Publicado no Jornal Cidade Viva em Fevereiro de 2008 UMA QUESTÃO DE LIMITES “Estou tão triste. No outro dia apercebi-me, com mais clareza, de como os meus colegas no trabalho não me respeitam. Quando precisam de ajuda, estou lá. Se têm um problema e não querem falar, sei esperar, não os forço. Se estão aflitos, atrasados ou cansados nas suas tarefas, tento ser rápida para que os possa socorrer. Tento ser amiga de todos, sem excepção, respeitando porém os segredos de cada um. Desiludi-me primeiro e depois veio a raiva, quando cheguei no outro dia ao escritório, depois de estar tantos dias doente em casa, e nos quais não havia recebido tantos telefonemas quantos gostaria, e senti o desamparo injusto dos colegas que, chegada a hora da saída, me abandonaram às pilhas de processos para tratar. Porque se revelam invejosos, egoístas, insensíveis?! Nada lhes irei dizer. Espero que um dia se venham a aperceber do quanto erram para comigo.” A vida é repleta de contactos com os que nos rodeiam. Nas diferentes pessoas e contextos experimentamos diversas formas de estar, comunicar e partilhar. É inevitável a comparação entre o que se obtém, consegue ou sente nas diversas relações. Como justificar as diferenças? Peguemos no exemplo apresentado no início deste texto. Esta mulher sofre com os colegas de trabalho, os quais trata como uma quarta família, depois das que constituem os seus pais, marido e filhos e amigos. Parece procurar uma família em todos os contextos, com todas as pessoas invariavelmente, o que favorece o deslocamento e a desintegração. Enquanto nos desenvolvemos, devemos consolidar e integrar fases distintas, nas quais o comportamento se ajusta face àqueles que elegemos como os mais importantes para nós. Começamos com a família, de onde esperamos algo semelhante ao de esta mulher, que se traduz na protecção, disponibilidade, sensibilidade, entrega, cumplicidade, compreensão, afecto, empatia e até sintonia. Interiorizada a segurança e a confiança, e ultrapassadas quaisquer dúvidas de amor, poderíamos experimentar afastar-nos para privilegiar os amigos, com os quais tentaríamos comparar-nos e competir. Já nesta fase nos aperceberíamos de como estas pessoas nos tratariam como iguais, sem um lugar tão especial como aquele a que nos habituámos na família, e tal aprendizagem iria preparar-nos para enfrentar o mundo profissional e social com expectativas diferentes em termos relacionais. Torna-se fundamental a capacidade de hierarquização das relações. Poderemos privilegiar para sempre a família em detrimento dos amigos ou dos colegas, e agirmos de acordo com os valores nesta incutidos, mas não poderemos confundir desrespeito com desapego, porque este último é natural nas relações sociais. Aqui poderá prevalecer a opção de dar muito aos outros, mas tal terá que estar em consonância com a aceitação de um dar gratuito, diferente da reciprocidade que se pode exigir nas relações mais íntimas e familiares. Tão pouco os outros, na sua grande maioria, serão capazes de adivinhar suas as necessidades, para que o possam presentear com uma disponibilidade maior. Socialmente, espera-se que peça ajuda, se a precisa. Equipare-se e nivelese aos outros, fomentando um equilíbrio entre o dar e o receber, para evitar a construção de sentimentos de desilusão, revolta e injustiça. Separe o que é a regra, que todos tenham que cumprir, da falta de consideração que se alia a aspectos mais da sua afectividade. Diferencie o que gostaria que eles fossem, do que eles têm que ser para si, e tal baseia-se na igualdade aplicada à prática do que fazem em conjunto, não do que sintam ou signifiquem afectivamente uns para os outros. É tudo uma questão de limites. Paula Barbosa Psicóloga Clínica [email protected]