A ABUNDÂNCIA EM TEMPOS DE CRISE Por Myrthes Gonzalez Nos últimos meses a maioria dos brasileiros tem sentido uma crescente instabilidade e insegurança quanto ao futuro. Não pretendo discutir sobre as articulações políticas e problemas éticos que podem ter ocasionado este momento de instabilidade que estamos vivendo. O que quero propor é a reflexão sobre o significado deste momento na vida de cada um de nós. Existe um senso comum que leva as pessoas a procurar construir um sistema de certezas. Podemos dizer também que é um sistema de referencias que funciona como estabilizador da angústia diante das infinitas surpresas ou mudanças que a vida pode trazer. Vivemos equilibrados sobre uma rede de referenciais e crenças que cria a ilusão de segurança de que as coisas vão ser sempre como planejamos. A crise se instala quando alguns fios desta teia se rompem. Quando isto acontece sentimos uma estranha sensação de pressentimento de catástrofe. Proibida reprodução total ou parcial do texto, sem expressa autorização. © Myrthes Gonzalez 2015 Página Em uma crise econômica e institucional como a que estamos vivendo atualmente vemos esses fatores desmoronarem simultaneamente. Soma-se uma sensação de desorganização geral com aumento do crime, da drogadição e da violência. Por outro lado, as instituições, especialmente o estado, parecem esgotadas e ineficazes. A mídia vai reforçando a situação desesperante dando ênfase absoluta a notícias que colocam em evidencia ou em pano de fundo a situação de violência e falimento das instituições. Em poucos meses todas as certezas se foram e se tornou difícil manter a lucidez diante de tantas promessas, acusações, denuncias e violência. 1 Em nossa cultura de produção e consumo o poder de compra é uma referencia bastante valorizada. Uma das garantias de que este poder vai ser mantido para uma grande parte da população é o emprego e todas as garantias sociais que o acompanham. Mas será que quando tínhamos o poder de comprar mais objetos e usufruir mais serviços estávamos mais lúcidos? Talvez seja o momento de pequenas revisões revisões em nosso sistema de referencias que possam nos conduzir a encontrar o simples, pelo qual não temos que lutar e que não temos como comprar nem em lojas e supermercados. Talvez seja o momento de reencontrar sua própria casa e ver como aproveitar o que existe dentro dela, aproveitar e se divertir criando com o que já é seu. Quem sabe é o momento de conversar com as pessoas, descobrir suas historias e contar as suas, desfrutar dos parques dos dias de sol. Redescobrir as comidinhas simples que esquecemos diante diante de grandes freezers de comida congelada. O simples é de extrema abundancia. Mas para ter acesso a esta riqueza é necessário abrir-se abri ao valor das coisas aparentemente corriqueiras do cotidiano, que às vezes consideramos banais. O convívio com pessoas pessoa que amamos, os alimentos frescos, caminhadas na natureza. Na maioria das vezes coisas que já temos e não valorizamos. Tudo isto lembra uma estória: Um colonizador português pergunta a um cacique indígena, que está em sua cabana, cabana deitado na rede: - Por que o senhor não coloca seus homens a trabalhar? Assim Assim vocês poderiam produzir muitas coisa e vender. O índio pergunta: - E para que? - Para ter dinheiro, ora. - E para que? - Para poder comprar rar tudo de tudo, tudo muitas propriedades e objetos. - E para que? - Assim o senhor poderia ser um homem rico, respeitado por todos. - E para que? - Assim o senhor não necessitaria se preocupar com nada e poderia ficar o dia inteiro descansando em uma rede. Página 2 Diálogo inspirado no filme a invenção do Brasil Proibida reprodução total ou parcial do texto, sem expressa autorização. © Myrthes Gonzalez 2015