ASSEMBLEIA PARLAMENTAR PARITÁRIA ACPUE Comissão dos Assuntos Sociais e do Ambiente ACP-UE/101.294/B/13 05.03.2013 PROJETO DE RELATÓRIO sobre os recursos humanos para a saúde nos países ACP Comissão dos Assuntos Sociais e do Ambiente Correlatores: Charles Kakoma (Zâmbia) e Edit Bauer PARTE B: EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DR\929166PT.doc PT PT Introdução Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), são necessários 4 milhões de médicos, enfermeiros, parteiras e outros profissionais da saúde para levar a cabo as intervenções sanitárias essenciais necessárias ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) no que respeita às doenças relacionadas com a pobreza e à saúde materno-infantil1. Os dados da OMS revelam que existem no mundo 57 países (38 dos quais países ACP) que registam uma grave carência de recursos humanos no setor da saúde. A carência de pessoal da saúde é particularmente grave na África subsariana, região afetada por cerca de um quarto do total das patologias a nível mundial, mas que apenas dispõe de 3% dos recursos humanos globais na área da saúde2. Embora a escassez de recursos humanos para a saúde seja uma questão que afeta todos os Estados, os países pobres são os que mais sofrem, por disporem de um número de profissionais da saúde sensivelmente inferior e registarem uma incidência de doenças desproporcionadamente mais elevada. As causas desta grave escassez são numerosas e variam de um país para outro, mas comportam uma deficiente planificação e implementação, um financiamento inadequado para a educação e a formação no domínio da saúde, uma combinação pouco eficaz dos tipos de profissionais da saúde e do leque das suas competências individuais, bem como uma falta de apoio, reconhecimento e oportunidades de progressão para os trabalhadores da saúde. Uma recente avaliação do apoio da UE ao financiamento do setor da saúde revelou que «todas as provas qualitativas confirmam a ideia de que a crise dos recursos humanos para a saúde continua por solucionar». Combater esta situação exigirá um esforço conjunto e concertado3. Carências em matéria de educação e emprego no domínio da saúde Nos sistemas de saúde dos países com baixos rendimentos, o ensino e a formação são objeto de um financiamento muito insuficiente. «Os sistemas de saúde pública não formam nem recrutam pessoal suficiente»4. A Etiópia, com uma população de 75 milhões de pessoas, forma 200 médicos por ano, enquanto o Reino Unido forma mais de 6 000 por ano, com uma população de 60 milhões5. Esta carência de financiamento Chen, L. et. al, (2006) «Working together for health: The World Health Report 2006», Organização Mundial da Saúde. 2 Idem. 3 MacKellar, L. et. al, (2012) «Thematic evaluation of the European Commission support to the health sector» (Avaliação temática do apoio da Comissão Europeia ao setor da saúde), Avaliação para a Comissão Europeia, Particip GmbH, Ref.: EuropeAid/122888/C/SER/Multi Contrato n° EVA 2007/social LOT2. 4 Chen, L. et. al, (2006) «Working together for health: The World Health Report 2006», Organização Mundial da Saúde. 5 Crisp, N., e al. (2008), «Training the health workforce: scaling up, saving lives», The Lancet, 371: 689– 91. 1 2/7 PT DR\929166PT.doc em matéria de emprego e formação, associada a uma população em crescimento, o aumento da esperança de vida e a propagação do HIV, desempenha um papel primordial na escassez de recursos humanos disponíveis para fazer face às necessidades. A melhoria do ensino e da formação deve estar no cerne de qualquer medida destinada a combater o défice de recursos humanos no setor da saúde e constituir um elemento fundamental de todos os planos nacionais de saúde. A migração dos profissionais da saúde A migração dos profissionais da saúde constitui um dos fatores determinantes da escassez de recursos humanos no setor. Há várias razões que levam estes trabalhadores a migrar dos países com baixos rendimentos para os de elevados rendimentos. Os fatores de pressão são nomeadamente os interesses pessoais, incluindo a fuga da pobreza, a procura de segurança pessoal ou a melhoria da situação financeira e o acesso à educação para todos os membros da família. Outros fatores de pressão são os baixos salários ou as condições laborais insatisfatórias que impedem o pessoal da saúde de realizar o seu trabalho de forma eficaz e originam altos níveis de «stress» e um estado anímico negativo1 . Existem igualmente fatores de atração que explicam a migração dos trabalhadores da saúde. O mais importante é a carência de profissionais da saúde no mundo desenvolvido. Na sequência de diferentes políticas de redução dos custos que se verificaram a partir do início dos anos 90, um certo número de países com elevado rendimento registavam, em 2000, escassez de médicos e enfermeiros2, o que foi remediado com o aumento do recrutamento de profissionais da saúde de países africanos. Embora a migração dos trabalhadores da saúde constitua um importante fator para a carência de pessoal sanitário, vários estudos revelaram que «os médicos e enfermeiros originários de África e que trabalham nos países da OCDE representam só 12% do défice estimado na região»3. O défice dos profissionais da saúde nas zonas rurais e afastadas De acordo com a OMS, metade da população mundial vive em regiões rurais e remotas, enquanto a maioria (62% dos enfermeiros e mais de 75% dos médicos) dos profissionais da saúde vive e trabalha em zonas urbanas4. Este problema global é, porém, mais grave nos países com baixos rendimentos, onde a maior percentagem da população vive em zonas rurais. Por conseguinte, as desigualdades em matéria de saúde afetam desproporcionadamente aqueles que vivem em zonas rurais e remotas. Friedman, E.A. (2004), «An Action Plan to Prevent Brain Drain: Building Equitable Health Systems in Africa», Physicians for Human Rights. 2 OECD (2010), ‘International Migration of Health Workers: Improving International Co-operation to Address the Global Health Workforce Crisis’, Policy Brief OECD. 3 O’Brien, P. and Gostin, L.O. (2011), «Health Worker Shortages and Global Justice», Milbank Memorial Fund. 4 Dolea, C. et.al, (2010), «Increasing access to health workers in remote and rural areas through improved retention», Organização Mundial da Saúde. 1 DR\929166PT.doc 3/7 PT Manutenção in loco dos recursos humanos da saúde As estratégias destinadas a manter in loco o pessoal da saúde, tanto no país como em zonas rurais e remotas, consistiram na criação de ambientes de vida e de trabalho propícios à retenção dos profissionais da saúde. A Declaração de Kampala de 2008 exortava os governos a «criar incentivos adequados e um ambiente de trabalho favorável e sem riscos a fim de reter e repartir equitativamente os recursos humanos no setor da saúde»1. Em 2010, a OMS publicou uma série de recomendações baseadas em provas sobre a forma mais adequada de melhorar a retenção dos profissionais da saúde em zonas rurais e remotas2. Estas incluíam uma melhor educação, incentivos financeiros e apoio pessoal e profissional. Uma possível estratégia para solucionar a questão da migração dos trabalhadores da saúde consistiu em convidar os países com altos rendimentos a melhorar a educação e a formação dos seus próprios trabalhadores da saúde. Evitar-se-ia, assim, que esses Estados se tornassem dependentes dos profissionais da saúde estrangeiros. No passado mês de maio de 2010, os 193 Estados membros da Assembleia Mundial da Saúde adotaram o Código de prática mundial da OMS para o recrutamento internacional do pessoal do setor da saúde3, que desaconselha a contratação ativa de pessoal sanitário dos países em desenvolvimento. O repto consiste agora em garantir a correta aplicação das práticas do Código. Soluções inovadoras para combater a crise dos recursos humanos no setor da saúde nos países ACP Num momento em que muitos países estão a ser afetados por dificuldades financeiras, cumpre encontrar soluções inovadoras para combater a crise dos recursos humanos no setor da saúde nos países ACP. Em muitos países, foram já aplicadas alternativas de caráter local para reduzir os custos, como a mudança de funções e a associação da comunidade local à oferta de serviços e intervenções. Quando implementadas corretamente, estas alternativas podem ser muito frutíferas. Mudança de funções A mudança de funções é um método suscetível de melhorar o acesso aos cuidados de saúde. Trata-se da delegação de responsabilidades relacionadas com serviços médicos e sanitários do pessoal superior ao inferior, em alguns casos mesmo a não profissionais 4. Assegura-se, assim, a melhor utilização de todas as competências disponíveis, dos Kampala Declaration, First Global Forum on Human Resources for Health, Kampala, Uganda, 2-7 de março de 2008. 2 Dolea, C. et.al, (2010), «Increasing access to health workers in remote and rural areas through improved retention», Organização Mundial da Saúde. 3 OMS Código de Prática Mundial da Organização Mundial da Saúde para o Recrutamento Internacional de Pessoal de Saúde LXIII Assembleia Mundial da Saúde - WHA63.16 de maio de 2010, 4 Zachariah, R. (2009), «Task shifting in HIV-AIDS: opportunities, challenges and proposed actions for Sub-Saharan Africa», Transactions of the Royal Society of Tropical Medicines and Hygiene, 103(6), pp.549-558. 1 4/7 PT DR\929166PT.doc profissionais mais qualificados aos trabalhadores da saúde comunitários ou mesmo aos próprios pacientes. As enfermeiras podem realizar tarefas habitualmente realizadas por médicos, como cesarianas ou operações às cataratas1, os profissionais de extensão de saúde podem melhorar os índices de deteção e tratamento2, os profissionais da saúde locais proporcionam educação sanitária, detetam doenças, enviam pacientes aos serviços de saúde e facultam tratamento e os pacientes podem apoiar-se mutuamente3. Com uma planificação e uma aplicação cuidadosas, as estratégias de mudança de funções podem melhorar o acesso a serviços de saúde de qualidade e reduzir os custos. O seu êxito depende das capacidades de liderança e planificação e requer uma supervisão e apoio contínuos, bem como reconhecimento e trabalho de equipa. Profissionais de saúde comunitários (PSC) A integração dos profissionais de saúde comunitários nos sistemas de saúde é essencial para aceder a populações marginalizadas ou de difícil acesso, bem como para apresentar uma solução para a carência de pessoal sanitário. Muitas vezes as comunidades mais pobres e remotas não têm um acesso adequado a serviços de saúde, sendo também as mais vulneráveis às doenças. Amiúde os profissionais de saúde comunitários vivem nas próprias comunidades ou na proximidade de muitas zonas afastadas, pelo que proporcionam um acesso de valor incalculável a algumas das populações de mais difícil acesso. A OMS chegou à conclusão que existem «provas sólidas de que os profissionais da saúde comunitários podem empreender ações que conduzem a melhores resultados em matéria de saúde».4 Os profissionais de saúde comunitários efetuam um vasto leque de tarefas em função do seu trabalho, como por exemplo: malária, tuberculose, VIH/SIDA, prevenção e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e de doenças tropicais negligenciadas (DTN), educação no domínio da saúde e atividades no domínio do planeamento familiar. Na Tanzânia, Moçambique e Burquina Faso, os profissionais de saúde com qualificação média recebem formação para a prática da cirurgia obstétrica de emergência, em especial cesarianas, em zonas rurais. Vários estudos demonstraram que não há diferenças significativas em matéria de mortalidade materna ou neonatal comparativamente com os médicos (Nyamtema et. al. 2011; Hounton et. al. 2009; Kurk 2007). 2 A Etiópia prevê colocar dois profissionais de divulgação sanitária em cada aldeia. 35 000 desses trabalhadores já completaram a sua formação. Os profissionais melhoraram a deteção e o tratamento da tuberculose e do HIV e, em apenas quatro anos, aumentaram o acesso aos serviços de saúde pública de 61% para 87%; Wakabui, W. (2008) «Extension workers drive Ethiopia’s primary health care» The Lancet, 372:880. 3 No município de Khayelitsha, na África do Sul, antigos pacientes, voluntários e ativistas comunitários conseguiram aumentar a consciencialização para a prevenção do HIV e da tuberculose e o cumprimento do tratamento, através de programas de sensibilização sobre o tratamento, apoio comunitário, a rádio comunitária e a distribuição de preservativos porta a porta. Essas ações de sensibilização, coordenadas pela organização sul-africana Treatment Action Campaign (TAC), não se centram apenas no HIV/SIDA, mas também na violência de género, na interrupção da gravidez e na circuncisão voluntária. Tiveram enorme êxito. Referência: Relatório da Global Health Advocates sobre a missão de uma delegação de deputados europeus à África do Sul e sobre a visita no terreno no município de Khayelitsha. 4 Lehmann, U. (2007). ‘Community health workers: what do we know about them? The state of evidence on programmes, activities, costs and impact on health outcomes of using community health workers’, Policy brief, Organização Mundial da Saúde. 1 DR\929166PT.doc 5/7 PT O recurso a profissionais de saúde comunitários em programas sanitários a nível da comunidade demonstrou ter êxito e ser rentável, sobretudo nos meios com maior escassez de pessoal sanitário motivado e preparado. Foi igualmente demonstrado que os profissionais da saúde comunitários estabelecem uma forte ligação entre as suas comunidades e os serviços sanitários e sociais.1 Para dar um contributo eficaz aos sistemas de saúde, os profissionais da saúde comunitários devem ser cuidadosamente selecionados, receber formação adequada e, acima de tudo, receber um apoio e um reconhecimento adequado e permanente. O papel da UE e dos países ACP Solucionar a crise dos recursos humanos para a saúde deve ser um processo dirigido pelos países ACP com níveis adequados de investimento financeiro e assistência técnica dos doadores. Os países ACP deveriam: Cumprir o objetivo definido em Abuja, em 2001, de destinar 15% dos seus orçamentos nacionais à saúde, reconhecendo ao mesmo tempo que, em alguns casos em que se cumpriu este compromisso, não se conseguiu obter um impacto sustentável em matéria de morbilidade e mortalidade. São necessários debates posteriores para rever estes compromissos e combiná-los com investimentos per capita para conseguir um progresso sustentável;2 Criar planos de recursos humanos no setor da saúde, consultando as partes interessadas, incluindo os ministérios da saúde, as associações profissionais de médicos, as autoridades locais, as organizações da sociedade civil e as que operam a nível local, e focalizar-se na adequação entre as competências do pessoal e as necessidades locais em matéria de saúde, e incluir e dar prioridade a um planeamento dos recursos humanos no setor da saúde nos planos de saúde nacionais; Aumentar o financiamento dos recursos humanos na área da saúde investindo no recrutamento de profissionais da saúde, na educação e na formação; Proporcionar incentivos adequados e criar um ambiente de trabalho propício e seguro para a manutenção eficaz dos profissionais da saúde, em especial nas zonas rurais, e assegurar a repartição equitativa dos profissionais da saúde; Incluir a mudança de funções dos quadros superiores para os inferiores do pessoal da saúde como componente essencial de todos os planos de recursos humanos na área da saúde; Integrar os profissionais de saúde comunitários nos sistemas de saúde oficiais e aumentar o apoio financeiro e político aos PSC e às soluções comunitárias, facultando formação, supervisão, incentivos e apoio contínuo. Bhutta, Z. (2010), «Global Experience of Community Health Workers for Delivery of Health Related MDGs: a systematic review, country case studies and recommendations for integration into national health systems», Organização Mundial da Saúde. 2 Africa Public Health Information Service (2012), «Africa Health Financing Scorecard», acessível em: http://www.who.int/pmnch/media/news/2012/2012_health_financing_scorecard.pdf. 1 6/7 PT DR\929166PT.doc Os Estados-Membros da UE deveriam: Prestar apoio financeiro e técnico aos países ACP a fim de desenvolver planos nacionais centrados na adequação das competências dos profissionais da saúde às necessidades locais e no reforço dos PSC; Implementar e acompanhar as ações previstas na Comunicação da Comissão Europeia sobre «Estratégia de ação da UE relativa à escassez de recursos humanos no setor da saúde nos países em desenvolvimento» COM(2005) 642, em particular no que respeita ao apoio e financiamento dos planos nacionais de recursos humanos; Implementar e acompanhar as medidas do programa de ação «Programa europeu de ação para fazer face à escassez crítica de profissionais da saúde nos países em desenvolvimento (2007-2013)» COM(2006) 870, em especial a fim de desenvolver um plano de aplicação conjunto e um quadro destinado a monitorizar a ação nacional e coletiva da UE em matéria de recursos humanos; Incorporar as recomendações da «Thematic Evaluation of the European Commission support to the health sector» (Avaliação temática do apoio da Comissão Europeia ao setor da saúde) ref.ª 1308 e dar-lhes prioridade em todo o apoio orçamental geral e setorial; Implementar e acompanhar a implementação do Código de Prática Mundial da Organização Mundial de Saúde para o recrutamento internacional de pessoal de saúde. 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