Zero Hora/RS, 07 de junho de 2004 STF | Ministros Aposentados | Ministro Paulo Brossard Providência necessária ARTIGOS PAULO BROSSARD/ Jurista, ministro aposentado do STF Ninguém duvidará da importância da exportação na vida das nações e não há quem ignore seu papel no caso brasileiro. Mas se nas transações em geral a confiança entre vendedor e comprador é fundamental, nas internacionais o requisito é dobrado. Os bens exportados devem atender pontualmente sua natureza ou suas especificações. Não só por honestidade, que seria o bastante, mas também por interesse. Mesmo quandoaquelanãofosse estimada em si, este seria suficiente para impor sua observância. Enganado uma vez, o importador não voltaria a operar com o exportador desatento ou incorreto. A confiança estaria quebrada e sua restauração demandaria esforços tais e tanto tempo que, por maior que fosse a vantagem obtida nesta ou naquela operação, resultariam em insigne parvoíce comparada com o dano causado, seja pela displicência, seja pela esperteza. Insisto, por honestidade ou por interesse a regra é de ouro e não pode ser fraudada. Lembro o dito atribuído a Lincoln, "se o desonesto soubesse como é vantajoso ser honesto ele seria honesto por desonestidade". Estas observações triviais vêm-me à mente quando leio que duas ou três cargas de soja destinadas à China apresentariam resíduos químicos ou coisa semelhante, que teriam levado o importador a recusar a mercadoria embarcada. Não preciso significar os danos materiais e imateriais causados com a simples divulgação do suposto fato. Só o frete é uma fortuna. Além do frete de ida e de volta, haveria o inevitável stf.empauta.com aviltamento do preço do grão suspeito em venda que viesse a ser feita, o descrédito da soja brasileira e o incomensurável dano que disso resultaria. Obviamente, não possuo elementos idôneos para concluir que a soja brasileira seja sem mácula em matéria de resíduo químico e que o importador careceria de razões para rejeitá-la à luz do princípio da boa-fé. Da mesma forma, não possuo elementos seguros para concluir da maneira inversa, como se a soja embarcada estivesse maculada e o importador chinês tivesse todas as razões para repudiar a mercadoria negociada. Mas uma coisa é certa, conforme a verdade verdadeira que seja apurada, a conclusão é simples. Ou procede a alegação chinesa ou ela improcede. Em outras palavras, ou o exportador foi desavisado ou demasiado esperto ou o importador foi leviano ou supinamente malandro ao forjicar dificuldades a fim de auferir vantagem indevida. Do lamentável episódio resulta que o nosso país tem de adotar meios seguros para que possa certificar o fato quando do embarque da mercadoria de modo que seja extempestiva a dúvida levantada quando ela esteja em alto-mar ou no porto de destino e se possa concluir que a versão era calculadamente engendrada, sendo inafastável o dolo do importador, e se possa agir com segurança e em tempo próprio. O que não é tolerável é que a lavoura se expanda e a colheita se agigante para que, ao cabo, o país tenha de suportar o vexame de uma fraude real ou imaginária ou ser vítima de uma extorsão. pg.3