e cumprindo os necessários e enriquecedores
Estágios. O que não me deixa esquecer que o aprimoramento de minha capacidade de atuação
deverá ser o galgar contínuo, se possível, até o ápice: verdadeiramente hipotético, porque
reconheço a complexidade da natureza humana desafiando sempre nossos limites, por certo, e
a contínua evolução no campo da pesquisa, a requerer sucessivas atualizações.
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A metodologia musicoterápica reconhece que a base para o exercício da Clínica se
firma no Princípio de ISO (Benenzon) (3) (1981,62-69): igualdade, tempo mental próprio e
personalizado. A história sonoro-rítmica e a marcação interior regem as nossas ações e
reações. Altshuler, apud Benenzon (3) (Op. cit. p.62), durante a experiência de quatro anos
de musicoterapia hospitalar foi notando que os pacientes depressivos, se estimulados com
música lenta, reagiam satisfatoriamente, e não ao contrário, como pensam os leigos. O canal
de comunicação abre-se mediante a coincidência do ISO do paciente com o ajuste do ISO do
terapeuta, cuidadosamente lidando com as variantes do ISO: gestalt, imutável porque
individualiza e remonta às primeiras impregnações do ser humano; complementar, que é
circunstancial, influenciável pelo meio sociofamiliar, junto às condições psicofísicas do
paciente; grupal, bem como o complementar, é variável e sujeito à qualidade do grupo,
exigindo do musicoterapeuta o conhecimento do ISO individual - de todos - para finalmente
estruturar o ISO grupal, se possível. Ressalve-se que esse trabalho em busca do Princípio de
ISO é, na prática musicoterápica, de técnica não-verbal.
A aproximação terapeuta-paciente, em Musicoterapia, desde a testificação, prioriza todo
o procedimento de técnica não-verbal, onde o desenvolvimento sonoro faz o trajeto de
movimentos de “inter-ação” *, rumando para o resultado interativo.
Neste capítulo em que se aborda a prática musicoterápica, se faz oportuna a
conceituação de Musicoterapia, lavrada em consenso durante o VIII Congresso Mundial de
Musicoterapia, realizado em Hamburgo, Alemanha, julho de 1996.
* - “A Movimentação Musical em Musicoterapia: Interações e Intervenções” in:
Cadernos de Musicoterapia 2, Barcellos (2)
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Definição de Musicoterapia
“Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e
harmonia) por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo para
facilitar e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão,
organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, no sentido de alcançar necessidades
físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas”.
“A Musicoterapia objetiva desenvolver potenciais e/ou restabelecer funções do
indivíduo para que ele/ela possa alcançar uma melhor integração intra e/ou interpessoal e,
consequentemente, uma melhor qualidade de vida, pela prevenção, reabilitação ou
tratamento”.
Federação Mundial de Musicoterapia Inc. – 1996
Comissão de Prática Clínica
Lia Rejane Mendes Barcellos – Presidente – Brasil
Diane Allison – Austrália
Dr. Even Ruud – Noruega
Dr. Chava Sekeles – Israel
Dr. Bárbara Wheeler – USA
Marco Antonio Carvalho Santos – Brasil
Revista Brasileira de Musicoterapia Nº 2 (1996: p.4)
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Ao aceitar o cargo de musicoterapeuta clínica no Instituto Severa Romana procuro
conhecer o modelo organizacional da Casa, e, na linha de frente, o Setor Terapêutico, onde
me incluo. Vejo os alunos-pacientes em seu trânsito diário e, atentamente, os observo nos
intervalos de recreio. Junto à Equipe, ouço eventuais comentários e presto esclarecimentos
sobre os objetivos do trabalho, ainda desconhecido desses profissionais, que revelam
interesse em torno da Musicoterapia.
Dos objetivos da Instituição detenho relativo conhecimento. E quanto aos meus
objetivos junto aos pacientes com problemática de variada etiologia? Ponto primordial é o
estabelecimento do vínculo terapêutico. Deverá haver a dupla aceitação, o rapport. C.G.
Jung (9) (1981/331, p.134), a propósito de “estabelecer harmonia emocional entre o
terapeuta e o paciente” afirma: “Um bom rapport denota que o terapeuta e o paciente estão
conduzindo a análise de maneira satisfatória, que conseguem conversar e existe uma grande
dose de confiança mútua”. Partindo do conceito de Jung, faço a comparação: Um bom
rapport denota que o musicoterapeuta e o paciente estão conduzindo a sessão musicoterápica
de maneira satisfatória, que conseguem intervenções e existe uma grande dose de confiança
mútua. O momento oportuno e adequado é o que oferece a Testificação, provavelmente em
sua primeira etapa, que se refere ao preenchimento da ficha musicoterápica. Noto que o
paciente, ao responder as perguntas, sente-se valorizado: escuto o que me diz, e estou atenta;
ele tem coisas importantes a dizer, e é escutado. Mas, se estou com o paciente que não tem
condições de responder à primeira etapa - Ficha musicoterápica - por esse motivo recebo-o a
partir da segunda etapa, a não verbal, e é nessa testificação que se iniciará o vínculo
terapêutico. Assim espero acontecer. O primeiro objetivo está alcançado, tem-se o rapport, o
paciente já nos acena com suas necessidades, algumas logo percebidas.
Preocupo-me sempre com o desenvolvimento cognitivo, não descuidando de sua
estrutura emocional. Como vou tratar um paciente que denote labilidade emocional, que
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tenha se tornado frágil emocionalmente, e desde quando? Num momento ele é interessado
pelo contexto que o rodeia, noutra ocasião mostra-se dispersivo. Essa condição emocional
precisa ser bem vista, pois poderá estar associada a outras causas. Preciso pesquisar o motivo
do quadro apresentado e em que época instalou-se a dificuldade. Procuro técnicas que
poderão conduzir ao restabelecimento homeostático junto ao equilíbrio psíquico.
Deverei “caminhar (...) musicalmente” (Barcellos) (2) (Op. cit. p.4) com ele,
favorecendo, aproveitando e ampliando as situações que se mostrarem a cada momento:
perceber com ele.
O ambiente da Escola-Clínica vem atender a essa prioridade: a convivência com o
outro, com o grupo. Aqui eu destaco a socialização. Muitos pacientes têm dificuldades para
entrarem no grupo e permanecerem integrados. Há os que o rejeitam por inibição, bloqueio,
e se percebe os que supervalorizam cada membro do grupo: excluindo-se, portanto se
aproximando de um quadro de menos valia. Devo propiciar oportunidades com a MT por
suas técnicas, seja em sessões de grupo ou preparando o paciente individualmente,
priorizando o não verbal, em que os instrumentos fazem a integração, pelo trabalho
simultâneo ou alternado. Questões de limites surgem do convívio em grupo. O paciente vai
aprendendo a não disputar o instrumento que está com o colega e aguardará sua vez.
A expressão do pensamento é representada na face, conduta postural, verbalização,
escrita e por atos e ações. A MT explora a esfera sonora, une-se às práticas da expressão
corporal, à dança, à criatividade, ao canto, à representação cênica e outros recursos capazes
de ajudar o paciente a reconhecer e a fazer uso de seu potencial expressivo.
Tenho pronta a sala de Musicoterapia, mas, o que rege os critérios de escolha dos
pacientes? Observo. Os esclarecedores prontuários nos apontam prioridades; os convênios
autorizam tratamento e escolaridade; a Instituição cumpre-se respeitando o limite diário de
sua carga-horária.
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Aqui se deve reconhecer o espírito filantrópico do ISR oferecendo gratuidade para
determinado percentual de alunos, em face de comprovada carência de recursos. E se
compensa ao receber Alunos-Pacientes sob a responsabilidade financeira de seus pais ou
responsáveis. Estudo alguns encaminhamentos pela Equipe. Tratando-se de pacientes já
Testificados para o Setor, logo os recebo. Caso contrário, antes de confirmá-los avalio. Após
o preenchimento da Ficha e da Testificação, aqueles que, de imediato, não podem receber o
atendimento, por falta de vaga-horária no Setor, ficam relacionados em fila de espera.
Na Escola-Clínica, o processo didático ajusta-se às prioridades terapêuticas. A
metodologia de ensino é adaptada às necessidades das classes, levando à prática da
pedagogia especializada, menos convencional e teórica, mais filtrada e apresentando discurso
clarificado permeando-se de exemplificações. O tempo de escolaridade conta em função do
lento avanço das turmas, até se completar o curso primário. Assim, a 1a série desdobra-se
em: 1a série de 1o estágio, de 2o estágio. Elimina-se a condição de repetência, gratificam-se
alunos e familiares. A partir da 5a série, então, o curso ginasial segue sem alterações, pois
obedece às normas oficiais.
O eventual atraso do paciente em sua chegada à Sala não é impedimento para a
realização do trabalho musicoterapêutico, mesmo que lhe restem poucos minutos. E se
acrescente: é uma norma orientada pela Direção Técnica. Recebendo-o, evito que possa
surgir uma situação frustrante pelo atraso que, talvez, não dependa dele, em absoluto. O que
faço é, no momento da despedida, lembrar-lhe de que, na próxima vez, nós teremos um
tempo maior para as propostas, sinalizando, também, ao responsável. Mas, essa situação
ocorre pouco numa clínica e escola do porte do ISR, que estabelece horário de entrada e
saída de seus turnos. Há dois casos em recorrência, contudo: no primeiro atendimento da
manhã ou da tarde e com os pacientes da Clínica, unicamente, a que comparecem para uma
ou duas sessões semanais de, como exemplo, atendimento em Musicoterapia.
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Quem sou eu? Quem é este paciente? É capaz de se questionar? Temos em apreço o
objetivo primordial da MT: encontrar formas de ajuda para afastar barreiras, bloqueios,
chegar ao âmago estimulando e trazendo pelo auto-questionamento e aceitação, para a
auto-valorização, no processo de crescimento que se quer contínuo. Fala-se do expoente
intrapessoal. A Musicoterapia deve, por seus meios, ajudar o paciente a perceber sua
história, onde a primeira pessoa é ele, em seu interior e exterior.
Quem somos nós? O que eu represento para esse paciente? E ele “me vê”? A
percepção e a integração social são de primeira ordem para alcançar e manter a “higidez
física” (*) e mental, num clima favorável e facilitador, onde se desenvolvem potenciais, num
intercâmbio de experiências que resultem lucrativas. A Musicoterapia, com suas práticas,
propõe-se a favorecer, a encontrar esses dutos de comunicação obliterados anteriormente,
mas que, ao injetarmos estímulos, serão aguardadas harmoniosas respostas para a construção
do ser-social. Fala-se do expoente interpessoal. E se existe o grupo, é certo que o “eu” é
percebido e o “nós” mantém-se integrado, em sintonia.
Estou na sala de MT, aguardo crianças e jovens pacientes portadores de distúrbios:
neuro-psíquicos; de ordem emocional;
autísticos; de síndrome de Down;
da psicomotricidade.
Procurar um denominador comum aplicável a toda problemática, organizando-se um
repertório melódico-rítmico ao vivo ou gravado, para oferecer aos Pacientes na Sala,
certamente, seria reduzir a proposta da Musicoterapia a uma atividade de recreação musical.
Sem querer excluí-la, reserve-se a mesma para as ocasiões oportunas, onde essa programação
torna-se adequada e insubstituível. Não há em MT fórmulas, há, sim, práticas e seus
desdobramentos a surgirem da clínica em sua prática diária, exploratória, mas alicerçada nos
Segundo Caio Escobar (4) (1979: p.28)
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ditames científicos, em busca de mais respostas, porque o tratamento musicoterápico é
programado relativamente com vistas ao prognóstico: é razão suficiente para que planejemos
formas de atuação, essas flexíveis em relação ao paciente em suas reações. A Musicoterapia
não precipita, surpreende.
Há, sim, uma constante, que é requisito indispensável no trato com os pacientes, sem
exceção: forma-se de gestos atenciosos, de compreensão, doação, e sempre moldada numa
postura profissional. Os recursos técnicos da MT nos facultam possibilidades adequadas a
cada quadro tratado nas sessões individuais ou de grupo.
Em relação aos pacientes, há uma soma de expectativas em busca de confirmação. Por
essa premissa, levo em consideração, mas não me afinco aos rótulos antecipados e
definitivos, encontráveis nos prontuários do ISR, evito me influenciar na direção, na conduta
do trabalho musicoterápico; evito ainda me fixar à delimitação conclusiva, simplificada, a
enfeixar os quadros de: “Prognóstico reservado”. A conotação “reservado”, em referência ao
que exponho, me conduz, de pronto, a uma conclusão desencorajadora. Porque, sempre
espero e acredito na contribuição do paciente, em Musicoterapia, a me surpreender. Não raro
forneço um subsídio para Estudo de Caso, onde aquele dado diferencial é anexado ao
relatório, para futura reavaliação desse paciente. Descortine-se para ele um novo horizonte.
No Instituto Severa Romana, terapia em conjunto são encontros pouco frequentes, por
falta de disponibilidade horária: para a MT, e de parte dos alunos com suas disciplinas
programáticas – curso ginasial. Contudo, realizo sessões em grupo. Um exemplo em
apreciação.
ISR – Botafogo
Objetivo: Trabalhar a relação objeto sonoro – objeto não sonoro (por princípio).
Apresentação da proposta: Recebo 7 (sete) Alunos-Pacientes, classes ginasiais, faixa
etária de 15 a 20 anos, na sala de MT, em primeira sessão.
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Pergunto se eles concordam em sentar no chão (de tábua), terem a sala escurecida;
fecharem os olhos, que eu vou colocar um objeto ao lado de cada um; e quando eu tocar no
piano, devem reconhecer e explorar o objeto: concordam todos. Faço o relaxamento, e após o
mesmo, passo à fase seguinte.
Desenvolvimento: Distribuo:
Caixinha de madeira;
Pincel grande;
Bola de pingue-pongue;
Novelo de barbante;
Caderno em branco;
Chaveiro;
Maraca sem cabo (ranhurada, esvaziada).
Estimulação sonora: Uso improvisação quaternária, duração de 15‟. Clareio o ambiente
e sugiro que digam cantando qual utilidade encontraram para o objeto. Logo, um aluno diz
que é difícil dizer cantando, mas a colega encoraja-se, é seguida pelos outros.
Atuação: (Nomes alterados)
CARLA – Na caixinha / vou guardar / pra dar sorte / a joaninha
(Em 4as. justas ascendentes e repetidas)
JORGE – É pra pintar meu nome em tudo que é meu.
(Voz impostada, nota única repetida)
FERNANDO – Tenho a corda / falta a pipa / o que vou fazer?
(Três vezes a sequência ascendente: graus do I ao IV e IV)
ANDRÉ – Arrebentei /minha bolinha / fechei a mão / se espatifou praac
(em 5as. ascendentes e interpreta o ruído, mas a conserva)
MARCIA – Eu escrevo pro Zico / que eu adoro / que eu adoro!
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(Imita Roberto Carlos)
AUGUSTO – Raámm... raámm... A minha moto faz bonito! E aqui eu boto a chave
dela (no bolso).
JUSSARA – Não vou cantar, vou dizer o que achei: deve servir pra muita coisa, mas
parece mesmo com aquilo que a gente atira longe, faz um barulhão!
Levanta uma poeira ... quebra tudo.
Apreciação associativa. CARLA: crendice; JORGE: posse definida; FERNANDO:
sentimento de falta; ANDRÉ: disposição destruidora; MÁRCIA:
idolatria, romantismo; AUGUSTO: velocidade, aventura; JUSSARA:
reflexo da realidade violenta.
Resgate. Na totalidade, os participantes expressam-se com desenvoltura.
Conclusão. A expressão sonora aparece através de: formações rudimentares melódicas
da infância; impregnação de música romântica realçando um ídolo; expressão
onomatopéica; impregnação cinestésica demonstrada com espontaneidade sobre impressões
contidas.
“A associação cinestésica é uma associação inevitável, produzida por algum tipo de
semelhança física”. (Fregtman) (6) (1989: p.63)
Fazendo uso de um par de maracas, eu disse que essa (avariada) ao colocarmos
pedrinhas ou grãos e receber novo cabo, voltará a fornecer os sons.
No encerramento desta exposição, devo recordar que, entre os Pacientes recebidos
apenas na Clínica, são alguns deles portadores de quadro autista. Ocorre, com exceção do
atendimento médico neuro-psiquiátrico, a impossibilidade, declarada pelos profissionais de
terapias de apoio, de trabalharem com os pacientes autistas. O setor de Musicoterapia os
recebe e intenta a comunicação.
Um quadro aqui registrado. Pac. Felipe. Diag. Autista – id. crn. 8 anos – 3ª sessão.
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Para se manter oculto, cobre o rosto e se esconde na lateral do piano. Sonorizo com a
guizeira; Pac. estende o braço, e a mão espalmada segura e recolhe o instrumento. Assim se
repete a conduta, prática essa que elege um instrumento, ou vários, a servir de objeto
intermediário inaugurando a comunicação, que se deseja efetiva.
A partir desta intermediação - objeto intermediário - Benenzon (3) aponta o objeto
integrador. É um instrumento, segundo o referido autor, eleito e capaz de organizar o
grupo; vincular os líderes reforçando-os, para um resultado de atuação conjunta, porque
dialogante; complementar, portanto enriquecedora; crescente, quanto harmoniosa resulte.
Celebrando o percurso que trilhei pela Casa, elejo um instrumento integrador como
símbolo, em reconhecimento, e confirmo a Musicoterapia entre as terapias congêneres,
igualmente congregadora do contexto terapêutico no Instituto Severa Romana - ISR.
Aquele piano, que me recebeu no Méier, é o meu objeto integrador. Eu o abraço,
emocionada.
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3.2. CASO CLÍNICO
A. F. passa por diversas escolas, avaliações, encaminhamentos, laudos médicos. Chega
ao ISR, encontra o setor de MT. Considero o Caso Clínico, a seguir, merecedor de uma
releitura.
As letras - A. F. - são referência titular a se perfilarem nestas páginas. Inicia o périplo
aos cinco anos de idade por diversas escolas, sendo em algumas, aconselhado ao
desligamento, em face dos prejuízos causados em trabalhos de classe, indisciplina e do
baixo rendimento escolar. Seu genitor ouve sugestões contraditórias. O médico pediatra de
A. F. insiste para que deixem o menino em escolas de currículo fundamental; mesma
opinião têm alguns médicos consultados; quanto aos psicólogos, ligados às escolas
frequentadas, sugerem que se busque ajuda com ludoterapeutas; dois ou três professores de
curso primário, em conversa informal, lembram a existência do ensino especializado; a
madrasta, pois, reforça a opção. Afinal, no mesmo bairro encontra-se o Instituto Severa
Romana. Conduzido por seu pai, A. F. chega às portas da Escola, por onde entrará muitas
vezes, no quinquênio 1975-80.
A Folha de Rosto, preenchida pelo Setor de Assistência Social, apresenta-nos A. F. e
seus dados identificadores, a referência parental e situação econômica. É contribuição
apreciada neste histórico-clínico.
O prontuário de A. F. está sendo folheado para uma leitura atenta. Os setores TécnicoPedagógico-Terapêutico aprontam suas avaliações, das quais se reproduzem, apenas,
Conclusões, suficientes à visão de um todo esclarecedor - para que não se estenda em
demasia este relato.
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Instituto Severa Romana – ISR/Méier
Setor de Assistência Social
Folha de Rosto
Identificação
Nome: A. F.
Responsável: Sr. L. F., o pai
Pessoa entrevistada: O pai de A. F.
Idade do aluno: 11 anos
Nível de escolaridade: Aprovado para a 3a série
Data de nascimento: 18/10/1965
Local de nascimento: Cidade do Rio de Janeiro
Residência: Bairro: Méier
Constelação familiar:
Pai: 36 anos, do comércio, escolaridade: 2o grau
Situação financeira: Boa, estável
Mãe: Falecida há nove anos, devido a um câncer de mama.
Madrasta: 25 anos, do lar, escolaridade: 1o grau
Filha da madrasta: 8 anos
Relacionamento interfamiliar: Difícil. A. F. não aceita a madrasta em substituição à
avó, que o criou, deixando a residência compartilhada com o genro, quando esse contraiu
novo matrimônio.
Rio de Janeiro, 1º de março de 1975
N. N.
Assistente Social
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Avaliação psiquiátrica
A anamnese de A. F. está dentro dos padrões de normalidade. EEG apresenta discreta
lentificação de algumas ondas, em relação à idade. Recomenda-se reavaliação em 6 (seis)
meses.
Indagação diagnóstica: Disfunção Cerebral Mínima? (*)
Setor de Psicologia
Este setor conclui que o paciente A. F. é portador de moderado prejuízo na atenção e
concentração; mostra-se hiperativo; tem dificuldades no grupo. Tratamento: Sessão semanal
individual. Reavaliação: mensal.
Hipótese Diagnóstica: Distúrbio de Conduta.
Orientação psicopedagógica
O aluno A. F. tem uma história escolar de repetências e transferências, a partir da
classe de Jardim, sendo excluído por indisciplina. A. F. passou pelo Colégio Sagrado
Coração de Maria, Colégio Méier, recentemente, e por mais três estabelecimentos de
ensino. Nas Fichas de Desligamento constam observações: de queixas de desobediência em
classe e de baixo rendimento escolar. Este setor aprova a matrícula de A. F. na 3a série do
curso primário.
Acompanhamento psicopedagógico: mensal.
* DCM, atualmente chamada Síndrome de Disfunção da Atenção - SDA
Consultando P. Wender (12) (1980: 1 – 3): “A Disfunção Cerebral Mínima é
provavelmente a desordem singular mais comum vista por psiquiatras infantis” e “implica em
uma alteração no funcionamento do cérebro sem especificar sua localização ou natureza”.
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A. F. ingressou no ISR em março de 1975, na 3a série do curso primário. Um lustro
se passou. Cursa a 7a série, aos quinze para dezesseis anos, compatíveis com seu porte
saudável.
Cumprindo horário, A. F. recebe as aulas de música da professora Emília, às quais
compareço em alguns momentos - forma de atuação conjunta a que me referi (p.18).
Lição de música, para A. F., representa mais uma disciplina em pauta. Sua professora
é mais uma entre outras de jaleco azul, na Escola. Quanto à minha presença deverá ser
menos agradável: sou terapeuta. A. F., quando pode, mantém distância de quem usa jaleco
branco ou rosa.
A partir do mês de julho, as classes do ginásio da Unidade Méier estão motivadas
com os preparativos do 4o Festival de Música do Instituto Severa Romana – 1980 e sua
realização marcada para setembro próximo.
Organizo repertório variado. Introduzo estudo de flauta doce tendo em vista
formação de conjunto. Testifico os Alunos, série por série. Assim, começamos a exercitar:
respiração, embocadura, posições básicas, espírito de grupo e concentração. Com cinco,
seis notas, consigo ensaiar peças breves e improvisação livre, para destacar os
instrumentistas. Alunos qualificados para o Festival não são, basicamente os que
preenchem minha pauta de atendimentos individuais, nem a de alguns terapeutas.
No decorrer deste Caso Clínico pode-se observar como se esconde/apresenta a
problemática emocional na vivência desse adolescente. A. F., atormentando-se, restringe a
capacidade intelectiva; prejudica o juízo de valores e se torna arredio e antagônico ao meio
sócio-parental, imprimindo relativa frustração aos familiares, tendo em linha de frente a
vulnerabilidade do senhor L. F., o pai.
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Estabelecimento escolar desse porte existe com o sério propósito de traçar diretrizes
terapêuticas pleiteando melhoras e reversões de casos, no mesmo âmbito instrutivoeducativo. A. F. ainda não consegue entender o contexto do Instituto Severa Romana.
Por vezes, observo que um paciente com seu núcleo emocional prejudicado reage
obliquamente, deslocando a fonte de sua angústia. Quanto ao Paciente em estudo, por seus
atos ou suas respostas injustificáveis, sinaliza o pedido de socorro, não apelando só a quem
considera opositor; quase generaliza; será o mecanismo inconsciente punindo a quantos, em
busca de atenção?
“Todas as emoções são, em essência, impulsos para agir, planos instantâneos para
lidar com a vida que a evolução nos infundiu. A própria raiz da palavra emoção é movere,
“mover” em latim, mais o prefixo “e-“, para denotar “afastar-se”, indicando que uma
tendência a agir está implícita em toda emoção”.
D. Goleman (8) (1996: p.20)
O Caso Clínico desenvolve-se em torno do Festival aguardado com entusiasmo pelos
Alunos do Curso Ginasial.
Testes vocais são realizados em cada classe, todos se dispõem a participar. Em relação à
proposta do estudo de flauta, noto receios, acham difícil e não sabem se vão “dar conta”. Eu
incentivo para que experimentem o instrumento e logo saberemos o que decidir.
Local espaçoso para os ensaios é a sala de Musicoterapia. E os alunos movimentam-se
guardando livros e cadernos. Fala um jovem que conserva a cabeça abaixada, mas levanta o
dedo e fala francamente: “Eu até posso tentar a flauta, só que não vou me arrancar desta aula.
Não perdi nada lá. Tem mais: não me interessa conhecer esse tal departamento”.
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Preparo-me para lidar com o elevado grau de resistência. Então, solicito a pasta do
referido Aluno da 7a série, porque preciso saber o que diz a avaliação Psicopedagógica. Noto
que há, no espaço de quatro anos e meio, algumas alterações comportamentais no quadro
terapêutico. Esse aluno é A. F., um desafio à mostra. É verdade que nesse lapso de tempo, dos
onze aos dezesseis anos, idade atual, mudanças ocorrem: no físico e na psiquê. É fase de
transição. Menino crescido não é mais, um rapaz se tornou. E como tal, crê-se bastante
sabedor para questionar sobre o traçado que lhe impõem seus familiares. A essas
considerações eu chego, após a leitura de seu já volumoso prontuário. As queixas principais
são: de hiperativo torna-se desinteressado no grupo; não costuma tomar iniciativas; tendente à
apatia e nos trabalhos de classe estuda o suficiente para passar de ano. Quanto às sessões que
frequenta de Psicologia, é pouco permeável. Uma forma de resistência?
É dia de aula de música, nesse horário vou introduzir a flauta doce. Professora Emília
conduz a 8a série, enquanto vou à 7a, convido a todos para me seguirem até o setor de
Musicoterapia. Observo A. F., permanece imóvel. Dirijo-me a ele, e responde negativamente.
Informo ser necessário irmos à Sala, pois o piano será utilizado nos testes. A. F. negocia. “Só
se for para ficar na porta. Pode deixar aberta?”. Concordo. Posso observar que A. F. é atento
ao que digo do instrumento: resumida informação histórica; treina-se correta embocadura e o
sopro. A. F. prefere não fazer o teste.
Nesse ponto, solicito à Direção Técnica e ao Setor de Psicologia o encaminhamento do
Aluno para sessão individual no Setor de Musicoterapia. Por coincidência, tenho um horário
livre, recém-vago.
Dirijo-me até a 7a série para convidar A. F. a me acompanhar à sala do piano. Hesitante
no primeiro momento, resolve aceitar, e me segue, enquanto confidencia: “Essa aula de
Ciências Naturais me deu sono”. E se espreguiça.
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A. F. ajeita a cadeira, colocando-a perto do piano. Decido modificar a sessão: conversa
informal - não faço anotações.
“Minha família? O pai, que se casou de novo. E tem a filha da madrasta: doze anos.
Minha avó me criou, gosto dela, morava lá em casa, aí se mudou e deu lugar pra elas. Tive
que ficar, sou menor, né? (Pausa) Minha mãe. Não consigo, mas não consigo mesmo me
lembrar da minha mãe. Eu me esforço: nada, não faço idéia. (Pausa) Como é que eu lembro
bem da cor do meu quarto, do meu berço? Eu sei direitinho como ele era... E daquela barata
nojenta... É isso mesmo, tinha barata dentro do meu berço! Como é que posso me lembrar de
quando eu era tão pequeno, um ano e pouco, nem falava ainda e sei de tudo que tinha no meu
quarto?”
“Barulho da rua? Gosto daquelas buzinas de carro que são diferentes: Fom-fom-fomfoom (4a justa ascendente). Ah! Também dos bombeiros, que não atrapalham, eles são
importantes”.
É a Segunda aula de flauta. A. F. coloca as mesmas condições. Aceito. As classes estão
envolvidas no treinamento da afinação da nota sol. A turma do Jardim, os pequenos vêm para
o recreio, no pátio que ladeia a sala de MT. A algazarra perturba nosso desempenho e dois
Alunos cobram-me solução. Peço que A. F. permita fechar a porta, só até a brincadeira no
pátio cessar, no que sou consentida e desde que não passe a chave. Então, retiro e a coloco
sobre a moldura do quadro-negro, à vista de todos. A. F., de pé, encosta-se à porta, mantém os
braços cruzados e se mostra atento.
O recreio do Jardim resultou providencial. Fico pensando que A. F., entre as
recordações do Jardim de sua infância e a Sala, apresenta-se esta menos invasora. Por quê?
Sim, guarda lembranças de palavras ameaçadoras. “... e você não volte mais a este Jardim.”,
“... não queremos criança desobediente nesta escola!”, “Você precisa destruir tudo à volta?”.
Agora, vai descobrindo outro espaço: acolhedor. Fechando a porta, foi emudecendo aquele
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Jardim dos seus quatro, cinco anos, em troca de sonoridades praticadas no tempo presente,
numa história de valorização.
“Assim como o modo da mente racional é a palavra, o das emoções é não verbal”.
D. Goleman (8) (Op. cit. p.111)
Frente às lembranças presentificadas gerando questionamentos aflitivos, informo o
Aluno que devo convidar, através da Coordenação Terapêutica, uma pessoa de sua família
para conversarmos. “Se for a vó, pode chamar”. Porém, na impossibilidade da mencionada
avó, comparece a senhora R. R., tia de A. F., que a representa.
“Minha irmã S. é a mãe de A. F., seu único filho. Casou aos vinte e oito anos.
Engravidou quase um ano depois, e foi quando descobriu a doença: câncer na mama. Que
sofrimento! S. dizia inconformada não entender como, na qualidade de uma agente
divulgadora de saúde, auxiliar de campanha pró Fundação Dr. Laureano... A senhora deve
saber daquele médico, ele, mesmo acometido dessa moléstia, fez um movimento nacional de
conscientização, depois, em seu nome organizavam encontros, como o do Maracanãzinho, o
maior. Lá estava S., aos dezenove anos, engajada nessa causa e cantando... Era muito
animada, apresentou-se em alguns programas de rádio, seguia na TV aqueles concursos de
calouros, creio que até concorreu, mas não tenho certeza. Fazia poemas, desenhava. Como é a
vida! E não foi acontecer igual com ela? (Desvia o assunto). Quem criou A. F.? Minha mãe,
que se dedicou a ele. E como ficaram agarrados. Foi morar lá com o genro, e era preciso,
imagine A. F. só com dois aninhos e sem mãe (Pausa). Uma criança superesperta, muito ativa.
Mamãe „cortava dobrado‟ com ele. Mas, não é sinal de saúde, como dizem os entendidos?
Concorda? Aí, o pai dele casou com mulher mais nova que trouxe a filha. Assim, a avó teve
que se mudar. A. F. está com o pai, a madrasta e a menina, agora com 12 anos. Tem muito
ciúme por lá. Olhe, eles não se entendem. Nem na escola A. F. sossega. Andou por várias,
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acabou vindo pra esta. Bem! Aqui A. F. está parando mais. O pai disse que ele vai ficar até
concluir o ginásio. Está um rapaz agora, tem que se ajuizar. (Fala baixo.) As primas
ridicularizam A. F. chamando de tantã, birutinha, lelé da cuca... O pior é que ele sabe. A
gente, fazer o quê?”
Retira-se R. R., deixando-me pensativa. É comovente seu relato que não deixa dúvidas.
Reverter o quadro? Apoiando-me na relativa possibilidade em meu alcance, eu me consinto,
como agora.
Terceira aula de flauta. A. F. me apresenta o instrumento que adquiriu, e pergunta se a
marca é boa. “Vamos lá experimentar?” O Aluno passa por esse momento demonstrando
prazer.
Depois do encaminhamento ao Setor, realizo a testificação não-verbal. A. F. chega à
Sala e esclareço que a proposta é diferente da aula de flauta. Logo, eu me dedico a explorar os
bongôs, e sou observada. Quando cesso, A. F. inicia um ritmo alternado entre o atabaque e o
tambor; eu espelho nos bongôs; ele repete; eu vario; ele modifica. E, daí por diante, distingue
as aulas de flauta, os ensaios vocais para o Festival das sessões de Musicoterapia, inclusive,
aceitando este termo.
Nas sessões semanais A. F. segue explorador. Parece conversar, segredar ou lidera,
impõe e concede; intervenho quando julgo oportuno, para sustentar o diálogo sonoro. Diálogo
criativo, embasando sentimentos. Agora, A. F. vai aos saltos afrouxando as defesas, abrindo
os canais de comunicação para veicular todo o talento há muito sufocado e, por fim, está
conseguindo porejar a emotividade assim contida.
Quarta aula de flauta. A. F. domina as posições básicas. E me pergunta como conseguir
a nota para afinar “... esta música me veio à cabeça, mas quando chega aqui (fá sustenido),
preciso completar”. A. F. relembra a melodia de “Boi da Cara Preta”, de nosso folclore. E
canção de ninar.
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“A psicanálise esquematiza as funções cerebrais, em funções do ID (inconsciente), do
EGO e do SUPEREGO; e, ainda, por necessidade de exposição, cria o PRÉ-CONSCIENTE,
a fim de explicar as manifestações que jazem adormecidas entre o ID e o CONSCIENTE
atual”.
C. Escobar (4) (Op. cit. p. 43)
A psiquê de A. F. armazena o ID pleno de informações retidas e de imagens
angustiantes, se conjetura. Desde quando? Calculo: começando na gestação conflituada, em
face da moléstia de sua mãe que, por mais firme desejasse manter-se, dificilmente não
impregnaria o feto. Continua o quadro apreensivo em torno de seu primeiro ano de vida, e no
segundo, quando a mãe veio a falecer; agudiza-se, tempos depois, ao ser arrebatado dos
cuidados da avó, passando à dominância da madrasta que lhe apresenta a menina com quem
deve tudo dividir, e a requerer os cuidados compartidos de seu pai. Das reações de A. F.
relatei, e tento enfraquecer o padrão de resistência e rebeldia.
Agora, na puberdade - aqui, lanço mão do senso comum - é nesta Escola, desde a rua e
a cor da fachada que esse Aluno rejeita, mas frequenta por imposições já mencionadas, é
nesse espaço que A. F. assinala trazer do IN/PRÉ-CONSCIENTE imagens esparsas,
começando a entender o porquê das palavras duras; a atitude dos que o rodeavam/rodeiam, e
como agiam/agem em relação a ele-rebelde. E nos apresenta o que consideramos resgate,
enquanto se brinda com esse “Boi da Cara Preta”. Como seria o acalanto oferecido ao bebê A.
F.? Provavelmente, o canto que sufoca um grito dolorido e a melancólica expressão de
carinho prenunciando um futuro embaçado. Este é um acalanto que lhe traz a flauta
apaziguante.
Spelt, por Benenzon (3): “A base da relação do ritmo e o ser humano deve se buscar
no contato sonoro do feto intrauterino” e “a música (melodia) é a evocação da mãe, é
reeditar a relação com ela e com a natureza”.
(Op. cit. p.42).
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A. F. irmana-se aos participantes do Festival, o que nos assinala a integração no grupo.
Os ensaios realizam-se e mostram bom rendimento. Nos intervalos de apresentação das
Composições das Classes, cria-se um recital intermediário, sugerido pelo aluno da 7a série, A.
F., diversificando-se em: flauta-solo; flauta e piano; canto e piano e o número de mímica surpreendente atuação.
Recuo esta exposição até as aulas de flauta, onde A. F. desenvolve a técnica,
dominando além da tabela simples de posições. No folheto explicativo e anexo ao
instrumento, que por sua iniciativa adquiriu, encontram-se peças fáceis. “Esta música do
século XVIII eu quero tocar, e aí mostro o autor Anônimo, ele não pode ficar esquecido. Pode
não!”.
A. F., em seus dezesseis anos e meio, vê-se responsável pela valorização do autor por
sua obra que lega à posteridade, então, faz a sua parte. Há outro ponto: o gosto refinado que
vem revelando na escolha do repertório.
Festival. Um foco na realização. A cada número de conjunto apresentado, sucede-se a
salva de palmas, como agradecimento; e para incentivo ao grupo e seu esforço de presença,
palmas de familiares de alunos, pois em sincronia está a família ISR. E se encerra a primeira
parte.
Estamos no entreato: recital de A. F. “Greensleeves”, música barroca. Desempenho
admirável, considerando só dois meses de estudo de flauta. Surpresa, entusiasmo geral,
“Bravo!”. Acaloradas palmas, interjeições para um só executante. Nenhum aplauso de
familiar seu, porque ausente. Não costumavam ser requisitados à escola para celebrar
desempenho ou, consideremos impossibilidades de natureza diversa. No futuro? A. F. espera
mais presença. Por enquanto, é gratificado pelo grupo comovido, de forma espontânea e justa.
Ao ser, de novo, anunciado, apresenta, a partir de um inciso: Improvisação Livre em Flauta: é
recebido com palmas, porque A. F. não é mais o estreante. Vai traçando o perfil do artista.
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Da flauta ao canto. A. F. quer cantar, e o que escuto é uma voz de impostação natural,
volumosa e abaritonada. Realizamos vocalise. Não há tempo suficiente para exercitar a devida
afinação, pois é preciso vencer a tendência a semitonar. Por enquanto, privilegiemos a
descoberta de um manancial canoro. É a vez de “Casinha pequenina”, canção popular
considerada erudita pela voz soprano de Bidu Saião; tem andamento lento, notas prolongadas
e faz a preferência de A. F. Ao término da apresentação, dirijo-me aos convidados para dizer
que o cantor preparou-se numa semana e meia, sendo o mesmo novamente aplaudido.
Volto à fase preparatória do Festival. Nas classes, alinhavamos letras para as melodias a
serem compostas. Estou, agora, na 7a série. Faço a motivação em busca de palavras. Peço que
deem um nome, um título para a letra que faremos adaptar à música – indução criativa. Todos
pensam, e a aluna J. M. se adianta. “Eu acho... lembranças. Serve?” Anoto no quadro. A
Segunda contribuição é: “Retrato. Coisa estranha é um retrato!”. Lembra pensativo A. F. O
termo vai para o quadro. Pergunto: quem aprova e quem não concorda? Todos dizem que as
palavras servem e são bonitas. Então, nós temos palavras-chaves. Continuo. Como podem ser
as lembranças? E os retratos? J. M.: “Lembranças dele, do meu avô”. As palavras chegam,
nós vamos construindo versos. Pergunta para A. F.: Por que o retrato é estranho? Em resposta:
“Porque o retrato não tem você... não tem nada, vira ele, não tem nada nas costas”. Percebo
que o ISO grupal, a partir do significado das palavras escolhidas por J. M. e A. F., tornou-se
reflexivo, saudoso expressando emotividades contidas. Mas, na finalização da letra, a classe
anima-se, bate palmas: “Conseguimos!”.
LEMBRANÇAS – Toada
Lembranças de você, / Lembranças de carinho, /
Lembranças do passado, / Lembranças de você. //
Teu retrato amarelado, / Teu retrato eu revejo, /
Teu retrato é destaque, / Teu retrato emoldurado. / /
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Bis
Lembranças de você, / Lembranças de carinho, /
Lembranças do passado, / Lembranças de você. //
Teu retrato é um lugar, / Teu retrato é um caminho, /
Teu retrato na casinha, / Teu retrato sem você!
Melodia. A partir de repetidas leituras pelo grupo, surgem inflexões, alternâncias
ascendentes e descendentes, o balanceio ritmando a melodia como barcarola. No piano,
coloca-se a música na tonalidade conveniente às vozes. Em C (Dó).
As palmas contabilizadas por A. F., após o número de canto, repetem-se após a
apresentação de uma cena cômica. Foi assim. Poucos dias antes da tarde do Festival, A. F.,
percebendo a porta da Sala aberta, entra e observa o mobiliário. Chega-se ao banco (de praça),
põe a mão nele, e me informa que precisa do mesmo. Aguardo sua justificativa. A. F. explica
o seu intento, com detalhes. “Maquilagem eu faço, e o figurino é básico, serve a camiseta
listada de vermelho e a calça Lee. Precisamos escolher a trilha sonora”. Ajudo, então. Ele
ainda não se decide. Até eu tocar um charleston. A. F. salta de satisfação. “Mais outro, e está
ótimo”. Repertório fechado. Agora, os ensaios. A. F. compõe um quadro de tal comicidade,
que se torna difícil ficar sério por um instante, embora A. F. não diga uma só palavra: utiliza
amplamente o gestual. Segundo comparação minha, faz o tipo chapliniano, sem dúvidas, mas
não só, pois, mescla o “Zé Bonitinho”, personagem do cômico Jorge Loredo na “Praça da
Alegria”. É um sucesso tal apresentação para encerrar os entreatos. Aquele Aluno meio
zangado, que andava se esquivando no recreio, e na sala de aula optava pelo mínimo
empenho, aquele Aluno é este que se torna participativo, como não vejo assemelhado no
âmbito do ISR. A estrondosa salva de palmas, após a cena humorística, fez confirmar seu
valor artístico, antes prejudicado por dificuldades acumuladas.
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“... o humor possui algo libertador, possui algo de grandeza e elevação...”. “Se o
superego procura, por meio do humor consolar o ego e protegê-lo do sofrimento, isso não
contradiz sua origem na instância parental”.
Freud (7) (1927 d, 21/160: p.292)
Valores apresenta agora, como estudante aplicado. Chega cedo e vai estudar na sala de
MT. Às oito horas, recebo o primeiro paciente e A. F. vai para a sua classe, então. No horário
de saída, procura-me em meio à algazarra e vai posicionando a flauta, para que eu escute e
ajude a completar J. S. Bach: “Jesus, alegria dos homens”.
“O som celestial da Flauta Doce transmite às pessoas e aos ambientes profunda paz,
que até nos faz sentir entre nós a presença de Deus”.
Mário Mascarenhas (10) (1977: 2o - p.1)
Outubro, novembro: as provas finais de ano. A. F. me participa que tirou nota nove em
Ciências Naturais, “porque eu estudei no nosso Setor”, justifica. Na semana seguinte é a vez
de encontrá-lo estudando Geografia. Olho para o quadro de avisos, ali está um presente. É um
meticuloso desenho a bico de pena, onde representa um pianista vestindo casaca e sentado ao
piano da cauda, este mostra um modelo antigo, com os pés torneados e a estante rendilhada.
Eu pergunto o que se ouve deste piano e A. F. me diz que é um grande concerto. “... não está
pronto, falta desenhar as flores e o público”. É a minha vez de surpreender, e lhe apresento
ópera: “Marcha triunfal” (do 2º Ato), Aída, de Verdi. Satisfação a olhos vistos. Sugiro incluir
algumas peças populares ao repertório. Prontamente A. F. aceita, “mas com a condição de ser
complicada”. A propósito, lembro-me de “Mulher rendeira” (nesse arranjo o contracanto é
arpejado). Esta é a seleção que A. F., convidado especial da Direção Técnica, apresenta na
solenidade de encerramento do ano letivo de 1980 e de entrega de Certificados para a 8a série,
no dia 19 de dezembro. Em exposição anterior, comento este desempenho.
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Ainda hoje – passaram-se dezoito anos – está presente à memória de quem lá esteve
fazendo parte da assembléia, assim como a Sra. D. C., tia de um formando. Em casual e
recente encontro nosso na via pública, e após um rápido comentário sobre seu sobrinho,
lembra: “Tem notícias daquele jovem flautista? Que talento, hein?”.
Volto à semana seguinte da Formatura.
O ano letivo se encerrou. Mas o Setor Terapêutico está em atendimento, inclusive para
A. F. Em processo de Alta, permite-se mais a verbalização. Logo ao chegar, apronta a flauta e
me alerta: “Escute esta...”. Reconheço o inciso do primeiro movimento da Sinfonia Nº5, em
dó menor, Op. 67, de Beethoven. Vibrante compasso: três notas breves repetidas e uma longa,
formando a 3a m descendente, ou a letra V do código Morse, e por extensão, o V da Vitória
dos países aliados. Nesse simbolismo A. F. envolve-se e pode erguer a mão formando o V de
sua vitória existencial: aos dezessete anos.
Onze dias após a realização da solenidade por mim aludida amplamente, sou convocada
pelo Setor Terapêutico, via assistente social, para a reunião de Estudo de Caso. Fico sabendo
tratar-se da avaliação do prontuário de A. F. Iniciados os trabalhos, tem a palavra cada setor
onde A. F. está inscrito.
Orientação psicopedagógica. Em suma, diz que o Aluno em estudo tem o seu boletim
aprovado para a 8a série, com as notas entre 8 e 9,5, repartindo o 1o lugar com um colega.
Avaliação psiquiátrica. Retira a indagação diagnóstica de DCM.
Setor de Psicologia. Retifica a hipótese diagnóstica; Pac. refaz seu padrão de conduta
nos termos normais. Sugere a alta.
Setor de Assistência Social. Quadro de relacionamento familiar: Estável; informação do
Sr. L. F. (pai), que diz: A. F., no momento mantém-se ocupado e desenvolvendo novos
interesses.
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Setor de Musicoterapia. Este setor gratifica-se em relação aos pareceres formulados
pela presente Equipe na apreciação deste Caso Clínico, e confere a assinatura da Alta
terapêutica ao Aluno-Paciente A. F.
Nesta importante reunião, evidencia-se que o Aluno em foco, tendo alta da Clínica,
igualmente, obtém-na da Escola, mediante sua aprovação meritosa.
A. F., ao tomar ciência desta resolução, e apoiado pelo genitor, resolve pedir a
transferência para uma escola de Ensino Fundamental, onde conclui a 8a série, completando o
Curso Ginasial. Sabe-se que cursou o Segundo Grau.
Digo, em sintonia com o filósofo anônimo, apud Fregtman (6) (Op. cit. p.27):
“Compreender é como cantar”.
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4. CONCLUSÃO
Tenho a satisfação de concluir este trabalho monográfico, onde refaço minha trajetória
de oito anos, 1980 a 87 completos, sendo a musicoterapeuta – Mt. - nas Escolas-Clínicas
Instituto Severa Romana, ISR/RJ. Voltado para a causa dos portadores de necessidades
especiais, o referido estabelecimento recebe crianças e adolescentes em busca de escolaridade
e tratamento.
Perfilei a Instituição: em seus dados históricos, ou seja, a origem do nome, a família
fundadora, seus primórdios; o crescimento, os convênios creditantes, endereços de suas
Escolas-Clínicas e objetivos: oferecer Ensino Especializado, que se traduz como Orientação
Medicopsicopedagógica, através dos Setores Técnico-Pedagógico e Terapêutico, por suas
equipes especializadas. Profissionais da área médica e paramédica formam a equipe do Setor
Terapêutico. Professores do Ensino Fundamental Especializado compõem o quadro do Setor
Pedagógico. O ISR oferece as classes de Jardim e Primário, e curso Ginasial: reconhecido
pelo Ministério de Educação e Cultura – MEC.
A finalidade do Setor Terapêutico, onde me incluo, é avaliar e tratar de alunos-pacientes
em sessões individuais ou de grupos, favorecendo suas condições sóciocomportamentais, que
farão positiva diferença no desempenho escolar.
Há expectativas em face de um novo paciente. O planejamento é feito após a
Testificação, que nos assinala com possibilidades de melhora do padrão inicial. Mas a forma
diretiva irá se modificar para não diretiva, priorizando cada momento e oferta, por mínima
que seja, de quem à sala de Musicoterapia comparece, demonstrando o aceite à
movimentação musicoterápica, logo ao se confirmar o rapport: condição imprescindível
numa relação terapêutica bem sucedida.
Em abril de 1980, aceito o cargo de musicoterapeuta na Unidade do Méier, onde
organizo o setor de Musicoterapia, faço testificações, recebo familiares para esclarecimentos
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necessários, realizo atendimentos na Sala e presto orientação à professora responsável pela
disciplina de educação musical em salas de aula.
Um acontecimento a se destacar nesse ano é o 4o Festival de Música do Instituto Severa
Romana do Méier. A Direção Técnica enfatiza-os por reconhecer ganhos terapêuticos e o
saudável entrosamento de todo o efetivo do ISR. As classes participantes são do Curso
Ginasial apresentando suas composições para uma banca formada pela equipe da Casa.
Ocasião propícia onde pontua o Aluno avaliado em nosso Caso Clínico, significante enfoque
ao término desta Monografia.
1981. Continuo o percurso profissional em outros endereços do ISR: na Clínica e na
Escola de Botafogo. Por expresso pedido da Direção Geral, o atendimento musicoterapêutico
no Setor da Unidade do Méier fica entregue ao desempenho de Estagiários por mim
supervisionados e será sempre oportuno o agradecimento de nossa parte.
Ainda em pauta o ano de 1981: 1o Festival de Música Popular do ISR de Botafogo. Dos
festivais ao atendimento individual na Sala. É o lugar onde acontece a prática clínica,
embasada na metodologia a orientar a técnica musicoterápica: os meios de atuação de
terapeuta e paciente em busca de interação e integração. Privilegia-se o não-verbal, a
sensibilização, toda sonoridade será explorada, trabalha-se a expressão corporal, o gestual e o
corpo-instrumento.
Retorne-se ao Festival de 1980, para destacar o Aluno da 7ª série, nosso Caso Clínico
na revisão de final de ano. Para tanto, seu prontuário abre-se em releitura. Nas primeiras
páginas encontramos laudos com indagação diagnóstica de Disfunção Cerebral Mínima,* do
setor de Psiquiatria; hipótese diagnóstica de Distúrbio de Conduta,* do setor de Psicologia;
não mais animadoras são a Folha de Rosto – Serviço Social - e o parecer da Orientação
psicopedagógica.
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Seis meses é o período que A. F. permanece em atendimento no setor de Musicoterapia,
enquanto estuda flauta soprano, exercita o vocalise, imposta a voz em prática espontânea,
ajuda a compor letra para melodia a concorrer por sua classe, e, notável, gratifica-se como
intérprete performático, número de sua criação, que nos remete à lembrança de tipos da cena
muda.
Na última página do prontuário de A. F., após a apreciação de seu Estudo de Caso, duas
palavras resolvem e encerram o curso do tratamento musicoterápico: Alta terapêutica.
O Instituto Severa Romana - exultante - e o setor de Musicoterapia - realizado promovem o Aluno para estabelecimento de Ensino Fundamental à sua escolha.
A. F. segue sua trajetória no Curso Colegial mantendo, através desses anos, o apreço e a
motivação pela música, dedicando-se à flauta transversa, bem como explora outras expressões
da arte. Sua residência conserva a mesma indicação de bairro: Méier, Rio de Janeiro.
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5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BARCELLOS. Lia Rejane M. Cadernos de Musicoterapia. Número 1. Rio de
Janeiro: Enelivros, 1992.
2. ________________________ Cadernos de Musicoterapia. Número 2. Rio de
Janeiro: Enelivros, 1992.
3. BENENZON, Rolando O. Manual de Musicoterapia. Barcelona: Paidós Educador,
1981.
4. ESCOBAR, Caio. Aos Psiquiatras e aos Nervosos. Rio de Janeiro: Cátedra, 1979.
5. FLORES, Jaques. Severa Romana. Rio de Janeiro: Conquista, 1955.
6. FREGTMAN, Carlos D. Corpo, Música e Terapia. São Paulo: Cultrix, 1989.
7. FREUD, Sigmund. Sinopses da „Standard Edition‟ da Obra Psicológica Completa.
Rio de Janeiro: Salamandra, 1979.
8. GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
9. JUNG, Carl Gustav. Fundamentos de Psicologia Analítica. Petrópolis: Vozes, 1983.
10. MASCARENHAS, Mário. Minha Doce Flauta Doce – Método, 2o volume. São
Paulo: Irmãos Vitale, 1977.
11. Revista Brasileira de Musicoterapia. Ano I, Número 2. Rio de Janeiro: UBAM,
1996.
12. WENDER, Paul. Disfunção Cerebral Mínima na Criança. São Paulo: Monole,
1980.
56
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o trabalho musicoterápico no instituto severa romana: uma trajetória