RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 2
POR UMA PERCEPÇÃO DE GÊNERO E,
TAMBÉM, ÉTNICO/RACIAL
WANIA SANT ANNA*
Aquele homem diz que as mulheres precisam ser ajudadas a entrar
nas carruagens, serem erguidas acima das fossas e terem os melhores
lugares onde quer que seja. Ninguém jamais me ajudou a entrar em
carruagens, erguer-me acima das poças de lama ou ofereceu-me o
melhor lugar! E não sou eu uma mulher? Olhe para mim! Olhe para
meu braço! Eu arei, plantei, recolhi as colheitas nos celeiros e nenhum homem me guiou! E não sou eu uma mulher? Eu pude trabalhar e comer tanto quanto um homem — quando me foi dada a
oportunidade de ter isto — e agüentar as chicotadas! E não sou eu
uma mulher? Eu pari treze filhos e vi a maioria deles serem vendidos
como escravos, e quando eu chorei com minha aflição sobre o túmulo de minha mãe, ninguém além de Jesus ouviu-me! E não sou eu
uma mulher?1
(Sojourner Truth, feminista afro-americana, ex-escrava, atuante no século XIX.
Sojourner promoveu esta fala em Akron, Ohio, em 1851)
Este artigo reconstitui, na verdade, uma experiência tida há quase uma década
*
Historiadora, negra, feminista, 40
anos. Tendo trabalho em diversas organizações nãogovernamentais.
Hoje é professora
universitária e pesquisadoras das relações raciais e de
gênero.
1
COLLINS, Patricia
Hill. 1990. Black
Feminist Thought
Knowledge,
Counsciosness and
the Politics of
Empowerment.
Boston: Unwin
Hyman, p.14.
2
Vocês podem ter
acesso a esta reflexão, em sua versão
original, em —
Especial Mujeres
Negras (1995). A
autora recomenda
ao site e publicação para aqueles
que se interessem
por questões de
gênero, raça/etnia
e América Latina.
atrás. No entanto, a atualidade, de seu conteúdo, em alguma medida, nos assegura a pertinência de apresentá-lo ao debate entre aqueles que desejam entrar
em contato com as realidades expressas nas relações de gênero e relações étnicos/raciais no Brasil. Além disso, o seu caráter pedagógico, dado o fato de reconstruir uma experiência coletiva e reflexiva, coloca todos nós na posição de
aprendizes. Ou seja, as realidades desveladas quando nos dispomos a analisar as relações
étnico/raciais e de gênero no Brasil, coloca todos nós em uma interessante, e mesmo provocativa, situação de aprendizado que vale a pena lidar e elaborar novas perspectivas tanto no nível
pessoal quanto coletivo.2
Ou seja, alinharmo-nos junto àqueles que desejam refletir sobre esses assuntos
significa, por exemplo, aproximar-se de uma reflexão também presente junto às
organizações feministas e de mulheres brasileiras. Todos nós estamos aprendendo sobre como refletir e agir em uma perspectiva anti-racista e anti-sexista.
Estamos todos precisando conferir o real significado de promover as mulheres
e população afro-descendente no Brasil e, sendo assim, descobrir como satisfazer os interesses e as necessidades das mulheres negras brasileiras que, por
merecimento, precisam ser consideradas para além das imagens desvalorizadas
de empregadas domésticas, prostitutas, ignorantes, “sem miolos”, degeneradas e pouco capazes de cuidar, com responsabilidade, de si e de sua prole que,
infelizmente, ainda povoa o imaginário nacional. Sim, o imaginário de homens
e mulheres brasileiros — sejam eles brancos ou afro-descendentes.
DEZEMBRO DE 2001
IETS
17
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 2
Enfim, este artigo é resultado de uma oficina assistida por um grupo de mulheres militantes do Partido dos Trabalhadores no Estado do Rio de Janeiro. Fui
convidada a participar deste encontro quase às vésperas de sua realização. Aceitei
o convite por inúmeras razões, a mais significativa delas, se é que posso classificar assim, prendeu-se ao fato de acreditar na necessidade urgente, naquele momento tanto quanto hoje, de discutir as relações raciais associando-as às questões de gênero .
Finda a experiência da oficina, coube-me aprofundar um pouco mais a discussão iniciada, quando exercitamos, com cada uma das mulheres lá presentes,
qual era a percepção que elas tinham acerca da população negra a partir de uma
simples pergunta: Se, no convívio profissional ou de militância partidária
elas identificavam entre as pessoas com as quais se relacionavam a presença de brancos e negros, e como os identificavam.
Os resultados obtidos foram, fraternalmente, sugestivos. Não tínhamos por
objetivo fazer um “levantamento” sobre quem era branco ou negro entre conjunto de relações estabelecidas por elas. Na verdade, nos interessava saber se as
mulheres ali presentes percebiam as pessoas como sendo brancas ou negras,
segundo a sua história/origem étnico/cultural. Nos interessava saber se havia
a preocupação de identificar as pessoas segundo esta matriz e, mais objetivamente, colocar em discussão as possíveis explicações para a situação de subordinação do grupo negro. Neste caso, uma possibilidade absolutamente “ajustada” aos padrões de desigualdade racial no Brasil.
Considerando a identidade do grupo que havia se colocado esta tarefa — mulheres interessadas em fortalecer a presença social de política das mulheres —
esta reflexão era ainda mais pertinente. Além disso, pesava o fato de todas elas
terem muitíssimo claro a posição ocupada pelas mulheres nas instâncias partidárias e possuírem um acurado senso de identificação da situação subordinada
das mulheres naquelas instâncias. Elas conseguiam, com bastante precisão,
perceber a ausência e a presença de mulheres nos seus locais de trabalho e
atuação política. No entanto, não conseguiam como, com igual habilidade,
perceber a população negra. Ou seja, não conseguiam empreender o mesmo
exercício de percepção quando colocávamos sob foco a população negra.
Não era o caso de não existirem negros no conjunto de relações políticoprofissionais nas quais estavam inseridas, mas não percebe-los, simplesmente,
como tal. Não era também o caso de não perceberem os negros como tal por
ser este um tipo de diferenciação sem sentido às presentes. Neste caso, a atitude poderia ser entendida como uma posição política extremamente igualitária.
Enfim, o que tomei como lição daquela rápida abordagem foi tanto uma
dificuldade como uma falta de motivação para perceber as diferenças
existenciais e políticas do outro - neste caso, a população negra — em
seus aspectos semelhantes à subordinação cotidiana da população feminina. Ou seja, a ausência de qualquer motivação para estabelecer paralelos entre una e outra situação de subordinação.
18
IETS
DEZEMBRO DE 2001
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 2
Perceber as mulheres e os negros como grupo social distinto — histórias e formas de inserção na hierarquia social distintos — soava algo bastante lógico.
Negar com o mesmo vigor a simplificação do pensamento que diz que não
existe diferenças fundamentais entre homens e mulheres para além da sua diferenciação biológica, seria, do ponto de vista da prática política, bastante coerente. Mas isto não ocorreu. E por que não ocorreu?
A minha resposta a esta pergunta se “esvai” em duas direções. A primeira está
centrada na abordagem da estratégia adotada pelo movimento feminista e de
mulheres para enfrentar as diferenças existentes entre as mulheres, pontuando
algumas de suas conseqüências mais desastrosas. A segunda, diz respeito a forma, digamos, canhestra com que a sociedade brasileira vem convivendo com a
sua diversidade étnica, ou como o racismo vem sendo, ao mesmo tempo, nutrido na sua aparente negação.
No caso brasileiro, identificar o sistema de subordinação sob qual vive as mulheres
a partir das atitudes masculinas, fez com que as mulheres organizadas acreditassem que todas as mulheres compartilhavam uma mesma situação de subordinação. As
diferenças, só se tornavam explícitas quando se levava em conta as diferenças de
classe. Neste caso o comentário mais comum era o de que os interesses das mulheres
de classe média divergiam fundamentalmente dos interesses das mulheres de classe popular.
Para exemplificar esta, “única”, diferença era comum citar os interesses divergentes entre patroas e empregadas domésticas. Porém, a partir daí as estratégias
adotadas, veladas ou abertas, para evitar o esfacelamento tenderam a negar o
amplo quadro de interesses divergentes que impediam a realização de um projeto de luta comum. Por exemplo, os interesses divergentes no tocante a questão étnico/racial.
Sinceramente preocupadas com os estragos provocados por uma ruptura total
e culpadas frente ao inquestionável desprezo e desrespeito que reza nas relações estabelecidas entre patroas e empregadas domésticas, passamos a situar a
violência doméstica como algo que atravessava/atravessa a posição de classe
das mulheres. Passamos a, enfaticamente, ressaltar que o desconhecimento sobre o próprio corpo e a sexualidade não era privilégio apenas de um segmento
da população feminina. Nesses assuntos, éramos todas, independente da posição de classe ou raça, vítimas da violência doméstica e ignorância sobre o corpo
e a realização do prazer sexual e ponto final. Enfim, podíamos, sem diferença,
encontrar o nosso ponto de desgraça comum, maravilha!!!
Em uma tentativa de teorizar a estratégia adotada, seria oportuno pontuar algo
importante como o fato de todo o pensamento humano ser, em seu princípio,
uma experiência parcial. Sim, parcial. Parcial na medida em que são moldados
por interesses específicos e socialmente situados. Porém, como bem coloca
Sandra Harding (1990), alguns interesses e situações sociais são mais danosas
que outras em relação ao grau de afunilamento e distorção que tendem a gerar
no pensamento e/ou compreensão da realidade que produzem.
DEZEMBRO DE 2001
IETS
19
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 2
No caso brasileiro, eu diria que o tratamento da situação das diferenças existentes entre mulheres brancas e negras a estratégia adotada pelo movimento feminista e movimento de mulheres produziu efeitos que não foram de “todo”
ruim. No que diz respeito a certas conquistas políticas, no entanto, continuar
negando as diferenças poderá produzir impasses cada vez maiores.
Explico, continuar negando as diferenças de classe, raça, opção sexual,
entre outras diferenças não contribuirá para um maior entendimento
das especificidades das mulheres marcadas pela sua posição de classe,
origem étnica, orientação sexual e outras. A crítica feminista, do ponto de
vista teórico e prático, avançou no sentido de desmontar (desconstruir) a idéia
de um homem universal em sua trans-histórica racionalidade, fez ver que o quê
tem sido aclamado como sendo verdade aos homens e a razão é, de fato, uma
característica, no melhor dos casos, apenas aos homens que pertencem ao grupo dominante e aos ideais que deles se favorecem ou vice-versa.
Assim, como bem problematiza Harding (1990), “se não existe um homem
universal e típico em sua trans-histórica racionalidade, então não há como existir, tampouco, uma mulher, trabalhador, pessoa de cor, lésbica ou gay e
sua/seu unida e única legítima razão.”3 A noção de diferença exige rever antigas estratégias e incluir em nossas análises as diversas implicações dessas diferenças nas formas de organização social dos distintos grupos sociais. Enfim,
exige evitar, em nome de uma suposta necessidade política de união, a
generalização.
Apenas para citar um exemplo simples de como as tentativas de generalização
podem distorcer em muito a história de um determinado grupo social, eu gosto, sempre, de citar o caso da participação das mulheres brasileiras no mercado
de trabalho. Com muita freqüência, e impropriedade, se diz que as mulheres
brasileiras viveram os anos 70, do século XX, como um momento áureo de sua
participação no mercado de trabalho. Isto não deixa de ser verdade. Mas também é verdade que um número de mulheres já trabalhavam naquela época e
que a sociedade brasileira convive com história de mulheres trabalhadoras há
varias gerações, há vários séculos.
As mulheres negras e trabalhadoras rurais são exemplos clássicos desta máxima. E tanto podem como devem, com razão, não reconhecer esta afirmação
como sendo fiel á historia de seu grupo social. A análise da realidade dos anos
70 pode ser algo a ser contabilizado como a historia de um numero até mesmo
expressivo de mulheres, mas não de todas as mulheres brasileiras. Isto porque
tendo as suas experiências de mães e avós trabalhadoras rurais e urbanas, escravas, migrantes muitas mulheres brasileiras contariam a participação de suas antepassadas no mercado de trabalho de maneira, definitivamente, diferente. Ou
seja, ao muito justo, tanto do ponto de vista político, como conceitual.
Por detrás da importância que vem sendo dada ao aumento da participação das
mulheres no mercado de trabalho pós-anos 70, escondemos as nossas dificul20
IETS
3
Sandra Harding ´´e
uma teórica
feminista
americana, branca,
professora do
Departamento de
filosofia da
Universidade de
Delaware e não
traduzida par o
português. Essa
colocação faz parte
de um texto
publicado em
junho de 1990,
“Subjectivity,
Experience and
Knowledge: An
Epistemology
from/or Rainbow
Politics”, e no qual
discute passos para
a produção de
conhecimento que
leve em conta a
experiência dos
grupos alijados da
produção
acadêmica e
espaços de acordos
políticos.
DEZEMBRO DE 2001
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 2
dades em analisar as diferenças, as especificidades e lacunas de uma possível
história das mulheres brasileiras. Passamos a ser coniventes com uma série de
afirmações que, de fato, só contribuem para que as mulheres se tornem ainda
mais invisíveis na história do trabalho.
No que diz respeito às mulheres negras e trabalhadoras rurais, legitima as análises que desconsideram a força de trabalho feminina na economia agrícola hoje
e também no seu passado, bloqueia as considerações sobre o trabalho das mulheres negras contextualizado na sua experiência histórica de escravidão.
Relativizar e contextualizar a presença das mulheres no mercado de trabalho a
partir da década de 70, não significaria negar as transformações que advém desta presença, mas contribuiria para que aquelas que já participavam formalmente deste mercado de trabalho pudessem ver sua experiência também levada em
conta. Em última instância, produziria uma análise e entendimento sob uma
perspectiva, a perspectiva que denominamos étnico/racial e de classe e mais livres dos prejuízos conceituais e políticos .
Retornando à experiência de nossa oficina e às dificuldades de identificar as diferenças entre brancos e negros na forma como transpareceu, concluo que esta
dificuldade de percepção não significava/significa, em absoluto, tornar comum e aceitável a sua presença, mas ignorar a necessidade de entender as especificidades e história desse grupo social .
A especificidade na qual vive envolta a população negra tem sido marcada por
uma diferenciação constante. Esta diferenciação se dá em relação a um outro
que lhe é apresentado como oposto: o branco. As relações entre negros e brancos têm sido marcadas ou demarcadas por uma hierarquia estabelecida a partir
da diferenciação cultural. Por mais paradoxal que seja, ignorar a presença da
população negra ou deixar de discutir a sua presença pode contribuir para situações de preconceito, discriminação e mesmo racismo.
Isto porque quando, sem questionamentos, jogamos no limbo as informações
mais remotas e presentes sobre uma suposta “inferioridade racial” da população negra — base da estrutura de pensamento racista — corremos um risco
enorme de reproduzi-las.
Citando exemplos simples, vejamos o que isto pode significar na prática. Se um
(a) educador (a) não consegue de chofre identificar os seus alunos como brancos e negros — ou seja, pessoas portadoras de histórias tanto distintas como,
em vários momentos, de entrelaçamento — as chances de não considerar as
especificidades de seu cotidiano podem ser expressivas ao ponto de contribuir
para que o grupo subordinado, no caso o grupo negro, não seja representado e,
mais grave, respeitado nesta sua especificidade.
Na melhor das hipóteses, e com piores conseqüências, as especificidades tendem a ser visíveis em esquemas que só reforçam padrões de discriminação. Por
exemplo, as especificidades da população negra são, nas escolas, usualmente
DEZEMBRO DE 2001
IETS
21
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 2
ressaltadas no mês de maio, quando relacionadas ao evento da abolição da escravidão. Ora, a escravidão, em si, devemos admitir, já é produto/resultado de
um certo tipo de distinção discriminatória pois esteve baseada em esquemas de
pensamento que afirmavam uma suposta superioridade cultural. Esteve baseada em uma visão de mundo que percebia o escravizado como um instrumento
realizador da capacidade e genialidade de um outro, neste caso, a civilização
ocidental cristã e seu ideal evangelizador.
Se como educador (a) não consigo distinguir os meus alunos como negros ou
brancos, mas sigo recuperando apenas o fato histórico da escravidão para demarcar a especificidade de um grupo, não existe aí uma ação que se preste a demolir a racionalização que deu origem a escravidão ou destruir os alicerces sobre
os quais foram construídos os pilares da hierarquia estabelecida entre brancos e
negros. Ao contrário, demarco o quando em que situações a especificidade
pode e deve ser recuperada e, neste caso, em uma situação de subordinação.
Mal comparando, seria como lembrar das mulheres apenas no Dia das Mães ou
dos índios em um tal Dia do Índio. Ora, as mulheres não são apenas mães e,
mais importante, estamos apreendendo que todo dia é dia de índio. Evidentemente, é louvável que se elabore críticas com relação a essas datas, mas isto ainda contribui muito pouco para a construção de um cotidiano escolar voltado a
tarefa de estabelecer um padrão de crítica mais permanente e liberto de praticas
preconceituosas. Enfim, contribui muito pouco para a construção de uma prática pedagógica respeitosa ao cotidiano e história das crianças negras, por
exemplo.
Ainda sobre alguns outros assuntos emergentes durante a nossa oficina,
lembro-me de uma mulher que me perguntou onde poderia encontrar um cabeleireiro que pudesse cuidar/tratar do cabelo de sua filha. Segundo ela, a filha
vivia “encucada” com o fato de não ter o cabelo liso igual ao dela (a mãe). Todas
as pessoas negras que já viveram o processo de aceitação de sua auto-imagem
sob a égide positiva de sua negritude, sabem que aceitar o cabelo crespo, encontrar formas de cuidá-lo e apresentá-lo, é passo importante na recuperação
de sua auto-estima pessoal e, também, de grupo.
Não encontrar espaços, desde tenra idade, que valorizem ou mesmo tornem
comum a especificidade do seu cabelo crespo, contribui negativamente para a
sua aceitação pessoal. Neste caso, aos educadores (as) deveriam também caber
a tarefa de tornar comum não apenas o universo das cores, dos sons, das palavras e seus significados, mas também os diversos tipos de cabelo, desenho dos
narizes, lábios dos brancos e negros, por exemplo.
Uma ação como esta incluiria-se numa perspectiva inter-étnica de educação e
contribuiria para que uma criança negra estivesse menos preocupada em ter
um cabelo que não é o seu, mas de uma outra pessoa. As diferenças da textura
de seu cabelo não seria nada relevante, mas apenas um registro de como as pessoas são diferentes uma das outra, mas em nada desiguais quanto ao fato de serem todas seres humanos, com pelos e cabelos, igualmente.
22
IETS
DEZEMBRO DE 2001
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 2
Em minha experiência pessoal, certa vez ouvi dizer que o cabelo dos negros espetavam!!! Espetar traz, a todos nós, uma sensação de dor. Ora, mas em se tratando de nossos cabelos crespos, isto não é verdade. O cabelo das pessoas negras, quando tocados, dão às mãos uma sensação de volume, uma sensação de
cair sobre um colchão de molas, é gostoso e poucas pessoas sabem disso. Se as
crianças tivessem a oportunidade de experimentar isto, antes de imaginarem
que o cabelo dos negros é algo que espeta e produz dor, talvez estivessem mais
abertas a valorizar positivamente o cabelo crespo.
Poderíamos escrever linhas e linhas sobre como a nossa experiência de vida
poderia ser diferente, experimentando positivamente as diferenças étnicas e recuperando, sem preconceito, o que temos em comum. Talvez este seja um
aprendizado sem fim, mas para efeito da nossa proposta política — fim dos padrões discriminatórios — esta é uma tarefa que precisa ser iniciada o mais cedo
possível. Espero que a reunião daquela manhã tenha sido, pelo menos, o início
para aquele grupo de mulheres e, agora, para vocês que chegaram até ao fim
desta leitura.
4
Esse trecho é parte
do antigo “Cabelo
oprimido é um
teto para o cérebro” que integra o
livro “Vivendo
pela palavra”, publicado no Brasil
pela Ed. Rocco,
Rio de Janeiro,
1988.
DEZEMBRO DE 2001
“Quando o meu cabelo atingiu dez centímetros de comprimento, dispensei o cabelo de minhas irmãs coreanas e trancei o meu. Só então
renovei o conhecimento com suas características naturais. Descobri
que era flexível, macio, reagindo quase com sensualidade à unidade.
Com pequenas tranças girando para todos os lados, menos para onde
eu queria que virassem, descobri que meu cabelo era voluntarioso,
exatamente como eu! Vi que meu amigo cabelo, tendo recuperado
vida própria, tinha senso de humor. Descobri que eu gostava dele.
Mais uma vez na frente do espelho, olhei para minha imagem e comecei a rir. Meu cabelo era uma dessas criações estranhas, incríveis,
surpreendentes, de parar o tráfego – um pouco parecido com as listras das zebras, com as orelhas do tatu ou os pés azul-elétrico do
mergulhão – que o universo cria sem nenhum motivo especial a não
ser mostrar sua imaginação ilimitada”.
(Alice Walker, escritora afro-americana)4
IETS
23
Download

POR UMA PERCEPÇÃO DE GÊNERO E, TAMBÉM, ÉTNICO/RACIAL