Factsheet Cooperação Portuguesa
COOPERAÇÃO PORTUGUESA:
UMA POLÍTICA DE ESTADO?
002-003
A Cooperação para o Desenvolvimento é “uma prioridade da
política externa portuguesa,
onde pontuam os valores da solidariedade e do respeito pelos
direitos humanos”, informa o
Camões - Instituto da Cooperação e da Língua (CICL), agência
responsável pela implementação
da política de Cooperação para o
Desenvolvimento, na sua página
oficial. A formulação da definição
não é a mais feliz, na medida
em que referir que determinados
valores “pontuam” essa política
não significa claramente que são
valores determinantes. Provavelmente essa falta de clareza na
definição pode contribuir para o
surgimento de equívocos e situações menos claras na prossecução
da política. De facto, diversos
episódios recentes revelam que
a Cooperação Portuguesa está
ao serviço de outras políticas ou de outros objectivos que
não priorizam, pelo menos de
forma imediata, princípios de
solidariedade, de luta contra a
pobreza e de promoção dos direitos humanos.
No Relatório Aid Watch
2012 – Uma Leitura da Cooperação
Portuguesa desde 2003, alertámos
para a crescente subalternização da política de Cooperação
para o Desenvolvimento face a
outras políticas, no domínio dos
negócios estrangeiros, como a
diplomacia económica ou a pro-
moção da língua portuguesa. Ano
após ano, os dados disponíveis e
as afirmações públicas de alguns
representantes do Estado vêm
comprovar um agravamento dessa
tendência.
APD DECRESCE 11 PONTOS
No que diz respeito à
língua portuguesa, por exemplo, o ex-Ministro dos Negócios
Estrangeiros e actual vice-primeiro ministro português, Paulo
Portas, afirmou numa cerimónia
pública que, se tivesse de escolher entre apoiar um projecto de
promoção da língua portuguesa e
um projecto de Cooperação para
o Desenvolvimento, escolheria a
primeira hipótese. “É uma escolha clara que faço”, sublinhou
Portas. A distribuição orçamental, em 2013, do CICL – que
resulta da fusão do Instituto
Camões e do Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento
– comprova essa escolha política: 24 milhões de euros para o
ensino da língua portuguesa, 5,5
milhões para os centros culturais e 21 milhões para as acções
de cooperação.
em milhões de euros (2009 a 2012)
PERCENTUAIS EM 2012
GRÁFICO 1. APD Portuguesa líquida
Fonte: dados disponibilizados
pelo CICL, 2013
550
509
500
490
450
452
400
368
350
300
2009
2010
Em termos gerais, e no que
diz respeito à Ajuda Pública ao
Desenvolvimento (APD), assistiu-se, em 2012, a uma queda de
11 pontos percentuais, dos 509
milhões de euros, em 2011, para
os 452 milhões, o que significa que apenas 0,28% do Rendimento Nacional Bruto (RNB) foi
dedicado à APD. O CICL justifica
esta quebra com a necessidade de
controlo do défice público e de
consolidação orçamental e pelo
facto de Portugal se encontrar
sob um programa de assistência
2011
2012
económica e financeira. Desde há
vários anos que a APD portuguesa
tem sofrido oscilações, nunca
ultrapassando os 0,29% do RNB/
APD1, ou seja, muito aquém do
rácio RNB/APD de 0,33%, que
deveria ser atingido até 2006
e muito mais ainda da meta dos
0,7% estipulada internacionalmente, a alcançar até 2015. O
CICL, no relatório de análise
à APD de 2012, reconhece que
a meta de 2015 é de “difícil
concretização”, porém parece-nos claro que será de impossí-
004-005
vel concretização já que o valor
anual teria mais de duplicar em
apenas dois anos.
A distribuição da APD portuguesa em 2012 manteve-se quase
inalterada face a anos anteriores, com a APD multilateral a
corresponder a cerca de um terço
(32%) e a APD bilateral a dois
terços (68%) do volume total.
O valor de APD multilateral de
2012 acompanhou a tendência de
decréscimo verificada desde 2011,
registando uma diminuição na
ordem dos 24 milhões de euros,
devido à redução das contribuições de Portugal através da
União Europeia e do Grupo do
Banco Mundial. Enquanto isso, o
valor da APD bilateral sofreu
um decréscimo de 34 milhões de
euros, face a 2011.
1
À excepção dos 0,63% RNB/APD
em 2004, valor inflacionado pelo perdão
da dívida a Angola nesse ano
A CONCESSIONALIDADE DA APD OU “PRIVATIZAÇÃO” DA COOPERAÇÃO
GRÁFICO 2. APD Portuguesa bilate-
CAIXA 1.
ral/multilateral em 2012
PARA O DESENVOLVIMENTO
143
309
multilateral
bilateral
Fonte: dados disponibilizados
pelo CICL, 2013
Os empréstimos concessionais são uma tendência actual
preocupante na relação dos
países do Comité de Ajuda ao
Desenvolvimento da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (CAD/OCDE) com
os Países em Desenvolvimento.
Nos últimos anos, o volume de
APD dos Estados-membro tem sido
sustentado, em grande parte,
pelo peso crescente e significativo de empréstimos e linhas
de crédito concessionais.
Entre 2001 e 2011, os empréstimos bilaterais duplicaram
dos oito mil milhões de dólares para os 16 mil milhões. Em
Portugal, registou-se em 2012
o valor mais elevado de sempre
de empréstimos concessionais
caracterizados como APD bilateral, que foram canalizados para
Países de Desenvolvimento Médio
ou países que não são tradicionalmente parceiros de Portugal.
Os constrangimentos da despesa
pública, conjugados com a pressão dos compromissos assumidos
na Ajuda ao Desenvolvimento,
levam muitos países doadores,
como Portugal, a classificar
como APD fluxos que consideram
como contributo para o Desenvolvimento do país parceiro. Aqui
reside o risco da revisão das
condições e dos critérios de
elegibilidade da APD, na medida
em que os países financiadores,
no contexto do CAD/OCDE, podem
influenciar e incentivar a adopção de métodos para aumentar os
níveis de APD sem implicações
reais nos orçamentos dedicados
à Cooperação para o Desenvolvimento. Actualmente, o conceito
de APD prevê a transferência de
recursos em forma de empréstimos em condições muito mais
favoráveis que as de mercado,
cujo nível de liberalidade (que
reúne elementos como as taxas
de juro, o período de carência
e os prazos de amortização) é
de pelo menos 25%.
Uma revisão das condições
está neste momento em curso no
seio do CAD/OCDE, com alguns
Estados membros a defender a
alteração do grau de liberalidade dos empréstimos concessionais, que pode influenciar a
alteração dos critérios de ele-
006-007
gibilidade no quadro de financiamento de Desenvolvimento no
Pós-2015.
O CAD/OCDE propõe, por
exemplo, a passagem da expressão Ajuda Pública ao Desenvolvimento para Esforço Público
de Desenvolvimento, de forma a
abranger todo o tipo de apoio
público ao Desenvolvimento, que
não apenas aquele explanado no
Orçamento de Estado. A posição
de Portugal sobre esta matéria não é ainda publicamente
conhecida, sendo um assunto
que carece de reflexão no plano
nacional. Os debates e o envolvimento de todos os actores
de Desenvolvimento é portanto
crucial – tanto no plano nacional como internacional – ao
longo dos próximos meses de
forma a clarificar o que está
em jogo e quais os critérios
que devem ser mantidos e que se
coadunam com os princípios, por
vezes esquecidos, de Eficácia do
Desenvolvimento.
O PESO DOS CRÉDITOS
CONCESSIONAIS NA APD
BILATERAL
Quando analisado em detalhe, o volume de APD destinado à
cooperação bilateral revela uma
agravante e um dado preocupante
que desvirtua a própria política
de Cooperação para o Desenvolvimento – apenas um quarto da APD
bilateral é considerado genuína,
por se encontrar desligada de
pretensões ou interesses diver-
sos dos da APD, tal como definida
até agora pelo CAD/OCDE.
De facto, assistimos, desde
2008, a um peso cada vez mais
significativo da APD bilateral
veiculada a linhas de crédito
e empréstimos concessionais,
grande parte classificada, de
acordo com critérios do CAD/
OCDE, como “Ajuda ligada”, tendo
atingido, em 2012, o valor mais
alto de sempre, ao fixar-se nos
75,4%. Trata-se de linhas de
crédito disponibilizadas pelo
Estado português, com condições previamente estabelecidas,
nomeadamente condicionadas à
aquisição de bens e serviços a
empresas portuguesas. Está em
curso um debate no seio do CAD/
OCDE para alteração das regras
GRÁFICO 2. Grau de ligamento da APD
Fonte: dados disponibilizados
pelo CICL, 2013
bilateral portuguesa de 2009 a 2012
(em percentagem)
100
90
72,5
80
70
75,4
57,4
60
50
38,8
40
30
20
10
0
2009
2010
2011
2012
008-009
____________________________________________________________________________________
DEPOIMENTO. ACTUALMENTE, HÁ QUEM DEFENDA QUE A AJUDA LIGADA NÃO
____________________________________________________________________________________
TABELA 1. Empréstimos concessionais,
DEVE SER POSTA EM CAUSA COMO AJUDA GENUÍNA, POIS QUE ACABA POR
____________________________________________________________________________________
em 2012 (em milhares de euros)
SER UMA PRÁTICA DE BENEFÍCIO MÚTUO. CABO VERDE TEM-SE CONFRON____________________________________________________________________________________
TADO COM ESTA SITUAÇÃO. O QUE É QUE UM PAÍS COMO CABO VERDE,
____________________________________________________________________________________
Cabo Verde
112.776
Moçambique
48.158
DIONÍSIO SIMÕES PEREIRA
____________________________________________________________________________________
Marrocos
45.164
PRESIDENTE DA DIRECÇÃO DA PLATAFORMA DAS ONG’S DE CABO VERDE
____________________________________________________________________________________
Angola
16.170
S. Tomé e Príncipe
7.785
China
6.862
Total
236.915
CONSIDERADO UM PAÍS DE DESENVOLVIMENTO MÉDIO, PODE GANHAR OU
____________________________________________________________________________________
PERDER COM ESTA PRÁTICA?
____________________________________________________________________________________
Os fluxos em forma de empréstimos ou de donativos condicionados à
aquisição de bens e serviços portugueses devem ser objecto de relativização à situação social e económica de Portugal.
Portugal estará, por certo,
limitado pelos Princípios de Paris
para a eficácia da ajuda, assim
como pela recomendação adoptada na
reunião de alto nível da CAD/OCDE
(2001), para “desligar” a ajuda nos
casos dos países em desenvolvimento.
Porém, Cabo Verde está graduado a
país de rendimento médio e Portugal
encontra-se em situação socioeconómica particularmente crítica. É
em situações desta natureza que a
relativização do condicionamento da
ajuda ligada deve ser encarada, pois
o próprio doador necessita incrementar a robustez da sua economia, e
superar os embaraços sociais decorrentes dessa situação económica.
A adopção dos mecanismos da
ajuda ligada faz sentido quando a
situação financeira do doador não é
deficitária. Sendo-a, o doador não
estará confortável para disponibilizar seus meios susceptíveis de alimentarem economias quiçá concorrentes, através das dos países amigos
receptores das suas ajudas. Exceptuamos, nesses casos, situações em
que o país receptor faz uso dos bens
e serviços produzidos internamente,
pelos seus operadores económicos.
Assim, importa que as partes
determinem mecanismos de colaboração
em que todos possam sair beneficiários, pois esses poderão ser factores relevantes da revitalização da
situação do país doador. Na circunstância em que Portugal está presentemente, não vislumbramos o que Cabo
Verde perderia com a abdicação da
prática da ajuda ligada, por Portugal, e advogamos pelo estreitamento
de relações para efectiva parceria
estratégica mutuamente vantajosa,
que não descure a almejada eficácia
do desenvolvimento.
Fonte: dados disponíveis
no site do CICL, 2013
de definição da APD, para fazer
face à crescente tendência de
concessionalidade (ver Caixa 1),
defendida como uma relação de cooperação benéfica para ambas as partes. Contudo, pode afigurar-se como
uma tendência preversa, claramente
desrespeitadora das prioridades de
Desenvolvimento dos países parceiros ao adquirirem bens e serviços
a custos mais elevados que aqueles
adquiridos localmente ou na região
onde se inserem e condicionando
as escolhas das prioridades dos
países em termos das iniciativas
onde aplicar os recursos provenientes da APD.
Como revela a Tabela 1, dos
cerca de 309 milhões de euros disponibilizados para a APD bilate-
ral, quase metade (131 milhões de
euros) foi canalizada sob forma
de empréstimos concessionais para
um único país, actualmente considerado de Desenvolvimento Médio –
Cabo Verde. De facto, desde 2008
que a componente de empréstimos
concessionais e linhas de crédito
tem ganhado expressão no contexto
da APD bilateral portuguesa, disponibilizando um volume significativo de Ajuda ao Desenvolvimento
também a países que não são parceiros tradicionais de Portugal (a
APD portuguesa concentra-se sobretudo nos PALOP e Timor-Leste), o
que ajuda a explicar o surgimento
de Marrocos enquanto terceiro país
receptor da APD bilateral portuguesa em 2012, ao receber cerca
de 45 milhões de euros por via da
utilização de uma linha de crédito
no valor de 400 milhões de euros,
iniciada em 2008.
Em termos gerais, foram
disponibilizados quase 237 milhões
de euros (ou seja, 77% da APD
bilateral) para empréstimos concessionais a Cabo Verde, Moçambique, Marrocos, Angola, São Tomé
e Príncipe e, por fim, à China,
destinados sobretudo à construção
de equipamentos e infraestruturas
e a investimentos nos sectores das
energias renováveis, ambiente,
habitação social, entre outros
projectos.
No Plano de Acção para a
Implementação da Parceria Global
010-011
____________________________________________________________________________________
para uma Cooperação para o Desenvolvimento Eficaz (disponível no
site do CICL), o Governo português
compromete-se a cumprir as recomendações do CAD/OCDE em matéria
de desligamento da Ajuda ao Desenvolvimento, bem como a realizar um
trabalho de sensibilização junto
do Ministério das Finanças e da
Administração Pública (MFAP)2,
para que “proceda à revisão dos
termos e condições das linhas de
crédito e empréstimos concedidos”. Porém, até à data não existe
indicação se foram e de que forma
foram levadas a cabo iniciativas
de “sensibilização” do MFAP por
parte do Ministério dos Negócios
Estrangeiros (MNE). Em todo o caso,
a própria recomendação do CAD/OCDE
parece evitar a questão de que uma
orientação desse tipo cabe à chefia
do Governo e não depende de eventuais acções de sensibilização de
qualquer ministério junto de outro
ministério com o poder como o que
detém o MFAP.
No relatório de 2012, alertámos para a cada vez mais significativa dotação de APD bilateral
no MFAP, tendo atingido o valor
mais alto em 2011, quando mais de
metade (65%) dos fluxos disponíveis
foram canalizados através deste
ministério, contra 28% de fluxos
por via do MNE e 7% dos restantes
ministérios. O ano de 2011 ficou
também marcado pela mais baixa
execução orçamental da Cooperação
para o Desenvolvimento por parte
do MFAP, desde que há registo, na
medida em que apenas 46% da verba
foi utilizada.
A eliminação do Programa de
Orçamento da Cooperação3 que permitia identificar as verbas de APD
bilateral dotadas a cada ministério não nos permite avaliar, com
detalhe, qual o peso do MFAP em
2012, porém o volume de empréstimos concessionais – dois terços da
APD bilateral – leva-nos a deduzir que o MFAP mantém o protagonismo no contexto da Cooperação
Portuguesa e que o MNE, apesar do
papel de coordenação e de definição política nesta área continua
a representar um papel subalterno
face aos interesses económicos e
à visão economicista actualmente
dominante nas diversas esferas.
Embora seja referida como
tendo condições para ser uma política de Estado, já que não existem divergências significativas
entre os partidos políticos que
têm estado no poder, tal não se
tem traduzido num estatuto e numa
relevância que uma política de
Estado é suposta ter.
2
Para 2013, não foi possível obter
dados específicos sobre os montantes destinados a cada ministério, dada a inexistência
de instrumentos de comparabilidade, como o
Programa Orçamental para a Cooperação, em
vigor até 2011 [sobre esta questão, consulte
o boletim Abertura e Transparência – um
compromisso que (ainda) não passou à prática,
ed. Plataforma Portuguesa das ONGD, 2013]
3
sobre esta questão, ver o boletim
sobre Transparência (ref. na nota 2)
CAIXA 2. É TEMPO DE REDEFINIR O CONCEITO DE AJUDA PÚBLICA AO
____________________________________________________________________________________
DESENVOLVIMENTO?
____________________________________________________________________________________
A questão não é nova,
porém o debate tem-se intensificado principalmente no último
ano, ao questionar-se não só
os critérios de definição de
Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), mas também quem
deve liderar o debate. A APD
permanece uma questão central nas relações de Cooperação para o Desenvolvimento1?
A redefinição do conceito deve
permanecer no seio da OCDE?
Ou deve ser transferida para
as Nações Unidas, de forma a
incluir activamente no diálogo
países emergentes e em Desenvolvimento? O panorama mundial
alterou-se substancialmente,
desde o início de século, com
a emergência de outros doadores de programas de Desenvolvimento, como as economias emergentes, o investimento privado,
as fundações, entre outros,
alargando e diversificando o
espectro de escolhas dos Países
em Desenvolvimento. Além desta
tendência, assiste-se também a
uma maior diversidade de fontes
de financiamento do Desenvolvimento 2 que passa, por exemplo, pelas remessas da diás2
pora com um peso cada vez mais
importante e pelo investimento
privado (de empresas nacionais ou estrangeiras) ou pelo
próprio sistema de impostos
ao nível dos países. Por outro
lado, a austeridade económica
dos países financiadores, sobretudo aqueles que integram o
Comité de Ajuda ao Desenvolvimento (CAD/OCDE), tem também um
peso significativo na equação,
ao classificarem cada vez mais
como APD outros fluxos que não
têm impacto directo e real no
Desenvolvimento das populações
mais desfavorecidas. A discussão intensificou-se no final de
2012, com alguns Estados-membros do CAD/OCDE a sublinharem a urgência da revisão do
conceito de forma a integrar
outros “esforços” em prol do
Desenvolvimento. É disto exemplo a pressão para alterar
as condições de classificação
dos empréstimos concessionais
enquanto APD (ver caixa 1).
Também a aproximação de
2015, ano em que será formulada uma nova agenda global de
Desenvolvimento, tem intensifi-
012-013
cado o debate sobre o papel da
Ajuda Pública ao Desenvolvimento no contexto da Cooperação
para o Desenvolvimento e dos
critérios que o conceito deve
integrar.
Posto isto, é importante
garantir que a nova definição
de APD não se dilui em critérios dúbios de classificação de
fluxos para o Desenvolvimento
do país parceiro, sobretudo
para as populações e comunidades, inflacionando em simultâneo
as estatísticas e os compromissos a que os países financiadores estão vinculados. O
debate sobre a redefinição de
APD deve ser inclusivo e participado, incluindo as preocupações das Organizações da
Sociedade Civil, e tendo sempre
como pano de fundo os princípios fundamentais de Eficácia do
Desenvolvimento e uma abordagem transversal de Cooperação
internacional assente na realização dos direitos humanos.
1
Actualmente, a APD representa
cerca de 20% dos fluxos externos canalizados para os Países em Desenvolvimento,
porém continua a ser uma fonte significativa de receita para os países mais
pobres sobretudo na África subsariana,
representando cerca de 60% do financiamento externo.
2
Em 2011, por exemplo, as fontes de financiamento dos Países em Desenvolvimento foram as seguintes (em milhares de milhões): $529,9 em empréstimos
de longo prazo; $471,6 em Investimento
Directo Estrangeiro; $343,4 em remessas;
$211,4 em despesas militares; $179,6 em
empréstimos de curto prazo; $148,7 em
APD dos países do CAD/OCDE; $197,3 de
outros financiamentos (Outros Fluxos Oficiais, Ajuda ao Desenvolvimento Privada,
Cooperação para o Desenvolvimento de
países fora do CAD/OCDE, etc..).
A DIMENSÃO POLÍTICA DA
COOPERAÇÃO PORTUGUESA
O actual momentum de Portugal não é o mais favorável à
Cooperação para o Desenvolvimento, o que torna ainda mais
premente a aposta na qualidade e
na Eficácia do Desenvolvimento,
procurando assim optimizar os
recursos existentes em prol do
Desenvolvimento. É redutor cingir a discussão sobre o papel da
Cooperação Portuguesa à dimensão
da APD, na medida em que o apoio
político de Portugal a determinados processos internacionais
é igualmente importante e deve
ser considerado como uma questão
prioritária.
O ano de 2014 será crucial em matéria de Desenvolvimento e, perante este facto,
Portugal deve posicionar-se
publicamente, seja na dimensão do diálogo político sobre a
estratégia Europa-África (cuja
Cimeira acontecerá em Abril de
2014, em Bruxelas), nos debates
sobre a Eficácia da Cooperação
para o Desenvolvimento (a próxima Reunião de Alto Nível da
Parceria de Busan acontece também em Abril de 2014, na cidade
do México), na discussão sobre
a definição de APD e o futuro do
Financiamento para o Desenvolvimento (duas das questões que
serão certamente discutidas na
Reunião de Alto Nível dos membros do CAD/OCDE em Dezembro
de 2014), ou nas prioridades
de Desenvolvimento no Pós-2015
(em 2014, decorrem inúmeras
iniciativas em torno da agenda
pós-2015, a nível europeu e no
contexto das Nações Unidas4, que
culminarão com a Assembleia Geral
da ONU para a Revisão dos ODM,
entre Julho e Setembro de 2015).
Os compromissos assumidos
internacionalmente merecem um
inequívoco envolvimento político
e uma maior coordenação, convergência e complementaridade das
políticas. No plano interno, a
adopção de mecanismos que promovam a Coerência das Políticas
para o Desenvolvimento é central
neste domínio. Portugal adoptou a
Resolução do Conselho de Ministros n.º82/2010 que sublinha que:
4
Os debates temáticos ao longo
de 2014 constituirão um dos momentos centrais na discussão de temas
específicos para a Agenda Pós-2015. O
Presidente da Assembleia Geral da ONU
propõe o seguinte calendário: acesso à
água, saneamento e energias sustentáveis
(Fevereiro); o papel das mulheres, dos
jovens e da sociedade civil (Março); as
parcerias de Desenvolvimento (Abril); e
a estabilidade e a paz (Abril). Em eventos de Alto Nível, propõe a discussão
sobre a Cooperação Sul-Sul, triangular e
as tecnologias de informação e comunicação (Maio); e o contributo dos Direitos
Humanos e do Estado de Direito para o
Desenvolvimento (Junho).
014-015
“a maior coerência entre
políticas nacionais que afectem
os países em desenvolvimento e
a política de cooperação para
o desenvolvimento representa
um elemento fundamental para a
racionalidade, eficiência e eficácia da cooperação portuguesa”.
A mesma resolução reconhece
ainda que “a descoordenação e
a incoerência de políticas têm
custos económicos elevados, quer
para as populações dos países em
desenvolvimento, quer para os
próprios contribuintes nacionais”, porém a Cooperação Portuguesa continua a debater-se com
diversos problemas de coerência
de política, nomeadamente pela
grande dispersão institucional
e de recursos; pela ausência de
uma ferramenta que permita uma
leitura panorâmica dos recursos alocados a cada ministério e
instituto; e ainda pela escassa
discussão e decisão ao mais alto
nível entre os diversos ministérios, sobre políticas com implicação directa na Cooperação para
o Desenvolvimento.
COMISSÃO INTERMINISTERIAL
DE COOPERAÇÃO – O ELEMENTO-CHAVE
PARA A COERÊNCIA DAS POLÍTICAS
A Comissão Interministerial
de Cooperação (CIC), enquanto
mecanismo formal de coordenação
e acompanhamento e de reforço
do diálogo interministerial,
foi perdendo ao longo dos últimos anos o seu estatuto e papel
de coordenação e de tomada de
decisões ao mais alto nível
ministerial. Após um período de
actividade regular, entre 1999 e
2002, a CIC acabou por não ter
uma existência efectiva, pela
irregularidade dos encontros e
pela subrepresentação ao nível
político. A contrastar com as
10 reuniões realizadas em 2000,
apenas se realizou uma reunião
por ano entre 2009 e 2011, desconhecendo-se publicamente qualquer reunião realizada em 2012.
Uma portaria publicada
pelo MNE a 7 de Maio de 20135
indica que a CIC conhecerá um
novo fôlego a partir de 2013,
com reuniões ordinárias duas
vezes por ano (e extraordinárias
sempre que se justificar) e um
secretariado permanente composto
por representantes de cada um
dos ministros. Além dos diversos
ministérios aí representados,
outros organismos e instituições
integram a CIC, desde a Associação Nacional de Municípios,
o CICL, o Banco de Portugal, a
AICEP, a SOFID, as universidades
portuguesas, entre outros.
5
Para consulta em https://
www.instituto-camoes.pt/phocadownload/
portarias/portaria173_estatutos_cic.pdf,
portaria a aprovar pelo MNE e o MFAP
FÓRUM DA COOPERAÇÃO PARA O
DESENVOLVIMENTO ENQUANTO PLATAFORMA DE DIÁLOGO
Criado em 2008, o Fórum da
Cooperação para o Desenvolvimento
Portuguesa é actualmente uma das
principais plataformas institucionais de diálogo entre a Administração do Estado e os actores não
estatais, nomeadamente as ONG, as
universidades, as fundações, os
municípios e o sector privado. À
semelhança de 2012, foi realizada
apenas uma sessão plenária a 26
de Março de 2013, desta vez para
apresentar a avaliação intermédia
realizada pelo CAD/OCDE em 2012,
estabelecer Grupos de Trabalho
para a definição da Estratégia de
Ajuda Humanitária e a Estratégia
de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Rural, e criar uma Reunião
Temática sobre a Agenda para o
Desenvolvimento pós 2015.
Ao longo de 2013, os dois
Grupos de Trabalho, compostos por
diversas entidades que demonstraram interesse em integrar as
discussões, têm estado a trabalhar na elaboração de estratégias
sectoriais, sem porém ser ainda
conhecida a “estratégia chapéu”
que deverá orientar as estratégias
subjacentes. É portanto incoerente
linear a estratégia sectorial sem
a discussão também alargada e a
aprovação prévia da nova estratégia da Cooperação Portuguesa.
Recorde-se que ainda não
foi divulgada a nova estratégia
de Coooperação para o Desenvolvimento Portuguesa. Desde Novembro
de 2012 que uma proposta de novo
documento estratégico – formulada pelo CICL – está na posse do
gabinete do Secretário de Estado
dos Negócios Estrangeiros e da
Cooperação (SENEC). Em Dezembro
de 2013, a proposta de “conceito
estratégico” foi apresentada pelo
SENEC à direcção da Plataforma
Portuguesa das ONGD como documento praticamente finalizado e
sob reserva, não podendo assumir
o carácter de documento a debate
público. Além disso, foi dado
unicamente o prazo de uma semana
para a recepção de contributos da
direcção da Plataforma Portuguesa
das ONGD. Este facto demonstra
que o modelo de participação
na elaboração e na discussão do
documento é, no mínimo, mais
formal que efectivo.
A INSTABILIDADE NA SECRETARIA DE ESTADO
A somar à evidente subordinação da Cooperação Portuguesa
à diplomacia económica, assiste-se também a instabilidade na
direcção política da Cooperação
Portuguesa, enquanto reflexo da
própria instabilidade governativa do país. Em 2013, a pasta
da Cooperação Portuguesa conhe-
016-017
ceu três Secretários de Estado
dos Negócios Estrangeiros e da
Cooperação – Luís Brites Pereira
(que ocupou a pasta de Julho de
2011 a Abril de 2013); Francisco
Almeida Leite (vindo da direcção
do CICL, não chegou a completar quatro meses no cargo e foi
entretanto nomeado administrador da SOFID – Sociedade para
o Financiamento do Desenvolvimento) e Luís Campos Ferreira
(desde Julho de 2013), aquando
da remodelação governamental que
colocaria Rui Machete à frente
do Ministério dos Negócios
Estrangeiros.
É também na instabilidade
e nas oscilações verificadas ao
nível da Secretaria de Estado
que se denota que a Cooperação Portuguesa não é entendida
efectivamente como política
de Estado, na medida em que as
políticas têm dependido, ao
longo dos últimos anos, quase
sempre da figura do SENEC. Isto
provoca oscilações, por vezes,
significativas nas orientações
da política de Cooperação Portuguesa e na sensibilidade para
determinadas questões.
O IMPACTO REDUZIDO DO PARLAMENTO NA MONITORIA E PROMOÇÃO
DA POLÍTICA DE COOPERAÇÃO NO
ÂMBITO DA POLÍTICA EXTERNA E DAS
OUTRAS POLÍTICAS PÚBLICAS
É importante referir também aqui o papel do Parlamento,
nomeadamente da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros
e Comunidades Portuguesas, na
monitoria da Cooperação Portuguesa. De facto, esta política
não tem merecido discussão no
contexto parlamentar, e o processo de monitoria da APD e da
Cooperação para o Desenvolvimento, sobretudo dos compromissos assumidos internacionalmente
por Portugal, tem sido inconsequente ou com pouco impacto. No
contexto específico da Comissão
Parlamentar especializada, o
debate sobre Cooperação Portuguesa é consideravelmente menor
quando comparado com temas como
a diplomacia económica, a diplomacia militar ou o estatuto
internacional da língua portuguesa.
Caberia ao Parlamento a
promoção do estatuto da políticia de Cooperação para o
Desenvolvimento, no âmbito das
diversas políticas públicas,
nomeadamente através da promoção do debate e de outro tipo
de iniciativas que coloque a
Cooperação Portuguesa no debate
público. É igualmente importante
que os deputados coloquem essa
questão na agenda da relação com
as instituições do Estado, por
um lado, e com os eleitores, por
outro.
RECOMENDAÇÕES
Pelas razões anteriormemte explanadas, questionamos
se a Cooperação Portuguesa é de
facto uma política de Estado,
transversal a ciclos eleitorais, ou seja, de continuidade
das acções independentemente
dos mandatos e com o peso político adequado. Diversos indicadores levam-nos a deduzir
que há ainda um longo caminho
a percorrer para a Cooperação
Portuguesa ocupar um lugar per
se no contexto das políticas
públicas, articulando-se-lhes
com vista ao Desenvolvimento
e ao benefício das populações
mais desfavorecidas nos países
parceiros. Assim sendo, concluímos que:
_ as restrições orçamentais e a tendência de decréscimo do volume de APD não devem
colocar em causa os compromissos assumidos internacionalmente por Portugal;
_ o rácio RNB/APD fixou-se, em 2012, nos 0,29%, muito
longe da meta dos 0,7% RNB/APD
que deverá ser alcançada pelos
países financiadores até 2015.
Apesar de ser irrealista pensar que Portugal poderá atingir esta meta, consideramos
que será importante redefinir
as metas quantitativas, tendo
em conta o contexto, mantendo
porém o compromisso de qualidade e de tendência de crescimento dos valores de APD. Para
isso, recomendamos a calendarização desses objectivos de
forma transparente e alinhada
com as prioridades dos países
parceiros;
_ o valor de APD bilateral não deve continuar a ser
inflaccionado pelo crescente
volume destinado a empréstimos concessionais, que em 2012,
representaram mais de 75% dos
montantes gerais destinados à
Cooperação bilateral com os
países parceiros;
_ no plano político, Portugal deve envolver-se activamente nas discussões internacionais, procurando influenciar
processos, como a estratégia
Europa-África, a operacionalização da agenda de Eficácia da
Cooperação para o Desenvolvimento, o debate sobre o Financiamento para o Desenvolvimento
e a revisão dos critérios de
definição da APD e ainda a formulação da Agenda de Desenvolvimento para o Pós-2015;
_ o Parlamento deverá
assumir o seu papel de monitoria da Cooperação Portuguesa
de forma proactiva, avaliando
os compromissos que Portugal
assumiu no plano internacional
em materia de Eficácia do Desenvolvimento;
018-019
_ o Parlamento deverá
igualmente contribuir para
a relevância da política de
Cooperação para o Desenvolvimento no contexto da política
externa e das outras políticas
públicas, promovendo debates e
outras iniciativas que melhorem
a consciência e a compreensão
do que está em jogo, por parte
dos responsáveis das instituições e na sua relação com os
cidadãos;
_ a Coerência das Políticas para o Desenvolvimento
deve ser promovida no contexto
nacional, através da articulação entre as diferentes pastas do Governo e os diferentes
stakeholders. É premente inverter a tendência de subordinação
a outras políticas no domínio dos negócios estrangeiros,
nomeadamente na diplomacia económica e de promoção da língua
portuguesa;
_ o Fórum da Cooperação para o Desenvolvimento,
enquanto institucionalização
do diálogo entre o Governo e
os actores não estatais que
trabalham na área do Desenvolvimento, deve incentivar o
real envolvimento de todos os
stakeholders na definição da
política de Desenvolvimento,
adoptando uma postura não só
informativa mas sobretudo consultiva, procurando acolher e
sistematizar os diversos contributos nesta área;
_ também a adopção de uma
nova estratégia para a Cooperação Portuguesa deve ser
o culminar de um processo de
discussão entre os diversos
stakeholders e permanecer em
sintonia com os compromissos
internacionais em matéria de
qualidade e com as boas práticas de Desenvolvimento.
GRUPO DE TRABALHO AID WATCH
DA PLATAFORMA PORTUGUESA DAS ONGD
MONITORIZA A AJUDA PÚBLICA AO
DESENVOLVIMENTO E O ESTADO ACTUAL
DA COOPERAÇÃO PORTUGUESA
TÍTULO
Cooperação Portuguesa: Uma Política de
Estado?
AUTORIA
Ana Filipa Oliveira / ACEP
COMENTÁRIOS
Grupo de Trabalho Aid Watch da
Plataforma Portuguesa das ONGD
EDIÇÃO
Plataforma Portuguesa das ONGD
DATA
Dezembro 2013
APOIO
CONCORD - Confederação Europeia das ONG
DESIGN GRÁFICO
Ana Grave
PRÉ-IMPRESSÃO, IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Agora Lx - Agência de Produção
COM O APOIO DE
Download

Cooperação Portuguesa: uma Política de Estado?