Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa Lato Sensu em Serviço Social, Justiça e Direitos Humanos Trabalho de Conclusão de Curso O SERVIÇO SOCIAL E OS "ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI": UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE Autora: Nayara Zacarias Gonçalves Orientadora: Profª. MSc. Karina A. Figueiredo Brasília - DF 2014 NAYARA ZACARIAS GONÇALVES O SERVIÇO SOCIAL E OS "ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI": UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE Artigo apresentado ao Programa de PósGraduação Lato Sensu em Serviço Social, Justiça e Direitos Humanos da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do certificado de especialista. Orientadora: Profª. MSc. Karina Aparecida Figueiredo. Brasília - DF 2014 Ao meu filho Miguel, que me passa força todos os dias para que eu continue correndo atrás dos meus sonhos. AGRADECIMENTO Durante toda a minha vida, bem como nessa empreitada acadêmica, de várias formas as pessoas contribuíram para que eu conseguisse concluir mais esse ciclo da minha vida. Minha família foi fundamental em toda essa caminhada, pois desde a graduação vêm me apoiando muito. Minha mãe Maria Aparecida e meu pai José Humberto sempre me apoiaram de forma sabia e carinhosa juntamente com minha irmã Natália tão querida. Ao meu namorado Christian pelo carinho, compreensão, paciência, respeito e amor. Á minha orientadora, a assistente social Karina Figueiredo, verdadeira companheira e educadora, pelo apoio, paciência, orientação e por acreditar na minha proposta de estudo, possibilitando o desenvolvimento do mesmo. Aos colegas de turma pela energia transmitida, pelos momentos de alegria e pela companhia fiel em todas as horas. Á pessoa mais especial, meu filho Miguel, por ser minha fonte de inspiração. E, finalmente, aos demais que acreditaram e, de alguma forma, contribuíram para elaboração deste artigo. 5 O SERVIÇO SOCIAL E OS "ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI": UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE. NAYARA ZACARIAS GONÇALVES Resumo: Este estudo tem por finalidade contribuir na sistematização do debate acerca do trabalho profissional do Assistente Social com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, a partir dos artigos publicados na Revista “Serviço e Sociedade” no período de 2010 até 2013. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e exploratória que será realizada por meio de análise bibliográfica. A discussão apresentada discorre pelo campo teórico-metodológico, ético-político e técnicooperacional da ação profissional com vistas aos múltiplos desafios relacionados à garantia de direitos e à efetivação de deveres dos respectivos adolescentes. Contemporaneamente as questões sociais 1 envolvendo adolescentes em conflito com a lei, instigam o debate sobre as legislações e a importância do Assistente Social atuando nas instituições de medidas socioeducativas. Pretende-se, portanto, através desta pesquisa evidenciar as estratégias adotadas na atuação dos desses profissionais em relação à garantia da proteção integral dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e levantar as dificuldades enfrentadas pelos mesmos. Assim, este revela as possibilidades de atuação do Serviço Social frente aos adolescentes em conflito com a lei. Os resultados alcançados mostram que existe uma escassa produção bibliográfica sobre a questão da atuação profissional do Serviço Social com relação às medidas socioeducativas, sendo este mais um dos desafios para a atuação do assistente social. Palavras-chave: Serviço Social. Trabalho profissional. Adolescentes. Medida socioeducativa. INTRODUÇÃO O artigo busca através da pesquisa bibliográfica, compreender o significado das ações realizadas pelo assistente social na aplicação das medidas socioeducativas com adolescentes em conflito com a lei, aprimorando as técnicas e processo de trabalho para possibilitar a garantia dos direitos dos adolescentes a partir da análise histórica da infância. Para compreender a situação dos adolescentes em conflito com a lei, se faz necessário realizar uma contextualização do indivíduo na sociedade, que é marcado por contradições, transformações e mudanças. No Brasil em 1926 institui-se o Código de Menores que previa intervenções ao adolescente em “situação irregular”. Para Rizzini (2000) existe uma nítida criminalização, da infância pobre, sendo o 1 O termo “questão social” foi empregado para designar o pauperismo, fenômeno resultante do processo de industrialização no século XIII e que conforme demonstra Neto (2004, p. 42): “[...] a pobreza crescia na razão em que o aumentava a capacidade social de produzir riquezas.” Deste modo, “a gênese da ‘questão social’ na sociedade burguesa deriva de caráter coletivo da construção contraposta à apropriação privada da própria atividade humana – o trabalho [...].” (IAMAMOTO, 2008, p. 156). 6 termo “menor” utilizado como sinônimo de delinquência e abandono. Neste século percebe-se várias mudanças na estrutura social e familiar devido a Revolução Industrial e o desenvolvimento técnico-científico. Posteriormente, o século XX foi marco legal que promoveu mudanças significativas no que diz respeito ao sistema de garantia de direitos a partir da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) de 1990. Esta pesquisa tem como foco reconhecer a importância das intervenções dos assistentes sociais em relação ao acesso e garantia do direito dos adolescentes, independente da situação de conflito com a lei. Nesse sentido, as ações desenvolvidas pelo assistente social devem estar alinhadas ao atual projeto éticopolítico da profissão, ao ECA e com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). A atuação dos assistentes sociais junto ao adolescente em cumprimento da medida socioeducativa de internação, ocupa papel de importante significado nas diferentes etapas da trajetória deste nas unidades de internação, contudo, os desafios apontam para a fragilidade da rede de proteção, o contexto familiar e a atuação junto à equipe multiprofissional conforme preconiza o SINASE. Em virtude da escassez de referenciais bibliográficos quanto à atuação do assistente social junto aos adolescentes em conflito com a lei, se faz pertinente a pesquisa sobre o tema para preencher essa lacuna no campo do conhecimento. Além disso, existe uma ausência de pesquisas que valorizem a perspectiva do assistente social no campo sociojurídico, especialmente no que se refere à questão da intervenção no serviço social nesta temática. Os resultados proporcionarão mais conhecimentos sobre o assunto para os profissionais de Serviço Social e, especialmente, para aqueles que atuam na área dos direitos humanos e na garantia de direito das crianças e adolescentes. Sendo assim, o presente trabalho apresenta-se dividido em cinco tópicos. O primeiro tópico descreve a trajetória da infância e adolescência até os dias atuais. O segundo trata de uma análise do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. O terceiro descreve a inserção do assistente social nas medidas socioeducativas. O quarto traz a metodologia utilizada no estudo. O último dispõe sobre os resultados e reflexões e por fim as considerações finais. 1 A TRAJETÓRIA DA INFÂNCIA: O DESENVOVIMENTO DO DIREITO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE Da antiguidade até a Idade Média, a criança só existia como extensão do pai, ou seja, como um bem da família pertencente ao pai, e esse era o seu único papel nas relações jurídicas da sociedade. A criança não existia como sujeito, e sim como bem da família, não tendo outras relações jurídicas no seio da família. Até no século XII ou XIII, inexistia na Europa o conceito de infância, como estabelecido atualmente, surgindo especialmente a partir do Iluminismo. E ser criança não era entendido como sinônimo de fragilidade. Essa infância tão como é conhecida, é uma invenção da modernidade, concebida através de uma evolução cultural e histórica2. No Brasil Colônia, segundo Faleiros (1995) os modelos de assistências a essas crianças eram ditadas pela Corte, ou seja, eram os mesmos adotados em Portugal e em toda a Europa. Discorrendo sobre tal assistência, a autora ressalta o papel da Irmandade de Nossa Senhora, conhecida popularmente como Santa Casa 2 AEIES, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro, Zahar, 1981. 7 da Misericórdia, que, “embora de caráter leigo e gozando de autonomia [...], mantinha estreitas relações com a realeza e a hierarquia da Igreja Católica, relações estas de privilégios, mas muitas vezes conflitivas”3. O número de crianças abandonadas nas portas das casas, de igrejas, nas ruas e até nos monturos de lixo, em meados do século XVII, era assustador. E em virtude do agravamento da situação das crianças abandonadas, órfãs e enjeitadas, também chamadas de “expostas”, decorrente dos constantes atritos entre governo real, foi criado a Roda dos Expostos. Segundo Faleiros: [...] a Roda se constituía em todo um sistema legal e assistência dos expostos até sua maioridade. Em realidade, Roda era dispositivo cilíndrico no qual eram enjeitadas as crianças e que rodava do exterior para o interior 4 da casa de recolhimento . Rizzini (1995) enfatiza que as preocupações em relação à população infantil e juvenil até o advento da Independência do Brasil limitavam-se à prática do recolhimento nas Casas dos Expostos. A questão penal referente aos menores de idade não tinha maior expressão. “Apesar da menor idade constituir um atenuante a pena desde as origens do direito romano, crianças e jovens eram severamente punidos antes de 1830, sem a maior discriminação em relação aos delinquentes adultos”5. A separação do mundo adulto e infantil e a noção de infância relacionam-se com o processo iluminista e a ideia de escolarização, pois se defendeu, ao longo da história moderna, que as crianças fossem retiradas das ruas e inseridas nas escolas, para que pudessem se ‘civilizar’, aprendendo a ler e desenvolvendo sua racionalidade. A necessidade de instrução e preparação criou uma clara divisão entre crianças e adultos6. A criança era tratada como objeto de propriedade dos pais, sem qualquer proteção do Estado contra abusos e maus tratos da própria família. Não havia nenhum tipo de garantia legal que impedisse comportamentos abusivos dos pais em relação a seus filhos. Além disso, eram as crianças encaradas e tratadas como adultos pela sociedade no tocante as relações de trabalho. No sistema de produção industrial do século XIX era a criança tratada como mais uma mão de obra disponível a ser utilizada nas fábricas, sujeitas às extensas e rigorosas jornadas de trabalho7. Compreendia o menor privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrumentos obrigatórios, em razão da falta, ação ou omissão dos pais ou responsáveis; vítimas de maus tratos; os que estavam em perigo moral por se 3 FALEIROS, Eva Silveira. A criança e o adolescente: objetos sem valor no Brasil Colônia e no Império. In: PILOTTI, Francisco; RIZZINI, Irene. A arte de governar crianças: a história de políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Interamericano Del Niño/USU/Amais, 1995. p. 221-236. 4 ______. A criança e o adolescente: objetos sem valor no Brasil Colônia e no Império. In: PILOTTI, Francisco; RIZZINI, Irene. A arte de governar crianças: a história de políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto Interamericano Del Niño/USU/Amais, 1995. p. 221-236. 5 RIZZINI, Irene. A arte de governar crianças: a história de políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil, Rio de Janeiro: Instituto Interamericano Del Niño/USU/Amais, 1995. p. 99-168, p. 104). 6 POSTAMAN, N. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1999. p. 55. 7 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. P 51. 8 encontrarem em ambiente ou atividade contrárias aos bons costumes; o autor de infração penal e ainda todos os menores que apresentavam desvio de conduta, em virtude da grave inadaptação familiar ou comunitária. Aqui se apresentava o campo de atuação do juiz de menores, restrito ao binômio carência de delinquência. Todas as demais questões que envolviam a criança e adolescente deveriam ser discutidas na vara de família e regidas pelo Código Civil8. Conforme salienta Rossato et al., relativamente à mudança de cuidados da sociedade com a criança: Dois fatores foram marcantes para a eclosão de uma preocupação com a criança, iniciando-se um novo ciclo: a- o descontentamento da classe operário com as condições de trabalho existentes; b- os horrores da guerra mundial, como conseqüência nefastas às crianças. Com efeito, apenas no final do século XIX e inicio do século XX deflagraram-se vários movimentos sociais em que se pleiteava, principalmente, a redução das horas trabalhadas e da idade mínima para o trabalho, além das melhorias nas 9 condições de trabalho de um modo geral . A Declaração de Genebra de 1924 é considerada o primeiro documento de caráter amplo e genérico com relação à criança. De caráter genérico porque contempla a proteção da infância em todos os seus aspectos. Posteriormente, a declaração de direitos da criança em 1959 passa a atender a criança como “sujeito de direitos”, e não somente objeto de proteção, com as declarações de 1924. Esta foi influenciada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, e cria numa expectativa de fornecer garantias válidas, específicas e aperfeiçoadas a esta Declaração. Este foi um momento de mudança de paradigmas no que se trata da proteção da criança. Já a Convenção sobre os direitos da criança de 1989 destacouse como trabalho internacional de proteção de direitos humanos com o mais elevado número de ratificações, especificando mais medidas de proteção integral das crianças e adolescentes10. Corrobora Maciel que: Apesar dessas medidas para regularizar a situação do menor, na prática se verificava uma atuação segregatória na qual, normalmente, estes eram levados para internatos ou, no caso de infratores, institutos de detenção mantidos pela FEBEM. Inexistia preocupação em manter vínculos familiares, até porque a família ou falta dela era considerada a causa da situação irregular. Em resumo, a situação irregular era uma doutrina não universal, restrita, de forma quase absoluta, a um limitado publico infanto11 juvenil . Durante quase todo o século XX as leis brasileiras que tratavam de temas relacionados às crianças e adolescentes estavam ligados à doutrina da situação irregular, de caráter assistencialista e repressivo, com papel central na figura do juiz de menores. Com a constituição da República Federativa do Brasil, em 1988, 8 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Andrade (Org). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. P.13. 9 ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo; CUNHA, Rogério Sanches. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. P 52. 10 ______. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. P.56-65. 11 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Andrade (Org). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. P.13. 9 iniciou-se um novo paradigma, uma nova concepção social e jurídica sobre crianças e adolescentes. Passamos para a era da proteção integral e a consagração do princípio da prioridade absoluta no que diz respeito a seus direitos fundamentais. A doutrina de proteção integral encontra-se definida no artigo 227 da Constituição Federal Brasileira de 1988. Com essa doutrina superou-se o Direito tradicional, que não percebia a criança como indivíduo, e o direito moderno do menor incapaz, objeto de manipulação de adultos. Na era pósmoderna as crianças e os adolescentes são tratados como sujeitos de direitos, em sua integralidade12. A Constituição Federal Brasileira definiu de maneira clara o mandamento para orientar a proteção integral da criança e adolescente. Refere o Artigo 227 da Constituição: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, 13 violência, crueldade e opressão . Dessa maneira, a Constituição de 1988 afastou a doutrina da situação irregular, até então vigente, assegurou a crianças e adolescentes com absoluta prioridade, direitos fundamentais, determinando à família, à sociedade e ao Estado o dever legal e concorrente de assegurá-los. Posteriormente, o Estatuto da Criança e Adolescente foi promulgado para regulamentar a buscar a efetividade da norma constitucional. A prioridade absoluta tem por objetivos realizar a proteção integral, assegurando a primazia que facilitará a concretização dos direitos fundamentais enumeradas no artigo 227, caput, da Constituição Federal e renumerados no caput do Art. C4 do ECA. Levando em conta a condição de pessoal em desenvolvimento, pois a criança e o adolescente possuem uma fragilidade peculiar da pessoa em formação. Sendo assim, os direitos da criança foram garantidos na Carta Constitucional pelo artigo 227, artigo este baseado nos postulados da Declaração Universal dos Direitos da Criança, que mais tarde foram ordenados e detalhados pela Lei nº. 8.069/90 ou Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, o qual é um divisor de águas que se refere aos direitos da criança e adolescente. O ECA em seus primeiros artigos garantiu prioritariamente a proteção integral a todas as crianças e os adolescentes – assegurando-lhes seus direitos e conferindo, para tanto, deveres à família, à comunidade, à sociedade e ao poder público –, reconhecendo-os por sua condição peculiar de pessoas em desenvolvimento. Além de garantia dos direitos da criança e do adolescente o ECA representa o início de significativa transformação nas políticas públicas, direcionadas aos adolescentes autores de ato infracional. O Estatuto prevê medidas socioeducativas: advertência, obrigação de reparo do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e privação de liberdade. 12 MACIEL, Kátia Regina Ferreira Andrade (Org). Curso de Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. P.11. 13 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federativa do Brasil. Brasília-DF: Senado Federal,. Artigo 227. 10 Em 2004, criou-se o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SINASE com o objetivo primordial o desenvolvimento de uma ação socioeducativo com base nos princípios dos direitos humanos. 2 SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (SINASE) O SINASE é fruto da construção coletiva que envolveu diversos atores sociais que promoveram encontros por todo país para debater o tema. Em fevereiro 2004 a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), por meio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e Adolescente (SPDCA), em conjunto com o Conanda com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), sistematizaram e organizaram a proposta 14 do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE . A mudança de paradigma e a consolidação do ECA ampliaram o compromisso e a responsabilidade dos Estados e da Sociedade Civil por soluções eficientes, eficazes e efetivas para o sistema socioeducativo e asseguram aos adolescentes que cometeram atos infracionais as oportunidades de desenvolvimento e uma autêntica experiência de reconstrução de seu projeto de vida. Dessa forma, esses direitos estabelecidos no SINASE devem repercutir diretamente na materialização de políticas públicas e sociais que incluam o adolescente em conflito com a lei. O SINASE é o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração do ato infracional até a execução da medida socioeducativa. Deste modo “o SINASE vai além da discussão do tema, ele também destaca a efetivação de uma política que complemente os direitos humanos, buscando romper com a problemática atual em oportunidade de mudança15”. O SINASE regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. Além de fazer uma análise do contexto brasileiro dos adolescentes e através de dados estatísticos afere que aqueles que estão cumprindo medida socioeducativo de internação ou internação provisória são do sexo masculino, afrodescendente, não frequentavam a escola, vivam em famílias de baixa renda e eram usuários de drogas. Cabe registrar que, segundo o Censo Demográfico de 2010 do IBGE, a população total de adolescentes (12 a 18 anos incompletos) é de pouco mais de 20 milhões, de maneira que apenas 0,09% desse total encontram-se em cumprimento de medias socioeducativas em meio fechado. Já no que tange proporção e comparativo por sexo no cenário brasileiro, não houve alteração nos últimos anos no que se refere à proporcionalidade de adolescentes em cumprimento de MSE apresentada em 2010, ou seja, 5% de meninas e 95% de meninos16. De acordo com o Levantamento Nacional 2011 da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) “Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei” no Brasil houve um aumento de adolescentes em restrição e privação de 14 BRASIL. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Secretaria dos Direitos Humanas. Brasília: Conanda, 2006, p. 16. 15 _____. Secretaria dos Direitos Humanas. Brasília: Conanda, 2006, p.16. 16 SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS. Atendimento Socioeducativo ao adolescente em conflito com a Lei- Levantamento Nacional 2011. Brasília, 2012. 11 liberdade em 10,69% (de 17.703 para 19.595), sendo que em internação o aumento foi de 10,97% (de 12.041 para 13.362); em internação provisória de 9,68% (de 3.934 para 4.315); e em semiliberdade de 11,00% (de 1.728 para 1.918); o que demonstra uma uniformidade no crescimento entre as MSE de restrição e privação de liberdade. Tal evolução, no entanto, se distribui de maneira sensivelmente diferente nas 27 unidades federadas17. A legislação que institui o SIANSE traz um novo status para as políticas públicas e impõem desafios de melhoria na gestão do sistema, das unidades e dos programas, no atendimento socioeducativo realizado, bem como no desempenho do Sistema de Justiça. Propõe-se inovações que buscam a unificação dos procedimentos de execução das medidas socioeducativas pelo judiciário, bem como atribui a esse poder o novo papel de homologar o Plano Individual de Atendimento (PIA). Inova também nos mecanismos de gestão, ampliando fontes de financiamento, explicitando competências das esferas de governo e criando um sistema de avaliação. Por fim, introduz e explicita uma série de direitos dos adolescentes: atendimento individualizado; atenção integral à saúde; visita íntima; capacitação para o trabalho, participação da família; dentre outros. O SINASE especifica que para entidades e/ou programas que executam a medida socioeducativa de semiliberdade e internação a equipe mínima deve ser composta por uma equipe técnica multidisciplinar18 e dentre esses profissionais está o assistente social. 3 SERVIÇO SOCIAL O Serviço Social, como profissão, é definido por Iamamoto (2006, p. 83-84) como uma “especialização do trabalho coletivo, dentro da divisão social e técnica do trabalho, que participe do processo de produção e reprodução das relações sociais”. Conforme Faleiros (2006, p.72), a intervenção em Serviço Social consiste articulação combinada de medições de trajetórias 19 e estratégias 20 de ação de diferentes atores que se entrecruzam numa conjuntura de saberes e poderes, configurando-se a situação de relação entre profissional e usuários. Assim o profissional de Serviço Social em suas intervenções trabalha com os usuários, numa relação de quebra de paradigma, na perspectiva de dar a autonomia do sujeito. Para isso precisa traçar estratégias de como driblar a burocratização dos serviços, entre outras como mostra o trecho de Faleiros: 17 SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS. Atendimento Socioeducativo ao adolescente em conflito com a Lei- Levantamento Nacional 2011. Brasília, 2012. 18 A Equipe técnica multidisciplinar são grupos de agentes de diferentes áreas do conhecimento e especialidades que se formam levando em consideração, prioritariamente, a reinvenção de suas interfaces. Devendo promover encontros sistemáticos e se guiar pelo projeto pedagógico do programa de atendimento socioeducativo;(SINASE, 2006,p. 42). 19 As trajetórias sociais são processos de desestruturação como de estruturação de referencias e patrimônios, pela articulação ou pela desarticulação de relações sociais num tempo e num espaço determinado onde se produzem mudanças nas formas de reprodução como de identificação social. (FALEIROS, 2006, p.75). 20 As estratégias são processos de articulação e mediação de poderes e mudanças de relações de interesses, referencias e patrimônios (...). As estratégias implicam em projetos individuais e coletivos que tragam a rearticulação dos patrimônios, referencias e interesses com vistas re-produção e a representação dos sujeitos históricos. (FALEIROS, 2006, p.76). 12 Quando um determinado sujeito procura ou se vê diante do serviço social, ele esta numa trajetória de fragilização, de perda de patrimônio ou referências, sem atendimento de suas necessidades básicas, e é por isso que, em nosso paradigma de correlação de forças, propus o fortalecimento do domínio do (empowerment) e sua defesa (advocacy) como objetivos estratégicos da intervenção em serviço social contradição com a perspectiva de reforço do poder dominante ou de mera reprodução. Assistente social passa a ser um aliado do cliente/usuário em vez de um gerenciador de recursos da instituição em função dos critérios, normas, e 21 itinerários por ela estabelecidos . De acordo com Faleiros (2006, p. 62) o desenvolvimento da autonomia dos sujeitos parte de processo de negação da subalternidade pela mediação da afirmação da subjetividade e da construção das decisões sobre sua própria vida. Em suma a intervenção profissional deve ser pautada nos princípios de seu Código de Ética, no sentido de contribuir com a quebra de paradigmas, a efetivação e garantia dos direitos e a construção de um novo modelo de sociedade que não subalternize as minorias e não seja pautado em valores discriminatório e violador dos direitos humanos. A atuação do profissional de Serviço Social é construída a partir dos processos teórico-metodológicos, ético-políticos e técnico-operacionais apreendidos no contexto histórico e político da produção e da reprodução na/da relação capitaltrabalho. No momento contemporâneo entre outras habilidade e competências profissionais do assistente social pode-se destacar as atividades relacionadas à gestão, elaboração, avaliação e implementação das políticas sociais. O Serviço Social, a partir de seu arcabouço teórico-metodológico, seus instrumentais técnico-operativos e seu posicionamento ético-político, tem como contribuir no âmbito de medidas socioeducativas por meio de reflexões sobre as questões sociais que envolvem os adolescentes em conflito com a lei, a identificação das necessidades e demandas, como também dos processos de violação de direitos. 3.1 SERVIÇO SOCIAL NAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS Para a discussão proposta é necessário contextualizar que o assistente social que trabalha em um centro socioeducativo faz parte de uma equipe de trabalho multidisciplinar 22 e desenvolvem ações interdisciplinares junto aos demais profissionais das áreas de conhecimento da Psicologia, da Terapia Ocupacional, da Pedagogia, do Direito e da Enfermagem. Dessa maneira: As diferentes áreas do conhecimento são importantes e complementares no atendimento integral dos adolescentes. A psicologia, a terapia ocupacional, o serviço social, a pedagogia, a antropologia, a sociologia, a filosofia e outras áreas do conhecimento no campo do atendimento das medidas 23 socioeducativas . 21 FALEIROS, Vicente de Paula. Estratégias em Serviço Social. São Paulo: Cortez, 2006, p.78. Vide Resolução CFESS 557/2009 em seu art. 4° estabelece que “o assistente social ao atuar em equipes multiprofissionais, deverá garantir a especificidade de sua área de atuação”. 23 BRASIL. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Secretaria dos Direitos Humanas. Brasília: Conanda, 2006, p. 23. 22 13 De acordo com o SINASE, existe uma composição mínima do quadro de pessoal em cada modalidade de atendimento socioeducativo. Dessa forma, as entidades e/ou programas que executam as medidas socioeducativas de semiliberdade e de internação prevê o assistente social dentre outros profissionais. No que se trata do acompanhamento técnico o SINASE apresenta: É imprescindível a composição e um corpo técnico que tenha conhecimento especifico na área de atuação profissional e, sobretudo, conhecimento teórico-prático em relação à especificidade do trabalho a ser desenvolvido. Sendo assim, os programas socioeducaticativos devem contar com a equipe multiprofissional com o perfil capaz de acolher e acompanhar os adolescentes e suas famílias em suas demandas bem como atender os funcionários; com habilidades de acessar a rede de atendimento publico e comunitário para atender casos de violação, promoção e garantia de 2425 direitos . O espaço de atuação do assistente social junto aos adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas tem algumas atribuições específicas no seu cotidiano profissional e algumas competências em conjunto com as demais áreas (ou técnicos), como por exemplo, na elaboração de relatórios, planilhas de atividades, participação em reuniões de equipe, de estudo de caso e em atividades promovidas pela unidade26. O atendimento realizado ao adolescente e ao grupo familiar feito pelo profissional de Serviço Social é um atendimento social, que tem como foco principal os fatores referentes à prática infracional que envolvem trajetória sócio-histórica da família e do adolescente, análise das demandas apresentadas por eles, leitura dessas demandas e identificação de outras que, até mesmo a família e o adolescente não tenham percebido. É de posse destas informações que o assistente social elabora a sua estratégia de intervenção profissional. Ressalta-se que a intervenção profissional é pautada para a efetivação continuada dos direitos sociais e no que tange a especificidade das medidas socioeducativas que visa também contribuir para o processo de responsabilização do adolescente27. Os princípios fundamentais do Código de Ética Profissional do Serviço Social pressupõem a defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e autoritarismo, mesmo que o adolescente esteja privado de liberdade é preciso garantir que essa privação de liberdade não seja também privação dos direitos inalienáveis28. O atendimento feito pelo assistente social inicia-se desde a admissão do adolescente na unidade socioeducativo. Nesse momento acontece o acolhimento, no qual o profissional busca identificar os principais elementos da história de vida, para a construção do caso do adolescente. A partir de então o atendimento social deve procurar conduzir o adolescente e a família, por meio de intervenções, 25 BRASIL. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). Secretaria dos Direitos Humanas. Brasília: Conanda, 2006, p.23. 26 ARRUDA, Daniel Péricles; Pinto, Patrícia da Silva. O trabalho do assistente social na medida socioeducativa de internação: práticas e desafios.III Simpósio Mineiro de Assistentes Sociai, 2013. CRESS 6 Região. 27 ARRUDA, Daniel Péricles; Pinto, Patrícia da Silva. O trabalho do assistente social na medida socioeducativa de internação: práticas e desafios.III Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, 2013. CRESS 6 Região. 28 FREITAS, Tais Pereira de. Serviço Social e medidas socioeducativas: o trabalho na perspectiva da garantia de direitos. Serviço Social e Sociedade. n. 105, São Paulo, 2011. 14 estratégias e reflexões, à construção da responsabilização frente às demandas postas e construídas a partir de cada caso29. Como instrumental para o atendimento é utilizado o Plano Individual de Atendimento (PIA) para acompanhamento, conquista de metas e compromisso dos adolescentes e suas famílias durante o cumprimento da medida socioeducativa. A elaboração do PIA se da a partir do acolhimento do adolescente, por meio de intervenções técnicas nas áreas: jurídica, saúde, psicológica, social e pedagógica. Nos termos da lei de execução do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, Lei Federal nº. 12.594/2012 determinada no Art. 52 - “o PIA deverá contemplar a participação dos pais ou responsáveis, os quais têm o direito de contribuir com o processo ressocializador do adolescente, sendo esses passíveis de responsabilização administrativa, nos termos do Art. 249 da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA), civil e criminal” e no Art. 53 “o PIA será elaborado sob a responsabilidade da equipe técnica do respectivo programa de atendimento, com a participação efetiva do adolescente e de sua família, representada por seus pais ou responsável”. Ademais, durante o cumprimento da medida socioeducativa são realizadas visitas domiciliares pelo assistente social, sempre que possíveis pelo psicólogo que acompanha o adolescente, ou outro membro da equipe técnica. 4 METODOLOGIA A metodologia utilizada para realização deste artigo foi a pesquisa exploratória, de natureza qualitativa, por meio de análise bibliográfica. Para Silva (2005), Pesquisa Qualitativa: considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e 30 seu significado são os focos principais de abordagem . A pesquisa é do tipo exploratório, pois será desenvolvida no sentido de proporcionar uma visão geral acerca de determinado tema. De acordo com Andrade (2002) a pesquisa exploratória tem como finalidade: proporcionar maiores informações sobre o assunto que vai investigar, facilitar a delimitação do tema de pesquisa, orientar a fixação dos objetivos e a formulação das hipóteses, ou descobrir um novo tipo de enfoque sobre o assunto. Nesse sentido, foi realizada a análise bibliográfica dos textos publicados na Revista Serviço Social e Sociedade que terá o objetivo de melhor compreender o assunto em tela e estruturar o estudo de forma argumentativa. Para Oliveira (2007) a pesquisa bibliográfica é uma modalidade de estudo e análise de documentos de 29 ARRUDA, Daniel Péricles; Pinto, Patrícia da Silva. O trabalho do assistente social na medida socioeducativa de internação: práticas e desafios. III Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais, 2013. CRESS 6ª Região. 30 SILVA, Edna Lúcia da. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. Edna. Lúcia da Silva, Estera Muszkat Menezes. – 4. ed. Rev. atual. – Florianópolis: UFSC, 2005. p. 20. 15 domínio científico tais como livros, periódicos, enciclopédias, ensaios críticos, dicionários e artigos científicos. Como característica pontua que é um tipo de “estudo direto em fontes científicas, sem precisar recorrer diretamente aos fatos/fenômenos da realidade empírica” 31 . Argumenta-se que a principal finalidade da pesquisa bibliográfica é proporcionar aos pesquisadores o contato direto com obras, artigos ou documentos que tratem do tema em estudo. Os artigos científicos pesquisados para esse trabalho foram publicados entre 2010 e 2013. Nesse período a Revista Serviço Social e Sociedade publicaram14 edições, e dentre estas somente três artigos discorria sobre a atuação do assistente social e as medidas socioeducativas. 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os três artigos utilizados na referida pesquisa foram escritos pelos seguintes autores FREITAS (2011), MENICUCCI e CARNEIRO (2011), SARTÓRIO e ROSA (2010). Para melhor compreensão da análise de dados observou-se nos artigos as dimensões da questão social e a atuação do Serviço Social no contexto das medidas socioeducativas. Artigo 01: Novos paradigmas e velhos discursos; analisando processos de adolescentes em conflito com a lei. SARTÓRIO e ROSA (2010). O primeiro artigo faz uma análise do discurso dos operadores jurídico-sociais em processos judiciais da Vara da Infância e Juventude em relação aos direitos da criança e adolescente, a questão social e a análise do discurso. De acordo com a autora o sistema penal traz características altamente estigmatizado e criminalizador da pobreza, de forma que as condições sociais, econômicas e culturais repercutem nas decisões e encaminhamentos dos processos. Sendo que, no sistema socioeducativo encontram-se os adolescentes em situação de maior vulnerabilidade. O que comprova a associação entre a pobreza e a criminalidade, que leva a inferir que há brechas para se avaliar a forte influência da judicialização da questão social, no contexto dos adolescentes em conflito com a lei, tendo em vista que a questão social configura-se como pano de fundo para a emergência da questão jurídica. Como resultado da pesquisa a autora aponta que foi possível observar em alguns processos judiciais a forma taxativa como o Ministério Público e a polícia tratam os adolescentes como portadores de uma “personalidade infratora” ou como sendo a ação destes caracterizada desvio de conduta. A fase do processo judicial de execução da medida socioeducativa é o momento em que efetivamente se deveria realizar o caráter socioeducativo da execução da lei. Porém, o que a autora constatou nessa fase foi a não realização do processo socioeducativo, dada a falta de sistematização no atendimento, a falta de atenção as necessidades sociais dos adolescentes e das famílias e a consequente ausência de inserção dos adolescentes em programas de inclusão social, implicando assim a forte presença do caráter sancionatório e punitiva Os processos judiciais foram finalizados sem que os adolescentes fossem ouvidos, demonstrando que o processo era mais importante que os adolescentes. Deste modo, os adolescentes que são sujeitos de direito e protagonistas juvenis, 31 OLIVEIRA, M. M. Como fazer pesquisa qualitativa. Petrópolis, Vozes, 2007. . 16 conforme as legislações, sequer aparecem no processo socioeducativo e, permanecendo o adolescente como objeto de intervenção jurídico-social. A autora conclui que a questão jurídica prevaleceu nos discursos dos operadores jurídico-sociais e as expressões da questão social acabaram sendo abafadas. O discurso da legalidade, da burocracia institucional, da tramitação e dos prazos se sobrepôs ao que estava tão evidente: a ausência do Estado na consolidação dos direitos, deixando claro o papel do sistema de justiça que acaba atuando na culpabilização do indivíduo, e na articulação da questão do direito ao papel das políticas públicas. Ainda neste artigo as autoras não deram ênfase na atuação do assistente social, abrangendo a sua análise na atuação dos operadores jurídicos como o juiz e promotor. Apontaram o que no Setor de Serviço Social do Juizado do programa de Liberdade Assistida Comunitária – LAC realizou-se mediações de conflito entre adolescentes e genitores, bem como acionou alguns recursos sociais da rede de proteção social à criança e ao adolescente. Desta forma, a análise da atuação é meramente exemplificativa sem aprofundamento sobre o Serviço Social. Artigo 02: Entre monstros e vítimas: a coerção e a socialização no Sistema Socioeducativo de Minas Gerais. (MENICUCCI e CARNEIRO, 2011). Este artigo analisou as formas de implementação do ECA e do SINASE em dois centros socioeducativos de Minas Gerais, para conhecer como eles lidam com a presença de duas lógicas coexistentes na política: a coerção e a socialização. De acordo com as autoras o atendimento ao adolescente em privação de liberdade experimenta a ambiguidade e a tensão decorrente de um modelo que combina as duas situações. De um lado, o atendimento em unidades de internação tem que lidar com o problema da coerção e manutenção da ordem, que aponta para uma intervenção com maior programabilidade e interação pouco intensa com o usuário, procurando garantir rotinas, uniformidade e disciplina. De outro lado, principalmente a partir do ECA, colocam-se os objetivos e estratégias de socialização e reconstrução de valores, atitudes e identidade. Outro aspecto capaz de influenciar a política de atendimento ao adolescente em privação de liberdade é o perfil dos beneficiários. Este ponto é relevante em dois sentidos. O primeiro está ligado ao fato de que essa política objetiva ressocializar os adolescentes, o que obviamente não poderá ser feito se o próprio adolescente, enquanto sujeito de direitos, não estiver envolvido com a construção de um novo projeto de vida. O outro sentido refere-se às possibilidades de reinserção social que cada menino - dependendo de sua procedência, inserção no crime, idade, escolaridade e família - poderá obter com a medida socioeducativa. Para Menicucci (2011) não há um entendimento uniforme sobre o ECA e o SINASE e nem mesmo um compartilhamento de seus princípios entre as equipes, o que traz consequências para a implementação da política As autoras apontam que a equipe técnica, de um modo geral, está inserida das unidades socioeducativas pesquisadas: Uma dinâmica institucional que garanta a horizontalidade na socialização das informações e dos saberes em uma equipe multiprofissional faz parte dos parâmetros norteadores do atendimento socioeducativo do Sinase, o que demonstra que, ainda que esse aspecto não seja percebido por todos 17 os implementadores, ele é parte da política e deve ser trabalhado a partir da 32 equipe de profissionais de cada unidade . A conclusão que elas chegam é que há possibilidade de se articular saberes para operacionalizar a complementaridade entre as duas lógicas, representando um grande salto na qualidade do atendimento ao adolescente em conflito com a lei em privação de liberdade. Podendo assim, contribuir para que estratégias e práticas profissionais sejam estabelecidas, levando em consideração a dualidade intrínseca à política. Assim, práticas pedagógicas devem ser pensadas no sentido de impor limites à atuação dos adolescentes e sem perder de vista que há um conflito com a lei. Da mesma forma, as práticas punitivas são necessárias, porém devem ser pensadas a partir da possibilidade de aprendizado e não apenas como algo ligado a exame e ao sofrimento. O importante não é a eliminação de uma das lógicas em detrimento da outra, mas sim, a construção de um modelo capaz de articulá-las para que o atendimento ao adolescente seja de fato coerente com seus direitos e possa oferecer chances reais de, a partir de sua responsabilização pelo ato infracional, reinseri-lo na sociedade com outro projeto de vida. Deste modo, o artigo se atenta em estudar as formas de organização, a estrutura, o perfil dos adolescentes das unidades de internação e a dualidade entre as lógicas de coerção e da socialização, porém deixa a desejar por não tratar das atribuições dos assistentes sociais desenvolvidas no centro socioeducativos pesquisados. Artigo 03: Serviço Social e medidas socioeducativas: o trabalho na perspectiva da garantia de direitos. (FREITAS, 2011). O terceiro artigo apresentou informações que possibilitam a reflexão a cercado trabalho do assistente social na medida socioeducativa de internação, a partir da análise das legislações. A autora destaca o reconhecimento da liberdade como valor ético central, também princípio fundamental do Código de Ética profissional do assistente social, que deve estar na base do atendimento ao adolescente, entendendo que, a aplicação da medida de internação está relacionada principalmente à privação da liberdade de ir e vir e jamais privar o adolescente do direito de escolha, de comunicação, entre outros. Sendo possível ao profissional de Serviço Social desenvolver um trabalho pautado no entendimento de que o adolescente e sua família são sujeitos de direitos. O trabalho profissional pode e deve ser socioeducativo desde esse momento da entrada do adolescente na instituição. De acordo com Freitas (2011) o Serviço Social encontra-se inserido nas unidades de internação da Fundação Casa, e é denominação para a função do assistente social na Fundação como analista técnico/assistente social, sendo parte da equipe técnica de cada unidade composta por assistentes sociais e psicólogos. O profissional de Serviço Social nas unidades de internação precisa comprometer-se com a efetividade do atendimento realmente socioeducativo, situando seu trabalho na perspectiva da garantia de direitos. Assim, o assistente social acompanhará o 32 MENICUCCI, Clarissa Gonçalves; LADEIRA Carla Bronzo. Entre monstros e vítimas: a coerção e a socialização no Sistema Socioeducativo de Minas Gerais. Serviço Social e Sociedade: n.107. São Paulo, 2011, p. 8. 18 adolescente durante toda a medida de internação, na perspectiva do atendimento integral. Para a autora o trabalho do assistente social deve ser orientado pelo atendimento integral e, portanto, esse profissional pode e deve verificar se o adolescente está recebendo esse atendimento. Buscar assegurar que o adolescente receba alimentação, atendimento médico, odontológico, oportunidades de profissionalização, além de verificar, registrar e notificar aos seus superiores quaisquer violações aos direitos dos adolescentes, tanto por servidores da instituição quanto por outros adolescentes. O profissional poderá acompanhar as atividades elaboradas pelo setor pedagógico; as saídas dos adolescentes da unidade para a realização de atividades externas (campeonatos esportivos, eventos culturais), além de sempre buscar orientá-los e informá-los acerca de sua situação processual, bem como seus direitos no que diz respeito à execução da medida socioeducativa. A autora conclui que a práxis do Serviço Social está orientada para a possibilidade de ressocialização, reinserção social saudável, não compreendida apenas na dimensão produtivo-consumidora, mas como emancipatória, na medida em que o indivíduo tem condições de tornar-se sujeito da própria história. Para que isso aconteça os profissionais inseridos nesses espaços de privação de liberdade tem a missão, a partir do cotidiano, desenvolver práticas que possibilitam o resgate dessa condição peculiar de humanidade. A partir das perspectivas alegadas pela autora, pode-se acrescentar na discussão sobre o trabalho do assistente social a necessidade desse profissional ser um estudioso social, ou seja, é de suma importância a continuidade dos estudos em estabelecimentos acadêmicos, mas, aqui, damos ênfase à prática sistematizada dos estudos da vida social no decorrer de toda sua prática profissional. O que implica na necessidade de que o assistente social seja leitor dos conhecimentos que emergem das múltiplas expressões da vida cotidiana. É importante ressaltar que o estudo não garante a efetivação de uma prática qualificada, mas, possibilita o domínio e o embasamento do (da) profissional para lidar com a realidade, e também, para construir estratégias que possibilitem a instrumentalidade de suas ações33. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A principal defesa do projeto profissional do Serviço Social é pela liberdade e autonomia dos usuários, e a concretização destes valores é pela modificação dos paradigmas de mercantilização dos direitos. Assim a importância do Serviço Social nas medidas socioeducativas aplicadas à adolescentes é pela garantia dos direitos sociais, composto por variáveis como a garantia intransigente dos direitos humanos através da construção de sujeitos protagonistas de sua história. Uma das funções do Serviço Social é utilizar as intervenções profissionais e pesquisas acadêmicas a fim de articular ações que universalizem e tornem mais qualificados os processos de trabalho. É a construção de políticas públicas sociais que visam à gradativa ampliação dos direitos para, consequentemente, transformarem bases societárias As pesquisas e materiais sobre a temática estão aumentando a cada ano, por isso a necessidade da formação continuada para 33 GUERRA, Yolanda. A instrumentalidade no trabalho do assistente social. 2000. 19 pensar estratégias viáveis e pertinentes às demandas colocadas no cotidiano dos profissionais de Serviço Social. A partir da análise feita pelos dados coletados observou-se que os artigos não identificam as estratégias que são adotadas na atuação nem levantaram as dificuldades enfrentadas pelos assistentes sociais, em relação à garantia da proteção integral dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, visto que a uma escassez de material produzido. Analisando os três artigos foi possível perceber que apenas uma autora aprofunda na discussão da prática profissional. Esse fato gera preocupação, pois percebe-se que há pouca pesquisa sobre a atuação do assistente social nas medidas socioeducativas, o que é uma triste realidade, pois como foi dito anteriormente no levantamento nacional de 2011 da Secretaria de direitos humanos (SDH), houve aumento de 10,69% de 2010 para 2011 de adolescentes em restrição e privação de liberdade no Brasil. Esse é um sinal de alerta que merece uma discussão aprofundada que deve levar em conta os diferentes contextos e um esforço de entendimento das razões desta manifestação. Foi observado durante o processo de análise crítica que há uma escassez de artigos científicos sobre o assunto e os dados SDH que demonstram o aumento de adolescentes em restrição e privação de liberdade foram os pontos que mais me chamaram a atenção durante o processo de produção do artigo, mesmo porque, foi frustrante realizar uma pesquisa sobre determinado assunto e não encontrar material que abordem de maneira profunda o tema. Dessa maneira os assistentes sociais têm a importante tarefa de produzirem pesquisas sobre o tema e sistematizarem sua prática profissional dentro das unidades socioeducativas, com o propósito de criarem estratégias que garantam os direitos de adolescentes em conflito com a lei e que consiga mudar a realidade vivenciada no Brasil, com relação ao aumento do número de adolescente cumprindo medida socioeducativa de internação. THE SOCIAL SERVICE AND THE ADOLESCENTS IN CONFLICT WITH THE LAW: A CONTRIBUTION TO THE DEBATE. Abstract: This study aims to contribute to the systematization of the debate about the work of the professional Social worker with adolescents in fulfillment of socio-educational measure, from the articles published in the magazine "service and society during the period from 2010 to 2013. This is a qualitative and exploratory research which will be accomplished through bibliographic analysis. The discussion featured talks by the theoretical-methodological field, ethical-political and technical-operational professional action with views to the multiple challenges related to the guarantee of rights and the execution of duties of their teenagers. At the same time social issues involving adolescents in conflict with the law, instigate the debate on legislation and the importance of Social worker working in the institutions of socio-educational measures. It is intended, therefore, through this research highlight the strategies adopted in the performance of these professionals in relation to the guarantee of full protection of teenagers in fulfillment of socio-educational measure and raise the difficulties faced by them. Thus, this reveals the possibilities of Social service front of adolescents in conflict with the law. The results obtained show that there is a lack of bibliographical production on the question of professional performance of Social 20 Services regarding socio-educational measures, being this one of the challenges to the role of the social worker. Keywords: Social Service. Professional work. Teenagers. Socio-educational measure. REFERENCIAS AEIES, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro, Zahar, 1981. ANDRADE, Maria Margarida de. Como preparar trabalhos para cursos de pósgraduação: noções práticas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2002. ARRUDA, Daniel Péricles; Pinto, Patrícia da Silva. O trabalho do assistente social na medida socioeducativa de internação: práticas e desafios. III Simpósio Mineiro de Assistentes Sociais 2013. CRESS 6 Região. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. _______ . Estatuto da Criança e do Adolescente. Promulgado em 13 de julho de 1990. BRASIL. Lei nº. 12.594, de 18 de janeiro de 2012. 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