0 UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO – UPE AUTARQUIA DE ENSINO SUPERIOR DE ARCOVERDE – AESA CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE ARCOVERDE – CESA CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO “LATO SENSU” EM PROGRAMAÇÃO DO ENSINO DE HISTÓRIA O ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA: UMA QUESTÃO COMPLEXA DENISE BEZERRA VALÉRIO ARCOVERDE – PE 2008 1 DENISE BEZERRA VALÉRIO O ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA: UMA QUESTÃO COMPLEXA Monografia apresentada a professor e coordenação do Curso de Pós Graduação “Lato Sensu” Em Programação do Ensino de História do Centro de Ensino Superior de Arcoverde-CESA em convênio com a Universidade de Pernambuco - UPE, como cumprimento às exigências para obtenção do título de especialista. Orientadora: Profa Dra Sylvana Maria de Aguiar Brandão ARCOVERDE - PE 2008 2 DENISE BEZERRA VALÉRIO O ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA: UMA QUESTÃO COMPLEXA Aprovado em _____ de ________ de 2008 Prof. ___________________________ Prof. ___________________________ Prof. ___________________________ ARCOVERDE – PE 2008 3 “O sagrado e o profano constituem duas modalidades de ser humano.” (Mircea Eliade) 4 AGRADECIMENTOS A Deus, por sua infinita bondade. Um eterno agradecimento aos meus pais: Osvaldo Valério da Silva e Cleonice Bezerra Valério. A Gilberto Alves Tenório Jr. por fazer parte da minha vida. Aos alunos e ao corpo docente da AESA-CESA que muito contribuíram para a minha formação. Aos professores: Lúcia Viera, João Pacheco, Evandro Valério Lira e Eraldo Galindo, certamente inesquecíveis. A Ms Fernanda Griz pelo acompanhamento nesse trabalho. A orientadora Dr Sylvana Maria de Aguiar Brandão pelo grande incentivo e contribuição. 5 RESUMO Historicamente a religião esteve em todas as sociedades, configurando-se como um importante aspecto da existência humana e sendo objeto de estudo em diferentes períodos da história. Presente na vida de um grande número de pessoas, a religião permeia também o espaço escolar, subjetivamente e através do ensino religioso. Essa disciplina é o centro de uma problemática que acompanha a educação brasileira desde o início da era republicana quando se estabeleceu a separação entre estado e igreja. O presente trabalho trata do tema: O ensino religioso na escola, seu objetivo é apresentar a trajetória do ensino religioso na educação e na legislação brasileira, destacando as idéias dos defensores e críticos dessa disciplina bem como as características do seu atual modelo, definido na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, visto que o ensino religioso tem por base a religião mostrou-se de início definições para esse conceito e alguns trabalhos sobre o tema, produzidos em diferentes períodos da história. Como pré-requisito do curso de Pós-Graduação “Lato-Sensu” realizado pela AESA-CESA/UPE, a pesquisa iniciou-se com uma pertinente análise bibliográfica, optou-se por realizar um trabalho de cunho teórico que contou também com uma pesquisa de campo realizada numa escola pública de Pernambuco, onde se constatou um modelo de ensino religioso não condizente com a legislação e diretrizes vigentes no estado. PALAVRAS CHAVES: Religião - Ensino religioso -Escola 6 ABSTRACT Historically religion was in all societies, setting itself as an important aspect of human existence and being the object of study in different periods of history. Present in the life of a large number of people, religion permeates the school also, subjectively and through religious education. This discipline is the center of a problem that accompanies the Brazilian education since the early republican era when it established the separation between church and state. This work addresses the theme: The religious education in school, your purpose is to present the trajectory of religious education in Brazilian education and legislation, highlighting the ideas of defenders and critics of this discipline as well as the characteristics of their current model, defined in the Act and Guidelines for Basic Education (LDB) 1996, as the religious education is based on religion has shown itself to initiate this concept and definitions for some work on the subject, produced in different periods of history. As a pre-requisite of the course of Post-Graduate "Lato-Sensu" conducted by AESA-CESA/UPE, the search began with a relevant literature review, and it was decided to hold a stamp of theoretical work that was also with a search the field at a public school of Pernambuco, where it has been a model of religious education not consistent with existing legislation and guidelines in the state. KEY WORDS: Religion - religious-School - Education 7 SUMÁRIO INTRODUCÃO..........................................................................................................................8 CAPÍTULO I: RELIGIÃO....................................................................................................11 1.1 Pensando esse conceito.......................................................................................................11 1.2 A religião como objeto de estudo.......................................................................................13 1.2.1 Trabalhos produzidos na Antiguidade.............................................................................13 1.2.2 Estudos religiosos no período medieval..........................................................................14 1.2.3 A religião e a modernidade..............................................................................................15 1.2.4 A religião como área do conhecimento...........................................................................15 1.3 Estudos sobre religião no Brasil.........................................................................................18 CAPÍTULO II: RELIGIÃO COMO DISCIPLINA ESCOLAR....................................... 20 2.1 Início do ensino religioso no Brasil....................................................................................20 2.2 O Ensino religioso e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação...........................................22 2.3 A atual prática do ensino religioso......................................................................................26 2.3.1 O Ensino Religioso em Pernambuco...............................................................................27 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................31 REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 33 APÊNDICE..............................................................................................................................36 8 INTRODUÇÃO A religiosidade é um fenômeno inerente a todo ser humano e está presente em todas as culturas, manifestando-se na vida do homem ao longo de sua história. O termo religião tem sido conceituado de forma diferenciada dependendo de condicionamentos históricos, culturais e filosóficos. Sendo assim, ele é motivo de interpretações, podendo de acordo Durkheim (2003) ser visto como um aspecto essencial e permanente da existência humana ou como uma ilusão coletiva, criada pelo o homem no intuito de dominar o seu sentimento de impotência em relação ao mundo (FREUD apud PALMER, 2001). Sendo assim, o primeiro capítulo deste trabalho procura definir religião, mostra que esse tema tem sido objeto de estudo em diferentes períodos da história e que há uma vasta bibliografia de historiadores sociólogos e antropólogos que se debruçaram sobre essa temática. Suas definições variam muito, numa mesma disciplina, no entanto são de grande relevância para a compreensão dos fenômenos religiosos e da relação existente entre religião, cultura e sociedade. Do ponto de vista metodológico, este trabalho priorizou a pesquisa bibliográfica. A análise conceitual do termo religião foi apresentada a partir da visão de diferentes autores, dentre eles: Émile Durkheim, Mircea Eliade, Levi Strauss e Jacqueline Hermann. Como embasamento teórico para a compreensão da religião e sua história, apresentou-se o pensamento de Mircea Eliade, incluso na obra O Sagrado e o Profano, aessência das religiões. Através dessa análise destaca-se autores que na antiguidade produziram importantes obras acerca da religião. Também são mencionados alguns trabalhos realizados no período medieval como o famoso o livro das maravilhas do navegante e escritor italiano Marco Pólo. Demonstra-se o interesse pelo estudo das religiões no século XVIII, citando o importante trabalho de David Hume; A História Natural da Religião e os conceitos formulados pelos filósofos iluministas, que apontam o processo de transformação da história das religiões numa ciência autônoma. Acerca desse processo apresenta-se uma leitura do pensamento de Jacqueline Hermann indicando também as diferentes abordagens teóricometodológicas realizadas por consagrados autores dos séculos XIX e XX, tanto na Europa quanto aqui no Brasil. Certamente essa questão da religião e da religiosidade é um tema que está presente no cotidiano de um grande número de pessoas e ele também permeia o ambiente escolar 9 (VALLA, 2001). No Brasil o ensino religioso é legalmente aceito como disciplina escolar, a trajetória dessa disciplina iniciou-se com a colonização portuguesa e tem sido marcada por grande complexidade e teor polêmico pois ela oculta uma dialética entre secularização e laicidade no interior de diferentes contextos históricos e culturais (CURY, 2004). O ensino religioso é problemático, visto que envolve o necessário distanciamento do Estado laico ante o particularismo próprio dos credos religiosos. Cada vez que esse problema compareceu a cena dos projetos educacionais sempre veio carregado de uma discussão intensa em torno de sua presença e factibilidade em um país laico e multicultural (op cit, p. 184). Com o objetivo de relatar historicamente o desenvolvimento do ensino religioso no Brasil e destacar os atores sociais envolvidos nessa questão o segundo capítulo deste trabalho traz algumas considerações acerca da origem desta disciplina. Para tanto utiliza -se como referencial teórico os trabalhos: Religião em sala de aula: o ensino religioso nas escolas públicas de César Ranquetat Júnior; Ensino religioso na escola pública: o retorno de uma polêmica recorrente, do autor Carlos Roberto Jamil Cury, O Ensino Religioso no Brasil tendências, conquistas e perspectivas da autora Anísia de Paulo Figueiredo entre outros que estão relacionados a bibliografia. Com base nos autores Sergio Junqueira e Viviane Cândido descreve-se a problemática relação do ensino religioso com a legislação brasileira e as diferentes situações dessa disciplina diante da Lei de diretrizes e Bases da Educação (LDB) destaca-se as concepções e interesses de seus defensores – em especial a Igreja Católica e o Fórum Nacional Permanente para o Ensino Religioso (FONAPER) bem como os argumentos dos grupos contrários ao ensino religioso, defensores de uma escola laica. Fundamentado em Sandra Carneiro, Lara Ferraz e do já mencionado César Ranquetat este trabalho apresenta o novo modelo de ensino religioso estabelecido na Constituição Federal de 1988 e na Lei 9475/97 (LDB) e traz alguns questionamentos a respeito de sua prática no atual contexto educacional brasileiro. Analisou-se também o modelo de ensino religioso existente em Pernambuco e definido pelo Conselho Estadual de Educação (CEE) através da resolução n° 5 de maio de 2006, a qual enfatiza que o diálogo inter-religioso e os aspectos comuns das religiões devem nortear as aulas de ensino religioso e que estas possuem caráter pluralista e não confessional. Objetivando analisar como está sendo vivenciado pedagogicamente ensino religioso e verificar a percepção dos educadores, alunos e pais em relação à permanência dessa disciplina no currículo da escola decidiu-se realizar uma pesquisa de campo numa escola pública 10 localizada no interior do pernambucano. A referida instituição de ensino atende a 866 alunos distribuídos em turmas de Ensino Fundamental II e Educação de Jovens e Adultos e possui um total de 34 funcionários, destes, 14 formam o corpo docente. Através de conversa informal com o diretor da escola e alguns professores foram obtidos importantes depoimentos orais. Para a obtenção de dados mais precisos, relativos à prática pedagógica dos professores de ensino religioso, utilizou-se formulários contendo questões abertas e fechadas. Outros modelos de formulários foram aplicados: um ao diretor da escola, outro aos alunos e um terceiro aos pais (ver apêndice). 41 pessoas participaram da pesquisa, vale destacar que a mesma não teve caráter quantitativo, mas certamente qualitativo devido as informações recolhidas. Estas serão mensuradas e discutidas ao término desse trabalho, que possui significativa importância por abordar um tema polêmico até então inédito nessa instituição. O ensino religioso na escola é uma problemática que faz parte de um debate nacional, mas que não foi suficientemente abordada. Sendo assim o presente trabalho propõe trazer elementos teóricos que auxiliem na reflexão e compreensão das implicações dessa disciplina no cenário escolar. . 11 CAPÍTULO I RELIGIÃO 1.1 Pensando esse conceito Etimologicamente, o termo religião vem do verbo latino religare (re-ligare). Segundo Cury (2004), religar tanto pode ser um novo liame entre um sujeito e um objeto, um sujeito e outro sujeito, como também entre um objeto e outro objeto. De acordo com esse autor o religar supõe um momento originário sem a dualidade sujeito/objeto ou um elo primário (ligar) que, uma vez desfeito admite outra ligação. Para Durkheim (2003) a religião é um aspecto essencial e permanente da existência humana ele afirma que para aquele que ver na religião uma manifestação natural da existência humana, todas as religiões são instrutivas, sem exceção, pois todas exprimem o homem a sua maneira e podem assim ajudar a compreender melhor esse aspecto de nossa natureza. Ainda de acordo com esse teórico a religião seria uma espécie de especulação sobre tudo o que escapa à ciência, e de maneira mais geral ao pensamento claro. Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é separada, proibidas, crenças e práticas que reúnem numa mesma comunidade moral chamada igreja todos aqueles que a elas aderem (...) A religião deve ser uma coisa eminentemente coletiva (op cit, p.32). Max Muller apud Durkheim (2003) diz que toda religião é um esforço para conceber o inconcebível, para exprimir o inexprimível, portanto uma aspiração ao infinito. Deixando de lado o aspecto transcendente da religião Max Weber apud Hermann (1997) afirma que ela é uma forma entre outras dos homens se organizarem socialmente. Nesse sentido Gramsci, também apud Hermann (1999) considera que por ser a religião um tipo determinado de visão de mundo que se situa entre a filosofia (religiosidade dos intelectuais) e o folclore (religiosidade popular) ela está ligada as estratégias de poder que organizam as sociedades. Já o pesquisador Lévi-Strauss, baseando-se no pensamento do bom selvagem diz que a religião pode ser definida como uma humanização das leis naturais, ou seja, um antropomorfismo da natureza (HERMANN,1999). No entendimento de Freud apud Palmer (2001) a religião tem importância porque serve de controle para os instintos associais, no entanto ele vê a religião como uma ilusão 12 coletiva, criada pelo homem no intuito de dominar o seu sentimento de impotência em relação ao mundo. Para Eliade (2001), a religião é um sistema infinitamente complexo, que pode ser apontado como uma referência primordial. Conforme o autor a religião é o sistema de mundo das sociedades tradicionais, mas ele ressalta que a religião é autônoma em relação a sociedade.Com base nessas definições percebe – se, que o conceito de religião não é limitado e isso ocorre devido a sua dimensão social: Religião e sociedade são realidades que se interpenetram (...) a religião concorre de algum modo para a formação na medida em que favorece a convivência dos cidadãos (...) apresenta-se como um empreendimento humano que está a sempre se configurando culturalmente (WOLLF, 2004, p.219). De acordo com esse autor existe uma estreita ligação entre cultura e religião, ele afirma que religião e cultura relacionam-se intimamente, no sentido de que os princípios socioculturais interagem com os religiosos na orientação da existência humana (op.cit). A religião seria um sistema cultural, de acordo com o antropólogo alemão Paul Hiebert, apud Silva (2007), ele conceitua religião como um sistema explicatório que trata das últimas questões da vida e da morte, das razões da própria existência. Nessa mesma linha também se pode citar o conhecido antropólogo americano Felix Keesing, apud Silva (2007) que também entende a religião como um sistema cultural e a define como um sistema explanatório interpretativo, (...) explanatório à medida que responde sistematicamente aos porquês totais, relacionados diretamente com a existência – natureza do mundo e do homem; poder – forças dinâmicas do universo; providência – funções de manutenção do bem-estar; moralidade – vida e morte dos indivíduos. E interpretativo porque tende a interpretar todo o comportamento importante e valorizado, ligando-se aos diferentes setores da vida humana, como economia, política, família, lazer, estética e segurança. (op cit). Portanto pode se afirmar que as religiões estão presentes na vida do ser humano ao longo de sua história e que todas elas são parte importante da memória cultural e do desenvolvimento histórico de toda sociedade (CAMILO, 2004). 13 1. 2 A religião como objeto de estudo 1. 2.1 Trabalhos produzidos na Antiguidade As religiões e a religiosidade popular tem sido objeto de análise de antropólogos, historiadores e sociólogos. Ao contrário do que se costuma pensar o interesse pela história das religiões remonta a um passado distante. Na Grécia Antiga, sobretudo a partir do século V, houve uma grande preocupação em descrever os cultos religiosos, tanto dos gregos como dos estrangeiros. Segundo Eliade (2001), foi Heródoto (484-425 a.C.) que em seus trabalhos fez as primeiras descrições importantes da religião grega e da religião de outros povos, como os egípcios e os persas. Conforme esse autor os pensadores pré – socráticos questionaram sobre a natureza dos deuses e o valor dos mitos, (...) eles conseguiram fundar a crítica racionalista da religião.Parmênides (nascido por volta de 520) e Empédocles (495-435) concluíram que os deuses eram personificações da natureza, Demócrito (c.460-370) interessou – se principalmente pelas religiões estrangeiras, atribui-se a ele o livro Sobre as inscrições sagradas da Babilônia, as Narrativas caldeias e as Narrativas frigias (op cit, p.3). Ainda na Antiguidade outros escritores dedicaram-se a estudar a religião de seu tempo, como Platão (429-347) que escreveu sobre a religião dos povos estrangeiros, Aristóteles que foi o primeiro a formular a teoria da degenerescência religiosa da humanidade, Teofrasto (372-287) que sucedeu Aristóteles em seus trabalhos e compôs uma história das religiões em seis livros e por isso pode ser considerado o primeiro historiador grego das religiões. Durante as conquistas de Alexandre, o Grande (356-323) os gregos conheceram e descreveram as tradições religiosas dos povos orientais, um desses escritores Hecateu de Abdera (365-270) dedicou-se a religião egípcia e através de seu trabalho o mundo alexandrino conheceu um grande número de costumes religiosos. Outros trabalhos importantes foram realizados por Epicuro (341- 270) e pelos estóicos que se dedicaram principalmente ao estudo dos mitos gregos. Entre os romanos também se destacaram escritores importantes que assim como os gregos analisaram os aspectos religiosos da sociedade em que viviam. Cícero (106-43) fez descrições dos ritos e crenças religiosas de sua época, por isso seus trabalhos ganharam valor histórico, além dele, Plutarco (45-50-c), Sêneca (2-66) e Tácito (55-120) forneceram informações importantes para um historiador das religiões. 14 Distingui-se também, no grupo africano Minúcius Félix, Tertuliano, Lactâncio, Firminus Maternuse e no grupo alexandrino os grandes eruditos Clemente de Alexandria e Orígene. Eusébio de Cesareia na sua Crônica, Santo Agostinho na Cidade de Deus e Paulo Orósio nas suas Historias trouxeram as últimas refutações do paganismo (...) nos seus escritos conservou-se um número considerável de informações histórico religiosas sobre os mitos, ritos e costumes de quase todos os povos do Império Romano. (ELIADE, 2001, p.7) 1. 2. 2 Estudos religiosos no período medieval Durante a Idade Média, foram realizados vários estudos sobre as mais diversas crenças religiosas. O Islã se destacou produzindo importantes obras acerca das religiões não cristãs. Segundo Eliade (2001), Al-Bîrunî (973-1048) fez descrições notáveis a respeito das religiões indianas, o autor destaca também Ibn Hazn (994-1064) que compilou o livro das soluções decisivas relativas às religiões, que abordava a religião dos brâmanes, judeus, cristãos e das numerosas seitas islâmicas. Averroes (1126-1198) tentou através de seus tratados filosóficos harmonizar filosofia e religião, utilizando-se do pensamento de Aristóteles ele exerceu profunda influência sobre judeus cristãos e islâmicos, o esforço para integrar o pensamento grego à tradição religiosa islâmica esteve no centro da obra de Averroes (SIMON E BENOIT, 1987). Os judeus também desenvolveram estudos com a temática religiosa, entre eles os autores Saadia Gaon (1135-1204) e Maimônides (1135-1204). No livro Das crenças e das opiniões Saadia fez uma exposição das religiões dos brâmanes, cristãos e mulçumanos, integrando-as a uma filosofia religiosa, enquanto Maimônides fez um estudo comparativo das religiões, sempre rejeitando o sincretismo(ELIADE, 2001). Entre os cristãos da idade média houve a preocupação de se entender os costumes dos mongóis que viviam na Ásia Menor, por isso alguns monges eram enviados a essa região para fazerem registros da cultura desse povo e principalmente das suas crenças religiosas. Em 1224 Inocêncio IV enviou dois dominicanos e dois franciscanos, um dos quais Jean du Plan de Carpin, ao regressar de Karakorum, na Ásia Central, escreveu o História Mongalorum (op cit, p. 8). Em 1227, após viajar por várias regiões da Ásia Marco Pólo escreveu o Livro das Maravilhas, onde narrou a vida de vários povos, registrando a presença de bruxos e de seres demoníacos no imaginário da população. Ele fez relatos importantes a respeito da vida de Buda e sobre as características do Budismo (POLO, 1996). Segundo Eliade (2001) todos esses livros tiveram um sucesso imenso e utilizando toda essa documentação, Vicent de 15 Beauvais, Roger Bacon e Raymndo Lúlio puderam registrar em seus escritos as crenças dos tártaros, dos sarracenos e dos judeus. 1. 2. 3 A religião e a modernidade A partir do século XV, as idéias renascentistas fizeram com que escritores como Marsílio Ficino (1433-1449) fossem influenciados pelo pensamento dos antigos gregos ele chegou a compor uma Teologia platônica e em 1520 aparece a primeira história geral das religiões, em que se encontravam as crenças escritas da África e da Ásia (ELIADE, 2001). As descobertas geográficas do período possibilitaram maior conhecimento sobre o homem religioso, os primeiros exploradores fizeram narrativas que se transformaram em coletâneas de viagens, os missionários que estiveram na América e na China publicaram cartas e relatos que apontavam as características das religiões existentes nesses lugares, J. Fr. Lafitau, tentou comparar as religiões do Novo Mundo com as religiões da Antiguidade (op cit, p. 9). Em 1775, David Hume, publicou um livro intitulado A História Natural da Religião, nesse livro ele apresentou sua teoria a respeito das origens das religiões e analisou os fatores sociais e psicológicos que levam as pessoas a assumir uma postura religiosa, na sua concepção antropológica a experiência do terror é a origem da religião (HUME, 2005). Os filósofos e enciclopedistas franceses J. – J. Rousseau, Voltaire, Diterot, d’ Alembert (...) e os alemães F. A. Wolf e Lessing, retomam com vigor a discussão do problema da religião natural, mas foram os eruditos que fizeram uma contribuição positiva para a interpretação das religiões exóticas, pagãs ou primitivas (...) Muitos autores do período levantaram hipóteses importantes, provocando reações com suas obras: Fontenelle, no seu Discours sur I’ origine des fables da provas de um espírito histórico penetrante e antecipa reorias do século XIX François Dupuis publica em 1794 L’ Origine de tous les cultes (ELIADE, 2001, p. 10). 1. 2. 4. A religião como área do conhecimento Como se constatou anteriormente a história das religiões despertou o interesse do homem desde a antiguidade, porém foi somente no século XIX que surgiu uma ciência das religiões como disciplina autônoma (HERMANN, 1997). A expressão ciência das religiões passou a ser amplamente adotada após Max Müller utilizá-la no prefácio de um de seus livros. Não há 16 um consenso sobre os objetivos dessa ciência. Segundo Elíade (2001) seus autores seguem orientações metodológicas divergentes, porém complementares, ele entende que a ciência das religiões tem por objeto a análise dos elementos comuns das diversas religiões, além de decifrar-lhe as leis de evolução, essa ciência deve precisar a origem e forma primeira da religião. Conforme o autor já citado, a primeira cátedra universitária de história das religiões foi criada em Genebra no ano de 1873, três anos depois quatro foram fundadas na Holanda. A partir de 1879 foram criadas cátedras na França: em Paris, Sorbone e Bruxelas. Em 1910, a Alemanha fundou a primeira cátedra em Berlim, depois em Leipzig e Bonn, os outros países europeus também acompanharam esse movimento. Confirmando o interesse pela História das religiões foram lançadas na França revistas especializadas nessa disciplina: em 1880, foi fundada em Paris a Révue de Histoire des Religions, em 1905 foi publicada a revista Anthropos que se consagrou as religiões primitivas. Ainda no século XIX foram organizados congressos, o primeiro congresso internacional de Ciência das Religiões aconteceu em Estocolmo, em 1897 e em 1900 foi realizado em Paris o Congresso de História das Religiões, (...) se constitui uma vasta bibliografia que apontou nomes de grandes autores (...) a história das religiões atingiu seu verdadeiro impulso com os trabalhos de Max Müller (1823-1900), em Esssay on Comparative Mythology, Müller expõe sua teoria na qual explica a criação dos mitos pelos fenômenos naturais, seu trabalho alcançou sucesso considerável. Edward Burnett Tylor (1832-1917) analisou a cultura e a religiosidade primitivas em seu livro Primitive e Culture, de 1871, ele desenvolveu a tese do animismo, segundo a qual, para o homem primitivo, tudo é dotado de alma, o que explicaria o culto aos mortos aos antepassados e ao nascimento dos deuses. (ELIADE, 2001, p.11). De acordo com Hermann (1997) no final do século XIX , quando a sociologia começou a se estruturar, os vários elementos que constituem a sociedade passaram a ser privilegiados, a religião passou a ter estudos objetivos e sistemáticos como o de Émile Durkheim (1858-1917) que no livro As formas Elementares da Vida Religiosa, buscou a origem do sentimento religioso do homem estudando algumas tribos australianas, conforme Hermann (1997), Durkheim atravésde seu trabalho apresentou um primeiro esboço teórico metodológico para a análise de sistemas religiosos. Max Weber, autor de uma extensa obra literária também aborda a temática religiosa no livro A Ética Prostestante e o Espírito Capitalista, Weber faz uma análise entre o Protestantismo e o Capitalismo, ou seja, ele aponta a relação entre essa religião e a economia dos países europeus desenvolvidos economicamente (WEBER, 2004). 17 Referência constante nesse trabalho, Mircea Eliade (1907-1986), centrou suas atenções em torno do fenômeno religioso, no livro O sagrado e o profano, a essência das religiões ele analisou a essência da vida religiosa do homem, O sagrado e o profano, a essência das religiões espalha bem a opção dos que entenderam ser mais importante a análise das estruturas do fenômeno religioso para a compreensão da essência da religião do que decifrar a sua história (...) Eliade procurava desvendar o sentido da experiência religiosa, estando atento fundamentalmente, às suas estruturas originais (HERMANN, 1997, p.136) Como se percebe, nesse campo temático, foram realizadas diferentes abordagens e com enfoques diferenciados. Alguns trabalhos tiveram como objetivo contar a história das grandes religiões, por exemplo, Marcel Simon e André Benoit relataram o surgimento e evolução do judaísmo e do Cristianismo, esses autores destacaram a influência de outras religiões sobre judeus e cristãos. Conforme Simon e Benoit (1987) esses povos experimentaram contatos permanentes e diretos com os egípcios, persas, gregos e romanos, não conseguindo impedir essas influências. Alguns autores se propuseram a escrever a história da Igreja, também chamada de história eclesiástica, a título de exemplo temos as seguintes obras: História da Igreja em Portugal, de Fortunato de Almeida e A Contra - Reforma de John Bossy. Esse tipo de abordagem se concentra nos personagens, nos dogmas, na hierarquia e nas teologias oficiais, deixando de lado movimentos de idéias e a descrição das práticas populares. Esses aspectos só passaram a ser contemplados a partir dos anos vinte, com a Escola dos Annales, quando a religião passou a ser encarada numa perspectiva interdisciplinar, exemplo dessa nova abordagem é o livro Os reis taumaturgos que aproximou história, antropologia e sociologia para abordar os ritos de cura (...) dos reis da França e da Inglaterra . Com os historiadores da Nova História Marc Bloch e Lucien Febre, surge a preocupação com as crenças coletivas e com a noção de mentalidade que passa a ter uma estreita relação com a religião. Nesse sentido Dominique Julia apud Albuquerque (2007), diz que a religião é explicável pela organização social e por isso é uma representação que não possui o privilégio da verdade, outro exemplo da ótica da Nova História sobre o fenômeno religioso é Jorge Delumeau que trata de aspectos da religiosidade católica em A confissão e o perdão (...) outros exemplos poderiam ser multiplicados,com as obras de Lê Goff, George Duby, Keith Thomas, Michel Vovelle, entre outros. (op cit, p. 2007). 18 1.3 Estudos sobre religião no Brasil Certamente o interesse pelas religiões no Brasil ocorreu desde chegada dos portugueses, quando eles, ao chegarem aqui, se depararam com uma cultura e religião tão diferente das que conheciam (Marques, 2007), (...) nós temos entre os cronistas, entre os primeiros jesuítas uma série de elementos que são de Ciência da Religião (...) do ponto de vista etnográfico, antropológico e de comportamento, há amplas descrições começam com o Padre Anchieta. Temos também cartas de brasileiros e de jesuítas que estavam no Brasil um verdadeiro tesouro arqueológico pouco explorado. (VALLE apud MARQUES, 2007). A partir do século XVIII começaram a ser realizados estudos mais sistemáticos sobre as religiões existentes aqui, porém somente no século XIX esses estudos ganharam dimensões científicas recebendo influência do Positivismo e do Darwinismo. Segundo Hermann (1997) os escritores Euclides da Cunha, Nina Rodrigues e Silvio Romero são nomes que se destacaram nesse período, a autora destaca também os autores Riolando Azzi e Eduardo Hoonaert que produziram importantes histórias da Igreja no Brasil. O escritor Gilberto Freyre também se debruça sobre a temática religiosa, no clássico Casa Grande e senzala ele faz uma análise da religiosidade do Brasil colonial, privilegiando os aspectos e simbologias da religião católica, por isso, para muitos estudiosos o seu trabalho não reflete a diversidade religiosa existente naquele período. Ao contrário, o trabalho de Roger Bastide pode ser considerado a maior contribuição teórica para a compreensão de nossa realidade cultural e religiosa múltipla (HERMANN, 1997, p. 347) esse autor escreveu sobre as religiões afro-brasileiras, entre suas obras mais importantes podemos destacar: O Candomblé da Bahia e As Américas negras: as civilizações africanas no novo mundo. Na década de 1960, alguns escritores brasileiros produziram trabalhos sobre os movimentos messiânicos, Rui Facó ao escrever Cangaceiros e fanáticos, procurou explicar esses movimentos, segundo Facó apud Hermann (1997) os movimentos brasileiros messiânicos estruturaram-se contra o latifúndio, tendo proposta revolucionária e a religião como forma de expressão. Seguindo essa perspectiva Maurício Vinhas de Queiroz publicou um importante trabalho, o mesmo fez Maria Isaura Pereira de Queiroz e Ralph Della Cava. Influenciada pela História das Mentalidades, Laura de Mello e Souza, realizou aqui no Brasil o primeiro trabalho com enfoque na religiosidade popular, Na produção historiográfica brasileira a autora se destaca com a obra O diabo e a Terra de Santa Cruz, responsável por uma pioneira e notável incursão de nossa historiografia no campo das mentalidades (...) tendo por 19 objeto específico à feitiçaria e as práticas mágicas no Brasil dos séculos XVII e XVIII (VAINFAS, 1988, p. 1). Ronaldo Vainfas op cit, se tornou destaque no campo da história cultural, no livro A heresia dos índios, o autor que por muito tempo estudou a história do Brasil colonial fez um estudo da religiosidade dos índios que viviam na Bahia durante esse período. Recentemente muitos e diversos temas relacionados á religião e religiosidade popular tem instigado escritores brasileiros a produzirem importantes obras; a coletânia A História das Religiões no Brasil, que está em sua quarta edição, destaca-se por apresentar inovações teórico metodológicas e por representar uma evolução no percurso do CEHILA (Centro de Estudos Históricos da Igreja na América Latina). Após ser presidido por Sylvana Brandão dirigente da referida coletânia, o CEHILA incorporou em seus estudos as religiões afro-brasileiras, indígenas e espíritas. 20 CAPITULO II RELIGIÃO COMO DISCIPLINA ESCOLAR 2.1 Início do ensino religioso no Brasil Durante o período colonial, o governo português preocupou-se em expandir a fé cristã nas colônias conquistadas, com essa finalidade desenvolveu o processo de evangelização e catequização das populações indígenas e dos africanos, o que de acordo com Ranquetat (2007) foi de certa maneira uma espécie de ensino religioso, de educação e de formação religiosa nos moldes da doutrina católica. Nesse período surge as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707), esse foi o primeiro documento oficial que tratou da educação religiosa aqui no Brasil e previa a obrigação dos senhores proprietários cuidarem da educação religiosa de seus escravos. Cabia aos párocos ensinar a doutrina cristã aos escravos e aos meninos, porém vale destacar que não se falava ainda do ensino religioso como uma disciplina, se tratava de uma formação religiosa (OLIVEIRA apud RANQUETAT, 2007). Os meninos aprendiam a ler e escrever através de livros religiosos (...) simultaneamente com a alfabetização ocorria a doutrinação das crianças de acordo com os princípios da religião católica, a preocupação das autoridades da época era conciliar o ensino das letras, da matemática com o ensino da religião. Tal tarefa era facilitada pelo regime de padroado (...) A Igreja Católica estava subordinada ao Estado, funcionava como um departamento deste. A esfera da educação era comandada pela Igreja Católica (...) os padres eram os professores e os catequizadores (op cit, p. 164). No século XIX, o Brasil assume a condição de Império e o estado brasileiro passa a ter o Catolicismo como religião oficial, a união entre Estado e Igreja é firmada na Constituição de 1824, nesse contexto o ensino religioso na educação brasileira se afirma através da lei de 15 de outubro de 1827 que estabelecia em seu artigo 6° que os professores deveriam ensinar a ler e escrever, as operações aritméticas, as noções de geometria, a gramática e os princípios de moral cristã e da fé católica (CURY, 1993). Mas no final do Império, muitas mudanças ocorreram, os alunos não católicos foram excluídos da obrigatoriedade de assistir as aulas de ensino religioso de orientação católica e o ensino religioso passa a ser substituído pela disciplina de educação moral e cívica, que visava transmitir e incutir nas novas gerações, os valores republicanos e seculares (op cit). Essa disciplina ganhou força após a proclamação da república em 1889, pois nesse momento se 21 estabelece a secularização do estado brasileiro. Mais tarde A Constituição de 1891 consagra a separação entre Igreja e Estado, assim o ensino religioso deixou de existir nas escolas brasileiras, fato gerou inúmeras críticas: Os bispos brasileiros e a intelectualidade católica de orientação conservadora reagiram à secularização promovida pela constituição republicana. Pretendiam uma distinção entre o poder espiritual e o poder temporal, mas discordavam com a total separação entre Igreja e Estado. Para estes, caberia ao poder espiritual tudo aquilo que se relaciona com as questões espirituais, sobrenaturais. Já o poder temporal deveria se preocupar com as questões naturais e de ordem política e social. Ambos os poderes tinham suas responsabilidades e competências específicas, mas deveriam viver em clima de harmonia e aliança (MOOG, apud RANQUETAT, 2007, p. 165). Para os intelectuais católicos a ausência do ensino religioso nas escolas públicas representava um preconceito laicista contra a religião católica, enquanto os liberais, maçons, positivistas, socialistas, e alguns grupos protestantes afirmavam que a existência do ensino religioso significava a presença do elemento eclesial na escola servindo aos interesses da Igreja Católica e indo de encontro à separação do poder temporal e do poder espiritual. Esse embate segue até 1928, quando o então governo de Minas gerais baixou um decreto que autorizando o ensino religioso nas escolas de seu estado. Segundo Cunha apud Ranquetat (2007) em 1929, a assembléia legislativa de Minas Gerais aprovou uma lei que determinava o ensino religioso nas escolas públicas do estado, prevendo freqüência facultativa as aulas sem fazer alusão nenhuma religião em particular. Em abril de 1931, por meio do decreto federal n° 19. 941 tornou-se facultativa a oferta do ensino religioso nos estabelecimentos de ensino, cabia aos pais ou responsáveis optarem ou não pela dispensa dos alunos, a organização dos conteúdos e a escolha dos livros ficavam sob a responsabilidade dos ministros dos respectivos cultos e os professores eram escolhidos pelas autoridades do culto a que se referia o ensino religioso que nesse caso era confessional (CURY, 1993). Mesmo com as críticas e protestos dos laicistas aliados a representantes das igrejas protestantes, a Constituição Federal de 1934 assegurou o ensino religioso nas escolas públicas. O artigo 153 da referida lei estabelecia que a freqüência às aulas de ensino religioso era facultativa e que as mesmas seriam ministradas de acordo com a confissão do aluno, assim o ensino religioso tornou-se matéria dos horários normais das aulas, tendo caráter visivelmente catequético: O ensino religioso nas escolas públicas nas décadas de 30 e 40 do século passado teve grande importância estratégica, servindo aos interesses do 22 Estado e da Igreja (...) ao mesmo tempo em que servia de instrumento para a formação moral da juventude, tornava-se também um mecanismo de cooptação da Igreja Católica e uma arma poderosa na luta contra o liberalismo e o comunismo e no processo de inculcação dos valores que constituíam a base de justificação ideológica do pensamento político autoritário (HORTA, 1993, p. 77). Ranquetat (2007) destaca que a presença do ensino religioso, nas Constitições federais, leis e decretos nacionais se devia em grande parte ao poder das lideranças católicas que se aliaram ao estado brasileiro. No entanto com o fim do Estado Novo, as relações entre Igreja e Estado se enfraquecem, pois o regime de 1946 restabelecia a tradição republicana de afastamento entre Estado e Igreja. De acordo com o autor (op cit) esta crise erodiu o monopólio religioso do catolicismo brasileiro, mesmo assim o ensino religioso ficou garantido na Constituição Federal de 1946, devido a mobilização de grupos religiosos vinculados a Igreja Católica. 2. 2 O Ensino Religioso e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei que regulamenta o sistema educacional foi publicada em 1961. Durante a sua elaboração, houve um intenso debate entre dois grupos, um liderado pela Igreja Católica, que contava com a participação da AEC (Associação de Educação Católica), da CRB (Conferência dos Religiosos do Brasil) e da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), este grupo defendia o ensino religioso nas escolas públicas. A favor do ensino laico e, portanto contrário ao ensino religioso nas escolas públicas estava o grupo liderado pela ABE (Associação Brasileira de Educação). Após intensos debates entre os integrantes desses grupos a igreja católica se sobressaiu: a Igreja Católica consegue incluir o ensino religioso na LDB de 1961, que previa no artigo 97: “O ensino religioso constitui disciplina dos horários normais das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado sem ônus para os cofres públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável.” O § 1º do referido artigo estabelece que: “A formação de classe para o ensino religioso independe de número mínimo de alunos.” Diz o § 2º “O registro dos professores de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa respectiva’’ (FIGUEIREDO, 1996, p. 62). 23 O fato de isentar o estado da remuneração dos professores, motivou vários protestos que liderados pela Igreja, obtiveram êxito, pois quando em 1971 surgiu à nova LDB lei 5.692, a expressão “sem ônus para os cofres públicos” foi excluída, também não ficou estabelecido que o ensino religioso devia ser ministrado de acordo com a confissão do aluno, além dessas mudanças a LDB de 1971 estendeu o ensino religioso nas escolas públicas de 2° grau. Tais prerrogativas agradaram e deram uma nova configuração ao ensino religioso, A partir do começo da década de 70 o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras passa por um processo de transformação, de redefinição, em vários estados formaram-se grupos ecumênicos com a finalidade de criar um programa inter-confessional cristão de ensino religioso nas escolas públicas. Tal transformação na concepção do ensino religioso na escola refletia as mudanças ocorridas na Igreja Católica, advindas do Concílio Vaticano II e da conferência de Medellín.(RANQUETAT, 2007, p. 170) Entre 1986 e 1987, as discussões em torno do ensino religioso ressurgem e com uma dimensão maior. Os grupos defensores dessa disciplina se mobilizaram para garantir a inclusão do ensino religioso na Constituição de 1988, várias organizações ligadas a Igreja Católica, apresentaram uma emenda com cerca de setenta mil assinaturas, a segunda emenda com maior número de assinaturas na história brasileira (FIGUEIREDO, 1993). Reagindo fortemente contra essa medida, a ANDE (Associação Nacional de Educação), a AMPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa) e professores universitários organizaram-se em defesa de um ensino laico, afirmando que a escola pública deveria se libertar dos encargos do ensino religioso. Essas idéias foram apresentadas num grande manifesto, realizado durante a IV Conferência brasileira de educação em Goiânia. Essa conferência contou com a participação de seis mil educadores. A V conferência brasileira de educação realizada dois anos depois em Brasília, reiterou a posição assumida, contra o ensino religioso nas escolas públicas (op cit). Apesar de toda essa oposição, foi incluído um dispositivo constitucional sobre o ensino religioso na Constituição Federal de 1988 que assim se refere a essa disciplina: “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino médio”. Como se percebe, o referido artigo não define que o ensino religioso deve ser confessional, este pressuposto serviu de base para a criação em 1995, do FONAPER (Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso) Esse fórum foi criado com o objetivo de acompanhar, organizar e subsidiar o esforço de professores, associações e pesquisadores que lutam pela promoção do ensino religioso no âmbito escolar. 24 De acordo com Junqueira (2002) o FONAPER tem sido um fórum privilegiado de debate, reflexão e coordenação do ensino religioso no Brasil, (...) é uma sociedade civil sem vínculo político-partidário, confessional e sindical, sem fins lucrativos, sem prazo determinado de duração, que congrega, pessoas jurídicas e pessoas físicas identificadas com o ensino religioso escolar (...) se constitui em um organismo que trata questões pertinentes ao ensino religioso (...) o FONAPER estabeleceu uma série de objetivos iniciais (...) garantir a presença do ensino religioso na LDB de 1996 (...) produzir e publicar um Parâmetro Curricular Nacional para o ensino religioso. Por último, pretendia formular uma proposta para a formação de um profissional em ensino religioso e de uma graduação nessa disciplina (op cit, p. 49). O objetivo de assegurar o ensino religioso na LDB de 1996 foi alcançado, a lei n° 9.394/ 96, Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabeleceu em seu artigo 33 que o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituiria disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido sem ônus para os cofres públicos e ministrado de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou responsáveis, podendo ser confessional ou inter-confessional. No entanto, o fato de estabelecer o não pagamento dos professores por parte de estado desagradou tanto a Igreja Católica quanto o FONAPER, que acreditavam na inviabilidade do ensino religioso sem o pagamento dos professores por parte de estado. Segundo Cury (2004), o Conselho Nacional de Educação (CNE) através do parecer n° 05/97 se pronunciou a fim de dirimir a questão relativa aos ônus financeiros da oferta dessa disciplina pelo poder público, de acordo com esse parecer, a oferta dessa disciplina pelo poder público violaria o artigo 19 da Constituição Federal que veda a subvenção a cultos religiosos e as igrejas. Devido as intensas pressões lideradas pela Igreja Católica e pelo FONAPER, foram apresentados três projetos de lei que alteravam o artigo 33 da LDB de 1996, (...) o primeiro apresentado pelo deputado federal Nelson Marquezan, retirando a expressão sem ônus para os cofres públicos. O segundo apresentado pelo deputado federal Maurício Requião, (...) estabelecia que o ensino religioso deveria colaborar com a formação básica do cidadão e vetava qualquer forma de proselitismo e doutrinação respeitando a diversidade religiosa brasileira(...) o projeto de lei de autoria do Poder Executivo n° 3.043/97, acrescentava que a definição de conteúdos e treinamento e remuneração dos professores seria de responsabilidade do sistema de ensino sendo admitida parceria total ou parcial com entidade civil que congregasse diversas denominações religiosas (Junqueira, 2002, p. 65). 25 A nova redação do artigo 33 da LDB de 1996 foi sancionada em 22 de julho de 1997, pelo presidente da República Fernando Henrique Cardoso, mediante a lei 9475/97, que ficou com a seguinte redação: “o ensino religioso é parte integrante da formação básica do cidadão, constituindo disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurando o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, vedando qualquer forma de proselitismo,” o § 1º da referida lei estabelece que: “os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação dos professores.” O § 2º afirma: “Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas para a definição dos conteúdos de ensino religioso.’’ Essa redação satisfez os defensores do ensino religioso e está em vigor, mas assim como as leis anteriores tem sido amplamente questionada, um dos grupos engajados nessa crítica tem sido a Sociedade da Terra Redonda, (STR) organização brasileira nãogovernamental, fundada em 1999 e que tem como objetivo defender os direitos dos ateístas na sociedade; advogar pela total e completa separação entre religião e governo e divulgar e promover o método científico e o pensamento crítico, as realizações e os avanços da ciência (Cândido, 2005). Daniel Sottomaior, um dos editores da STR, é citado por Viviane Cândido, em seu artigo: Há lugar para o ensino religioso? Esse autor diz que ceder instalações e horários para o ensino confessional transfere os recursos e a legitimidade do estado à religião e que o ensino religioso não-confessional, ministrado por professores da rede estadual, viola a laicidade do estado, fundamentando-se na Constituição ele afirma que ao se promove a religião e seus valores, sejam quais forem, o que se faz na verdade é privilegiar os indivíduos religiosos e suas concepções e discriminar todos os demais. De acordo com o autor ao favorecer a religião sobre o secularismo, o ensino religioso infringe o art. 5° da Constituição, privando os secularistas, em função de suas convicções filosóficas, dos mesmos direitos que os religiosos. Outro problema diz respeito à escolha dos representantes autorizados pelos seus respectivos credos (...) É necessário considerar a existência de disputas internas de poder nas instituições religiosas que possuem hierarquia, bem como a inexistência, em algumas delas, de hierarquia formal, além da impossibilidade de incluir a variedade de crenças e descrenças (...) como será feita e a quem caberá o poder de decisão para escolher os conteúdos (...) o risco é então de haver a predominância das mais populares, conhecidas e poderosas, em detrimento das demais, o que seria um exercício de preconceito e não de tolerância (op cit, p. 6). 26 Também citado por Candido (2005) Hélio Schwartsman argumenta que assim como as igrejas não ensinam física e aritmética em seus cultos, a escola pública não deveria ensinar religião, o autor declara que não tem nada contra a religião, desde que essa seja ensinada e não imposta, pelas igrejas e nas igrejas. Schwartsman considera uma coerção tolerável, uma mãe levar o filho a uma missa ou culto. Mas em relação ao Estado ele é categórico: seu papel na vida espiritual dos cidadãos deve ser o de garantir a liberdade de culto. Nem mais, nem menos. Observa-se que por haver uma reação histórica entre religião e estado, esta tem sido vista como uma constante ameaça ao estado laico, muitos entendem a religião como o poder e os religiosos como aqueles que pretendem uma hegemonia religiosa ideológica. Albuquerque apud Ranquetat (2007) aponta que a questão do ensino religioso nas escolas públicas tem como fio condutor na história do Brasil o projeto de hegemonia simbólica do catolicismo, que procura convencer o Estado de aceitar um ensino religioso nas escolas públicas. Para este autor o ensino religioso nas escolas públicas seria uma forma do grupo religioso dominante estabelecer sua hegemonia no seio do universo simbólico brasileiro. Na verdade é possível constatarmos que a Igreja Católica tem demonstrado um grande interesse pelo o ensino religioso nas escolas públicas. O novo modelo de ensino religioso proposto pela Lei federal 9.475/97, que assumiu um aspecto pluralista e não confessional adaptado ao atual pluralismo do campo religioso brasileiro, foi garantido na Constituição Federal de 1988 e na LDD de 1996, devido às pressões exercidas pela Igreja Católica, este grupo religioso lutou para que o novo modelo de ensino religioso fosse implantado em todo Brasil, é de seu interesse que a escola pública contemple a dimensão religiosa do ser humano através de uma disciplina específica. 2.3 A atual prática do ensino religioso Um dos objetivos do FONAPER (Fórum Nacional Permanente para o Ensino Religioso foi alcançado em março de 1996, com a criação dos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) do ensino religioso. Esse documento propôs as diretrizes fundamentais para o ensino religioso enfatizando que a disciplina deveria evitar qualquer forma de proselitismo e doutrinação. De acordo com esses PCNs, o objetivo dessa disciplina não é o estudo de determinada religião ou da religião, mas o estudo do transcendente, das diversas formas que ele se manifesta na história, é o estudo do fenômeno religioso em seus aspectos filosóficos, 27 sociológicos, históricos, psicológicos (Ranquetat, 2005). De acordo com o referido documento esse novo modelo de ensino religioso deve se articular em torno de cinco eixos: culturas e religiões, escrituras sagradas, teologias, ritos e ethos, além de tem por objetivo, refletir sobre a religiosidade e despertar a dimensão religiosa do ser humano. Articulado em torno desses eixos o FONAPER tem promovido palestras e seminários em vários estados, na tentativa de capacitar os professores, por meio de endereço eletrônico: www.fonaper.com também disponibiliza trabalhos publicados na área e experiências realizadas em salas de aulas que demonstram que o modelo de ensino religioso proposto na lei 9 475 tem alcançado êxito em diversas escolas, adaptando-se à pluralidade religiosa. Percebese uma tentativa de aproximação entre algumas religiões, havendo um entendimento de que o ensino religioso enquanto parte integrante da formação básica do cidadão, não deve ter como objetivo formar um fiel ligado à determinada igreja. Ao deixar claro que a religião não é a mais importante nem a única fonte de moralidade existente na sociedade capaz de garantir o comportamento correto dos indivíduos na esfera pública, Carneiro (2004) afirma que o ensino religioso vem tentando incutir valores de fundo religioso que possibilitem uma sociedade mais sã e equilibrada. Ainda que bastante referenciado, é importante destacar que passados doze anos, desde a sua criação em 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais, criados pelo FONAPER, não foram reconhecidos pelo Ministério de Educação e Cultura (MEC), sendo assim suas diretrizes não são adotadas de forma sistemática em todo o território nacional. Alguns estados como Paraná e Santa Catarina e até mesmo municípios - é o caso de Santos, no interior paulista - criaram suas próprias diretrizes curriculares, ainda que em consonância com as estabelecidas pelo FONAPER. Nesses e em outros estados do sudeste são oferecidos cursos de especialização em ensino religioso, no entanto somente em Santa Catarina, Minas Gerais e Brasília existem cursos de Graduação nessa área. Nas demais regiões do Brasil, a formação docente para os professores de ensino religioso é inexistente. 2.3.1 O ensino religioso em Pernambuco O ensino religioso em Pernambuco está regulamentado pela resolução n° 5, de nove de maio de 2006. Por meio dela, o Conselho Estadual de Educação de Pernambuco (CEE/PE) dispôs sobre a oferta de ensino religioso nas escolas públicas do estado e regulamentou os 28 procedimentos para a definição dos conteúdos e as normas para habilitação e admissão dos professores. Essa resolução está em consonância com o novo modelo de ensino religioso proposto na lei 9.475/97 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação que estabelece a inclusão do ensino religioso nas escolas públicas) e define como objetivo da disciplina a compreensão do fenômeno religioso presente historicamente nas civilizações e culturas, expresso em manifestações religiosas. Também de acordo com essa lei o ensino religioso em Pernambuco é facultativo e não-confessional devendo expressar a diversidade cultural - religiosa da sociedade brasileira. Diz o seu artigo 4°: Os conteúdos de ER definidos pela escola de acordo com seu projeto político-pedagógico, observando-se as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, subordinam-se aos seguintes pressupostos: a) da concepção de conhecimento humano em suas diferentes formas, das relações entre ciência e fé, da interdisciplinaridade e da contextualização como princípio estruturadores da organização curricular; b) da compreensão da experiência religiosa do ser humano, manifesta nas diversas culturas em todos os tempos, reconhecendo o transcendente e o sagrado, através de fontes escritas e orais, ritos, símbolos e outras formas de expressão, identificadas e organizadas pelas tradições religiosas; c) do reconhecimento dos principais valores éticos e morais presentes nas tradições religiosas e sua importância para a defesa e a garantia da dignidade do ser humano, a promoção da justiça e da solidariedade entre as pessoas e os povos, a convivência harmoniosa com a natureza e a criação de cultura de paz; d) da compreensão das várias manifestações de vivências religiosas presentes na sociedade brasileira, cujo conhecimento deve promover a tolerância e o convívio respeitoso com o diferente e o compromisso sociopolítico com a eqüidade social em nosso país; e) do reconhecimento da diversidade de experiências religiosas dos participantes do ambiente escolar e das formas de diálogo existentes entre as religiões e destas com a sociedade contemporânea. Analisando a prática do ensino religioso numa escola pública do interior pernambucano, pode-se perceber uma realidade estranha e alheia ao que foi proposto pelo Conselho Estadual de Educação de Pernambuco. Mesmo a par da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (lei 9.475/97) que estabelece a inclusão do ensino religioso no currículo escolar, o 29 atual gestor da escola analisada ainda não tem conhecimento da resolução que trata da questão do ensino religioso em seu estado. Questionado a respeito da escolha dos conteúdos ele afirmou que ela é feita de forma aleatória e sem muito planejamento, disse também que a escola não dispõe de recursos didáticos específicos para a disciplina. Em relação à escolha dos docentes, o diretor da referida unidade de ensino declarou não existir critérios pré-estabelecidos, embora se tenha constatado que professores das diversas disciplinas lecionem uma ou duas aulas de ensino religioso por semana, como forma de complementar a sua carga horária. Sobre a formação dos professores para o ensino religioso, o artigo 5° da lei que regulamenta a disciplina em Pernambuco estabelece que a formação dos docentes para o magistério de ER dar-se-á em curso superior de licenciatura em Ciências da Religião. Na falta de professor com essa habilitação parágrafo 1° dessa lei define como critério mínimo o curso de licenciatura em ciências humanas. É importante destacar que os únicos professores que afirmaram ter conhecimento das religiões não católicas são professores de história, os demais se declararam católicos ou evangélicos e conhecedores apenas de sua religião. A maioria dos professores disse utilizar apenas a bíblia e textos bíblicos como recursos didáticos. Um deles declarou: (...) essa disciplina faz o aluno conhecer mais a palavra de Deus, procurando colocar em prática. Porém vale destacar que; A catequese subentende a prática religiosa. É uma preparação doutrinária específica que tem seu lugar nas igrejas e nos grupos religiosos. A formação religiosa, primeiramente escolha da família e função desta (...) As diversas igrejas também têm esta função e a de garantir a seus membros um aprofundamento na doutrina e as orientações básicas para os jovens. É responsabilidade das igrejas e grupos religiosos perpetuar sua doutrina pela transmissão de seus textos sagrados e de sua moral. A catequese tem seu lugar nas igrejas e nas organizações religiosas, até mesmo para que se dê continuidade à prática após o período de vida escolar (Ferraz, 2004). Observou-se ainda que a maioria dos docentes consideram a disciplina importante e aprovam sua permanência no currículo da escola. Porém de modo geral os professores possuem idéias diferentes em relação a metodologia de trabalho, aos conteúdos trabalhados e a finalidade da disciplina.Uma professora de ciências que também dar aulas de ensino religioso declarou que em suas aulas fala-se de tudo: namoro, casamentos, amizades. Já a sua colega de trabalho professora de língua portuguesa saiu em defesa do ensino religioso afirmando que a disciplina auxilia na formação de uma boa índole; de fato a religião é boa e verdadeira na medida em que serve a humanidade e promove o sentido e sentimento de valor das pessoas (Wollf, 2005), contudo não se pode acreditar que a Ensino religioso na escola vai 30 resolver os problemas de violência, criminalidade e desrespeito, pois se sabe que esses são determinados também por fatores sócio - econômicos. Esse também é o pensamento da minoria dos professores na escola pesquisada, bem como do gestor da instituição que afirmou: “O estado assim como a escola pública deve ser laico.’’Os docentes contrários ao ensino religioso consideram a questão complicada devido a grande diversidade religiosa existente na sociedade o que segundo eles dificulta a escolha dos conteúdos. Eles apontaram também o problema da falta de formação profissional nessa área e o desinteresse pela disciplina por boa parte do alunado. Houve comprovação desse último dado após os alunos serem questionados sobre o assunto, mesmo não sendo quantitativa a pesquisa demonstrou que quase um terço dos que opinaram assiste as aulas de ensino religioso porque precisa das notas. “O ensino religioso deve ser ensinado no catecismo ou nas igrejas,’’disse um aluno. Afirmou-se também que durante as aulas alguns temas abordados geram polêmicas e causam constrangimentos: “ ano passado a professora só falava da religião católica (...) uma vez ela disse que o pastor era doido e eu não gostei ” informou uma aluna, demonstrando - se favorável ao ensino religioso, desde que nele se contemple várias religiões e não apenas o catolicismo. A maioria dos alunos e pais que participaram da pesquisa são favoráveis ao ensino religioso e apontam a religião como um assunto importante que deve está presente na sala de aula, entre os pais mencionou-se algumas vezes algo curioso: a necessidade da escola ensinar sobre religião já que os adolescentes não costumam freqüentar as igrejas. No entanto o que mais chamou atenção foi o total desconhecimento de que o ensino religioso é uma disciplina de caráter facultativo. Tanto os pais como os alunos da escola analisada não receberam essa informação da direção da escola. De acordo com o gestor escolar isso não ocorreu por falta de iniciativas. 31 CONSIDERAÇÕES FINAIS A prática do ensino religioso no Brasil pode ser reportada a história da colonização, quando a preocupação fundamental do governo de Portugal era expandir a fé cristã nas colônias conquistadas, quando um dos objetivos do projeto colonizador português era a cristianização das populações indígenas e dos escravos. Inserido nesse projeto o cristianismo católico veio para o Brasil passando a subjugar as outras expressões culturais e religiosas aqui existentes. Vimos que durante o período imperial o ensino religioso se afirmou diante de um contexto de união entre o estado brasileiro e a Igreja Católica, pois a carta constitucional de 1824 declarou em seu artigo 5° a Igreja Apostólica Romana como religião do Império. Portanto em todas as escolas do império, os professores ensinavam a doutrina da religião católica da mesma forma que ensinavam as demais disciplinas. Mostramos que já no final do império o ensino religioso passou a ser substituído pela disciplina de moral e cívica e que com o regime republicano instalado em 1889 essa disciplina foi eliminada, pelo menos temporariamente das escolas. A então secularização do estado brasileiro refletiu-se na esfera da educação, os positivistas e os liberais defendiam a separação entre o poder espiritual e o poder temporal e a escola laica, no entanto esses grupos tiveram que enfrentar a forte reação da igreja católica, que entendia a ausência do ensino religioso nas escolas como um preconceito contra a religião católica e claro, uma ameaça a sua hegemonia ideológica. Essa instituição muito se mobilizou e viu seus interesses novamente garantidos a partir de 1928, quando se inicia um processo de restabelecimento do ensino religioso em todas as escolas do país. Em nosso trabalho percebemos que desde a década de 30 a questão do ensino religioso tem gerado polêmica e muita discussão, o que nos é razoável, pois como se justificar o ensino confessional de uma religião numa escola pública de um estado que se diz laico? Pensamos que na pratica o estado brasileiro não teria se separado da igreja com a proclamação da república em 1889. Depois de mais de três séculos de domínio ideológico sobre a sociedade, a igreja católica não perdeu toda a influência devido principalmente a sua forte presença no cenário político. Assim compreendemos a volta do ensino religioso, assegurada na Constituição Federal de 1934 e nas demais constituições republicanas. Como vimos nas primeiras décadas do período republicano, o ensino religioso deixou de ser oficialmente centrado na religião católica. Todas as leis referentes ao assunto defendiam que o ensino religioso seria ministrado de acordo com a religião do aluno sendo 32 também facultativo. Os defensores desta disciplina entendiam que dessa forma o ensino religioso não feria a laicidade do estado, visto que não mais ensinava uma única religião. No entanto sabemos que na prática, o cristianismo católico tem sido o tema principal das aulas de ensino religioso devido a predominância dessa crença no âmbito escolar e a dificuldade de se contemplar na sala de aula a diversidade religiosa existente na sociedade brasileira. O modelo de ensino religioso estabelecido na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 assumiu um caráter pluralista, não confessional, enfatizando os aspectos antropológicos das religiões e, portanto teoricamente desvinculado da Igreja católica. Contudo, percebemos que esse modelo de ensino religioso tem recebido críticas e que passados uma década de sua criação ainda não foi implantado em nível nacional como demonstrou nossa pesquisa realizada numa escola pública do interior pernambucano, onde verificamos desde a falta de informação sobre o assunto até fortes resquícios de ensino catequético. Sendo assim, ao término desse trabalho chegamos a conclusão de que em muitos casos, a diversidade religiosa não tem sido considerada dentro da sala de aula e que há grandes dificuldades em se concretizar o diálogo inter-religioso, muitos educadores desconhecem os elementos que compõem o fenômeno religioso e o papel das tradições religiosas nas sociedades, portanto é evidente a falta de compreensão do ensino religioso como disciplina. Entendemos que essa realidade torna o debate em torno do ensino religioso ainda mais complexo, pois além de abarcar questões que dizem respeito as definições sobre estado, religião e espaço público ele gera também discussões sobre as condições em que o ensino vem sendo ministrado nas escolas.(GIUMBELLI E CARNEIRO, 2004). As discussões em torno do ensino religioso na escola pública ainda estão em curso e são absolutamente necessárias. Algumas considerações foram apresentadas sobre essa temática e esperamos que esse trabalho venha a contribuir para que ela não fique despercebida dentro da escola e possa suscitar novos estudos e pesquisas capazes de gerar as reflexões necessárias para a definição dessa problemática. 33 REFERÊNCIAS BRANDÃO, Sylvana Maria de Aguiar (org.). História das Religiões no Brasil. 3.ed. Recife: UFPE - Editora Universitária. 2004. CAMILO, Janaina. Ensino religioso na escola pública: uma mudança de paradigma. Revista de Estudos da Religião, São Paulo, n.2, p.26-36, 2004. Disponível em: www.asterto.org.br/download/ensinoreligiosomudancadeparadigma.pdf- Capturado em: 10 mar. 2008. Online. CÂNDIDO, Viviane Cristina. Há lugar para o ensino religioso na escola?Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v.5, n.16, p.185-207, set./dez. 2005. Disponível em: http://www6.inep.gov.br/.../bee-online/lista.asp?cod=37319&. Capturado em: 10 mar. 2008. Online. CARNEIRO, Sandra, GIUMBELLI, Emerson. Religião nas escolas pública: questões nacionais e a situação do Rio de Janeiro. Revista Rio de Janeiro, n.13-14, p.123-148. Disponível em: www.educacao.ufrj.br/revista/indice/numero2/artigos/egiumbelli.pdf. Capturado em: 10 mar.2008. Online. CONSELHO ESTADUAL DE EDUCACÃO. Resolução n° 5 de 9 de maio de 2006. Dispõe sobre a oferta de ensino religioso nas escolas públicas integrantes do Sistema de Ensino do Estado de Pernambuco. Presidente: Antônio Inocêncio Lima. Diário Oficial do Estado, Pernambuco, 05 mai. 2006, p. 16-17. CURY, Carlos Jamil. O curso histórico de uma polêmica entre Igreja e Estado no Brasil. Educação em Revista, Belo Horizonte, n.17, p.20-37, jun.1993. ------. Ensino religioso no Brasil: o retorno de uma polêmica recorrente. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 27, p.183-191, 2004. DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Martins Fontes, 1996. FORUM NACIONAL PERMANENTE DO ENSINO RELIGIOSO. Parâmetros Curriculares nacionais: ensino religioso. 2. ed. São Paulo: Ave Maria, 1997. ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992. FERRAZ, Lara Sayão Lobato de A. Religião se aprende na escola. Disponível em: www.Hottopos.com/mirand16/laragp.htm . Capturado em 01 jun. 2008. Online. 34 FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. O Ensino Religioso no Brasil - tendências, conquistas e perspectivas. Petrópolis: Vozes, 1996. HERMANN, Jacqueline. História das religiões e da religiosidade. In: FLAMARION, Ciro, VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elseviu, 1997. cap. 10, p.329-352. JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo. O processo de escolarização do ensino religioso no Brasil. Rio de Janeiro: Vozes, 2002. HORTA, José Silvério Baia. O ensino religioso na Itália fascista e no Brasil (1930-1945). Educação em Revista, n.17, p.64-78, jun.1993. HUME, David. História Natural da Religião. São Paulo: UNESP, 2005. MARQUES, Ângela Cristina Borges. Memórias da Fase inicial da Ciência da Religião no Brasil. Revista de Estudos da Religião. São Paulo, n.1, p.192-214, 2007. PALMER, Michael. Freud e Jung. São Paulo: Loyola, 2001. POLO, Marco. O livro das maravilhas: a descrição do mundo. Porto Alegre: L&P, 1996. RANQUETAT, César Jr. Religião em sala de aula: o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras. Revista Eletrônica de Ciências Sociais, São Paulo, n.1, p.163 -180.2007. Disponível em: www.csonline.ufjf.br/artigos/arquivos/religiao.pdf . Capturado em: 10 mar. 2008. SIMON, Marcel, BENOIT, André. Judaísmo e Cristianismo Antigo: de Antíoco Epifánio a Constatino. São Paulo: EDUSP, 1987. SILVA, Costa. Fenomenologia da Religião. Revista de Antropologia, São Paulo, n.1, 1996. Disponível em: www.antropos.com.br. Capturado em: 12 mar. 2008. Online. VAINFAS, Ronaldo. A heresia dos índios-catolicismo e rebeldia no Brasil Colonial. São Paulo: Companhia das letras, 1995. VALLA, Victor. Religião e Cultura Popular. Rio de Janeiro: DPEA, 2001. 35 WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Martim Claret, 2004. WOLLF, Elias. Humanismo e Religião. In: BENTO, Fábio Régio. Cristianismo, Humanismo e Democracia. São Paulo: Paulus, 2005. cap.7, p.215-248. 36 APÊNDICE 37 APÊNDICE A - Formulário destinado ao diretor da escola 1- A lei 9.475/97 Lei de diretrizes e bases da educação estabelece a inclusão do ensino religioso no currículo das escolas públicas. Como a senhor (a) avalia essa resolução? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 2- O senhor tem conhecimento da resolução que dispõe sobre a oferta do ensino religioso nas escolas públicas do estado de Pernambuco? ( ) Sim ( ) Não 3- Que critérios tem sido adotados em sua escola para escolha desses docentes? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4- A escola dispõe de recursos didáticos específicos para disciplina de ensino religioso? ( ) Sim ( ) Não 5- De que maneira os conteúdos de ensino religioso tem sido selecionados? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 6- De acordo com artigo 33 da lei 9475/97 o ensino religioso é uma disciplina de matrícula facultativa. A escola tem repassado essa informação para os pais e alunos?(Em caso negativo informe o porquê) ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 7- Em sua opinião o Ensino religioso deve fazer parte do currículo escolar? ( ) sim ( ) Não 8-Por quê? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 38 APÊNDICE B - Formulário destinado aos professores 1- Qual a sua formação profissional? ___________________________________________________________________________ 2- Especifique sua função na escola: ___________________________________________________________________________ 3- Leciona ou já lecionou a disciplina de ensino religioso? ( ) Sim ( ) Não Em caso negativo passe para questão 7: 4-Trabalha ou trabalhou com a disciplina por: ( ) Opção ( ) Imposição da escola ( ) Porque tem conhecimento na área ( )outros 5- Quais são os conteúdos ou temas mais trabalhados em suas aulas ensino religioso? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 6- Como é sua metodologia de ensino e quais são os recursos didáticos que costumas utilizar? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 7- Qual é a sua religião? ___________________________________________________________________________ 8-Seu conhecimento a respeito das religiões não cristãs é: ( )Inexistente ( )Pouco ( )Muito ( )Amplo 9- Seus alunos têm demonstrado interesse pelas aulas de ensino religioso? Porque isso ocorre? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 10- A disciplina de ensino religioso deve está inclusa no currículo escolar? Por quê? ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ ________________________________________________________________ 39 APÊNDICE C - Formulário destinado aos alunos da escola 1- Você tem freqüentado as aulas de ensino religioso? ( ) Sim ( )Não 2- Faz isso por que: ( ) gosta da disciplina ( ) precisa das notas e da freqüência ( ) outros 3-Você considera a disciplina de ensino religioso necessária? ( ) Sim ( ) Não 4-Por quê? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5- Que temas são trabalhados por seu professor de ensino religioso? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 6-Já se sentiu constrangido ou incomodado com algum assunto abordado nessas aulas? ( ) Sim ( ) Não 7- Por quê? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 8- Foi informado de que o ensino religioso é uma disciplina de caráter facultativo: ( ) Sim ( ) Não 9- Como obteve essa informação? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 10- A disciplina de ensino religioso deve continuar existindo? Por quê? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 40 APÊNDICE D - Formulário destinado aos pais dos alunos 1- Quantos filhos seus estudam em escola pública? ___________________________________________________________________________ 2-Ele (s) assiste às aulas de ensino religioso na escola? ( ) Sim ( ) Não 3-O senhor (a) tem conhecimento dos temas que são estudados nas aulas de ensino religioso? ( ) Sim ( ) Não 4- Em sua opinião o que seu(s) filho(s) deve aprender nessas aulas? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5- Ele (s) já se sentiu incomodado com algum tema abordado nas aulas de ensino religioso: ( ) Sim ( ) Não 6- Registre o fato: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 7-A disciplina de ensino religioso é facultativa, isto é o aluno pode optar em assistir ou não as aulas. O senhor (a) recebeu essa informação da escola? ( ) Sim ( ) Não 8- Em sua opinião essa disciplina deve existir na escola? ___________________________________________________________________________ 9- Por quê? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________