Vulnerabilidades recorrentes e analogias
Março, 2014
Raghuram Rajan – Presidente do Banco Central da Índia – com insistência tem
condenado o foco individualista nas ações de política monetária dos EUA, em detrimento da
turbulência que possam provocar nas economias emergentes. Como um dos analistas que
alertaram para o risco da bolha imobiliária e ex–economista chefe do FMI, repudia
fortemente as atitudes como a do Secretário do Tesouro americano – Jack Lew – que exime
os EUA de qualquer responsabilidade na instabilidade financeira e cambial dos países de
moedas não conversíveis.
Na esteira dos desdobramentos da crise, esboçou-se um movimento de
coordenação, no âmbito do G20, com importantes deliberações do Financial Stability Board
e do Bank of International Settlements. Contudo, com a frenética busca da recuperação
econômica pelas economias avançadas, houve uma negligência para com esse esforço. As
eventuais possibilidades de retomada podem ser encontradas na declaração de outro
secretário – John Connally – quando do colapso do sistema de Bretton Woods em 1.971: “O
dólar é nossa moeda, mas é seu problema”. Ainda que seja uma utopia, a coordenação e a
cooperação internacional seriam elementos importantes para a superação da crise que, vale
lembrar, ainda não foi dissipada.
A utilização de instrumentos heterodoxos para a ampliação da liquidez, como as
sucessivas rodadas de flexibilização monetária, gerou uma procura desenfreada por ativos
de risco. O recente relatório Tracking Global Demand for Emerging Market Sovereign Debt
do FMI dá a dimensão do volume do fluxo para os mercados emergentes. Apenas entre 2010
e 2012, meio trilhão de dólares de recursos migrou para títulos dos governos desses países.
Ao final de 2012, grandes investidores institucionais – como hedge funds e fundos soberanos
– detinham 80% do total dessas dívidas. Por essas características, toda essa circulação
desperta a suspeita de formação de bolhas nos mercados acionários, de imóveis,
commodities e moedas.
Adicionalmente, restringiu-se a margem de manobra da política monetária nos países
emergentes. Com esse cenário de risco, a sinalização da reversão gradual dos estímulos
monetários por Ben Bernanke, em maio de 2.013, vem provocando surtos de volatilidade,
não só nos emergentes, mas também ameaçando o próprio ciclo de valorização dos ativos
nos países avançados. Embora o maior crescimento dos EUA traga benefícios à economia
internacional e que a taxa de juros só será elevada gradualmente, a antecipação dos seus
possíveis efeitos suscita uma nervosa realocação das exposições dos investidores.
Em suas declarações, Janet Yellen presidente do Fed sublinha que os emergentes não
trazem riscos para a economia dos EUA e as tensões observadas nesses mercados seriam
mais reflexos de uma série de “fatores comuns”, do que da decisão do tapering. Em seu
mandato, o processo de normalização monetária reagindo exclusivamente às condições
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internas do nível de emprego e de preços. Contudo vale salientar as questões referentes à
manutenção da estabilidade financeira.
Pelos atributos das suas moedas, recorrentemente, os emergentes se deparam com
movimentos de volatilidade, a despeito do chamado grau de qualidade das suas políticas
econômicas. Por causa de uma hierarquia monetária, os processos de ajustamento das
condições de liquidez nos países mais avançados impingem efeitos assimétricos aos seus
pares emergentes. Nesse sentido, para mitigar os impactos dos desdobramentos, a
coordenação e cooperação seriam vitais, como defendido por Rajan.
Essa discussão remete necessariamente à avaliação pragmática do papel da
liberalização do fluxo de capitais. Se pode trazer benefícios, ao ajudar a promover os
investimentos de longo prazo e ao reduzir os custos de financiamento, o acesso desregrado
à poupança externa traz riscos, como comprovam os frequentes processos de euforia e
depressão vivenciados no mundo emergente. Janelas de oportunidades para arbitragem
financeira podem catalisar um crescimento excessivo do crédito, a formação de bolhas e, em
momentos adversos a geração de pressão inflacionária e de crises no balanço de
pagamentos.
A natureza das suas moedas impõe discussões de difícil tratamento que perpassam
por eventuais intervenções no mercado de câmbio, abrindo mão da poupança externa, e
pela aceitação de que a política monetária torne-se pró-cíclica às condições da liquidez
internacional. Assim, a tarefa fundamental é a de encontrar uma sintonia adequada de
política econômica que contemple a utilização de instrumentos prudenciais e monetários na
suavização dos efeitos dos ciclos financeiros, tanto no auge como no declínio. Ainda que
sejam capazes de inibir uma alocação eficiente do capital podem representar um recurso
necessário em casos de extrema volatilidade, como admitido pelo próprio FMI.
O agrupamento de países por meio de acrônimos é uma praxe dos analistas que tem
forte apelo midiático e servido como guia de orientação nas decisões dos investidores.
Embora, sejam sugestivos tais rótulos pouco contribuem para uma análise mais aprofundada
das situações reais vivenciadas pelos países. Cabe a cada economia transmitir credibilidade à
comunidade internacional nas suas ações individuais para a preservação dos chamados
“fundamentos econômicos”, permitindo diferenciá-las das economias “mais vulneráveis”.
Em tese, ao propiciar uma base comparativa, a formulação de índices que
consolidam algumas variáveis econômicas em um indicador único traria benefícios.
Entretanto, tais metodologias carregam deficiências quase que insuperáveis, como o grau de
arbitrariedade na definição dos critérios de ponderação e na escolha do período de análise,
sem contar as sempre questionáveis relações de causalidade.
Afinal, o crescimento mais vigoroso dos EUA deveria ser positivo para a economia e
comércio global. Mas como justificar tanto catastrofismo para os emergentes? As pistas para
os temores são oferecidas pelo grau de dependência da poupança externa e a forma como
os países vêm utilizando os recursos. A mensuração comum traz simplificações e influenciam
significativamente o comportamento e as respostas dos agentes econômicos, aumentando o
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risco de contágio. Contudo, não há dúvidas de que os impactos do tapering dependerão das
especificidades de cada país, no que tange a um extenso rol de fatores.
Mais recentemente, em um anexo do seu Monetary Report (Financial Stress and
Vulnerabilities in the Emerging Markets Economies), o Fed fez um ranqueamento para um
conjunto de quinze países, classificando o Brasil como o segundo mais vulnerável.
Considerado como uma das economias mais frágeis em algumas dessas analogias, o Brasil
tem se deparado constantemente com um nível de pessimismo que parece exagerado.
A própria definição de vulnerabilidade carece de considerações: seria definida em
relação a uma crise no balanço de pagamentos, à solvência da dívida pública, inflação ou
outra variável? O citado documento do FMI mostra o país em uma situação confortável, com
uma baixa parcela de investidores externos como detentores da dívida pública. Um alerta
advém da exposição dos bancos locais a esse tipo de dívida, o que poderia implicar riscos à
estabilidade financeira.
Há alguns desconfortos, o ritmo da recuperação econômica é mais lento do que o
desejado. A relação dívida bruta/PIB é relativamente alta para um país emergente, a taxa de
inflação permanece em nível elevado e a trajetória do déficit em conta corrente não tem
sido favorável. Porém, as condições são razoavelmente favoráveis para que a gestão de
política econômica permita uma transição suave para atravessar esse momento turbulento,
mesmo com os temores com uma possível desaceleração mais pronunciada da China. Como
sublinhou o presidente do Banco Central do Brasil – Alexandre Tombini – o momento é de
volatilidade, não de vulnerabilidade.
A perda de valor do real, que traduz em uma mudança de preços relativos, como
contrapartida de uma condição de menor liquidez internacional, funciona com mecanismo
de ajuste automático das contas externas. Entre os emergentes, o país foi um dos primeiros
a iniciar o ajuste às novas condições. As autoridades econômicas vêm tomando medidas
para enfrentar a turbulência externa e os problemas internos, entre elas a elevação de juros
para reduzir os efeitos secundários da perda de valor do real, a acumulação de reservas e,
mais recentemente, o estabelecimento de uma meta fiscal crível que garanta a
sustentabilidade do endividamento público. Além desses instrumentos, o Banco Central tem
se valido do uso de derivativos para estabilizar o mercado cambial.
Enfim, a economia não está imune, mas dispõe de uma considerável linha de defesa.
De outro lado, não se deve buscar o confronto com a comunidade internacional e sim buscar
atender os preceitos convencionais, ainda que exista a impossibilidade de se praticar política
econômica por analogias. De qualquer forma, no curto prazo, não é prudente esperar que os
pleitos de Rajan sejam atendidos!
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