8º Encontro da ABCP 01 a 04 de agosto de 2012, Gramado (RS) Grupo de Trabalho: AT2 – Cultura Política e Democracia Titulo: Analise Comparativa entre a Comissão da Verdade Brasileira e a da Guatemala, da Argentina e do Chile. Autora: Juliana Veríssimo de Moraes UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) 1 Analise comparativa entre a Comissão da Verdade brasileira e a da Guatemala, da Argentina e do Chile. Juliana Veríssimo de Moraes1 Resumo No dia 18 de novembro de 2011, a presidente Dilma Rousseff sancionou a lei de instauração da Comissão Nacional da Verdade para apurar as violações dos direitos humanos no Brasil, ocorridos durante o período de 1946 a 1988. Após a experiência traumática do regime autoritário, a sociedade brasileira finalmente reconhece a importância do resgate da memória para promover a reconciliação nacional e consolidar o regime democrático. A comissão tem a responsabilidade de reparar os danos causados nesse período, a fim de proporcionar a reconciliação com o passado, o reconhecimento do direito das vítimas e o fortalecimento da democracia. O objetivo deste trabalho é comparar o caso brasileiro com os processos de constituição de comissão de verdade na Guatemala (1997-1999), na Argentina (1983-1984) e no Chile (1990-1991). Palavra-chave: Comissão da verdade, memória, verdade, justiça transicional. Introdução A instauração de comissões da verdade na América Latina após a vivência traumática de regimes autoritários que visava a apuração das violações dos direitos humanos ocorridos no período pode ser compreendida como um processo de implementação da uma justiça transicional2. O objetivo 1 Graduanda em relações internacionais do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. 2 Denomina-se justiça transicional o conjunto de medidas direcionadas a superar os graves danos causados à sociedade por regimes totalitários e/ou ditatoriais que cometem graves violações aos direitos humanos contra indivíduos ou grupos. Ela não expressa nenhuma forma especial de justiça, mas seus métodos têm por objetivo reconhecer o direito da vítima, promover a paz, auxiliar no processo de reconciliação social e fortalecer a democracia. 2 dessas comissões era promover a reconciliação com o passado, o reconhecimento dos direitos da vítima e o fortalecimento da estrutura democrática. A América Latina vivenciou uma experiência de profundo desrespeito aos direitos humanos, tais como assassinatos, torturas, execuções entre outras barbaridades praticadas por agentes do governo ou segmento da sociedade. Como lidar com a transição política de um período de extrema violência para um democrático? Como se constrói a relação entre vítimas, prepertadores e bystander3. Atribui-se a Comissão da Verdade a responsabilidade de esclarecer os eventos ocorridos durante este período de repressão, com a construção da verdade através de depoimentos e testemunhos tanto de vítimas como de agressores. Bem como, através de analise documental dos arquivos confidenciais ou secretos do período. Para que desta forma, um conjunto completo e complexo de causas, natureza e extensão dessas transgressões seja estabelecido e evidenciado à toda sociedade. As comissões da verdade são órgãos de investigação criados para ajudar as sociedades que tem enfrentado graves situações de violência política ou guerra interna, a confrontar criticamente seu passado, a fim de superar as profundas crises e traumas gerados pela violência e evitar que tais atos se repitam em um futuro próximo. Por meio das comissões da verdade, busca-se conhecer as causas da violência aos direitos humanos e estabelecer as responsabilidades jurídicas correspondentes4. O resgate histórico desse período de grande repressão e restrição política possibilita o esclarecimento de eventos passados para que os mesmos possam contribuir na reconciliação nacional do presente e a consolidação da estrutura democrática no futuro. O ponto relevante do trabalho da comissão é evitar a amnésia política e social, para tal, realiza um resgate do passado com as investigações dessas violações e em alguns casos, através da identificação dos responsáveis pelas violações dos direitos humanos, a recomendação do julgamento dos violadores. 3 Bystander – pessoa que se encontra próxima de algum acontecimento (espectador curioso), mas não toma parte da ação. 4 CUYA, ESTEBAN. Justiça de Transição. Acervo, Rio de Janeiro, v. 24, no 1, p. 37-78, jan/jun 2011. pag.47 3 Comissão da Verdade: memória, verdade e reconciliação A Comissão da Verdade é um dos elementos mais importante e significativo no processo de transição para um regime democrático. Esse mecanismo representa dentro da justiça transicional a garantia do direito à verdade e à memória, pois atua de maneira parcial na apuração dos fatos referentes ao período repressivo. A instauração de uma comissão fomenta na sociedade um debate sobre como a própria sociedade encara a violência política do passado e suas conseqüências para o presente, tanto na perspectiva política quanto social. Contribui então, para suscita no âmbito social questões referente a democracia, direitos humanos, verdade, memória e justiça. O objetivo principal é fazer uma investigação oficial, estabelecer um registro do passado de um país, esclarecendo os acontecimentos incertos, e levantar o véu do silencio e negação sobre um período da historia contencioso e doloroso5. Como parte de um processo transicional, a comissão da verdade não tem aspecto jurisdicional, ou seja, não indicia, não pune e nem indeniza. Ela apresenta-se como uma forma institucional de responder a violência, a violações dos direitos humanos e restrições políticas e sociais do período. É um instrumento que combina reestruturação da justiça com a procura da verdade embasando-se em diversos testemunhos. Um dos seus diferenciais é o foco na vítima. A comissão pretende dar voz aos atingidos pelo regime de opressão. A vítima por meio de depoimentos tem a “legitimidade” no processo de construção dessa memória coletiva, pois ao relatar sua história torna a mesma parte da história oficial. Este processo provoca uma “cura” na vítima dos traumas causados pelas violações e até mesmo na própria sociedade. Se toda a sociedade sofre as conseqüências de um passado traumático, então esse processo de “cura” é benéfico para toda a sociedade. 5 Hayner, p 133. 4 De acordo com Myriam Sepúlveda dos Santos (2003, p 26), a memória passada de um determinado evento que proporciona a (re)significação das experiências presentes, sendo um canal que alimenta a identidade coletiva: Nós somos tudo aquilo que lembramos; nós somos a memória que temos. A memória não é só pensamento, imaginação e construção social; ela é também uma determinada experiência de vida capaz de transformar outras experiências, a partir dos resíduos deixados anteriormente. A memória coletiva tem um papel importante no processo de integração social e consolidação democrática. As experiências do presente dependem de alguma forma do conhecimento do passado, essas imagens do passado servem para legitimar a ordem social presente. O resgate histórico alcançado pelo trabalho da comissão contribui para a própria construção da memória coletiva e não permite que a amnésia política e social interfira no futuro da democratização. Com base na prerrogativa abrangente do trabalho da comissão e do seu papel no processo de reconciliação e restauração social, sua função dentro da justiça de transição obedece a três estágios de atuação: relato das historias, reconstrução moral e conseqüências políticas. O primeiro nível de atuação corresponde a compreensão dos eventos passados e de todo contexto social na qual estava inserido. É uma etapa de reconstrução histórica através da coleta de testemunhos e depoimentos a fim de permitir que os atores narrem suas historias, experiências e traumas. Neste momento abre-se espaço para analise de documentos do governo ou de instituições ligadas ao mesmo, referente a violações de direitos humanos. O acesso a esses arquivos traz a tona parte da historia escondida e impede o esquecimento da mesma por apagamento de rastros. Através das diversas narrativas elabora-se a memória social6 do período de repressão que possui muitos episódios incertos e não esclarecidos. Essa busca pela memória e verdade supre a demanda da sociedade pelo conhecimento da sua própria historia e do seu passado não tão definido. O 6 Essa memória social abrange a toda sociedade, e não representa a visão ou a narrativa de um único indivíduo ou de determinado grupo. Essa memória corresponde a coletânea de historia obtida de forma neutra e imparcial, sem priorizar nenhuma versão. 5 resgate do passado visa atender o direito à memória e à verdade não apenas das vítimas como de toda a sociedade. E além de serem instrumentos para obter o resgate histórico, a coletânea de depoimentos e esclarecimentos de fatos também podem ser utilizados para a reconstrução moral desses indivíduos dentro do processo histórico, uma realocação do papel da vítima do período da repressão. Aqueles que foram presos, torturados e executados acusados de serem subversivos e culpados, adquirem seu reconhecimento de vítima. E a alegação de crimes, terrorismo entre outros não podem ser aceitos como justificativa para violação dos direitos humanos. A reprovação moral dos crimes, violações e opressões, realizadas de forma oficial, interfere na (re)construção e (re)significação da identidade coletiva. Segundo relato de Thomas Buergenthal, um dos três membros da ONU que integraram a Comissão da Verdade de El Salvador, o simples fato de narrar sua versão dos acontecimentos já proporcionava mudanças significativa na historia de vida das vitimas. A oportunidade de contar sua historia e ser ouvido representava modificação do papel do individuo dentro do processo de construção da memória coletiva. Sua história tinha importância, era algo relevante. E esse reconhecimento também é significativo para a reconstrução moral e social dos membros da sociedade. Muitas das pessoas que vieram à Comissão para contar o que aconteceu a eles ou a seus parentes e amigos não tinham feito isso antes (...) Finalmente, alguém os ouviu, e poderia haver um registro de que eles tinham sofrido (. ..) É notório que o mero ato de contar o que aconteceu foi uma liberação de cura emocional, e eles estavam mais interessados em contar suas histórias e serem ouvidos do que em receber alguma retribuição. É como se por sentirem um pouco de vergonha, eles não se atrevessem a falar antes e, agora que eles puderam fazer, eles poderiam ir para casa e focar no futuro menos perturbado pelo passado.7 7 Tradução adaptada do relato original de Thomas Buergnthal “Many of the people who came the Comission to tell what happened to them or to their relatives and friends had not done so before (...) Finally, someone listened to them, and there could be a record of what they had endured (...) One could not listen to them without recognizing that the mere act of telling what had happened was a healing emotional release, and they were more interesting in recounting their stories and being heard than in retribution. It is as if they felt some shame that they had not dared to speak out before and, now that they had done so, they could go home and focus on the future less in cumbered by the past”. 6 Para além da dimensão memorialista, a comissão engloba aspectos políticos. O relatório final produzido ao termino do seu trabalho promove um debate social sobre os resultados encontrados, e provoca um impacto na percepção da sociedade sobre o seu passado. O próprio relatório final se torna instrumento de embasamento de decisões, reivindicações e medidas políticas referentes a reparação, a indenização, a punição e a reconciliação, dependendo do objetivo inicial da comissão. É o mandato ou a lei que institui a comissão que define seus poderes investigatórios. Seu sucesso é muito dependente das condições encontradas no país onde está atuando. Uma comissão da verdade pode se defrontar com muitos desafios como um fraco governo civil e um forte setor militar, uma estrutura estatal caminhando em direção à democratização, grupos étnicos, outras forças ameaçando o retorno da violência, uma sociedade civil fraca e uma população receosa em testemunhar da violência. Muitas vezes, uma comissão de verdade sofre muita pressão de grupos que preferem fazer valer seus interesses, sejam organizações de defesa dos direitos humanos, pressionando por punições e reparações, sejam forças governamentais, pressionando por perdão e reconciliação. Apesar de todos os possíveis percalços, seu valor pedagógico numa democracia é muito importante8. É claro que a conjuntura política também exerce de alguma forma influencia no andamento do trabalho da comissão, podendo prejudicar na tarefa investigativa de apuração das violações dos direitos humanos. No entanto, apesar de todas as limitações ou obstáculos, o papel da comissão da verdade na reconstrução do tecido social e na consolidação dos valores democráticos é imprescindível. Comissões da Verdade na América Latina O processo de abertura democrática da America Latina pós-regimes autoritários implementou elementos da justiça transicional, principalmente a Comissão da Verdade. Já que a mesma visava um posicionamento neutro nas apurações dos acontecimentos referentes a violações e restrições dos direitos humanos no período ditatorial. 8 Simone Rodrigues Pinto (2010, p 141). 7 Desde a década de 80, houve diversos tipos de comissões da verdade no continente latino-americano nos mais variados contextos sociais. Cada comissão teve características próprias: estrutura, suporte político, autonomia, acesso à informação, força do relatório final entre outros aspectos, que foram influenciados também pela conjuntura política do momento da implementação das mesmas. Algumas comissões obtiveram maior êxito que outras, considerando, evidentemente, as diferentes formas de atuação, estrutura e objetivos. Guatemala A constituição de uma comissão da verdade fazia parte do acordo de paz estabelecido pela ONU, entre o governo e o movimento guerrilheiro União Revolucionária Nacional Guatemalteca, para findar com a guerra civil que arrasava o país. O objetivo era a restauração da democracia através do resgate histórico de acontecimentos que envolviam violência, tortura, assassinato, execução e todos os outros tipos de violações dos direitos humanos tanto por parte do governo como pelo grupo revolucionário. Apesar do acordo para a criação da comissão ser de 1994, somente em 1997 iniciou-se o seu trabalho de investigar a violações dos direitos humanos no período de 1958 a 1996. A Comissão para Esclarecimento Histórico (Comisión para El Esclarecimiento Historico) pretendia resgatar seu passado para possibilitar a reconciliação dos diversos segmentos da sociedade como, os indígenas, os revolucionários e os militares. E também, responsabilizar moralmente os acusados por tais violações. Não era objetivo da comissão encaminhar denuncias ou indicar violadores para julgamento. Sua intenção direcionava-se apenas para o processo reconciliatório, numa transição pacifica para a restauração do tecido social e diminuir as tensões entre os grupos divergentes da sociedade. Chile Em 1990, o governo chileno implementou a Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação (Comisión Nacional para la Verdad y Reconciliación) para apurar as violações dos direitos humanos praticadas pelo governo que 8 resultaram em morte ou desaparecimento. Os casos que não terminaram em morte, como a tortura, ficaram fora da área de abrangência da comissão, fato que culminou em muita criticas por parte dos defensores dos direitos humanos. O trabalho da comissão resultou no reconhecimento oficial do governo e das Forças Armadas na sua responsabilização pela violência do período, e em algumas resoluções como a criação de um grupo de trabalho para decidir sobre as indenizações e os benefícios para as vítimas. Desde o fim da ditadura, o governo chileno e a sociedade civil tem se organizado para a consolidação democrática através do resgate da sua historia. Diversas comissões foram criadas: Oficina Nacional do Retorno (1990), Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação (1990), Corporação Nacional de Reparo e Reconciliação (1991), Comissão da Verdade sobre Prisão Política e Tortura (2003). No entanto, não houve muito avanço no julgamento dos acusados devido a Lei de Anistia que protege os crimes ocorridos entre 1973 a 1979. Os tribunais condenam apenas os autores de crimes praticados entre os anos 1979 e 1990. Mesmo com a prerrogativa da lei da anistia, a justiça chilena utiliza-se de instrumentos legais para contornar essa lei e garantir o julgamento dos violadores. Argentina O país é considerado um dos mais eficientes no processo de resgate histórico e de julgamento dos acusados militares e civis envolvidos em crimes de violação de direitos humanos durante o período da ditadura, como tortura, seqüestro, prisão e morte. A comissão da verdade argentina formada logo após o fim do governo ditatorial, teve seu foco na busca pelos desaparecidos e informações referente ao desaparecimento. A Comissão Nacional sobre Desaparecimento de Pessoas (Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas) com apoio da sociedade civil e até mesmo de militares9 realizou uma ampla investigação em centros de detenções, instalações policiais e cemitérios clandestinos. As organizações de direitos humanos permitiram o acesso dos membros da comissão a seus 9 Beneficiados com o pacto da anistia para os militares que participassem do processo de busca e esclarecimento da verdade. 9 arquivos sobre desaparecidos, o que possibilitou a identificação mais rápida dos mesmos. O resultado desse trabalho serviu de base para várias denuncias e para o julgamento de diversos acusados de violações de direitos humanos. De acordo com o relatório da comissão, o “Nunca Más”, a justiça seria alcançada através do reconhecimento da verdade, no entanto, a reconciliação nacional não seria possível enquanto os violadores não fossem responsabilizados por tais crimes10. Apesar dos resultados iniciais positivos, o governo argentino continua o trabalho de reparar os traumas causados pela ditadura militar, através do processo de revogação e revisão de leis que são associadas à impunidade dos acusados de crimes da ditadura, tais como a lei do Ponto Final e a da Obediência Devida e a abertura dos arquivos não-públicos das Forças Armadas11. Brasil O governo brasileiro é o ultimo dos países latino-americanos a estabelecer uma comissão da verdade para esclarecer e resgatar parte da sua historia do regime ditatorial. O Brasil instaurou a Comissão Nacional da Verdade apenas em 16 de maio de 201212. O objetivo da comissão, no entanto, é examinar violações de direitos humanos por um período mais amplo que o da ditadura militar (1964- 1985), abrangendo os fatos que ocorreram entre os anos de 1946 a 1988. Além disso, pretende identificar os locais, as estruturas, as instituições e as circunstâncias relacionadas com os abusos praticados pelo aparelho estatal e com a violência de organizações de esquerda. 10 Cuervas, 2002, p 24. Em 2005, a Suprema Corte de Justiça argentina declarou inválidas e inconstitucionais a Lei do Ponto Final (Lei de paralisação dos processos judiciários contra os autores das detenções ilegais, torturas e assassinatos ocorridos na ditadura militar) e a da Obediência Devida (Lei de presunção que os atos cometidos pelos membros das Forças Armadas durante a ditadura não eram puníveis por terem sido realizados em virtude da obediência devida). Em 2010, o governo argentino decretou a abertura dos documentos sobre a atuação das Forças Armadas durante a ditadura, por entender que a classificação de “não-público” servia apenas para ocultar as ações ilegais do governo no periodo. 12 A Comissão Nacional da Verdade foi criada em 2009, mas a lei que estabeleceu suas diretrizes e suas funções teve a sanção da presidenta Dilma apenas em novembro do ano passado. 11 10 A sua atuação está associada ao esclarecimento histórico em prol da reconciliação social e da consolidação da sociedade democrática brasileira, e não em recomendar que os responsáveis por essas violações sejam encaminhados a julgamento. O foco será no resgate do passado de repressão política, com prioridade para a apuração dos casos de desaparecimento políticos. A instalação da comissão atende a necessidade da sociedade brasileira em conhecer a totalidade da sua história através de investigações profundas do período conduzidas de forma parcial sem o viés do ódio ou revanchismo. A finalidade é efetivar o direito à memória e à verdade histórica. Segundo José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça e membro da comissão da verdade brasileira, “A história vale pelo que conta e pelo que dela se espera”. Transição Política Inconclusa A transição democrática brasileira comparada aos outros países latinoamericanos mencionados neste trabalho (Argentina, Chile e Guatemala) ainda é um processo inconcluso. As etapas da justiça transicional para a consolidação plena do regime democrático estão em fase de implementação13. A transição brasileira, devido as suas especificidades políticas, ocorre de maneira lenta e gradual. Até mesmo o retorno à democracia seguiu essa dinâmica, da data do anuncio das intenções do governo militar em devolver o poder governamental aos civis e da posse do primeiro presidente civil após a ditadura foi de quase 10 anos. A abertura democrática realizou-se por meio de pactos e resoluções elaborados pelos próprios agentes da ditadura. O que pode representar o interesse maior por parte desses agentes em criar mecanismos de proteção contra punições e julgamentos futuros, do que com a restauração plena dos preceitos da democracia. Os governos civis posteriores não tiveram a devida atenção com a necessidade urgente de resolver as questões latentes do 13 As etapas da justiça transicional podem ser entendidas como: reforma das instituições do Estado para o sistema democrático; reconhecimento da responsabilidade do Estado pelo período da ditadura; medidas de reparação pelo Estado; o direito à verdade e à memória; e a responsabilização individual. 11 período de repressão política, o que explica em parte o longo processo de transição brasileiro. O governo brasileiro levou mais de 20 anos para instaurar sua comissão da verdade como passo decisivo para consolidação da democracia, enquanto que os seus vizinhos entenderam antes a necessidade desse processo para a reconciliação social dentro das suas nações. A Argentina e o Chile instalaram imediatamente suas comissões ao termino de suas ditaduras, e a Guatemala condicionou esse processo de apuração para garantir a retomada do governo democrático. O quadro abaixo evidencia essa lacuna no processo de resgate histórico brasileiro, comparando-o com o processo de criação das comissões da verdade na Argentina, Chile e Guatemala. Comissão da Verdade na Argentina, Chile, Guatemala e Brasil País Data da Comissão Nome da Comissão Período de Abrangência Relatório publicado Membros Argentina 1983 – 1984 Comissão Nacional sobre desaparecimento de pessoas 1976 – 1983 1985 13 Chile 1990 – 1991 Comissão Nacional da Verdade e Reconciliação 1973 – 1990 1991 8 Guatemala 1997 – 1999 Comissão do Esclarecimento Histórico 1962 – 1996 1999 314 Brasil 201215 – Comissão Nacional da Verdade 1945 – 1988 - 7 Fonte: Brahm, 2004; Simone Rodrigues Pinto, 2010 A instauração da comissão da verdade logo após o termino do regime ditatorial possibilita um maior acesso a dados e informações que acabam se perdendo com o tempo devido tanto a ocultação ou destruição de documentos quanto pelo próprio esquecimento dos indivíduos. A agilidade no acesso dessas informações permite a identificação dos nomes dos desaparecidos e 14 Apesar de ter apenas 3 membros oficiais, a comissão da verdade guatemalteca contou com uma equipe de trabalho de 100 pessoas. 15 De acordo com sua lei de criação, a comissão da verdade brasileira terá o prazo de 2 anos para realizar seu trabalho. 12 mortos de maneira mais rápida, como também a apuração do que ocorreu com eles. Além disso, a criação da comissão no período de transição demonstra a ruptura do novo governo com as praticas repressivas do passado a fim de garantir legitimidade a esse governo. Diferentemente do Brasil, os outros países citados buscaram essa diferenciação do governo ditatorial ao assumir o compromisso real de reconciliação nacional através da implementação dessas comissões. Nesta questão, o Brasil apresentou pouco empenho por parte de seus governantes em adotar elementos da justiça transicional, o que prolonga o processo de consolidação da democratização. A ausência de uma atitude mais enérgica do governo em sanar as feridas sociais abertas na ditadura e ainda não cicatrizadas reforça os traumas, as divergências e emperra com a possibilidade de reconciliação nacional. Essa morosidade no processo de resgate da história brasileira durante a ditadura civil-militar gera “um quase esquecimento” que se perpetua no presente. E esquecer o extermínio é parte do próprio extermínio, como explica Jean Baudrillard. Há a necessidade de que o Estado assuma o compromisso real de combate ao esquecimento e negação da sua própria historia. Como também, que o mesmo aceite a sua responsabilidade nesse processo de recuperação do passado não-esclarecido. O Estado não pode abster-se de uma resposta “institucional” das violações dos direitos humanos, muitas delas executadas em seu nome por agentes do governo. Em nossos dias há um consenso muito claro em afirmar que as violações aos direitos humanos do passado recente reclamam uma resposta afirmativa do Estado e, na falta deste, da comunidade internacional. Não só se espera que os Estados cumpram com essas obrigações, como também a comunidade internacional designou instituições para cumpri-las em caso de impossibilidade ou falta de vontade por parte do Estado para dar às vítimas o recurso efetivo que o direito internacional exige16. A sensação de impunidade decorrente das questões ainda não resolvidas permanece enraizada na sociedade brasileira. A propensão a violência e 16 MÉNDEZ, Juan Ernesto. La justicia de transición y el derecho internacional. Buenos Aires: Universidad del Salvador, s.d., p. 3. 13 violação de direitos nas relações de poder e coerção, principalmente em presídios e em ações policiais, representa o reflexo da inconclusão da transição democrática brasileira. De acordo com o ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya deposto por meio de um golpe militar em 2009 “As sombras que fizeram com que o Brasil e outros países latino-americanos vivessem sob golpes de Estado continuam vivas, tão vivas, que Honduras sofreu um golpe de Estado recentemente”. A impunidade aos crimes cometidos no período de repressão é prejudicial para o processo de consolidação da democracia, pois deixa lacunas na sociedade no que tange a defesa e o respeito aos direitos humanos. A impunidade torna-se um entrave para a reconciliação dos diversos atores sociais, já que transmite a sensação de que algo ainda não terminou. Baltasar Garzón reforça esse argumento de que é preciso superar a impunidade para consolidar a democracia: A história da impunidade em todos os povos é a história da covardia dos que geraram, mas também dos que a consentiram ou a consentem posteriormente. Em todas as hipóteses a história está marcada por grandes discursos de justificação e de chamadas à prudência de modo a não romper os frágeis equilíbrios conseguidos em troca da não exigência de responsabilidades dos perpetradores ou que a referida exigência se realize com moderação. Da mesma forma, abundam discursos justificativos17. A responsabilização social e moral dos responsáveis pelas violações dos direitos humanos é a condição primordial para o inicio do processo de expurgação dos traumas oriundos da ditadura. Este reconhecimento impede a ação de esquecimento da historia ou até mesmo a sua negação. É um procedimento que tende a evitar que novas violações ocorram no futuro. Sua relevância não está somente na resposta a fatos passados, mas na inibição de que situações semelhantes venham se reproduzir posteriormente na sociedade Nesta perspectiva, há a necessidade que o poder judiciário também componha o mecanismo de justiça de transição como parte complementar do trabalho da comissão da verdade. Os sistemas de justiça argentino e chileno foram bastante atuante nesse processo de complementaridade do resgate da história e consolidação da democracia ao acatar as denuncias e efetuar 17 GARZÓN, Baltasar. Un mundo sin miedo. Barcelona: Plaza Janés, 2005, p. 172. 14 julgamentos. O trabalho da comissão se torna, de alguma forma, dependente dos tribunais legais para adentrar no campo da acusação, condenação e punição, por não possuírem característica jurisdicional. Na Argentina, a participação do judiciário ajudou nas medidas de responsabilização dos culpados pelas torturas, assassinatos, seqüestros e outros tipos de violações. O comprometimento em efetivar os julgamentos dos violadores, e posteriormente, em rever as leis que beneficiava a impunidade foi decisivo para o processo de transição argentino. E no Chile, apesar da lei da anistia que entrava o encaminhamento de ação judicial contra os perpetradores, o judiciário tem contornado de maneira aceitável esse obstáculo para que os responsáveis por crimes de direitos humanos no período da ditadura sejam julgados e punidos. Os próprios mecanismos da justiça transicional possuem complementaridade de ação. O governo ao adotar políticas de reparação, produz a verdade, pois reconhece a vítima e o seu direito ao efetuar o ressarcimento (material ou moral) das violações sofridas. Do mesmo modo, a comissão da verdade também produz reparação ao resgatar o passado e incluir as historias das vítimas na memória coletiva. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos reforça o argumento de que a busca pela verdade sobre os acontecimentos do período ditatorial já é um uma medida de reparação. O direito à verdade para além da verdade oficial18 que é divulgada pela sociedade torna-se uma medida de integrar a sociedade e reparar a exclusão ou ausência da memória das vítimas da história oficial. O direito que tem toda pessoa e a sociedade de conhecer a verdade íntegra, completa e pública sobre os fatos ocorridos, suas circunstâncias específicas e quem participou deles, forma parte do direito à reparação por violações dos direitos humanos, na forma de satisfação e garantia de não repetição19. 18 Geralmente a verdade oficial foi construída pelos próprios agentes do regime ditatorial a fim de justificar suas atitudes do período, sem a possibilidade de integrar a versão das vítimas nesse processo. 19 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório 37/00 de 13.4.2000, p. 148, apud COMISSÃO INTERNACIONAL DE JURISTAS. Memorial en derecho amicus curiae presentado ante la Corte Interamericana de Derechos Humanos en el caso Efraín Bamaca Velásquez c.Guatemala. La Revista (Impunidad, crimen de lesa humanidad y desaparición forzada), Lima, n.62-63, p. 151, 2001. 15 O governo brasileiro, recentemente, deu um passo positivo em direção ao resgate da sua historia com a regulamentação da Lei de Acesso a informações Pública20. A lei permite o acesso a informações ou documentos referentes a violação de direitos humanos cometidas por agentes do Estado ou a mando deles ou por entidades civis vinculadas ao Estado, e proíbe a destruição ou subtração total ou parcial desses documentos. A presidenta Dilma destaca a importância desta lei: A nova lei representa um grande aprimoramento institucional para o Brasil, expressão da transparência do Estado, garantia básica de segurança e proteção para o cidadão. Por essa lei, nunca mais os dados relativos à violações de direitos humanos poderão ser reservados, secretos ou ultrassecretos21. Essa medida será benéfica para as atividades da Comissão da verdade brasileira, já que permite o acesso a documentos relevantes para trazer a tona a historia nacional do período e revelar a verdade total do passado de violações de direitos humanos. Dessa forma, há um complemento no processo de esclarecimento histórico nacional. O Brasil merece a verdade, as novas gerações merecem a verdade e, sobretudo, merecem a verdade factual aqueles que perderam amigos e parentes e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo e sempre a cada dia. É como se disséssemos que, se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulo, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca mesmo, pode existir uma história sem voz. E quem dá voz à história são os homens e as mulheres livres que não têm medo de escrevê-la22. Apesar do atraso brasileiro, comparado a Argentina, Chile e Guatemala, na implementação de uma comissão para apurar o período repressivo da sua historia. O país tem adotado medidas significativas para o processo tardio de combate ao esquecimento, resgate de sua memória, e futuramente, enraizamento dos valores democráticos. 20 A Lei de Acesso a Informações Públicas entrou em vigor no dia 16/05/2012, e regula a garantias previstas na Constituição de conceder a todos o direito à informações dos órgãos públicos. 21 Presidenta Dilma Rousseff durante cerimônia de instauração da Comissão Nacional da Verdade, Brasília, 16/05/2012. 22 Idem. 16 Considerações Finais A importância da comissão da verdade para o fortalecimento da estrutura democrática é inquestionável. A questão de maior relevância é que tipo de comissão se cria e quais os seus objetivos, se o direcionamento é apenas ao perdão e reconciliação, ou também se encaminha para punições e reparações. Como foi frisado ao longo do trabalho, em geral, a comissão não tem função jurisdicional. Cabe-lhe o direito de convocar vitimas e acusados para audiências e depoimentos, bem como, ter acesso a arquivos do governo. Mas não tem o poder de punir ou recomendar que acusados de violar direitos humanos sejam punidos, como é o caso da comissão brasileira. Quando tem poder de recomendar julgamento, exemplo comissão da Argentina, remete a responsabilidade para os tribunais formais. Não existe um modelo único ou um procedimento padrão que deva ser utilizado pelos Estados no processo de consolidação democrática pós-regime autoritário. Cabe a cada sociedade adotar o mecanismo que melhor adapte a sua realidade e a sua especificidade. Não há uma formula única para lidar com um passado de abusos aos direitos humanos. Todas as formas de justiça transicional estão baseadas na primazia dos direitos humanos, mas, ao final, cada sociedade determina sua própria forma de lidar com as feridas causadas pelo abuso23. O ponto decisivo da comissão é relacionar a verdade com justiça, para concretizar o direito à memória e à verdade histórica e associar o esclarecimento da verdade com manifestação da justiça. Segundo Simone Rodrigues Pinto (2010, p. 132): As comissões de verdade tem a responsabilidade de, ao construir a verdade por meio dos diversos testemunhos, garantir a compreensão dos eventos do passado, mas não apenas um evento especifico e sim de todo um contexto mais amplo. Representa o resgate da historia de um país que, em função das características próprias de um período de repressão, possui muitos eventos não esclarecidos. 23 Simone Rodrigues Pinto (2010, p 129). 17 Somente através da verdade que todos os traumas e questões do passado podem ser verdadeiramente resolvidos e os entraves que dificultam a reconciliação nacional eliminados. De acordo com Thomas Buergenthal, sem verdade não há possibilidade de reconciliação: Minha experiência com a Comissão da Verdade [de El Salvador] me convenceu que a função mais importante de uma entidade desse tipo é dizer a verdade. Um país tem que enfrentar seu passado, reconhecendo os erros cometidos em seu nome antes de poder iniciar a árdua tarefa de consolidar a confiança entre antigos adversários e seus respectivos simpatizantes, [o que é] o primeiro passo de qualquer processo de reconciliação nacional. Se a verdade fundamental sobre o ocorrido é ocultada será extremamente difícil alcançar uma reconciliação nacional. As feridas abertas no passado continuarão supurando, pondo em perigo a paz24. O resgate da memória, portanto, possibilita não apenas o esclarecimento do passado, como também, a construção de um futuro. Uma vez que, a condenação moral dos crimes cometidos nos regimes autoritários contribui significativamente para o processo de (re)construção de uma identidade nacional. Como explica Roger Errera (apud ALBON, 1995, p. 44): “A memória é a última forma de justiça”. Referências Bibliográficas BAUER, Caroline Silveira. A produção dos relatórios Nunca Mais na Argentina e no Brasil: aspectos das transições políticas e da constituição da memória sobre a repressão. In: Revista de Historia Comparada, Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, junho de 2008. BRASIL. Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011. COMISIÓN NACIONAL SOBRE LA DESAPARICIÓN DE PERSONAS. Nunca Más. 2ª ed. 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