Matriz de Deliberação: um Instrumental Participativo para Auxiliar a Gestão Sustentável dos Recursos Naturais Valdir F. Denardin – Universidade Federal do Paraná – Campus Litoral E-mail : [email protected] Mayra T. Sulzbach – Universidade da Região de Joinville E-mail: [email protected] Resumo: O artigo tem por objetivo apresentar uma ferramenta participativa de suporte à deliberação, denominada “Matriz de Deliberação”, para auxiliar a gestão sustentável dos recursos naturais. A Matriz de Deliberação é construída a partir da identificação dos principais atores envolvidos no uso, conservação e degradação dos recursos naturais, dos enjeux de gouvernance ambientais (conflitos ambientais) e de um grupo de cenários futuros para a região em análise. Utilizando a Matriz de Deliberação, os atores têm a possibilidade de se posicionar frente aos cenários propostos para uma região qualquer e avaliar seus respectivos impactos na qualidade dos recursos naturais. A ferramenta mostra-se adequada para identificar ações e políticas que visem a gestão sustentável dos recursos naturais, bem como pode ser utilizada para identificar objetivos e políticas que possibilitem o desenvolvimento regional. 1. INTRODUÇÃO O presente artigo tem por objetivo apresentar um instrumental participativo de auxílio à deliberação, denominado “Matriz de Deliberação”, cuja finalidade é contribuir para a gestão sustentável dos recursos naturais. O instrumental mostra-se útil, também, para pensar o desenvolvimento regional. A Matriz de Deliberação (MD), também denominada “cubo”, tem por objetivo dar suporte a um processo de discussão, reflexão e argumentação sobre as alternativas de gestão dos recursos naturais, de desenvolvimento regional, de gestão do território etc. Porém, para que os atores possam deliberar sobre a gestão e uso atual e futuro dos recursos naturais ou sobre as possibilidades de desenvolvimento de determinada região, um conjunto de informações deve estar disponível. Neste sentido, a operacionalização de uma MD necessita primeiramente da identificação dos principais atores envolvidos no uso, degradação e conservação dos recursos naturais, passando pelo registro dos enjeux de gouvernance e finalmente da construção de cenários futuros. 2. A MATRIZ DE DELIBERAÇÃO A Matriz de Deliberação (MD) é uma Ferramenta de Suporte a Deliberação (Deliberation Support Tools - DST) que foi desenvolvida para auxiliar na gestão dos recursos hídricos numa perspectiva de conciliação entre os atores. A ferramenta foi desenvolvida pelo Centre d’Economie et d’Ethique pour l’Environnement et le Développement (C3ED) através do projeto de pesquisa intitulado: “Guildelines for the Organization, Use and Validation on Information for Evaluating Aquifer Resources and Needs - GOUVERNe”. A ferramenta está sendo aplicada também no projeto: Pesticides in European Groundwaters: detailed study of representative aquifers and simulation of possible evolution scenarios – PEGASE e no projeto: Social Learning on Environmental Issues with the Eractive Information on Comunication Technologies - VIRTUALIS. Neste último, está sendo desenvolvido um jogo multi-atores com forte interabilidade baseada nas Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTIC). Quatro estudos de casos do projeto GOUVERNe foram desenvolvidos: o lençol freático de Champigny (França), os Argolids (Grécia), a bacia hidrográfica de Hérault (França) e a região de Milan (Itália). O C3ED trabalha no desenvolvimento de suportes multimídia interativos para a governança deliberativa dos recursos naturais. Este suporte se propõe a ser cientificamente viável e útil enquanto uma ferramenta de suporte a decisão e deliberação para auxiliar a gestão dos recursos naturais e a proposição de políticas ambientais. A Matriz de Deliberação (MD), também denominada “cubo”, tem por objetivo dar suporte a um processo de discussão, reflexão e argumentação sobre as alternativas de gestão dos recursos naturais, de desenvolvimento regional, de gestão do território etc. Porém, para que os atores possam deliberar sobre a gestão e uso atual e futuro dos recursos naturais ou sobre as possibilidades de desenvolvimento de determinada região, um conjunto de informações deve estar disponível. Neste sentido, a operacionalização de uma MD necessita primeiramente da identificação dos principais atores envolvidos no uso, degradação e conservação dos recursos naturais, passando pelo registro dos enjeux de gouvernance e finalmente da constituição de um grupo de cenários futuros (Figura 1). 2.1 Estrutura da Matriz de Deliberação: as três dimensões do cubo A MD é o core do instrumental de ajuda a deliberação (DST). A partir da MD, os atores têm a possibilidade de avaliar os cenários e os enjeux de gouvernance e de debater sobre os futuros possíveis para uma região (AMORSI, 2003). O principio é simples, mas requer uma reflexão em três dimensões, pois a matriz cruza as categorias de atores, os enjeux de gouvernance e os cenários futuros (Figura 1). A MD é um indicador composto que apresenta de maneira sintética os julgamentos fornecidos pelos atores sobre as perspectivas de gestão dos recursos naturais ou de desenvolvimento regional de uma determinada região (O’CONNOR, 2003). O cubo é constituído a partir de três escolhas metodológicas determinantes (O’CONNOR e AMORSI, 2002; AMORSI, 2003): 1 - A gestão das perspectivas apresentadas em termos de um número reduzido de cenários futuros, decisões/políticas. Cada cenário apresenta características tecnológicas, econômicas, ambientais e de governança distintas; 2 - Os cenários dos futuros possíveis são avaliados a partir das perspectivas dos distintos atores. Um número reduzido de categorias de atores principais é identificado (proveniente de analise institucional parcial e entrevistas). O procedimento de avaliação permite uma diversidade no interior de cada categoria de atores principais; 3 - Os atores podem efetuar as avaliações de cada cenário a partir de uma variedade de critérios. Os critérios são agrupados em “cestos” (paniers), cujo número é limitado, correspondendo aos diferentes enjeux de gouvernance. Um cesto deve ser constituído para cada cruzamento entre um cenário e enjeux de gouvernance. Em síntese, os três eixos principais da matriz de deliberação (Figura 1) são: - Os futuros possíveis: um número limitado de opções de decisão/políticas ou de cenários – em profundidade sobre o eixo Z; - Os enjeux de gouvernance: um número reduzido de eixos distintos de avaliação – o eixo horizontal X, indo da esquerda para direita; - As principais categorias de atores: eixo vertical Y, de cima para baixo. Os enjeux de gouvernance, as principais categorias de atores e os cenários constituem um “futuro nebuloso” (futur flou), podem ser identificados através de revisão bibliográfica, análise institucional e entrevistas junto aos principais atores envolvidos no uso, conservação e degradação do recurso natural ou região analisada (O’CONNOR e AMORSI, 2002). Z-Cenários dos futuros possíveis Y- Categorias de atores X - enjeux de gouvernance (ou principais categorias de avaliação) Figura 1 – A Matriz de Deliberação: cubo Fonte: O’Connor e Amorsi (2002: 2). Cada célula (X, Y, Z) da MD representa uma dimensão de avaliação (X) por uma categoria especifica de atores (Y) de um cenário do futuro possível (Z). A partir da MD, cada classe de ator oferece um julgamento sintético (bom, ruim etc.) de cada cenário a partir de cada enjeux de gouvernance ou principais categorias de avaliação. Estes julgamentos são apresentados de maneira sintética nas células da MD, utilizando códigos-cor (ruim = vermelho; bom = verde etc.). Este procedimento torna visualmente possível identificar os enjeux de gouvernance que dividem os atores e os cenários que são marcados por importantes conflitos (O’CONNOR e AMORSI, 2002). Os cenários não possuem a ambição de oferecer predições sobre o futuro, mas sim de facilitar o aprendizado sobre os diferentes interesses econômicos, escolhas tecnológicas, julgamentos de valor da sociedade e os desafios de coordenação política que estão em jogo quando se pensa na gestão dos recursos naturais (O’CONNOR e AMORSI, 2002). 2.2 A Identificação dos Enjeux de Gouvernance Os enjeux de gouvernance mostram os desequilíbrios entre as funções ambientais e se manifestam sob a forma de conflitos entre os atores. Os enjeux surgem do que se pode denominar “concorrência pelo acesso às funções ambientais raras” e são o resultado da exacerbação de força e disputa de poder entre os atores, bem como de seus interesses econômicos e sistemas de valor divergentes (O’CONNOR e AMORSI, 2001). Conforme a situação em análise, os enjeux de gouvernance podem ser temas amplos (qualidade ambiental, dinamismo do desenvolvimento regional etc.), ou podem ser temas específicos (fonte de aprovisionamento de água de uma cidade). Segundo FAUCHEUX (2001), um ator (stakeholder) portador de enjeux é um indivíduo ou um grupo que possui objetivos e interesses próprios. Ele não defende os interesses gerais nem os interesses dos outros portadores de enjeux, bem como não lhe interessa buscar um equilíbrio entre os diferentes portadores de enjeux. Os portadores de enjeux podem ser os consumidores, os promotores, os industriais, as associações ambientalistas, os agricultores, as organizações não governamentais, entre outros. A identificação e descrição dos enjeux de gouvernance é o resultado da identificação das funções ambientas do capital natural analisado, das informações socioeconômicas referentes à região e dos resultados de um conjunto de entrevistas realizadas com os principais atores envolvidos no uso, conservação e degradação do recurso natural. Além disso, pode-se pesquisar autores que trabalham com o tema: AMORSI (2001); O’CONNOR (2001) e O’CONNOR e AMORSI (2001). Cada enjeux de gouvernace estará relacionado a um conflito entre funções ambientais. As funções ambientais representam fluxos de troca entre o recurso e os seres humanos e estas trocas poderão ser analisadas nos dois sentidos. O desequilíbrio de troca entre os dois pólos (recursos naturais/stakeholders) gera impactos e cada pólo vai sofrer mais ou menos rapidamente as conseqüências. 2.3 A Proposição de Cenários Os cenários servem para propor um número delimitado de diferentes evoluções possíveis das regiões estudadas, da gestão dos recursos naturais, das relações entre os usuários etc. A partir da construção de cenários, os atores têm a possibilidade de exprimir de maneira consensual os objetivos que permitem atender ou evitar os futuros propostos, bem como identificar os meios necessários para efetivar o futuro escolhido. Os cenários são uma ferramenta de comunicação que levam os atores a refletir sobre o que é necessário fazer em função dos objetivos fixados. Os cenários “representam imagens possíveis do futuro que não são necessariamente desejáveis” e possuem a capacidade de revelar (O’CONNOR e AMORSI, 2001): - os princípios de uma boa gestão dos recursos hídricos e suas aplicações às escalas local, regional e nacional; - a resolução de conflitos e a conciliação de objetivos diferentes, ou seja, dos enjeux de gouvernance. Os cenários representam futuros possíveis (objetivos) para as regiões. Eles são, portanto, a representação do futuro enquanto um objeto nebuloso (objet flou), incerto. Cabe aos atores envolvidos optarem ou não, democraticamente, por uma alternativa que seja sustentável a longo prazo (O’CONNOR e AMORSI, 2001). A proposição de um cenário pode eliminar ou gerar conflitos (competição) entre as funções ambientais do capital natural, bem como pode gerar novos enjeux de gouvernance ou abrandar os existentes. Cada cenário proposto impacta, portanto, positivamente ou negativamente as funções ambientais do capital natural e os enjeux de gouvernance relacionados ao uso, conservação e degradação dos recursos naturais. Neste sentido, uma escolha correta do cenário futuro pelos atores é decisiva. Várias alternativas podem ser visualizadas para oferecer resposta a degradação da qualidade dos recursos naturais. Os cenários propostos correspondem a futuros possíveis (objetivos) para a região em análise e constituem um objeto de escolha política. Os atores devem avaliar os cenários propostos e o resultado da avaliação constitui uma “demanda social” em favor ou não da sustentabilidade. A partir do conhecimento obtido com a identificação e descrição das funções ambientais e dos enjeux de gouvernance, é possível identificar um conjunto de cenários para a região em análise. Também existe na literatura uma variedade de cenários representativos: O’Connor e Amorsi, 2001; Feret e Douguet, 2001; O’Connor, 2001; Amorsi, 2001; Denardin e Sulzbach, 2003; Denardin, 2004. 2.4 Os principais atores Os principais atores envolvidos no uso, conservação e degradação dos recursos naturais em determinada região podem ser: os agricultores, e em uma escala mais ampla o setor agropecuário; as agroindústrias; as prefeituras, representando as populações urbanas; a Companhia de Águas e Saneamento; a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural; o órgão ambiental estadual etc. Uma associação comunitária ou ONG que represente as preocupações ambientais (preservação dos ecossistemas, paisagem etc.) pode ser incluída. 3. AVALIAÇÃO MULTI-CRITÉRIO, MULTI-ATOR E MULTI-CENÁRIO A matriz de deliberação se apresenta sob a forma de um cubo em três dimensões e para cada uma delas têm-se os cenários, os atores e os enjeux de gouvernance. Neste sentido, a MD possibilita três avaliações cruzadas (O’CONNOR e AMORSI, 2002: 3-6; O’CONNOR, 2003: 21-22; DOUGUET et al., 2002: 16-20): a) avaliação multi-critério e multi-ator de um cenário; b) avaliação comparativa dos cenários por uma classe qualquer de ator; c) avaliação da performance dos cenários a partir de uma categoria de avaliação qualquer (ou enjeux de gouvernance selecionado). Para descrever o primeiro uso da MD, utiliza-se um cenário qualquer. Para um dado valor de Z (designando o cenário), tem-se uma fatia do cubo, um quadro retangular de células (X, Y), no qual cada linha representa as avaliações (categorias X) fornecidas pelas categorias de atores selecionadas (Y) (Figura 2). Por suposição, a avaliação de cada célula é qualitativa (bom, indiferente, ruim ou não sabe) e estas avaliações podem ser representadas por um código-cor (verde, amarelo, vermelho e cinza). (X,Y) Avaliação do cenário z (X,Y) Ator do Tipo A Ator do Tipo B Ator do Tipo C (…) Ator do Tipo Y Enjeu de Gouvernance (I) Enjeu de Gouvernance (II) RUIM INCERTO Enjeu de Gouvernance (III) BOM (…) Enjeu de Gouvernance (X) (…) INDIFERENT “Total” "DIVIDIDO" Figura 02 – Face do cubo que corresponde à avaliação de um cenário (Z) Fonte: O’Connor e Amorsi (2002: 5). A face do cubo em análise apresenta, portanto, os julgamentos sintéticos formulados pelas categorias de atores (Y) para um cenário (Z), em função dos enjeux de gouvernance (principais categorias de avaliação). Os atores avaliam os cenários a partir dos diferentes enjeux de gouvernance e cada cenário é avaliado individualmente. A avaliação que está sendo proposta é uma variação da “matriz de conflito” gerada em uma análise multi-critério que retrata sucintamente o significado, para cada categoria de atores, de cada categoria de enjeux de gouvernance. A vantagem do uso da MD é que ela permite outras duas análises. O segundo uso da MD consiste em identificar o desejo ou não de uma categoria de atores por um cenário. Supõe-se que cada cenário é o centro de avaliação e que cada grupo de atores fornecerá uma visão distinta do desejo pelos futuros possíveis (cenários). Para uma dada categoria de atores (Y), tem-se uma fatia do cubo, um quadro retangular de células (X, Z) no qual cada linha (Z) representa um cenário (alfa, beta etc) e cada coluna (X) representa uma categoria de avaliação (enjeux de gouvernance). Esta outra face do cubo apresenta a evolução de um enjeux de gouvernance (X) em função dos julgamentos de cada categoria de ator (Y) e de cada cenário (Z). Cada ator avalia todos os cenários em relação a todos os enjeux de gouvernance. Por fim, a MD permite uma terceira avaliação. Num contexto geral de um grupo de cenários, ênfase é dada sobre uma categoria de avaliação particular (coliformes fecais, borrachudos, nitratos etc). Neste contexto, cada cenário é avaliado em relação a essa categoria particular de avaliação e cada grupo de atores fornece sua própria avaliação sobre este aspecto (bom, ruim, indiferente etc.). Para uma categoria de avaliação qualquer (definida ao longo do eixo X), tem-se um lado do cubo, um quadro retangular de células (Y, Z), no qual cada linha corresponde a um cenário (Z) e cada coluna a uma classe de atores (Y). Em síntese, esta outra face do cubo apresenta o julgamento sintético de uma categoria de ator (Y) para um cenário (Z) em função de uma categoria de avaliação (X) pré-estabelecida. Cada ator avalia todos os cenários a partir de uma categoria de avaliação qualquer. 3.1 Como Verdejar a Face do Cubo Um dos objetivos da MD pode ser o de “verdejar a face do cubo” (a cor verde é utilizado como um código bom) e, para tal, os jogadores (atores) desencadeariam um processo de deliberação cujo objetivo é encontrar um cenário que satisfaça, se possível, a todos os participantes (O’CONNOR e AMORSI, 2002). Para compreender o mecanismo de coloração da MD, faz-se necessário identificar o que os atores (jogadores) devem fazer. a) A participação dos atores As cores das células das diferentes faces do cubo expressam os julgamentos fornecidos pelos atores. Num primeiro momento, os atores devem preencher a face do cubo que corresponde ao cruzamento: enjeux de gouvernance e categorias de atores (X, Y). Para tal, três etapas devem ser seguidas (O’CONNOR e AMORSI, 2002; O’CONNOR, 2003): 1 – Constituir um cesto (panier) de indicadores: Para cada critério de decisão (enjeux de gouvernance) uma lista de indicadores potenciais deve ser proposta. A partir desta lista, os atores devem constituir um cesto de indicadores para cada cruzamento (que representa uma célula da face do cubo): enjeux de gouvernance e cenário. Cada panier deve conter no mínimo um e no máximo cinco indicadores e alguns são potencialmente pertinentes para vários enjeux de gouvernance (no modelo atual limita-se a cinco o número de indicadores); 2 – Fornecer sua opinião sobre cada indicador escolhido: Uma vez selecionados os indicadores e os cestos constituídos, os atores podem revelar seu julgamento para cada indicador através de uma significação: ex.: bom, ruim, indiferente ou não sabe. Cada uma dessas percepções representa uma cor: ex.: verde, vermelho, amarelo e branco. 3 – Ponderar os indicadores do cesto: Os atores devem classificar os indicadores que foram escolhidos para constituir seus cestos. Um método sugerido consiste em ponderar os indicadores por ordem de importância, a soma das ponderações deve ser igual a 100. 3.2 O Jogo de Governança Um objetivo possível da governança do recurso natural seria de implementar soluções que são “internas”, no sentido de oferecer um futuro viável a todos os grupos de atores identificados (O’CONNOR e AMORSI, 2002). Isto pode ser expresso através do objetivo de encontrar um cenário que não possua nenhuma célula vermelha. O jogo de negociação que objetiva “verdejar a face do cubo” é por conseqüência um procedimento de deliberação entre atores que buscam identificar um cenário para a gestão futura dos recursos naturais (para o desenvolvimento regional, para uma atividade territorial etc.) que seja aceitável em grandes linhas pelo conjunto de atores envolvidos (Quadro 1). Este objetivo por vezes pode não ser aceito por todos os jogadores ou só pode ser atingido alterando-se os indicadores. Porém, jogar o jogo pode ser uma oportunidade para os protagonistas aprenderem quais são os enjeux de gouvernance chaves e as preocupações das diferentes partes. A partir da MD, os atores podem apresentar seus julgamentos sintéticos (avaliações) de cada cenário em relação aos enjeux de gouvernance ou categorias de avaliação. Os julgamentos são retratados de forma sintética nas células da MD e podem ser utilizados para auxiliar na gestão dos recursos naturais a partir de duas perspectivas (O’CONNOR, 2003): a) Perspectiva estática: a partir do julgamento de todos os atores é possível identificar se um cenário é superior aos demais; identificar quais enjeux de gouvernance dividem os atores e quais cenários apresentam maiores conflitos a partir do ponto de vista dos atores; b) Perspectiva dinâmica: os atores podem reavaliar as escolhas que conduziriam ao julgamento representado em cada célula da MD. Um processo de deliberação é possível entre os atores nas seguintes etapas: identificação dos indicadores que irão compor os cestos; interpretação normativa (significação) que deverá ser atribuída a cada indicador e a definição da importância relativa ou absoluta de cada indicador em relação aos outros que compõem o cesto. Quadro 1 - Avaliação de um cenário Z: cumprir as normas ambientais (X,Y) Ator do Tipo A Ator do Tipo B Ator do Tipo C Ator do Tipo Y Enjeu de gouvernance (I) Enjeu de gouvernance (II) Enjeu de gouvernance (III) RUIM BOM BOM BOM BOM INCERTO INDIFFERENTE INCERTO INDIFFERENTE BOM BOM BOM (opiniões divididas) (incerto) (bom)) Enjeu de gouvernance (X) BOM RUIM RUIM INDIFFERENTE (opiniões divididas) “Total” DIVIDIDO DIVIDIDO DIVIDIDO (BOM) As modificações dos pontos de vistas entre os participantes no andamento das negociações podem conduzir a modificações em uma ou em todas as etapas mencionadas acima e em conseqüência na revisão dos julgamentos apresentados nas células da matriz. Uma categoria de ator pode persuadir a outra para alterar seus critérios ou ponderações. Portanto, a MD permite aos atores, usuários do instrumental, revelar seus julgamentos de maneira interativa quanto à gestão e uso atual e futuro dos recursos hídricos. Um dos pontos fortes do processo de deliberação é que, a partir das alterações do ponto de vista e novas compreensões do problema, os atores podem ser levados a revisar suas opiniões e julgar de forma diferente as opções que lhe foram propostas. 3.3 Operacionalizando a Matriz de Deliberação A partir da identificação dos enjeux de gouvernance, dos principais atores e dos cenários futuros para a região em análise é possível construir uma MD. Além disso, tais informações permitiram, também, a construção de uma matriz de conflito a partir de uma análise multi-critério. Os principais atores, ao utilizarem a MD, puderam avaliar individualmente os cenários propostos, utilizando como categoria de avaliação os enjeux de gouvernance. Coube ao ator Y avaliar o cenário Z a partir da categoria de avaliação (enjeux de gouvernance) X. O ator Y, a partir dos impactos positivos e negativos que tal cenário poderia causar ao recurso natural em análise fez seu julgamento (bom, ruim etc.). Este procedimento também deverá ser feito pelos demais atores. Se os julgamentos (opiniões) dos atores forem conflitantes, eles podem negociar suas posições e voltarem a MD para proceder novas escolhas. Neste sentido, a MD possibilita aos atores discutirem e optarem por um futuro que seja interessante para todos. 4. CONCLUSÕES A Matriz de Deliberação foi apresentada como uma ferramenta de auxílio à deliberação que propicia a participação dos atores envolvidos no uso, conservação e degradação dos recursos naturais. Esta ferramenta permite aos atores identificar, democraticamente, o futuro a ser seguido pela região em análise. A escolha do grupo de atores pode levar a um futuro que seja sustentável ou insustentável quanto ao uso dos recursos naturais, desse modo, a escolha dos atores reflete uma demanda social. A MD proposta para uma determinada região pode também ser usada para identificar os rumos quanto ao desenvolvimento regional, ou seja, é um instrumental que possibilita a identificação de objetivos e políticas a serem seguidos que resultem no desenvolvimento sustentável da região. O uso de áreas geográficas menores, como uma bacia hidrográfica, permitiria um melhor conhecimento da realidade local e daria mais qualidade na identificação dos componentes da Matriz de Deliberação. Logo, o uso da MD em nível micro apresenta-se promissor. Os cenários narrativos mostram as diferentes possibilidades de futuro para a região. A elaboração dos cenários pode ser feita a partir do conhecimento das funções ambientais, dos enjeux de gouvernance e do uso da literatura disponível. O ideal é que os cenários sejam elaborados de forma narrativa participativa, ou seja, os próprios atores devem identificar e auxiliar na descrição dos mesmos. Portanto, a identificação das variáveis necessárias para operacionalizar a Matriz de Deliberação mostra-se útil para melhor compreender a região em análise. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMORSI, N. Les enjeus de gouvernance pour la nappe des calcaires de Champigny. Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines – Centre d’Economie et d’Ethique pour l’Environnement et le développement – C3ED, Document de Travail du C3ED n. 2001-02 (2001). AMORSI, N. et al. De l’irréversibilité à la concertation: Quelques réflexions sur la mise en synergie possible des gestions de l’eau e du risque nucléaire. Université de Versailles SaintQuentin-en-Yvelines, Cahier du C3ED, n. 99-02, 39 p. (1999). DENARDIN, Valdir F.; SULZBACH, Mayra. A agropecuária no Oeste catarinense - SC: é possível ser sustentável? V Encontro Bienal da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, Caxias do Sul – RS, 26 p. (2003). DENARDIN, Valdir F. 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