Universidade Estadual do Ceará Daniel de Sá Rodrigues O TRATAMENTO DA VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA Fortaleza – Ceará 2005 1 Universidade Estadual do Ceará Daniel de Sá Rodrigues O TRATAMENTO DA VARIAÇÃO LINGÜÍSTICA EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA INGLESA Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Lingüística Aplicada do Centro de Humanidades da Universidade Estadual do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Lingüística Aplicada. Área de Concentração: Contextos Educacionais e Estratégias de Ensino-aprendizagem de Línguas Estrangeiras. Orientadora: Profª. Dra. Maria Irandé Antunes Fortaleza – Ceará 2005 2 Universidade Estadual do Ceará Curso de Mestrado Acadêmico em Lingüística Aplicada Título do Trabalho: O tratamento da variação lingüística em livros didáticos de língua inglesa Autor: Daniel de Sá Rodrigues Defesa em: 29/09/2005 Banca Examinadora _______________________________________ Profª Drª Maria Irandé Costa M. Antunes - UECE Orientadora e Presidente _________________________ Profª Drª Márluce Coan - UFC 1ª Examinadora _______________________________ Profª Drª ª Laura Tey Iwakami – UECE 2ª Examinadora 3 RESUMO A língua inglesa, como qualquer outra língua, apresenta variações de acordo com os contextos geográfico, social e situacional. Contudo, é necessário investigar se os livros didáticos exploram essas variações no processo de ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira. Este trabalho, portanto, tem o objetivo de analisar como os livros didáticos de inglês tratam a variação lingüística. Para os propósitos da pesquisa, foi utilizado, como instrumento metodológico, um roteiro de análise pelo qual foram descritos dois livros didáticos de Ensino Médio adotados em algumas escolas de Fortaleza. O roteiro possibilitou a verificação, nos livros do aluno, do material textual, da exploração do texto, do vocabulário, e dos itens gramaticais; no livro do professor, foi verificada a orientação teórica através da qual a variação lingüística é abordada. De acordo com os resultados, um dos livros não opta por nenhuma variação dialetal específica de quaisquer das nacionalidades anglo-falantes, apresenta poucas variações de registro e adota uma concepção mais tradicional de língua na exploração gramatical. O outro livro também não opta por nenhuma variação dialetal nacional específica; contudo, apresenta um repertório considerável de registros e adota uma concepção mais dinâmica de língua nas explorações gramaticais. Quanto aos livros do professor, a variação de registro é tratada sem trabalhar a questão do contínuo de formalidade. Somente um dos livros dá mais atenção às variações dialetais, restringindo-se, porém, ao âmbito do léxico. De um modo geral, esta investigação revela que os livros didáticos de inglês, adotados no Ensino Médio, ainda não são suficientemente adequados para o ensino da variação lingüística. 4 ABSTRACT The English language, like any other language, is made up of variations relative to the different geographic, social and situational contexts. However, it is necessary to investigate whether textbooks explore these variations within the teaching-learning process of English as a foreign language. The objective of this work, therefore, is to analyze how English textbooks treat linguistic variation. For the purpose of this research, a checklist was utilized as the methodological tool aimed at describing two textbooks adopted in some schools in Fortaleza at the Ensino Médio level. The checklist made possible the verification, in the student’s textbooks, of the textual material, textual, lexical and grammatical exploration. In the teacher’s textbooks, the theoretical orientation through which linguistic variation is approached was verified. According to the results, one of the textbooks does not opt for any specific dialectal variation used by any of the English-speaking nationalities, presents only a few registerial variations, and adopts a more traditional language concept as for grammatical exploration. The other textbook does not opt for any specific national dialect variation either; however, it presents a somewhat large register repertoire and adopts a more dynamic language concept in its grammatical exploration. As to the teacher’s texbooks, register variation is treated without taking into account the issue of the formality continuum. Only one of the teacher’s textbooks gives more attention to the national dialect variation, limited, however, to the realm of the lexicon. Generally, this investigation reveals that English textbooks, adopted at the Ensino Médio level, are not yet sufficiently suitable for the teaching of linguistic variation. 5 SUMÁRIO Lista de tabelas ....................................................................................................... 7 1. Introdução ......................................................................................................... 8 1.1 Contextualização da pesquisa .................................................................... 8 1.2 Justificativa ................................................................................................. 9 1.3 Questões de pesquisa ................................................................................ 10 1.4 Objetivos ..................................................................................................... 11 1.4.1 Objetivo geral .................................................................................. 11 1.4.2 Objetivos específicos ...................................................................... 11 1.5 Tratamento metodológico ........................................................................... 11 1.6 Organização da dissertação ....................................................................... 11 2. Variação lingüística e livro didático: pressupostos teóricos .............................. 13 2.1 Concepções de língua ................................................................................ 14 2.2 Sociolingüística: noções fundamentais ....................................................... 15 2.3 Variação: generalidades ............................................................................. 18 2.4 Dialeto ......................................................................................................... 19 2.4.1 Norma padrão ................................................................................. 22 2.4.2 Prestígio, estigma e erro ................................................................. 24 2.5 Registro e estilo .......................................................................................... 27 2.5.1 Gíria ................................................................................................. 29 2.6 Variação e ensino ....................................................................................... 30 2.7 Variação e livro didático .............................................................................. 35 3. Tratamento metodológico da pesquisa ............................................................. 38 3.1 Tipo de pesquisa ........................................................................................ 38 3.2 Descrição do corpus ................................................................................... 38 3.2.1 Compact English book .................................................................... 39 3.2.2 Globetrotter ..................................................................................... 40 3.3 Procedimentos metodológicos .................................................................... 42 4. Análise dos livros didáticos ............................................................................... 44 4.1 Material textual e atividades de exploração do texto – livro 1 .................... 44 6 4.2 Material textual e atividades de exploração do texto – livro 2 .................... 46 4.3 Exploração do vocabulário – livro 1 ............................................................ 48 4.4 Exploração do vocabulário – livro 2 ............................................................ 50 4.5 Exploração de itens da gramática – livro 1 ................................................. 52 4.6 Exploração de itens da gramática – livro 2 ................................................. 53 4.7 Livro do professor 1 .................................................................................... 56 4.8 Livro do professor 2 .................................................................................... 59 5. Considerações finais ........................................................................................ 61 Referências Bibliográficas ................................................................................ 66 Anexos .............................................................................................................. 73 Anexo I: Roteiro de análise dos livros didáticos ............................................... 74 Anexo II: Material textual .................................................................................. 76 7 LISTA DE TABELAS Tabela 2.1 – Comparação entre as duas concepções quanto à acepção do termo “norma culta” ............................................................................................................ 22 Tabela 4.1 – Formas britânicas, com as respectivas variantes americanas e australianas, e a tradução para o português ............................................................ 57 8 1. Introdução 1.1 Contextualização da pesquisa Ao observarmos as manifestações lingüísticas nas diversas situações sociais em que ocorrem, independentemente da modalidade em uso, percebemos que a língua não se revela de modo uniforme. Ela apresenta variações de acordo com a região geográfica, com a situação interativa, com as condições pessoais de cada sujeito, sendo influenciada por diversos fatores como sexo, idade, escolaridade, condição social, nível de escolaridade etc. No entanto, as instituições de ensino-aprendizagem no Brasil, durante muitos anos, pouco têm levado em consideração estas implicações da natureza social da língua. É o que defende Geraldi (1996, p. 59), para quem a escola “age como se a língua culta fosse estática, pronta, inabalavelmente infensa a seu uso nos processos interlocutivos.” Isto pode ser observado no tocante à ênfase que é dada ao ensino da gramática normativa, como se esta fosse a própria língua, desconsiderando, então, qualquer outra variedade lingüística. Nesta perspectiva, as instituições de ensino e aprendizagem, em geral, e as escolas, em particular, que adotam esta postura pedagógica, centralizada na gramática, são agentes propagadores do mito da homogeneidade lingüística e, até mesmo, do preconceito lingüístico. Este preconceito se manifesta, no contexto educacional, como atitudes negativas com relação às variedades “não-padrão”. Assim, quando se diz que as formas gramaticais são “certas”, “bonitas”, e que outras variedades são “erradas”, “feias”, “pobres”, entre outros atributos depreciativos, faz-se um julgamento baseado em um preconceito lingüístico, que, vale destacar, se revela intimamente associado com o preconceito social. Isto significa dizer que o preconceito não é simplesmente contra uma variedade lingüística estigmatizada em si, mas, sobretudo, contra as 9 pessoas que falam somente, ou quase somente esta variedade, as quais vivem sempre à margem da sociedade. No tocante ao ensino-aprendizagem de língua estrangeira, há um ponto especial a ser relevado: ao estudar uma nova língua, o estudante dificilmente teria dominado antes qualquer variedade desta língua, ao contrário do estudante de língua materna que, no começo de sua vida escolar, já falava alguma variedade de sua língua. Por esta razão, o aluno terá dificuldade de realizar uma interação real em língua estrangeira, se ele for submetido a uma abordagem tradicional, exclusivamente regulada pelas normas do uso padrão nas aulas desta língua. Esta abordagem tradicional, conhecida como a metodologia da gramáticatradução, na história do ensino de língua inglesa no Brasil, teve início no século XVIII e até hoje está presente nas escolas de ensino fundamental e médio. Privilegiando a modalidade escrita, determinada por regras gramaticais, a gramática-tradução sempre teve como principal objetivo “explicar a estruturação gramatical da língua e acumular conhecimento a respeito dela e de seu vocabulário, com a finalidade de se estudar sua literatura e traduzir” (Schütz, 2005). Os livros didáticos de língua inglesa, por muito tempo, absorveram esta abordagem da gramática-tradução em suas orientações para o ensino- aprendizagem da língua. Levando em conta que o livro didático exerce o papel de guia para o professor, seja de forma direta, como a utilização do próprio livro para as suas aulas, seja de forma indireta, como fonte de elaboração de atividades didáticas, faz-se necessária a mudança de abordagem adotada neste material, para que leve em conta as implicações da existência de variedades lingüísticas. 1.2 Justificativa Este trabalho tem origem em uma constatação que nos inquieta enquanto professor de línguas: a desconsideração da variação lingüística por boa parte das instituições de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, julgamos que nossa pesquisa poderá contribuir para fomentar uma reflexão em torno de como o ensino de línguas, 10 principalmente o de língua inglesa, vem sendo realizado, ao mesmo tempo em que descortina uma nova possibilidade de trabalho com a linguagem. No que diz respeito ao recorte que elegeu o livro didático como foco do presente estudo, foi tido em conta que, não raro, eles são os principais instrumentos utilizados pelos professores de língua inglesa para o exercício de sua prática docente. Nessa perspectiva, avaliamos que seria importante mensurar até que ponto estes materiais contemplam as variações relacionadas às normas da língua inglesa, no uso direcionado para alguém e para algum fim, possibilitando o aluno a competência de utilizar uma variedade do inglês que se encaixe numa situação específica de interação. Ademais, supomos que nosso trabalho será relevante para o contexto educacional brasileiro, em que é grande a carência de trabalhos voltados para a questão da variação lingüística nos livros didáticos de língua inglesa. Assim, através deste trabalho, pretendemos contribuir para a avaliação dos materiais didáticos, tomando como foco a variação lingüística. Por fim, importa destacar que o cerne de nosso trabalho detém estreita conexão com nossa prática docente, uma vez que se vincula com preocupações que sempre orientaram nossas atividades de ensino. Portanto, julgamos que nosso trabalho se justifica também a partir de seu aspecto prático, tendo em vista que as análises empreendidas ao longo de nossa pesquisa nos subsidiarão numa prática docente mais embasada no pensamento científico atual em torno da natureza social da linguagem, o que nos ajudará a tentar evitar que nos tornemos porta-vozes e agentes de práticas preconceituosas e equivocadas em relação à linguagem. 1.3 Questões de pesquisa Como os livros didáticos exploram a variação lingüística nos textos, nas atividades de leitura, na exploração do vocabulário e na explanação de questões gramaticais? Como os livros do professor abordam a variação lingüística? 11 1.4 Objetivos 1.4.1 Objetivo geral Analisar como os livros didáticos de língua inglesa tratam a questão da variação lingüística. 1.4.2 Objetivos específicos Investigar como os livros didáticos exploram a variação lingüística nos textos, nas atividades de leitura, na exploração do vocabulário e na explanação de questões gramaticais. Observar a direção teórica que os livros do professor revelam na abordagem da variação lingüística. 1.5 Tratamento metodológico A proposta metodológica adotada nesta pesquisa baseia-se na descrição dos dados, a fim de alcançar os objetivos propostos. O corpus é composto de dois livros didáticos de língua inglesa do ensino médio, com os respectivos livros do professor, adotados em algumas escolas de Fortaleza. Para a descrição sistemática dos dados analisados, utilizamos um roteiro de análise, composta de perguntas que envolvem material textual, atividades de exploração de texto, exploração do vocabulário, exploração dos itens da gramática e livro do professor. 1.6 Organização da dissertação Este trabalho está dividido, além das considerações finais e dos anexos, em um capítulo teórico, um capítulo metodológico e outro de análise dos dados, através dos quais dirigimos a discussão sobre os livros didáticos de língua inglesa. O capítulo 2, sob o título “Variação lingüística e livro didático: pressupostos teóricos”, consiste na exploração dos fundamentos teóricos em que conceitos relevantes relacionados ao nosso estudo são discutidos. 12 O capítulo 3, intitulado “Tratamento metodológico da pesquisa”, apresenta os aspectos metodológicos usados para o transcorrer desta pesquisa, apresentando o corpus e os procedimentos metodológicos utilizados em sua análise. O capítulo 4, sob o título “Análise dos livros didáticos”, apresenta a análise dos livros selecionados, com base nos procedimentos descritos no capítulo 3. Por fim, as “Considerações Finais”, em que expomos algumas reflexões conclusivas em torno dos resultados alcançados e discutidos no capítulo 4. Nos anexos, apresentamos o roteiro de análise dos livros didáticos utilizados nesta pesquisa e cópias de alguns trechos dos livros didáticos que serviram de apoio para a nossa análise. 13 2. Variação lingüística e livro didático: pressupostos teóricos Todo contexto de ensino-aprendizagem tem como subjacente uma concepção. Em outros termos, os caminhos percorridos pelos profissionais do ensino para fazer com que seus alunos aprendam aquilo que se deseja são escolhidos com base no que se entende pelo objeto estudado no contexto educativo. No que concerne ao ensino de línguas estrangeiras, isto é verdadeiro; o modo como é ensinada uma determinada língua depende de como se entende por língua. É a partir de uma determinada concepção de língua que são escolhidas as metodologias de ensino de um idioma estrangeiro e, também, são elaborados materiais didáticos daquele idioma. Considerando a importância das concepções de língua para o processo de ensino-aprendizagem de língua estrangeira, iniciamos o presente capítulo com a exposição das concepções de alguns dos principais teóricos do campo da lingüística. Na seqüência, apresentamos um breve histórico e definições de um ramo da lingüística que trabalha com a concepção dinâmica da língua: a Sociolingüística. Em seguida, tratamos, de maneira geral, sobre um dos objetos de estudo da Sociolingüística, pertinente para a nossa pesquisa: a variação lingüística1. De maneira específica, delineamos algumas características da variação dialetal e da variação de registro. Na seção onde tratamos de dialeto, dedicamos uma subseção especialmente para tratar de norma padrão, em que retomamos as concepções de língua para, justamente, fundamentar a noção desta norma. Em uma outra subseção, ainda na seção de dialeto, tecemos algumas considerações sobre prestígio, estigma e erro. Já na seção de registro e estilo, focalizamos o fenômeno da gíria. Feitas todas estas explanações acerca da heterogeneidade lingüística, apresentamos algumas implicações sobre variação e ensino e, finalmente, sobre variação e livro didático. 1 A Sociolingüística, além da variação lingüística, enfoca outros temas que dizem respeito ao estudo da linguagem em seu contexto social, como as funções e os usos da linguagem na sociedade, as atitudes e julgamentos das comunidades de fala acerca de sua(s) língua(s), a planificação e a normativização lingüística (cf. Baylon, apud Monteiro, 2000, p. 26). 14 2.1 Concepções de língua Ferdinand de Saussure, lingüista suíço considerado como expoente da ciência lingüística, no século XX, definiu a língua como objeto único e legítimo de estudo, “considerada em si mesma e por si mesma” (2002, p. 271), separada de outros aspectos que influenciam seu funcionamento, como todo o aparato contextual em que se apóia a realização da língua, embora ele reconhecesse que a língua é uma instituição social. Para Saussure, a língua é um sistema abstrato, regido por leis próprias, dotado de uma certa homogeneidade e autonomia. Por sua vez, a fala, distinta da língua, corresponde à manifestação da língua pelo falante. Nesta condição, a fala está excluída da análise lingüística de Saussure, pelo menos nos moldes da pesquisa científica que se pretende exata e precisa. Conseqüentemente, fatores que influenciam a fala, como a região geográfica de onde o falante provém ou onde vive, a posição social do falante e a situação comunicativa em que se encontra, não mereceram maior atenção nos estudos saussurianos. Enquanto Saussure propunha a dicotomia língua e fala, Meillet, seu discípulo, as associava. Para este lingüista, a língua é, ao mesmo tempo, um fato social e um sistema que tudo contém (cf. Calvet, 2002, p. 16). Deste modo, Meillet, em sua aula inaugural no Colège de France, em 1906, observa: Ora, a linguagem é, eminentemente, um fato social. Tem-se, freqüentemente, repetido que as línguas não existem fora dos sujeitos que as falam, e, em conseqüência disto, não há razões para lhes atribuir uma existência autônoma, um ser particular. Esta é uma condição óbvia, mas sem força, como a maior parte das proposições evidentes. Pois, se a realidade de uma língua não é algo de substancial, isto não significa que não seja real. Esta realidade é, ao mesmo tempo, lingüística e social. (apud Alkmim, 2001, p. 24) Nesta linha de raciocínio, Bakhtin, mais tarde, considera a interação verbal como a base essencial da língua. Em uma de suas obras, editada em 1929, o autor afirma: A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua. (2002, p. 123) 15 Embora Meillet e Bakhtin tenham adotado a visão social da língua, o estruturalismo, corrente lingüística inaugurada por Saussure, era a doutrina dominante no início do século XX. Uma outra corrente lingüística, iniciada na década de 50, liderada por Noam Chomsky, é a gramática gerativa. Mesmo com diferenças teóricas e metodológicas em relação ao estruturalismo, o modelo gerativista, cujo objeto é a competência de um falante-ouvinte ideal pertencente a uma comunidade lingüística completamente homogênea, não dá conta das questões da diversidade lingüística e afasta de seus estudos os aspectos sociais2 (1965). Em oposição ao tratamento homogêneo dado à língua, surge na década de 60 um novo campo de estudos lingüísticos, cuja tarefa é relacionar língua e sociedade: a Sociolingüística. 2.2 Sociolingüística: noções fundamentais As primeiras tentativas de delimitação da sociolingüística foram feitas por William Bright, na obra Sociolinguistics, Proceedings of the UCLA Sociolinguistics Conference, editada em 1966, resultado das conferências realizadas de 11 a 13 de maio de 1964, numa universidade de Los Angeles. Apesar da imprecisão teórica, Bright formula uma série de idéias sobre a relação entre língua e sociedade, e conclui definindo o objeto de estudo da sociolingüística como sendo a diversidade lingüística. A tese fundamental de Bright é a de que um sistema lingüístico uniforme, realizado sem variações ou com variações fortuitas e imotivadas, não dá conta de todo o leque de associações das línguas com a estrutura social. Várias dimensões são propostas por Bright em seu estudo, das quais a de maior destaque é a diversidade, vista sob três ângulos principais: a identidade social do emissor, a 2 O conceito chomskyano de competência implica no conhecimento que o usuário da língua tem de um conjunto de regras que lhe dá condições de produzir e compreender um número infinito de sentenças, reconhecendo aquelas que são bem formadas, conforme o sistema de regras da língua. Estas regras, nesta concepção de competência, não se limitam apenas às regras que regem a língua-padrão, mas também as outras formas possíveis de uso da língua. Portanto, apesar de não dar conta das questões da diversidade lingüística nos seus estudos, o Gerativismo admite esta diversidade. As sentenças mal formadas, nesse caso, são aquelas em que não estão previstas em nenhuma variedade usada de uma língua. 16 identidade social do receptor e as condições da situação comunicativa. (cf. Monteiro, 2000, p. 15) Conforme Labov (1991, p. 183), um dos participantes da conferência em Los Angeles e pioneiro da Sociolingüística Quantitativa, a Sociolingüística seria a própria Lingüística, ao invés de ser um de seus ramos. Isto porque, segundo ele, não se pode conceber uma Lingüística que não seja social. Deste modo, não haveria exatamente uma nova disciplina, mas apenas o resgate do verdadeiro enfoque da Lingüística. Monteiro (op. cit., p. 16), no entanto, não concorda totalmente com Labov quando este considera que “todo enfoque lingüístico teria que necessariamente ser social, em virtude da natureza do fenômeno que é a linguagem” porque “a linguagem não é um fenômeno de natureza apenas social. Ela também é um fenômeno que tem implicações de ordem psicológica, fisiológica etc.” A Sociolingüística tem sido definida de diversas maneiras pelos estudiosos da área. Pode-se encontrar na literatura definições simples, como a de Hudson (1996, p. 1): “o estudo da língua em relação à sociedade”3; e a de Spolsky (1998, p. 3): “Sociolingüística é o campo que estuda a relação entre língua e sociedade, entre os usos da língua e as estruturas sociais em que os usuários da língua vivem”4. Alguns autores dão definições mais detalhadas, levando em conta os aspectos sociais intervenientes na língua e o valor desta intervenção. É o que faz Teixeira (2000, p. 48): A Sociolingüística além de estudar os dialetos e o valor que a comunidade lhes empresta de acordo com o prestígio de seus usuários, pesquisa também a correlação entre as diversas formas lingüísticas de uma determinada língua e sua apropriação de acordo com o estrato social dos falantes, a ocasião e o ambiente. 3 4 the study of language in relation to society Sociolinguistics is the field that studies the relation between language and society, between the uses of language and the social structures in which the users of language live. 17 Mollica, por sua vez, trata a Sociolingüística como campo interdisciplinar na sua definição: A Sociolingüística é uma das subáreas da Lingüística e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos lingüísticos e sociais. Esta ciência se faz presente num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente os empregos lingüísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo (2003, p. 9) Como a língua é uma forma de comportamento social e a sociedade é bastante diversificada, assim como suas manifestações culturais, a ocorrência da variação lingüística é inteiramente justificável e previsível. A Sociolingüística reconhece a variação lingüística como constitutiva de línguas humanas e a considera como seu objeto de estudo (cf Calvet, op. cit, pp. 169-70). Mollica descreve este objeto nos seguintes termos: A Sociolingüística considera em especial como objeto de estudo exatamente a variação, entendendo-a como um princípio geral e universal, passível de ser descrita e analisada cientificamente. Ela parte do pressuposto de que as alternâncias de uso são influenciadas por fatores estruturais e sociais. Tais fatores são também referidos como variáveis independentes, no sentido que os usos de estruturas lingüísticas são motivados e as alternâncias configuram-se por isso sistemáticas e estatisticamente previsíveis (op. cit., pp. 9-10) Com base nas definições aqui expostas, entendemos a Sociolingüística como um ramo da Lingüística, de caráter interdisciplinar, que concentra seus estudos na língua enquanto entidade concreta, heterogênea, na sua relação com seus usuários no contexto geográfico, social e interacional. Além disso, a Sociolingüística se interessa em analisar as atitudes dos usuários em relação às formas da língua, conforme o grau de prestígio destas formas, ou mais propriamente, o grau de prestígio de seus usuários. Dois conceitos que se relacionam entre si são fundamentais nos estudos sociolingüísticos: variante e variável. Diversos autores têm se preocupado em definir estes termos com a finalidade de facilitar a compreensão dos estudos variacionistas. Tarallo explica que “’Variantes lingüísticas’ são (...) diversas maneiras de se dizer a mesma coisa em um mesmo contexto, e com o mesmo valor de verdade. A um conjunto de variantes dá-se o nome de ‘variável lingüística’” (2002, p. 8). Monteiro 18 concorda que uma variável lingüística é constituída de “duas ou mais formas distintas de se transmitir um conteúdo informativo”. As variantes lingüísticas são “formas alternantes, que expressam a mesma coisa num mesmo contexto” (op. cit., p, 59). De modo semelhante, Ellis observa: Todas as línguas naturais manifestarão formas variáveis que têm duas ou mais variantes. Uma forma variável é um traço (fonológico, lexical ou gramatical) que é realizado lingüisticamente em mais de uma maneira. As 5 variantes são os artifícios lingüísticos que manifestam uma forma variável. (1994, p. 121) Preocupado com o valor sociolingüístico de cada variante e das condições pela quais a variante é realizada, Spolsky define variável como “Um traço lingüístico (um som, uma palavra ou uma forma gramatical) que tem mais de uma variante, cada qual com um significado sociolingüístico”6 (op. cit, p. 125), e variante como “Uma forma (palavra, som, ou forma gramatical) que se alterna com outro(s) sob condições definidas”7 (op. cit, p. 126). Por sua vez, Hora, admitindo o abstracionismo da variável, afirma que “A variável lingüística, em si mesma uma abstração, é realizada na fala real por variantes, isto é, membros individuais que constituem a variável” (2001, p. 14). Em suma, a variável é um traço lingüístico abstrato, concretizado de várias formas, que se alternam de acordo com fatores, tanto lingüísticos, como extralingüísticos. Estas várias formas concretizadas são as variantes. 2.3 Variação: generalidades A homogeneidade lingüística, como postulavam os estudos saussurianos e chomskyanos, é uma ficção, algo que só pode ser imaginado. A realidade é que qualquer língua, usada por qualquer comunidade, apresenta variações, seja na pronúncia, seja no léxico, seja gramatical. 5 All natural languages will manifest variable forms that have two or more variants. A variable form is a feature (phonological, lexical or grammatical) that is realized linguistically in more than one way. Variants are the linguistic devices that realize a variable form. 6 A linguistic feature (a sound, word, or grammatical form) which has more than one variant, each of which has a sociolinguistic significance. 7 A form (word, sound, or grammatical form) which alternates with another under definable conditions. 19 As diversidades de uma língua, no entanto, não são fortuitas, descontroladas, a ponto de promoverem um “caos lingüístico”. Elas são restritas por fatores internos, da própria língua, e por fatores externos à língua, especialmente por fatores sociais (cf. Possenti, 1984b, p. 35; Scherre, 1996, pp. 39-40). Diante das diversidades lingüísticas, Quirk e Greenbaum (1973, p. 1), referindo-se à língua inglesa, passam a ver a língua como um núcleo comum, concretizado somente em suas diferentes formas, na oralidade e na escrita. Ainda sobre a língua inglesa, Bhatia também admite a variação lingüística, quando afirma que “torna-se necessário pensar em termos de línguas inglesas do mundo, e não na língua inglesa como única variedade monolítica do inglês” (2001, p. 113). A língua, portanto, apresenta variações, condicionadas por fatores internos e sociais. Quanto a este último fator, Camara Jr. explica quais são os condicionadores da variação: Ela [a língua] varia no espaço, criando no seu território o conceito dos dialetos regionais. Também varia na hierarquia social, estabelecendo o que hoje se chama os dialetos sociais [...]. Varia ainda, para um mesmo indivíduo, conforme a situação em que se acha [...] estabelecendo o que um grupo moderno de lingüistas ingleses denomina os ‘registros’. (2001, p. 17) Em outros termos, as variantes podem ser classificadas em diatópicas, diastráticas e diafásicas. As variantes diatópicas referem-se a diferenças em função do espaço geográfico. As variantes diastráticas consistem nas diferenças lingüísticas conforme aspectos sociais, como sexo, idade, classe social, etnia etc. Já as variantes diafásicas são relacionadas aos diferentes estilos de língua, dos mais formais aos mais informais, conforme as situações de uso da língua (cf. Carvalho, 2002, p. 57; Ferreira e Cardoso, 1994, p. 12). 2.4 Dialeto Normalmente, numa visão simplista e reduzida, o dialeto é considerado como uma forma inferior à forma padrão, uma espécie de desvio, associado às classes carentes de prestígio. Uma outra concepção de dialeto, muito difundida, é referente às formas de línguas faladas em partes mais isoladas do mundo, que não 20 dispõem da modalidade escrita (cf. Chambers e Trudgill, 1980, p. 3). Contudo, para a lingüística, a concepção de dialeto é diferente, como veremos a seguir. Entendemos que, para compreender melhor o que é dialeto, é importante ligar seu conceito com o conceito de língua, pois dialeto e língua são intensamente relacionados. Há uma tendência em considerar a língua como uma coleção de dialetos que são relacionados devido à semelhança entre os dialetos no âmbito da fonética, do vocabulário e dos padrões gramaticais, semelhança que permite a seus usuários a intercompreensibilidade mútua no cotidiano (cf. Gaeng, 1971, p. 169). Contudo, com o aprofundamento dos estudos sobre as características das línguas e dos dialetos, percebe-se que o critério da intercompreensibilidade mútua não é suficiente para determinar o que é língua e o que é dialeto. Existem línguas diferentes que são inteligíveis entre si, como é o caso das línguas sueca, norueguesa e dinamarquesa (cf. Chambers e Trudgill, op. cit., p. 4). Por outro lado, existem dialetos que são tão diferentes a ponto de seus respectivos usuários não se entenderem, como é o caso de alguns dialetos chineses (cf. Monteiro, op. cit., p. 47). Deste modo, a idéia de que os dialetos sempre apresentam traços comuns é refutada. Diante desta problemática, como diferenciar língua e dialeto? Monteiro explica que uma variedade dialetal passa a ser considerada língua mediante decisão política (op. cit., p. 47). Chambers e Trudgill acrescentam ainda as questões geográficas, históricas, sociológicas e culturais (op. cit., p. 5). Em suma, podemos, assim como fez Akhamanova (1972, p. 21), concluir que um dialeto é um sistema dependente de uma língua, mas que possui formas específicas. É um sistema difícil de delimitar devido a certas características que apresenta, como a continuidade e a dinamicidade. A continuidade dialetal refere-se à ausência de um limite rígido entre um dialeto e outro. Em um país onde se fala uma determinada língua, por exemplo, encontramos diversas regiões com seus respectivos dialetos. À medida em que se avança de norte a sul, e/ou de leste a oeste, nota-se mudanças graduais nos traços lingüísticos, podendo, em alguns casos, encontrar pouca ou nenhuma semelhança entre os dialetos extremos, o que 21 dificulta ou inviabiliza a intercompreensibilidade. Como as diferenças aparecem gradualmente, não há, de fato, uma delimitação rígida entre um dialeto de uma região e outro dialeto de outra região vizinha. O dialeto também é dinâmico, pois sofre mudança com o passar do tempo. Alguns traços lingüísticos vão surgindo, enquanto outros vão desaparecendo, como é o caso da gíria, que discutiremos mais adiante no presente trabalho. Como já havíamos mencionado, as variações lingüísticas podem ser classificadas em diatópicas, diastráticas e diafásicas. As duas primeiras são variações dialetais, sendo a primeira, regional, e a segunda, social. A última referese às variações de registro ou de estilo, e será tratada posteriormente nesta dissertação. No momento discutiremos sobre os dialetos regionais e sociais. Preti diz que as variedades geográficas “São aquelas que ocorrem num plano horizontal da língua, na concorrência das comunidades lingüísticas, sendo responsáveis pelos chamados regionalismos, provenientes de dialetos ou falares locais” (2003, p. 24). Rickford (1996, p. 154) define os dialetos regionais como sendo variedades de uma língua, faladas em áreas geográficas diferentes. Estas áreas podem compreender desde pequenas regiões de uma cidade até uma abrangência internacional. No caso da nossa pesquisa, trabalhamos com as variedades internacionais da língua inglesa. A delimitação geográfica, no entanto, não é suficiente para explicar o fenômeno dos dialetos. Hudson (op. cit., pp. 41-2) aponta duas questões que dificultam esta delimitação. Uma delas consiste na mobilidade da população humana: as pessoas mudam de um lugar para outro com seus dialetos, podendo mudá-los com o tempo, adaptando-se ao dialeto do lugar de destino. A outra dificuldade está na ausência de foco em fatores como idade, sexo e classe social. Estes fatores, contudo, são contemplados pela variação dialetal social. Para Monteiro, o dialeto social “é um conjunto de traços lingüísticos empregados preferencialmente por um determinado estrato social” (op. cit., p. 50). Muitos são os fatores intervenientes no uso lingüístico: sexo, idade, etnia, classe 22 social, grau de escolarização etc. É neste contexto que entra em cena a norma padrão, usada mais ou menos conforme a condição social do usuário da língua. 2.4.1 Norma padrão No início deste capítulo, discorremos sobre as concepções de língua de alguns dos mais importantes autores de estudos sobre a linguagem. Em síntese, percebe-se que há, grosso modo, duas concepções: a tradicional e a dinâmica. Segundo Bagno (2003b), a língua, na concepção tradicional, é uma abstraçãoredução: ela se reduz à norma, que, por sua vez, se limita à gramática. Ainda nesta concepção, a língua é estável, homogênea, produto acabado, pronto para o consumo. Já na concepção dinâmica, a língua é inacabada, heterogênea, criada pelo falante no ato do uso. Estas duas concepções podem ser encaixadas no termo “norma”. Bagno faz a seguinte comparação entre as acepções do termo, quando discute a norma culta: Tabela 2.1 Comparação entre as duas concepções quanto à acepção do termo “norma culta” (2003b, p. 54) ¿ NORMA CULTA ? ¿ NORMA CULTA ? - prescritiva (normativa) - descritiva (normal) - “língua” prescrita nas gramáticas - atividade lingüística dos “falantes normativas, inspiradas na literatura cultos”, com escolaridade superior “clássica” completa e vivência urbana - preconceito (baseia-se em mitos - conceito (termo técnico usado em sem fundamentação na realidade investigações empíricas sobre a da língua viva, inspirados em língual (sic), co-relacionadas com modelos arcaicos de organização fatores sociais) social) - doutrinária (compõe-se de - científica (baseia-se em hipóteses enunciados categóricos, e teorias que devem ser testadas dogmáticos, que não admitem para, em seguida, ser validadas ou contestação) invalidadas) - pretensamente homogênea - essencialmente heterogênea - elitista - socialmente variável - presa à escrita literária, separa - se manifesta tanto na fala quanto rigidamente a fala da escrita na escrita - venerada como uma verdade - sujeita a transformações ao longo eterna e imutável (cultuada) do tempo 23 A propósito, a terminologia “norma culta” apresenta um problema. Se a palavra “culta” é empregada para se referir às classes sociais privilegiadas, isto pode sugerir, então, que as outras classes não têm cultura, o que contraria a ótica sociológica e antropológica, na qual “não existe nenhum ser humano que não esteja vinculado a uma cultura, que não tenha nascido dentro de um grupo social com seus valores, suas crenças, seus hábitos, seus preconceitos, seus costumes, sua arte, suas técnicas, sua língua...” (Bagno, 2003b, p. 58). Na tentativa de eliminar este problema, além de desfazer a ambigüidade do termo “norma culta”, Bagno (2003b, pp. 63-70) propõe os termos “norma padrão”, “variedades prestigiadas” e “variedades estigmatizadas”. A “norma padrão” é prescritiva; refere-se a uma tradição gramatical normativa; tenta ser um modelo de língua ideal, inspirado na grande literatura do passado; é idealizado, apresenta-se como uma lei, como um modelo artificial, arbitrário; e está ligado à escola. As “variedades prestigiadas” são descritivas; constituem a língua realmente empregada no dia-a-dia pelos falantes que têm um nível de escolaridade elevada. As “variedades estigmatizadas”, em oposição às “variedades prestigiadas”, são variedades que, em geral, não aparecem com muita freqüência entre falantes de nível mais elevado de letramento. São variedades manifestadas mais freqüentemente na fala daqueles cujo grau de letramento é baixo ou nulo e vivem em grupos sociais desprestigiados. Entre as variedades prestigiadas e as variedades estigmatizadas existe uma ampla quantidade de variedades intermediárias. Passemos a tratar especificamente da norma padrão, também chamada de dialeto padrão, ou língua padrão. Conforme Ramos e Duarte, “dialeto padrão seria o conjunto de variantes às quais a comunidade lingüística atribui prestígio; ou mais exatamente, o conjunto de variantes as quais a comunidade lingüística, pelo menos, não estigmatiza” (2003, pp. 91-2). Garvin define uma língua padrão como “uma forma codificada de uma língua, aceita por uma grande comunidade de fala, e que serve como modelo para tal comunidade.”8 (1964, p. 522). Pelo que percebemos 8 a codified form of a language, accept by, and serving as a model to, a larger speech community. 24 nas definições acima citadas, a norma padrão é, dentre os dialetos de uma língua, aquela que foi escolhida para ser modelo de uso para os usuários daquela língua. Que critérios foram utilizados para a escolha de um dialeto para ser a norma padrão? Marcuschi explica que “A decisão é muito menos lingüística do que ideológica” (2001, p. 31). Em outros termos, não é tanto o fato de um determinado dialeto apresentar uma forma considerada “melhor” que as outras, no sentido estritamente lingüístico, que determinou a sua eleição para ser a norma padrão. O que ocorreu, de fato, foi uma escolha do dialeto, que se deu, ao longo da história, devido a fatores políticos, econômicos e culturais. (cf. Gaeng, op. cit, p. 169; Geraldi, 1984, p. 43). Para se consolidar como norma padrão, o dialeto eleito se associa à modalidade escrita, passando, então, a ser “uma variedade usada na transmissão de informações de ordem política e ‘cultural’” (Gnerre, 1998, p. 7). Foi por esse processo que foi constituído o inglês padrão. Macaulay (1994, p. 69) conta que, no século XIV, o centro administrativo da Inglaterra foi transferido para Londres e, conseqüentemente, o dialeto usado naquela região se tornou a base para o chamado “Inglês Oficial” [Chancery English], usado para redigir documentos oficiais. Trudgill (1983, pp. 17-8) relata que o inglês usado nas classes mais elevadas da sociedade, na capital, com o passar do tempo, foi divergindo de modo intenso do inglês falado em outras classes sociais e passou a ser considerado como modelo para todos aqueles que desejariam falar e escrever bem. Com o desenvolvimento da imprensa, a forma prestigiada do inglês passou a ser adotada em livros e, apesar das mudanças nos traços lingüísticos ao longo do tempo, esta forma continua a ser aceita como padrão. 2.4.2 Prestígio, estigma e erro Conforme vimos, a padronização de um dialeto se dá muito mais por razões sociais do que lingüísticas. É também no âmbito social que estão envolvidas as atitudes em relação às variedades dialetais. Isto porque o que está sendo avaliado não é o dialeto em si, mas o falante daquele dialeto, a sua origem, a sua classe social, a sua escolaridade, etc. Portanto, tanto o prestígio quanto o estigma de um dialeto são feitos com base nas características sociais dos seus usuários. 25 Uma variante é prestigiada geralmente quando seus usuários têm status considerado superior e, assim, passa a ser reproduzida por outros usuários. Para Gnerre, Uma variedade lingüística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm nas relações econômicas e sociais. Esta afirmação é válida, evidentemente, em termos ‘internos’ quando confrontamos variedades de uma mesma língua, e em termos ‘externos’ pelo prestígio das línguas no plano internacional. (op. cit., pp. 6-7) De fato, o julgamento positivo de uma determinada variedade dialetal parte da idéia de que esta variedade, bem como tudo o que pertence a uma camada social detentora de maior poder político, econômico e cultural, é a mais bonita, a mais correta, a mais lógica, a mais regular (cf. Bortoni-Ricardo, 2004, pp. 33-4; Macaulay, op. cit., p. 68). Por outro lado, certas variantes, por serem mais usadas por falantes de estratos mais baixos de uma comunidade, são estigmatizadas. Vale a pena salientar que este julgamento não é baseado nas características lingüísticas de um dialeto, e, sim, com base no falante deste dialeto, marginalizado pela sociedade por causa de certos perfis considerados negativamente, como, por exemplo, o fato de ser pobre, negro, de escolaridade primária, natural e morador de uma região menos desenvolvida de um país. A medida em que uma variedade lingüística recebe prestígio por motivações históricas, políticas e econômicas, outras variedades passam a ser rejeitadas e alvo do chamado preconceito lingüístico, que, na verdade, não deixa de ser um preconceito social, sofrido pelos falantes das classes mais oprimidas de uma comunidade. Com relação à distinção entre as variedades mais prestigiadas e as variedades mais estigmatizadas, Possenti (1984b, p. 34) explica que as diferenças mais importantes entre estas variedades estão vinculadas à avaliação social que delas se faz, com base no valor atribuído pela sociedade aos usuários típicos de 26 cada variedade. Conforme Bagno, o ponto distintivo entre as variedades mais prestigiadas e as variedades mais estigmatizadas: é o grau de freqüência de determinadas regras lingüísticas variáveis (o que as pessoas em geral chamam de ‘erros’) que, na nossa sociedade, gozam de prestígio ou sofrem discriminação por parte dos falantes das variedades prestigiadas (aqueles que tradicionalmente são chamados de ‘cultos’). (2003b, p. 141) É importante lembrar que a norma padrão e as variedades mais prestigiadas nunca são totalmente coincidentes, por isso, certos traços lingüísticos usados pelos falantes destas variedades são considerados “erros” na norma padrão. Mesmo assim, como são usados por falantes detentores de status mais elevado, estes traços também são prestigiados pela comunidade em que estes falantes estão inseridos. Conforme vimos, o prestígio e o estigma dos dialetos estão intimamente relacionados com os valores atribuídos pela sociedade aos seus falantes, de acordo com seu status social, e não com os traços propriamente lingüísticos destes dialetos. A este propósito, Yule considera que: de um ponto de vista lingüístico, nenhuma variedade é ‘melhor’ que outra. São simplesmente diferentes. De um ponto de vista social, entretanto, algumas variedades tornaram-se mais prestigiadas. De fato, a variedade que se desenvolve como língua padrão tem sido usualmente um dialeto de prestígio social, originalmente ligado ao centro político ou cultural (...). No entanto, sempre continua tendo outras variedades de uma língua, faladas 9 em diferentes regiões. (1996, p. 228) Macaulay, contestando a idéia da possível ilogicidade de certos dialetos, afirma que “Os dialetos de uma língua diferem-se em um número de maneiras por razões históricas e sociais, mas todos os dialetos são altamente organizados, são sistemas abstratos com suas próprias regras complexas.”10 (op. cit., p. 76). Semelhantemente, Soares explica que: 9 from a linguistic point of view, no one variety is ‘better’ than another. They are simply different. From a social point of view, however, some varieties do become more prestigious. In fact, the variety which develops as the Standard Language has usually been one socially prestigious dialect, originally connected with a political or cultural center (...). Yet, there always continue to be other varieties of a language, spoken in different regions. 10 Dialects of a language differ from one another in a number of ways for historical and social reasons, but all dialects are highly organized, abstract systems with their own complex rules. 27 Tal como não se pode falar de ‘inferioridade’ ou ‘superioridade’ entre línguas, mas apenas de diferenças, não se pode falar de inferioridade ou superioridade entre dialetos geográficos ou sociais ou entre registros. Também aqui, como ocorre em relação às línguas, cada dialeto e cada registro é adequado às necessidades e características do grupo a que pertence o falante, ou à situação em que a fala ocorre: todos eles são, pois, igualmente válidos como instrumentos de comunicação; também não há nenhuma evidência lingüística que permita afirmar que um dialeto é mais ‘expressivo’, mais ’correto’, mais ‘lógico’ que qualquer outro: todos eles são sistemas lingüísticos igualmente complexos, lógicos, estruturados. (1986, p. 40) Cabe aqui destacar a questão do erro no âmbito da variação lingüística. Bagno (2003b, pp. 142-3) classifica os erros conforme apresentem traços graduais e traços descontínuos. O autor explana que enquanto aqueles ocorrem ao longo de todo o continuum das variedades com freqüência em maior ou menor grau, estes aparecem com freqüência maior nas variedades mais estigmatizadas e deixam de aparecer a medida em que se aproximam das variedades mais prestigiadas. Possenti (1984a, p. 52), por sua vez, defende que as variedades não são erros, mas diferenças, mesmo porque, para ele, não existe erro lingüístico, e, sim, inadequações de linguagem, ou seja, o uso de uma variedade inadequada para uma determinada situação comunicativa, como, por exemplo, o uso de um estilo mais informal em um discurso na câmara dos deputados. O tratamento do erro que Possenti dá é relacionado mais especificamente à variação de estilo, assunto abordado na próxima seção. 2.5 Registro e estilo Ninguém fala ou escreve em uma língua, do mesmo jeito, em qualquer ocasião ou para quaisquer interlocutores. O sucesso da interação verbal depende, entre outros fatores, da forma escolhida para falar ou escrever, observando-se a adequação à situação e ao(s) interlocutor(es). Às vezes, deve-se planejar e controlar cuidadosamente o modo de se expressar; outras vezes, pode-se usar uma linguagem mais informal (cf. Antunes, 2003, p. 52). Estes diferentes modos de expressão são, na literatura da área lingüística, conhecidos como registros ou estilos. Alguns autores tratam estes dois termos de maneira diferenciada, outros lhes dão a mesma acepção. É esta última posição a que assumimos na presente dissertação. 28 Conforme Macaulay (op. cit., p. 86), registros são tipos de língua necessários para o trabalho e a interação. Yule define registro como “variação de acordo com o uso em situações específicas”11 (op. cit., 245). Já Brown defende que o registro é “uma variedade de língua usada para um propósito específico”12 (1980, p. 191). Vejamos agora algumas definições de estilo. Para Trudgill (1994, p. 10), o estilo consiste na variedade situacional que forma um continuum do mais formal para o mais informal, contendo variedades intermediárias. Conforme Chaica, “o estilo de fala representa um sistema de comunicação controlador da interação social, indicando assim como os falantes devem produzir ou interpretar uma mensagem” (apud Monteiro, op. cit, p. 68). Monteiro, considerando a sinonímia entre registro e estilo, explica que o estilo é “uma variação lingüística que envolve aspectos de situação ou contexto, os propósitos do emissor, o tipo de assunto e conteúdo da mensagem, bem como as relações entre os participantes do ato comunicativo” (op. cit., p. 70). Considerando, especificamente, os fatores intervenientes do estilo, Macaulay aponta como tais, a ocasião, o cenário, a idade, o sexo, o status dos interlocutores, a relação entre estes interlocutores, além da presença de outros que podem ouvir o que é dito (op. cit., pp. 93-4). Borba, por sua vez, adota, para explicar o termo “registro”, as características da formalidade e da informalidade: O registro formal se caracteriza pela disciplina gramatical, de que resulta uma elaboração mais complexa, e pela propriedade vocabular, que lhe dá um conteúdo mais rico. Na forma escrita obedece a uma ortografia oficial e na forma oral (ou falada) segue uma pronúncia padrão, assinalada principalmente por articulações nítidas e completas. Já o registro informal, ao contrário, marca-se pelo afrouxamento de regras gramaticais e pelo vocabulário limitado e concretizante e, por isso mesmo, repetitivo. Foneticamente apresenta-se muito acidentado (supressões e acréscimos, nivelamentos e transposições para acomodações fônicas) uma vez que é tipicamente oral, só aparecendo escrito muito ocasionalmente no uso informal da língua escrita ou, então, quando ela conscientemente pretende reproduzir a fala. (2003, p. 55) 11 variation according to use in specific situations 12 a variety of language used for a specific purpose 29 Para a nossa pesquisa com livros didáticos, consideramos, portanto, “variedades de registro” ou “variedades de estilo” como um conjunto de variedades lingüísticas manifestadas de acordo com os interlocutores, com a ocasião, com os possíveis espectadores, com o propósito comunicativo, e que são distribuídas dentro de um continuum do mais formal ao mais informal. No estilo mais informal, encontram-se as gírias, um ponto importante para a presente dissertação, que será discutido a seguir. 2.5.1 Gíria Flexner, co-editor do dicionário de gíria americana, definiu gíria como “um corpo de palavras e expressões freqüentemente usadas ou compreendidas por grande parte do público geral americano, mas não aceitas como uso bom, formal pela maioria”13 (apud Gaeng, op. cit., p. 178). As implicações que Gaeng faz desta definição são: “(1) que gíria é uma forma subpadrão da fala (mas não significa que seja sempre vulgar ou impolido) e (2) que é amplamente entendida por todos os membros de um grupo social”14 (op. cit., p. 178). Gaeng ainda explica que “uma gíria usualmente existe lado a lado com um outro termo, mais geral e ‘respeitável’ (...). Algumas vezes ela pode até mesmo se tornar um termo padrão aceitável, como tem ocorrido através da história de uma língua”15 (op. cit., p. 178). Para Macaulay, a gíria: Consiste em expressões usadas como um tipo de língua de grupo interno por alguns falantes para se identificarem com outros falantes e para se distanciarem de outros falantes que não usam estas formas. A este respeito, 16 gíria não é diferente de um dialeto ou registro, mas tende a ser passageira. (op. cit., p. 89) 13 the body of words and expressions frequently used by or intelligible to a rather large portion of the general American public, but not accepted as good, formal usage by the majority 14 (1) that slang is substandard form of speech (but by no means aways vulgar or impolite) and (2) that it is largely understood by all members of a social group. 15 A slang term usually exists side by side with another, more general and ‘respectable’ one (...). Sometimes it may even become an accepted standard term, as has often happened throughout the history of a language 16 It consists of expressions used as a kind of ingroup language by some speakers to identify themselves with other speakers and to distance themselves from other speakers who do not use these forms. In this respect, slang is no different from dialect or registrer, but slang expressions tend to be ephemeral. 30 Conforme Borba, A gíria se prende à manifestação oral e consiste mais num estilo, numa forma pitoresca de falar, utilizada por todos os indivíduos quando postos em determinadas circunstâncias ou, então, por subgrupos bem caracterizados da sociedade: estudantes, operários, malandros, desportistas etc. (op. cit., p. 60) Com base no exposto acima, compreendemos que as gírias se caracterizam por serem formas fora da norma padrão, mas, que com o tempo, algumas destas formas podem se tornar padrão enquanto outras permanecem como gíria, e outras simplesmente desaparecem. Pertencem ao nível mais informal do registro, podendo algumas gírias ser usadas pelos falantes em geral de uma língua e outras ser privativas de um determinado grupo, restrito, servindo como meio de identificação desse grupo, ao mesmo tempo em que é usado como instrumento de exclusão para os que desconhecem a linguagem em uso e, portanto, não podem pertencer ao grupo. 2.6 Variação e ensino Durante muito tempo, o ensino de línguas estrangeiras tem se centralizado nas regras da gramática tradicional, e, quando há a prática da comunicação, esta tem sido feita com base na norma padrão. Com o desenvolvimento dos estudos sociolingüísticos, novas propostas de ensino foram sendo planejadas, tendo em vista a língua em uso. Dentre as contribuições da Sociolingüística para o ensino de línguas, destaca-se o conceito de competência comunicativa (cf. Melo, 1999, p. 452). Travaglia define competência comunicativa como “a capacidade do usuário de empregar adequadamente a língua nas diversas situações de comunicação” (2002, p. 17). Brown (1994, p. 30) argumenta que a competência comunicativa é uma reação a outros modelos que focalizaram atenção a formas gramaticais, a linguagem ‘correta’, a linguagem artificial, que não têm aplicação no mundo fora da sala de aula. 31 É no conceito de competência comunicativa que se alicerçou a abordagem comunicativa, cuja preocupação, segundo Leffa, é “O uso de linguagem apropriada, adequada à situação em que ocorre o ato da fala e ao papel desempenhado pelos participantes” (1998, p. 226). Sendo o objeto de estudo da Sociolingüística, a variação lingüística é um conceito central nos materiais e na metodologia, que estão vinculados no método comunicativo (cf. Richards e Rougers, 1998, p. 67). Nesse processo, a variação lingüística se mostra muito importante porque se configura na base para a competência sociolingüística do usuário. Esta competência, somada à competência lingüística, discursiva e estratégica, integradas com as quatro habilidades – ouvir, falar, ler e escrever, compõe, justamente, a competência comunicativa (Canale e Swain, apud Neves, 1998, p. 73). Por isso, Neves defende que “A competência sociolingüística considera o papel dos falantes no contexto da situação e a sua escolha de registro e estilo.” 17 (op. cit., p. 73). Considerando, então, que as variedades lingüísticas constituem uma realidade nas interações sociais, caberia às instituições de ensino trabalhar estas variedades para que o aluno possa ter acesso a elas e saber em quais contextos sociais pode ser utilizada cada variedade, e não restringir o ensino de língua estrangeira à norma padrão, como se esta fosse a única forma de legítima manifestação da língua. Conforme Wilkins, “O estudo das variedades lingüísticas é útil em nos ajudar a decidir as prioridades do ensino de língua.”18(1972, p. 145). Quanto ao ensino desta norma, Bagno não hesita em sugerir que “É preciso definir de maneira mais democrática qual deve ser a norma a ser apresentada na escola. É urgente empreender uma crítica profunda desse padrão.” (2003a, p. 173) O autor ainda acrescenta: Se é verdade que o padrão lingüístico será sempre um ideal, inatingível na prática em sua totalidade, também é verdade que a escola deveria se 17 Quanto às outras competências, Neves (op. cit., p. 73) explica que “A competência gramatical ou lingüística se atém ao código lingüístico – das estruturas e regras de pronúncia onde o objetivo é o de acuidade na expressão e compreensão. (...) A competência discursiva considera a questão da coesão e da coerência relevantes no determinado contexto. E a competência estratégica considera que não há falantes e ouvintes ideais, sendo necessário, portanto, que se faça uso de estratégias de comunicação verbais ou não-verbais para se compensar as quebras na comunicação.” 18 The study of language varieties is useful in aiding us to decide the priorities of language teaching. 32 esforçar para que esse padrão absorvesse uma série de usos lingüísticos novos, perfeitamente assimilados pelos falantes cultos, e já consagrados até na literatura dos melhores escritores. Isso reduziria o abismo que existe entre o padrão lingüístico e o uso real da língua por parte dos falantes cultos. Além disso, é preciso também que, dentro da escola, haja espaço para o máximo possível de variedades lingüísticas: urbanas, rurais, cultas, não-cultas, faladas, escritas, antigas, modernas... Para que as pessoas se conscientizem de que a língua não é um bloco compacto, homogêneo, parado no tempo e no espaço, mas sim um universo complexo, rico, dinâmico e heterogêneo... (2003a, pp. 173-4) Aplicando estes princípios para o ensino de língua estrangeira, é necessário que a escola se esforce para ir além dos limites da norma padrão da língua alvo, mostrando ao aluno que existem formas lingüísticas não previstas nesta norma, mas que são usadas pelos falantes das variedades mais prestigiadas e nos gêneros textuais escritos mais formais. Também é necessário que a escola apresente aos alunos as diferentes formas da língua alvo, proferidas por pessoas de diversas regiões, de diversos estratos sociais, de diversas faixas etárias etc. a fim de conscientizar o aluno de que, assim como a sua língua materna, a língua que está aprendendo também apresenta diversidades. No que concerne às atitudes em relação às variações, Bortoni-Ricardo defende que: A escola não pode ignorar as diferenças sociolingüísticas. Os professores e, por meio deles, os alunos têm que estar bem conscientes de que existem duas ou mais maneiras de dizer a mesma coisa. E mais, que essas formas alternativas servem a propósitos comunicativos distintos e são recebidas de maneira diferenciada pela sociedade. Algumas conferem prestígio ao falante, aumentando-lhe a credibilidade e o poder de persuasão; outras contribuem para formar-lhe uma imagem negativa, diminuindo-lhe as oportunidades. Há que se ter em conta ainda que essas reações dependem das circunstâncias que cercam a interação. (2005, p. 15) É importante, portanto, a consciência de que, além de existir formas diferentes de falar uma língua estrangeira, existem também julgamentos favoráveis ou desfavoráveis acerca destas formas, conforme o prestígio dos seus respectivos falantes. Deste modo, o aluno compreende que na língua que está aprendendo, assim como na sua língua materna, há formas valorizadas e formas estigmatizadas da língua alvo. 33 Destarte, urge que a mudança de comportamento em relação à variação lingüística tenha início já no processo de formação dos professores. Isso significa um repensar dos objetivos dos cursos de graduação, especialmente dos cursos de Letras, tendo em vista que é nesse momento que os alunos-professores devem fortalecer os fundamentos das concepções científicas em torno da natureza social da língua19. Sobre este aspecto, Moita Lopes enfatiza: É essencial [...] que o aluno-professor trabalhe com um modelo da linguagem em uso que considere aspectos de sua natureza social, já que, em última análise, o que o professor deseja é que o aluno aprenda a se engajar e a envolver outros em práticas discursivas, tanto na modalidade escrita (literária e não-literária) quanto na oral, para poder participar da construção social do significado (...). Ensinar a usar uma língua é ensinar a se engajar na construção social do significado e, portanto, na construção das identidades sociais dos alunos. (1996, p. 181-2) Ademais, importa lembrar que, se essa mudança de atitude pode ser aplicada no ensino da língua materna, também é válida para o ensino de língua estrangeira. Os Parâmetros Curriculares Nacionais, do Ministério da Educação do Brasil, já reconhecem a variação lingüística como fato a ser contemplado na escola, abrangendo tanto o ensino da língua materna, quanto o da língua estrangeira. Segundo este documento, A questão da variação lingüística em Língua Estrangeira pode ajudar não só a compreensão do fenômeno lingüístico da variação na própria língua materna, como também do fato de que a língua estrangeira não existe só na variedade padrão, conforme a escola normalmente apresenta. (1998, p. 47). Todavia, convém lembrar que essa nova concepção do ensino de línguas estrangeiras, em especial de língua inglesa, ainda precisa ser estimulada na maioria das instituições de ensino. Tratemos especificamente do ensino do dialeto e do registro. No contexto educacional, quando se fala em dialetos, é mais comum a referência a dialetos regionais do que a dos dialetos sociais. Os alunos de inglês, mais especificamente, muitas vezes levam em consideração qual variação dialetal está sendo ensinada, se é a variação americana, britânica, canadense, australiana etc. ou, ainda, se o dialeto 19 Não é o objetivo da nossa pesquisa propor mudanças curriculares nos cursos de Letras (ou de outros cursos de graduação que tratam a língua como objeto de estudo), visando ao fortalecimento dos fundamentos, por parte dos graduandos, das concepções científicas em torno da natureza social da língua. 34 é de uma determinada região dos Estados Unidos ou da Inglaterra. Raramente, eles têm consciência das variações em relação à idade, à classe social, à etnia e ao sexo dos falantes (cf. Butt, 2001, p. 272). No entanto, as variações dialetais sociais e geográficas são igualmente importantes no ensino da língua estrangeira. É o que advoga Rickford (op. cit., p. 163), que sustenta que os professores podem tentar realizar uma pesquisa sobre as diferenças dialetais regionais nos países onde a língua que ensina é falada, visando a dois objetivos: preparar os alunos para o vernáculo regional que provavelmente encontrarão, se eles mesmos visitarem a região do país estrangeiro onde se localiza tal vernáculo, e enriquecer seus conhecimentos sobre estas diferenças dialetais regionais, habilitando o aluno no reconhecimento de dialetos regionais em textos trabalhados em sala de aula. No tocante à variação dialetal social, o mesmo autor (op. cit., p. 184) aponta para a necessidade do reconhecimento, por parte dos professores, da regularidade e da integridade dos dialetos sociais empregados pelos alunos; da ligação que tais dialetos têm com a identidade social de cada um e de cada grupo; e da construção destes dialetos, onde for possível, na instrução de línguas, especialmente de línguas estrangeiras. Além disso, é oportuno lembrar que a variação de registro também deve ter um tratamento especial no ensino de língua estrangeira. Não obstante, observase com freqüência uma certa dificuldade de aprendizagem quanto a esta variação. Para Brown (1980, p. 193), isso decorre devido à diferença cultural entre a língua materna e a língua alvo. Nesses termos, faz-se necessário dar especial atenção à variação de registro da língua alvo. Cunningsworth (1995, p. 130) alerta para a necessidade de consciência e sensibilidade para variação de estilo por parte dos aprendizes de uma língua estrangeira, mesmo que não tenha um repertório de variação tão amplo quanto a de um falante nativo. Esta consciência e sensibilidade em relação à variação, segundo o autor, devem ser ligadas ao reconhecimento dos tipos de situação em que os diferentes níveis de formalidade são apropriados. 35 2.7 Variação e livro didático O livro didático desempenha várias funções no processo de ensinoaprendizagem, especialmente no que se diz respeito às línguas estrangeiras. Entre estas funções, está a de ser “recurso de atividades para a prática do aprendiz e interação comunicativa”20 (Cunningsworth, op. cit., p. 7). Em outros termos, o livro didático teria como função dar subsídios para que o aluno interaja numa língua estrangeira. Se a língua tem um caráter heterogêneo, estes subsídios deverão contemplar as variações da língua alvo em função de diversos fatores, como a região geográfica, os aspectos sociais e os contextos, para que o aluno possa desempenhar uma interação comunicativa com sucesso. No entanto, esta função atribuída ao livro didático de línguas não está sendo desempenhada, pelo menos de maneira plena, conforme pudemos observar já em nossas experiências anteriores de contato com os materiais didáticos disponíveis. Ao consumidor do livro, em especial o aluno de língua estrangeira, muitas vezes é dada apenas a opção de conhecer a norma padrão daquela língua, baseada, por vezes, em ditames da gramática tradicional. Deste modo, considerando que o livro didático é o principal instrumento de apoio para a atividade didática do professor, o ensino de língua tem sido direcionado em grande parte, para a gramática, e, quando há tentativa de utilizar a abordagem comunicativa, a norma padrão de uma ou das duas nações mais representativas é utilizada enquanto referencial, como é o caso do inglês padrão americano e do inglês padrão britânico. Como conseqüência, pode ocorrer a supervalorização da forma padrão em detrimento de outras variedades de uma língua, que, por sua vez, podem ser vistas com preconceito. Portanto, a gramática tradicional, a prática de ensino e o livro didático formam o círculo formador e mantenedor do preconceito lingüístico: a gramática tradicional inspira a prática de ensino, que por sua vez provoca o surgimento da indústria do livro didático, cujos autores – fechando o círculo – recorrem à gramática tradicional como fonte de concepções e teorias sobre a língua. (Bagno, 2003c, pp. 73-4) 20 a source of activities for learner practice and communicative interaction. 36 Nesta perspectiva, Widdowson revela como os livros didáticos têm sido produzidos: O professor de língua que produz materiais didáticos tem (...) mostrado uma tendência em se concentrar na forma gramatical: a prática prevalente é selecionar e organizar itens da língua-alvo com a intenção de demonstrar de que maneira as regras do sistema podem ser manifestadas através de orações. Menos importância tem sido dispensada às maneiras como essas regras podem ocorrer com o propósito comunicativo enquanto uso. (1991, p. 17) O material didático deve apresentar um equilíbrio entre a forma e o uso para a sua eficácia. Além de apresentar as regras gramaticais, o livro também deve contemplar os diferentes usos de uma língua, explorando as formas de como expressar cada uso num contexto específico. Como afirma Morita, o bom livro didático “deve proporcionar atividades funcionais e estruturais, não deixando de privilegiar as regras sociais de uso também” (1998, p. 63). No que concerne ao uso, Tomlinson defende que: Idealmente os materiais em todos os níveis devem fornecer exposição freqüente para um input autêntico que é rico e variado. Em outras palavras o input deve variar no estilo, modo, meio e propósito e deve ser rico em traços que são característicos do discurso autêntico numa língua alvo21 (1998, p. 13) No que concerne ao dialeto regional, o livro didático de língua inglesa, embora tenda a privilegiar a norma padrão americana e a britânica (cf. Cunningsworth, op. cit., p. 52), deve contemplar outras variedades do inglês, sejam as de outros países, sejam as de dialetos não-padrão dos Estados Unidos e da Inglaterra. Quanto à variação de registro, Cunningsworth dá a seguinte recomendação: “Devemos olhar para os livros didáticos do ângulo da apropriação para ver até que ponto eles vão preparar os aprendizes para usar estilos apropriados em variadas situações”22 (op. cit., p. 50). Além destas considerações feitas especificamente para os livros didáticos, cremos que aquelas considerações 21 Ideally materials at all levels should provide frequent exposure to authentic input which is rich and varied. In other words the input should vary in style, mode, medium and purpose and should be rich in features which are characteristic of authentic discourse in the target language. 22 We should look at coursebooks from the angle of appropiacy to see how far they go in preparing learners to use appropriate styles in varying situations. 37 tecidas sobre o ensino da variação lingüística de língua estrangeira, na seção anterior, podem, de alguma forma, estar presentes nos livros didáticos. Algumas pesquisas sobre o enfoque sociolingüístico nos materiais didáticos já foram feitas, no entanto, não encontramos nenhum trabalho sobre variações dialetais e de registro em livros didáticos de língua inglesa, especificamente com exame dos materiais textuais, das atividades de leitura, da exploração do vocabulário, da exploração gramatical, bem como do livro do professor, como é o nosso trabalho. Deste modo, cremos que esta dissertação trará novas contribuições para a avaliação do livro didático de inglês. 38 3. Tratamento metodológico da pesquisa O propósito deste capítulo é apresentar a descrição da metodologia empregada para a realização da presente pesquisa. De início, discutimos a escolha do tipo de pesquisa adotado, a pesquisa descritiva, em seguida, apresentamos a descrição do corpus, os livros didáticos e, por fim, os procedimentos metodológicos usados. 3.1 Tipo de pesquisa Para avaliar como os livros didáticos de língua inglesa tratam da variação lingüística, foi adotada a pesquisa descritiva, de cunho qualitativo. A pesquisa descritiva é definida por Barros e Lehfeld como “descrição do objeto por meio da observação e do levantamento de dados” (1990, p. 34). Desta forma, os livros foram observados em atividades de leitura e análise e, posteriormente, foram inventariados dados de algumas partes de cada livro, visando a análise, na perspectiva da variação lingüística. 3.2 Descrição do corpus Para a realização do presente trabalho, julgamos que os livros componentes do corpus da pesquisa devem ter duas características: ser adotadas no ensino médio e ser atuais. É no ensino médio que se espera um tratamento mais privilegiado da variação lingüística em língua inglesa, considerando o estudo prévio da língua no ensino fundamental, especialmente de 5ª a 8ª série. A atualidade do material didático se justifica pelo interesse da presente pesquisa pela variação sincrônica atual. Considerando estas características, escolhemos aleatoriamente dois livros didáticos adotados em algumas das escolas de Fortaleza no ano de 2004: Compact English book, de Wilson Liberato, volume único, editora FTD, 1998, e Globetrotter, de Marcelo Baccarin Costa, volume único, editora Macmillan, 20011. 1 No referido ano, o Compact English Book foi adotado nos colégios Ari de Sá e Farias Brito. Já o Globetrotter foi adotado no Colégio Sete de Setembro. 39 Nas próximas duas subseções, descreveremos cada um dos livros analisados neste trabalho dissertativo. 3.2.1 Compact English Book O livro Compact English Book (livro 1) contém 24 unidades a serem trabalhadas durante todo o ensino médio. Cada unidade apresenta dois textos, com exceção da unidade 21, que apresenta três textos. Todas as unidades são introduzidas por textos, cuja exploração é proposta na seção Check your reading, com questões de múltipla escolha a serem resolvidas pelos alunos com o objetivo de verificar a sua compreensão textual. Em seguida, o material apresenta explanações gramaticais, na seção Grammar in Focus, acompanhadas de exercícios de exploração das noções estudadas, os Drills. Muitas unidades do livro comportam mais de uma seção gramatical, com os respectivos exercícios. Ainda no âmbito da gramática, o livro apresenta a seção Comics, quadrinhos com personagens cujas falas contêm estruturas gramaticais estudadas. No que tange ao estudo do vocabulário, o material didático faz a exploração na seção Increase Your Vocabulary, com exercícios de aplicação, os Drills. Na seqüência, encontramos a seção Interactive Work, que consiste em perguntas baseadas nos textos e na gramática de cada unidade, visando a prática da língua em sala de aula. O livro ainda apresenta a seção Back to the Past, com textos cujos temas visam a interdisciplinaridade. Estes textos são acompanhados da seção Test Your Knowledge, composta de exercícios de exploração textual e de algumas questões discursivas. O material também privilegia o exercício da pronúncia na seção Pronunciation. Fechando cada unidade, o livro expõe as seções Proverb (unidades 1 a 8), Idiom (unidades 9 a 16), Slang (unidades 17 a 20) e Cliché (unidades 21 a 24), 40 que exploram, respectivamente, provérbios, expressões idiomáticas, gírias e lugares comuns em língua inglesa, na fala de personagens em quadrinhos. Depois de cada quatro unidades encontramos o tópico Review & Varieties, com temas diversos seguidos de exercícios de exploração e questões de vestibulares provenientes de cursos superiores dos mais diversos locais do Brasil. No final do livro didático, há um apêndice, composto de canções, sendo que cada canção é seguida de exercícios de exploração de múltipla escolha. O livro apresenta, na seqüência, listas de expressões idiomáticas, combinações de palavras e phrasal verbs2. Ainda no final do livro, há uma lista dos principais verbos irregulares, agrupados em verbos uniformes, biformes e triformes, um glossário, com uma lista de palavras e expressões dispostas em ordem alfabética e uma bibliografia, com indicações de dicionários e gramáticas, além das siglas das entidades universitárias cujas questões foram usadas no material. No livro do professor, encontramos traduções de textos, das falas das seções Comics, Proverb, Idiom, Slang e Clichê, além de textos de questões de vestibular e canções do apêndice. Para a nossa pesquisa, selecionamos alguns textos das unidades, tanto os introdutórios quanto os da seção Back to the Past, além das seções Check your reading, Grammar in Focus, com os exercícios de exploração gramatical, Increase Your Vocabulary e Slang de algumas unidades que são mais relevantes. 3.2.2 Globetrotter Semelhantemente ao livro 1, Globetrotter (livro 2) conta com 24 unidades a serem exploradas durante os três anos do ensino médio. Os textos abordados no livro são antecedidos da seção Getting started, cuja função é ativar os conhecimentos prévios do aluno, preparando-o, assim, para a leitura e a 2 Phrasal verb refere-se a um verbo seguido de preposição, cujo significado geralmente é diferente do mesmo verbo sem preposição, como em to look for (procurar) e to look (olhar). 41 compreensão do texto relacionado. Os textos e as respectivas atividades de exploração textual são trabalhados na seção Reading strategy. Já na seção Word study estão concentradas as explorações do vocabulário, com explicações e atividades variadas. Com relação à gramática, o livro a explora em três etapas. Na primeira etapa, sob a seção Figure it out, o aluno é levado a trabalhar a regra gramatical em pauta no texto abordado anteriormente. Com isto, o aluno amplia seus conhecimentos de gramática por via indutiva, observando alguns aspectos da língua em uso e refletindo sobre eles, antes do estudo das regras gramaticais, na seção Understanding grammar, segunda etapa da abordagem gramatical. A terceira etapa, a seção Using grammar, consiste em exercícios de exploração gramatical. A habilidade auditiva é trabalhada no livro sob a seção Listening strategy. No que concerne à produção escrita, o aluno tem a oportunidade de desenvolver esta habilidade na seção Think and write. Cada unidade do livro é encerrada com a seção Focusing on vestibular, em que o aluno pode avaliar sua aprendizagem pela resolução de questões de vestibular, oriundas de diversas universidades e faculdades brasileiras. O livro também apresenta seções eventuais, aquelas que, ou não estão presentes em todas as unidades, ou aparecem apenas em algumas das seções acima detalhadas. No final das unidades pares, o aluno tem a oportunidade de revisar o conteúdo explorado nas duas unidades anteriores, na seção Rounding off. Algumas dicas de leitura e de gramática são apresentadas na seção Tip strip. Citações de autores ou personalidades famosas são evidenciadas na seção Food for thought. A seção Language quiz tem como objetivo levar o aluno a observar os usos e as expressões que não pertencem à norma padrão e a analisar esses usos. Por fim, a seção Notepad traz notas sobre cultura, curiosidades e diferenças entre o inglês americano e o inglês britânico. Após as vinte e quatro unidades, o livro, sob o título Language review, revisa os pontos básicos da gramática, com variados exercícios. No final do livro, há, em apêndice, um glossário, com expressões usadas nas unidades, uma lista com 42 números cardinais e ordinais e outra lista com verbos irregulares, além do significado das siglas utilizadas na seção Focusing on Vestibular. No livro do professor, há um encarte que trata dos aspectos gerais e metodológicos do livro, além de um quadro com o conteúdo de cada unidade, observações, sugestões e atividades complementares de algumas unidades, transcrições de falas registradas no CD que vem para o professor, referentes à seção Listening strategy, tradução de textos abordados nas unidades, bibliografia e indicação de leituras para os alunos. Para a nossa pesquisa, selecionamos alguns textos, explicações de vocabulário, gramática, além das seções eventuais Language quiz e Notepad. 3.3 Procedimentos metodológicos Para atingirmos os objetivos da pesquisa, analisamos quatro itens nos livros didáticos escolhidos: material textual e respectivas atividades de exploração do texto, vocabulário, gramática e livro do professor. O roteiro de análise dos livros didáticos (vide anexo I, p. 73-4) foi construído com base no Catálogo do Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio – PNLEM/2005: Língua Portuguesa (Rangel et al., 2004) e em Cunninsworth (op. cit.), com adaptações e acréscimos, de modo a atender os objetivos propostos nesta dissertação. No âmbito do primeiro item, investigamos se os livros didáticos apresentam textos de diferentes dialetos e de diferentes registros. Também procuramos saber se os livros, de algum modo, chamam atenção para certas expressões ocorrentes nos textos que pertencem a um dialeto ou a um registro mais específico. Procuramos saber ainda se as atividades de compreensão e interpretação, quando tratam da variação lingüística, propõem algum tipo de prática investigativa, de pesquisa, capaz de levar o aprendiz a correlacionar a forma lingüística em jogo com o seu contexto de uso e a perceber as variações como fenômenos previsíveis e decorrentes da própria natureza social da linguagem, e/ou 43 se recorrem às práticas tradicionais de preenchimento de lacunas, substituição de palavras por seus “sinônimos” etc. No âmbito do item seguinte, procuramos saber se há alguma tentativa, por parte dos livros didáticos, de ligar as palavras ou expressões com os contextos extralingüísticos, sejam geográficos ou situacionais. Também investigamos a forma como a gíria é tratada nestes livros didáticos. Ainda analisamos, como foi feito em relação ao item anterior, se as atividades, quando tratam da variação lingüística, propõem algum tipo de prática investigativa, de pesquisa, capaz de levar o aprendiz a correlacionar a forma lingüística em jogo com o seu contexto de uso e a perceber as variações como fenômenos previsíveis e decorrentes da própria natureza social da linguagem, e/ou se recorrem às práticas tradicionais de preenchimento de lacunas, substituição de palavras por seus “sinônimos” etc. No âmbito do terceiro item, verificamos qual é a concepção de língua que se reflete nas explicações gramaticais apresentadas nos manuais didáticos. Procuramos ainda avaliar se os livros abordam alguma variedade estigmatizada. Buscamos saber também se as noções de “certo” e “errado” são relativizadas, em referência a um padrão de língua sócio-historicamente constituído ou se são tidas como absolutas e definitivas. Ainda investigamos se os exercícios de exploração gramatical, quando tratam da variação lingüística, levam o aluno a perceber e aplicar, de forma adequada, a variação das regras gramaticais conforme cada situação comunicativa, e/ou recorrem às práticas tradicionais de preenchimento de lacunas, substituição de palavras por seus “sinônimos” etc. Com relação ao último item, procuramos averiguar que direção os livros do professor revela na abordagem da variação lingüística em suas orientações didáticas. 44 4. Análise dos livros didáticos Neste capítulo, apresentaremos a análise e a discussão dos resultados obtidos nos livros didáticos de língua inglesa descritos no capítulo 3. Dessa maneira, teceremos comentários sobre os resultados obtidos, com base na fundamentação teórica apresentada no capítulo 2 e conforme os procedimentos metodológicos explicitados no capítulo 3. Este presente capítulo analisa quatro aspectos: material textual e atividades de exploração do texto, exploração do vocabulário, exploração gramatical e livro do professor. Os livros são analisados e comentados individualmente e em cada aspecto. Deste modo, o presente capítulo conta com oito seções. 4.1 Material textual e atividades de exploração do texto – livro 1 No livro 1 não encontramos nenhuma exploração da variação dialetal e poucas são as diversidades de registro, predominando o nível de mais formalidade, nos textos de caráter informativo, os quais compõem a maioria dos textos apresentados. Dos poucos textos que apresentam alguma informalidade, citamos o texto de abertura da unidade 16 (p. 233)1, que mostra um telefonema entre uma numeróloga e uma cliente, em que aparece um número considerável de ocorrências de question tag2, caracterizadas pela informalidade3 (vide anexo II, p. 76-7). Não encontramos no livro 1, de uso do aluno, alguma nota que chamasse atenção para certas expressões ocorrentes nos textos que pertencem a um dialeto ou a um registro mais específico. 1 As páginas indicadas referem-se tanto ao livro do aluno quanto ao livro do professor, em ambas as obras didáticas. 2 Question tag é o uso em inglês de partículas interrogativo-negativas após declarações afirmativas. Também compreende o uso de partículas interrogativas após declarações negativas. É equivalente, no português, por exemplo, ao “não é?”, ou, o mais freqüente “né?” 3 Os comentários sobre os textos nos livros didáticos foram feitos baseados na interpretação do pesquisador para comprovar o registro utilizado nestes textos. Estas exposições não estão contempladas nestes livros. 45 Quanto às atividades de exploração textual, quando tratam da flexibilidade da língua, encontramos, entre outras semelhantes, as seguintes questões da seção check your reading do livro: Exemplo 1 Em “As English spreads across Australia...” a palavra across não pode ser substituída por: a) over c) through e) throughout b) all over d) between Resposta no livro do professor: d (p. 41) Exemplo 2 In the clause “As we was studying the text”, an approximate meaning for as is: a) then b) how c) when d) them e) where Resposta no livro do professor: c (p. 103) Exemplo 3 The question “How much do you expect to earn?” is approximately the same as: a) How much dollars do you intend to get? b) How many dollars you pretend to receive? c) What salary are you expecting to get? d) How hight is the money you plan to make? e) Which wage you have in mind? 4 Resposta no livro do professor: c (p. 129) O livro 1 raramente apresenta questões de variação lingüística nas seções Back to the Past, como no exemplo a seguir: Exemplo 4 A palavra many em “many important historical events” poderia ser substituída por _____________________________. Resposta no livro do professor: a lot of/lots of/plenty of, a good number of (p.171) Apesar das ocorrências de questões que envolvem variação lingüística, não há uma tentativa de ligar as diferentes formas lingüísticas com os respectivos contextos em que cada forma é mais freqüente ou mais adequada. O livro deveria explorar a variação como uma estratégia de leitura. Em alguns casos, para que um texto seja efetivamente compreendido, é preciso compreender também o processo de variação. Cabe aqui retomar a sugestão de 4 O livro do professor não trás comentários sobre o porquê determinada opção é tida como correta e as outras, erradas. 46 Rickford (op. cit. p 163), que defende a tentativa da realização de pesquisa sobre as diferenças dialetais regionais (sociais e de registro também), para aplicar na elaboração de livros didáticos, especificamente na seleção de textos de diferentes dialetos e registros e na elaboração de atividades de leitura que façam com que o aluno reflita sobre o processo de variação. 4.2 Material textual e atividades de exploração do texto – livro 2 No livro 2 também não encontramos textos que são caracterizados por pertencerem a um determinado dialeto; em compensação, os registros manifestados nos textos são mais diversificados, desde os registros mais formais, evidenciados, entre outros gêneros, em texto informativo (p. 7), biografia (p. 48), e tira jornalística (p. 223), até os registros mais informais, encontrados em tira em quadrinhos (p. 83), e-mail (p. 89) e numa interação telefônica (p. 234). Por serem raros em materiais didáticos tradicionais, cremos que os registros mais informais merecem comentários. Destaquemos, então, os três últimos textos citados. Na unidade 8, encontramos tiras de estória em quadrinhos de Garfield (p. 82-3). Em uma destas tiras, o personagem, em pensamento, se expressa assim: “Oh yeah, it’s christmas morning”, em que “yeah” é uma variante mais informal de “yes” (vide anexo II, p. 78). O outro texto da unidade 8 (p. 89) apresenta um e-mail entre dois jovens (vide anexo II, p. 79-80). Neste texto, aparecem expressões de gíria, como what are you up today? (o que você está fazendo hoje?), cool! (legal!) e see ya! (até lá). Já o segundo texto da unidade 20, na terceira interação telefônica, Mrs Novak, em um determinado momento, se expressa da seguinte maneira: Do you wanna leave a message? (p. 234). A palavra wanna aparece como uma forma do registro informal, predominantemente oral, equivalente a want to (vide anexo II, p. 81). Com relação à exploração para certas expressões ocorrentes nos textos que pertencem a um dialeto ou a um registro mais específico, encontramos algumas considerações na seção eventual notepad. No que diz respeito à variação dialetal, o livro 2, ao explorar um texto da unidade 7, explica o seguinte: “American English: defenses” (p. 74). Todavia, o livro 2 não menciona qual é a forma no inglês britânico, 47 defences5 (cf. Summers et al., 2003, p. 411), o que poderia dar ao aluno condições de conhecer as duas formas, uma de cada dialeto regional. Quanto à variação de registro, embora, na maioria das vezes, não mencione explicitamente a questão da formalidade e da informalidade, o livro 2 tece alguns comentários sobre determinadas formas alternativas. Em um texto da unidade 11 (p. 122), o livro 2 chama atenção para o fato de que info é a forma abreviada de information6. Em um outro texto, na unidade 12 (p. 132), o livro 2 ensina que frankenfoods é um termo pejorativo, referente à genetically modified products7. Já na unidade 23, na exploração de um texto, o livro 2 explica que “A expressão shop ‘till you drop em inglês refere-se ao consumo exagerado e compulsivo” (p. 266). Diferentemente de outras ocorrências, em um dos textos da unidade 13 (p. 148), o livro 2 especifica o registro, uma ocorrência de gíria, no caso, o termo wicked que, segundo o livro 2, significa very good (muito bom). Pouquíssimas são as atividades de leitura que exploram aspectos da variação, resumindo-se, essas atividades, a duas questões em todo o livro 2. Uma destas questões (p. 58), referente ao primeiro texto da unidade 6, está assim expressa: Exemplo 5 This is an ad for the WWF. What do you think WWF stands for? a) Waging War against Forests c) World Wildlife Fund b) We Want Food d) World Wide Fishing Resposta no livro do professor: c (vide anexo II, p. 82 o texto relacionado) Trata-se de uma questão que aborda a abreviação, fenômeno muito utilizado na língua. Através desta questão, o livro 2 pretende levar o aluno a associar a abreviação com o termo correspondente, consolidando sua compreensão sobre a abreviatura. No entanto, não há maiores explorações sobre o uso de abreviações e dos termos correspondentes, como, por exemplo, mencionar que nos documentos, 5 defense (EUA), defence (GB) = defesa, proteção. 6 informação 7 produtos geneticamente modificados 48 na primeira referência a uma entidade específica, usa-se a forma extensa e, nas outras referências, geralmente é usada a sua abreviatura correspondente. Na unidade 13, encontramos um texto em que aparece a palavra colour8 (p.144). No tópico Language quiz, encontramos a pergunta: “Por que no texto lê-se ‘colour’ e não ‘color’?” (p. 145). No livro do professor, está registrada a seguinte resposta: “’Colour’ é a ortografia britânica, ‘color’, a americana. Outros exemplos são neighbour/neighbor, harbour/harbor”. O livro 2, portanto, explora, aqui pelo menos, e em relação à grafia das palavras, uma variação regional, dando conta da existência desta variação. Como pudemos observar, o livro 2, no tocante ao material didático, apresenta um avanço com relação ao tratamento da variação lingüística, selecionando textos de diversos registros e observando algumas palavras e expressões ocorrentes nos textos que sugerem variação. No entanto, os exercícios de exploração gramatical, apesar da boa qualidade que apresentam, poderiam ser em maior quantidade. 4.3 Exploração do vocabulário – livro 1 No livro 1, encontramos alguns tópicos de vocabulário que tratam de termos equivalentes, mas com pouca exploração de variação lingüística, e também com pouquíssimos exercícios, limitando-se ao simples preenchimento de lacunas. Na unidade 2, ao expor os numerais, o livro 1 apresenta as formas zero e nought, referentes ao número zero (p. 25). Contudo, não é explicado para o aluno que nought é pertencente ao inglês britânico (cf. Summers et. al., op. cit., p. 1122). O exercício A, item 1, pede ao aluno para dizer qual é a outra maneira de expressar zero, mas não leva em consideração os contextos geográficos de uso de cada uma das formas: Exemplo 6 Another way of saying “zero” is ____________________. 8 cor 49 Resposta no livro do professor: nought (p. 25) Ao explanar sobre direções, o livro 1, na unidade 6, mostra as expressões on the left (hand) e on the right (hand), dando a entender que a palavra hand, entre parênteses, é optativa em ambas as expressões (p. 88). Porém, o livro 1 não comenta sobre as situações em que estas opções são utilizadas. No estudo do vocabulário relacionado a vestuário masculino, na unidade 9, o livro 1, através de desenhos, ensina como se chama cada peça do vestuário em inglês. (p. 135). Entre as palavras ensinadas, encontram-se fly e flies (braguilha das calças); porém, não é esclarecido para o aluno que fly é a forma usada no inglês britânico, enquanto que flies é ligada aos contextos da fala americana (cf. Summers et al., op. cit., p. 618). O reino animal é o tema da unidade 14, em que, por meio de fotografias, o livro 1 mostra uma relação com o nome dos animais. Ao ensinar como é “galo” em inglês, o livro 1 registra os seguintes termos: cock e rooster (p. 212). Mesmo assim, há a carência de uma explanação mais informativa acerca dos contextos de uso de cada palavra. De acordo com Steinberg (2003, p. 152), ambas são usadas no inglês americano, mas no inglês britânico, usa-se apenas a forma cock. Na unidade 19, o livro 1 explora o vocabulário referente a ferramentas. Uma destas ferramentas pode, segundo o livro 1, ser chamada de spanner ou de wrench9 (p. 295). O que o livro 1 não esclarece é que spanner é uma palavra do inglês britânico e wrench, do inglês americano (cf. Summers et al., op. cit., p. 1585). Ao explanar o vocabulário referente a cenas, na unidade 21, encontra-se a variação regional line e queue10 (p. 343), sendo o primeiro termo pertencente ao inglês americano (embora esta informação não esteja mencionada no livro 1), e o segundo, ao inglês britânico (mencionado no livro 1). 9 chave inglesa. 10 fila 50 No final das unidades 17 a 20, o livro 1, através de tiras em quadrinhos, mostra algumas gírias próprias do inglês. As expressões de gíria ocorridas nas falas das personagens, são selecionadas e, à parte, são seguidas de suas respectivas expressões equivalentes, conforme o inglês padrão. Este procedimento didático é limitado, pois não traz uma explanação sobre o que é gíria, sobre quais são as situações adequadas de uso, em que grupo social determinadas gírias são mais freqüentes. Conforme mostramos acima, a exploração do vocabulário no livro 1, quando mostra as palavras equivalentes, não faz ligação com os respectivos contextos, com exceção da exploração de line e queue, mesmo assim, apontando apenas o contexto de queue. O livro 1 também carece de exercícios que explorem as variações e seus contextos de uso. É importante que os livros didáticos dêem atenção especial a variação lexical porque é no léxico que se percebe mais facilmente as diferentes maneiras de dizer a mesma coisa. Esta importância também é estendida às gírias, que, como vimos na subseção 2.5.1, são, em boa parte, usadas pelos falantes em geral de uma língua. Portanto, os alunos devem ter acesso, através do livro didático, às gírias mais comuns da língua inglesa. 4.4 Exploração do vocabulário – livro 2 O livro 2 apresenta algumas tentativas de relacionar os termos lingüísticos com seus respectivos contextos de uso. No que se refere à variação dialetal e de registro, algumas seções do estudo do vocabulário merecem destaque. Na unidade 15, o livro 2 ensina o vocabulário relacionado a família e outros termos referentes à relação pessoal, como amigo, colega, namorado etc. As palavras dadas em um quadro são estas: pal, aunt and uncle, cousin, buddy, niece and nephew, father-in-law, workmate, classmate, roommate, flat mate, stepmother, sweetheart, colleague11 (p. 170). O exercício 2, item a, pergunta quais destas palavras são informais e, no item b, o aluno é orientado a responder quais as duas palavras que, dentre as que foram dadas no quadro, têm o mesmo significado, 11 amigo, tia e tio, primo/a, companheiro, sobrinha e sobrinho, sogro, colega de trabalho, colega de classe, colega de apartamento (EUA), colega de apartamento (GB), madrasta, namorado/a, colega. 51 sendo uma própria do inglês americano, e outra, do inglês britânico, como se pode ver na proposta de exercício abaixo: Exemplo 7 Answer these questions in your notebook a. Which of these words are informal? Resposta no livro do professor: Pal and buddy b. Which two words, one in American English and the other in British English, have the same meaning? Resposta no livro do professor: Roommate (AmE) and flat mate (BrE). Algumas conjunções foram focalizadas na unidade 6. No exercício 1 (p. 63), o livro 2 pede ao aluno que relacione as locuções conjuntivas com as conjunções correspondentes em contextos informais: Exemplo 8 Match the phrases in the first column with their more informal equivalents. a. on the other hand so b. as a consequence and c. in addition but As gírias são exploradas na unidade 8, com exercícios de fixação (p. 90). Entretanto, não se encontra nenhuma consideração sobre o fenômeno da gíria, sobre sua natureza, sobre as motivações interacionais que a provocam, quais são as situações adequadas de uso e em que grupo social determinadas gírias são mais freqüentes. Estas noções mais amplas podem ser dadas apenas como presumidas; ou seja, parece certo que os alunos já têm pleno conhecimento de como são e do que abrangem, como se pode observar no exercício abaixo: Exemplo 9 Find the equivalent word or expression in standard English for the slang below. Slang a. What’s up? b. What are you up to? c. pal, buddy d. guy e. bucks f. cool Standard English What are you doing? friend dollars nice boy, young man What’s happening? How are you? 52 Conforme as amostras acima, o livro 2 explora as variações lexicais através de exercícios. É interessante observar que o referido livro não traz explanações prévias, ou seja, os assuntos sobre vocabulário muitas vezes são abordados somente mediante exercícios, fazendo com que o aluno tenha o trabalho de pesquisa. 4.5 Exploração de itens da gramática – livro 1 A concepção predominante nas explicações gramaticais do livro 1 não se afasta muito da tradicional, já que o método de explanação é concentrado em aspectos da forma lingüística. Mesmo quando os usos das formas em jogo são explicados, são, na maioria das vezes, apresentados, embora apenas implicitamente, como regras gerais absolutas, a serem seguidas pelos usuários da língua, sem levar em conta seus diferentes contextos de uso. As poucas tentativas de associar a forma lingüística com o contexto comunicativo são restritas à variação de registro, como na explanação que se segue: “A forma gonna corresponde a going to no inglês informal” (p. 44). Outra explanação, referente aos verbos modais, expressa que can e may podem significar “permissão”, sendo o primeiro verbo, informal, e o segundo, formal (p. 278). O livro 1, em suas explicações gramaticais, não contempla a variação lingüística no que concerne a sua relação com o usuário. Deste modo, não explora as possibilidades de usos da língua pelos diversos tipos de falantes; das variedades mais prestigiadas às mais estigmatizadas. Conseqüentemente, os exercícios de exploração gramatical não apresentam nenhuma questão que permita ao aluno associar as regras gramaticais em jogo a uma determinada situação comunicativa, segundo os parâmetros de uma adequação comunicativa relevante. Nem mesmo os exercícios relacionados a tópicos gramaticais que apresentam uma opção formal e uma outra informal exploram tais formas com relação ao respectivo registro. Os exercícios recorrem às práticas tradicionais de preenchimento de lacuna e de reescritura de sentenças, sem consideração a seus contextos de uso, como o que se segue: 53 Exemplo 10 Reescreva as sentenças usando a forma contracta de will. 1. It will get dark. Resposta no livro do professor: It’ll get dark. 2. He will get nervous. Resposta no livro do professor: He’ll get nervous. 3. They will get old. Resposta no livro do professor: They’ll get old. 4. She will get rich Resposta no livro do professor: She’ll get rich. 5. I will get married. Resposta no livro do professor: I’ll get married. (p. 43) Repare-se que, neste exercício, o aluno é levado a reproduzir as sentenças com a forma contraída de will, sem, contudo, orientar o estudante no que diz respeito à adequação das formas extensas e contraídas aos respectivos contextos de uso. Em outras palavras, o exercício não faz com que o aluno assimile que as formas contraídas estão inseridas em registros mais informais que as formas extensas. 4.6 Exploração de itens da gramática – livro 2 O livro 2 apresenta explicações gramaticais menos presas a aspectos formais das unidades lingüísticas. Caracteriza-se, assim, por focalizar mais o(s) sentido(s) e o(s) uso(s) dos tópicos gramaticais do que as formas gramaticais. A propósito, vale a pena referir como são freqüentes as flexões do verbo “usar” nas explanações de gramática, ao longo do livro 2. Embora haja uma nova abordagem de explanação gramatical, com ênfase no uso, somente em uma seção gramatical, em todo o livro 2, encontramos tentativas de tratamento da variação dialetal regional. Trata-se da exploração das preposições básicas in, on e at. O livro 2 ensina que um dos usos de on ocorre antes de nomes que referem espaços de tamanho médio, como ruas e praças, e exemplifica: “He lives on Elm Street.”12 Na seção eventual Notepad, o livro 2 assim menciona: “British English: in Elm Street.” (p. 9). O livro 2 indica que, neste caso, a preposição in é usada no inglês britânico, mas não indica em qual variedade regional 12 Ele mora em Elm Street. 54 do inglês usa-se a preposição on, dando a entender que o aluno já sabe em qual variedade usa-se esta última preposição. Algumas variações de registro são contempladas pelo livro 2, conforme se pode ver nos exemplos a seguir: Exemplo 11 Can, could ou may são usados para pedir e dar permissão. (...) Can é mais informal. May e could são um pouco mais formais (p. 72) Exemplo 12 Apenas may pode ser usado para expressar desejos mais formais. (p. 73) Exemplo 13 Would rather + verb → forma comum e informal de expressar preferência (p. 188) Exemplo 14 Uma distância social (formalidade) Did you want to speak to me immediately, Mr. Andrews? What name was it, please? (spoken by a recepcionist) (p. 196) É interessante observar que, nas duas primeiras citações, o livro 2, quando admite a oscilação entre “mais formal” e “mais informal”, se aproxima da idéia de continuidade de registro, ou seja, se aproxima da idéia de que certos termos são mais formais que outros, e não há, portanto, um uso dicotômico dos termos, algo rigidamente previsto, como: ‘isto é formal’ e ‘aquilo é informal’. Apesar da concepção dinâmica adotada nas explorações gramaticais, o livro 2 deixa de contemplar as variedades estigmatizadas. Quanto às noções de certo e de errado, encontramos duas ocorrências, com diferentes perspectivas: uma expressa uma visão radical, absolutamente definida; outra, uma visão mais equilibrada, apenas definida relativamente. Uma das explicações gramaticais da unidade 1 está exposta como segue: Exemplo 15 Importante: os verbos like, love, hate, understand, want e need não são usados no present continuous, mesmo que a ação esteja acontecendo agora. Não se diz: “Now I’m understanding”, e sim “Now I understand it”. (p. 13) 55 Nestes termos, o livro 2 propõe que esta regra é absoluta, como se realmente todos os usuários da língua tivessem que seguir à risca a regra, o que realmente não acontece. A expressão I’m still loving you, dado como exemplo no livro do professor do livro 1 (p. 23), realmente é um bom exemplo da fuga a uma rigidez da regra. Já em uma das explicações da unidade 24, o livro 2 diz o seguinte: “As vezes é difícil saber se o caso é geral ou específico. O normal é colocarmos the se a expressão tem a preposição of” (p. 284). Ao proferir o termo “normal”, o livro 2 está considerando esta particularidade gramatical com base no uso corrente da língua, relativizando, assim, a noção de “certo” e de “errado”. As atividades de exploração gramatical do livro 2 apresentam muitas maneiras de trabalhar a flexibilidade da língua, das tradicionais até aquelas que permitem ao aluno aplicar, de forma adequada, as regras gramaticais em uma determinada situação comunicativa. Destacamos duas questões no livro 2 que fazem o aluno refletir sobre o uso da língua. Uma delas pede que sejam explicadas as diferenças de significado em umas sentenças dadas. Duas destas sentenças são: Exemplo 16 g. We will have to wait. h. We shall have to wait. Resposta no livro do professor: em (h) está sendo bem mais formal que em (g). (p. 201) Pela resposta, pode-se ver que não só foi identificada a variação de registro, mas o reconhecimento do caráter contínuo da variação. Na questão do tópico Language quiz, em language review, o livro 2 pergunta quando se usa as formas contraídas (p. 293). No livro do professor, encontram-se as seguintes respostas: Exemplo 17 As formas contraídas (I’m, he’s etc.) são muito freqüentes em linguagem oral e em escrita informal. Em textos formais (cartas comerciais, textos acadêmicos etc.), tende-se a evitar o uso de contrações. 56 O uso de formas não contraídas em linguagem informal indica ênfase, ironia, sarcasmo ou irritação, por exemplo, “You cannot be serious.”; “I am serious.” Em respostas curtas, os verbos não são contraídos: Yes, I am. Ao dizer “são muito mais freqüentes”, “tende-se a evitar”, o livro 2 não trata o emprego ou o não-emprego das contrações como regras a serem seguidas à risca, com absoluta rigidez, e, sim, faz uma previsão das situações em que, normalmente, as contrações são usadas ou evitadas. Pelo que notamos, o livro 2 explora a gramática de maneira diversificada. Os exercícios propostos já fazem com que o aluno reflita sobre o uso de uma variante. 4.7 Livro do professor 1 O livro do professor 1 (LP1) apresenta anotações sobre alguns aspectos da variação lingüística. Para a nossa pesquisa, restringimos a análise às seções de texto, de vocabulário e de gramática, o que será discutido a seguir. A redução de palavras também é focalizada no texto da unidade 4, quando o livro explica que “A expressão goodbye origina-se de May God be with thee (Que Deus esteja contigo)” e cita outros exemplos: “you – u; through – thru; I don’t know – duno; veterinarian – vet etc.” (p. 40). Ainda assim, faltou explicar o porquê deste fenômeno da simplificação, e qual a situação prevista de seu uso. Entre as sugestões de exploração do texto da unidade 6, na parte de preposições, o LP1 mostra que across é equivalente a over (p. 81), sem, contudo, relacionar estes termos com os seus respectivos contextos de uso. Já com referência ao texto da unidade 9, o LP1 mostra as pronúncias britânica e americana da palavra resumé (p. 128), especificando o contexto geográfico em que as preferências se distribuem. Ainda considerando o âmbito geográfico dos usos, o LP1, sobre o texto da unidade 10, explica que underground é metrô na Inglaterra, e subway é metrô nos Estados Unidos (p. 140), o que já 57 caracteriza, pelo menos do ponto de vista da localização dos usos, alguma atenção ao fenômeno da variação. Quanto às sugestões de exploração do texto da unidade 14, o LP1 propõe que towards, toward e to são termos equivalentes (p. 204), apesar de não explicitar os respectivos contextos de uso dessas formas. Da mesma maneira procede o LP1 em relação aos termos crossover e crossing over, nas notas sobre o texto da unidade 17 (p. 263), em relação aos termos anymore e any longer na unidade 18 (p. 275), a to look like e to seem, na unidade 19 (p. 287), a on the corner, at the corner e arround the corner, e a to realize e to realise na unidade 20 (p. 301). Nesta mesma linha de exposição, o LP1, nas sugestões para a exploração do texto da unidade 23, apresenta os seguintes termos: “again and again = over and over = on and on = repeatedly; It’s wicked of you = It is cruel of you; (...) I’ll be beyond you all = I will die; he went pale = he became colorless” (p. 362), também com carência de explicação sobre os contextos que são adequados para o uso das formas equivalentes. Em relação à exploração do vocabulário, na unidade 9, há uma nota sobre as variedades britânicas e as americanas/australianas das palavras ligadas ao vestuário (p. 135). Para melhor visualização, dispusemos, no quadro abaixo, as variantes britânicas com suas respectivas variantes americanas e australianas, e traduções para o português: Tabela 4.1: Formas britânicas, com as respectivas variantes americanas e australianas, e a tradução para o português. Inglês Britânico Inglês Português Americano/Australiano vest waistcoat colete tie necktie gravata trousers pants calça braces suspenders suspensório pyjamas pajamas pijama Conforme pudemos perceber, o LP1 menciona as variedades do inglês australiano, embora estejam associadas ao inglês americano. O ponto positivo é que o LP1 58 mostra que há uma variedade além do inglês americano e do inglês britânico, dando oportunidade ao professor de pelo menos informar aos alunos, através dos exemplos dados no LP1, registrados na tabela acima, que não somente existem as variedades americanas e britânicas, predominantes em muitos livros didáticos de língua inglesa como língua estrangeira. Já o ponto negativo fica por conta da extrema limitação da abordagem da variedade australiana do inglês, que, além de ser a única ocorrência em todo o LP1, vem associada ao inglês americano. Mesmo que as palavras dadas no LP1 sejam as mesmas nestas duas variedades, seria interessante que, em uma outra unidade do livro 1, o LP1 mostrasse diferenças entre o inglês americano e o inglês australiano. Na unidade 9, em relação ao uso de How e seus compostos, o LP1 ensina que alguns dos interrogativos compostos podem ser substituídos por expressões compostas, como what is + substantivo, e exemplifica: Exemplo 18 How deep – What is the depth of the Pacific Ocean? How far – What is the distance between São Paulo and Rio de Janeiro? How high – What is the height of Pico da Bandeira? How long – What is the lenght of that river? How old – What is your age? (p. 133) Contudo, o LP1 deixa de levar em consideração as situações em que cada variante é utilizada. Finalmente, na unidade 19, sobre o uso dos condicionais, o LP1 assim explica: “Nas primeiras pessoas do singular e plural, would pode ser substituído por should tanto no Conditional Tense quanto no Conditional Perfect” (p. 290). Não explica, entretanto, em qual situação cada uma destas formas é utilizada. Assim, pode-se dizer que o LP1 explora variação dialetal regional no sentido de informar, na maioria das vezes, em suas notas de sugestão para abordar os assuntos em foco, a qual variedade do inglês pertence um termo lingüístico, se é americana, se é britânica. Além destas variedades o LP1 também menciona a variedade australiana, embora, como mostramos, esteja associada, na explanação, com o inglês americano. Quanto à variação de registro, o LP1, apesar de expor 59 termos equivalentes, não tratou dos seus contextos de uso, no que diz respeito ao grau de formalidade em que se acham inseridos tais termos. 4.8 Livro do professor 2 No encarte que vem no final do livro do professor 2 (LP2) encontramos em uma seção que trata da abordagem didática o seguinte comentário: GLOBETROTTER é escrito em inglês americano, embora também apresente exemplos de inglês britânico e de outras variedades internacionais. Optou-se por uma abordagem comunicativa, objetivando que o aluno possa produzir e compreender a linguagem como ela é usada na vida real. (p. 2 do encarte do LP2) Dois pontos queremos destacar na citação acima. Um deles está relacionado à variação dialetal regional adotada: como afirma o autor, o livro é escrito no inglês americano, no inglês britânico e em outras variantes internacionais. No entanto, não encontramos nenhuma referência a qualquer outra variedade do inglês regional além do inglês americano e do inglês britânico. O outro ponto a ser considerado concerne à abordagem que o autor diz que adota no manual, a abordagem comunicativa, cujo objetivo, segundo ele, seria levar o aluno “a produzir e compreender a linguagem como ela é usada na vida real”. De fato, encontramos no LP2 uma diversidade de textos que expressam a realidade do uso da língua, contudo, percebemos que, nas formas verbais apresentadas nas seções gramaticais, predominam as formas contraídas, como se estas fossem usadas em todas as situações comunicativas. Esta predominância se faz visível quando lemos a seguinte nota no LP2, referente aos exercícios 1 e 2 da seção using grammar, na unidade 6: “Embora as respostas não precisem necessariamente vir contraídas (I’m, he’s, she’s), é interessante incentivar o aluno a usá-las, já que são mais comuns e mais neutras” (p. 60). Esta posição, de alguma forma, contradiz as respostas dadas no LP2 sobre o uso das formas contraídas, na seção language review (vide exemplo 18 neste capítulo). Na unidade 4, na seção de vocabulário que trata das abreviações comuns, o LP2 apresenta as abreviações com as respectivas formas extensas. (p. 60 42). O ponto que deve ser questionado é: por que só o livro do professor traz esta informação? Desta forma, o aluno ficará dependente do professor ou de outra fonte para saber o significado das abreviações dadas. O procedimento poderá ser positivo no sentido de fazer com que o aluno pesquise sobre estas abreviações, mas, se o programa do curso de inglês não permite muito tempo para isso, o que na maioria das vezes ocorre, por que omitir no livro do aluno as formas extensas de cada abreviação? Ainda na unidade 4, na seção de gramática referente aos adjetivos possessivos, o LP2 nota que “A friend of ours é o mesmo que one of my friends”, sem especificar em qual contexto é usada cada uma destas expressões. (p. 43) De fato, pode-se dizer que, quanto à variação dialetal regional, o LP2 limita-se a um item gramatical, no encarte, conforme dissemos acima. Sobre as poucas observações acerca das variações de registro, o LP2 apresenta dois pontos a serem questionados: o incentivo do uso de uma variante em detrimento de outra, e a falta de exploração dos contextos em que dois ou mais termos equivalentes se inserem. Também merece crítica o fato de um determinado tópico que aparece no LP2, indispensável para o aluno, não esteja no livro 2. Com a análise e discussão dos resultados obtidos neste estudo, faremos algumas considerações finais, retomando as principais questões que nortearam esta investigação. 61 5. Considerações finais Partindo do pressuposto de que a língua apresenta um caráter heterogêneo, em função da região geográfica, dos aspectos sociais e da situação comunicativa em que se insere, que o ensino de língua deve contemplar o fato da diversidade lingüística e que o livro didático é um instrumento importante para o desenvolvimento das aulas, este trabalho se deteve, de maneira geral, em verificar como os livros didáticos de língua inglesa tratam a variação lingüística. Para tanto, inicialmente, buscamos bases teóricas a fim de esclarecer conceitos, abordagens e atitudes com relação à flexibilidade lingüística. O conhecimento das concepções de língua adotadas pelos teóricos é importante para se entender como a língua tem sido abordada na atividade didática. Enquanto a concepção mais estruturalista tende a uma visão da língua como um sistema homogêneo, uma concepção mais prática se orienta para uma visão de língua como um sistema flexível, variável, sujeito às contingências dos diferentes atos sociais. É fundamentado nesta concepção mais prática o campo de estudos que se consolidaria na metade do século XX, a Sociolingüística, cujo objeto de investigação é, justamente, a variação lingüística. Esta variação pode ser dialetal, centrada no usuário, e de registro, centrada no uso. A variação dialetal, por sua vez, pode ser classificada em variação dialetal regional, referente a diferentes formas de manifestação de uma língua em diferentes regiões, e em variação dialetal social, que consiste nas distintas formas lingüísticas de acordo com fatores sociais como sexo, idade, classe social, nível de escolaridade etc. É principalmente no âmbito da variação dialetal social que residem as discussões sobre a norma padrão. Esta norma, descrita nas gramáticas normativas, é considerada como a própria língua, no ponto de vista mais tradicional, no sentido de ser a única forma “correta” da língua, que deve ser seguida por todos os seus falantes. Geralmente, tem sua origem em um dialeto não-padrão, mas, com sua associação às classes economicamente privilegiadas, torna-se o referencial padrão de uma determinada 62 língua, o qual deve ser seguido pelos falantes escolarizados do idioma, pelo menos nas situações formais de interação. As manifestações lingüísticas podem variar conforme a proximidade ou o distanciamento da norma padrão. As variedades que são mais próximas da norma padrão constituem as variedades prestigiadas e as mais distantes são as variedades estigmatizadas. É interessante observar que o prestígio e o estigma de um dialeto são intimamente relacionados com as condições sociais de vida de seus falantes. Julga-se, portanto, um dialeto não pelas suas características lingüísticas, mas pelas diferentes condições econômicas, culturais, políticas, sociais das comunidades que o usam. É aqui onde entra a questão do erro. A concepção mais estreita da língua considera erro qualquer forma que não esteja prescrita nos compêndios da gramática normativa, mesmo que os usos que se faz dessas formas não confirmem essas prescrições. Na perspectiva de uma concepção conforme os princípios da Sociolingüística, as variações não são erros; são apenas diferenças de usos. A variação de registro, também considerada aqui como variação de estilo, por sua vez, refere-se a um conjunto de variedades da língua realizadas de acordo com os interlocutores, com a ocasião, com os possíveis espectadores, com o propósito comunicativo. Os registros são distribuídos em um contínuo de formalidade. Isto quer dizer que as formas da língua podem ser graduadas, umas sendo mais formais, outras, mais informais. Entre os estilos mais informais está a gíria, considerada como forma lingüística geralmente oral, usadas por todas as pessoas em determinadas circunstâncias ou usadas por determinados subgrupos bem caracterizados da sociedade. Com o tempo, algumas gírias podem se tornar parte da língua padrão, outras permanecem como gírias, e outras tendem a desaparecer do uso cotidiano da língua. Se todas as línguas apresentam estas características acima descritas, cabem às instituições de ensino-aprendizagem levá-las em consideração nos seus programas para as aulas de língua estrangeira. A norma padrão deve, sim, ser ensinada, mas não deve ser a única forma a ser ensinada. É um problema quando, 63 por exemplo, um aluno que aprendeu somente a norma padrão de uma determinada língua estrangeira tem que enfrentar a diversidade de situações comunicativas, ao visitar um país que adota aquela língua como oficial. Como instrumento de apoio ao processo de ensino-aprendizagem de língua estrangeira, o livro didático deve apresentar as diversas variedades da língua, quanto a seu contexto geográfico, social e situacional, além de levar o aluno a refletir sobre estas variedades e aplicá-las nos diversos contextos. O livro do professor deve apresentar orientações sobre como abordar as variedades de uma língua, seja em sala de aula, seja fora dela. Com todo este suporte teórico, prosseguimos com a pesquisa, de caráter descritivo, analisando como os livros didáticos de língua inglesa tratam a questão da variação lingüística, mais especificamente nos textos, nas atividades de leitura, na exploração do vocabulário e na explanação gramatical. A pesquisa também incluiu a observação de como os livros do professor abordam a variação. Conforme os dados coletados, pudemos identificar que os textos nos livros didáticos não apresentam nenhuma variedade que poderia ser caracterizada como uma variedade dialetal de uma determinada região, restringindo a consideração dessa variedade a palavras ou a termos da variedade americana ou britânica. Com isso, o aluno poderia ter a impressão de que não há formas específicas da língua inglesa adotadas em diferentes regiões ou nações. Já no que concerne aos registros, percebemos que, enquanto o livro 1 apresenta poucas variações e nenhuma exploração através de notas, o livro 2, por sua vez, exibe textos de registros mais diversificados, algumas com notas sobre determinadas expressões, embora não mencione a questão da formalidade e da informalidade. Com relação às atividades de leitura, os livros restringem o aluno a associar os termos equivalentes, sem nenhuma reflexão sobre seus usos em determinados contextos. Na exploração do vocabulário, enquanto o livro 1 limita-se a explorar as variações dialetais, o livro 2 procura fazer com que o aluno trabalhe as variações dialetais e de registro, principalmente por meio de exercícios. Somente este livro dá 64 notas explicativas, que contemplam a variação dialetal e outras com termos equivalentes, todavia, sem abordar a questão do grau de formalidade. As gírias aparecem nos livros, mas sem uma abordagem do que significa, de quais são as situações adequadas de uso, em que grupos sociais são mais freqüentes. No livro 1, as gírias são apresentadas com os termos equivalentes no inglês padrão. No livro 2, o aluno é levado a correlacionar as gírias com seus respectivos termos no inglês padrão. A concepção predominante de língua no livro 1, pelas explicações gramaticais apresentadas, não se afasta do tradicional, enquanto no livro 2, prevalece a concepção mais prática e social. As noções de “certo” e “errado” também são distintas nos dois livros analisados. Pela forma como grande parte das explicações gramaticais são dadas no livro 1, pudemos perceber que as regras gramaticais são absolutas, dadas como definitivas, como se os usuários da língua inglesa seguissem à risca essas regras. Há, porém, algumas poucas tentativas de associar as formas lingüísticas ensinadas na gramática com a formalidade e a informalidade do registro. Mesmo assim, desconsidera a variação de registro como contínuo. Já, no livro 2, há uma consideração sobre a variação dialetal e algumas sobre a variação de registro, com a particularidade de que, em algumas ocorrências, o livro considera a questão da continuidade do registro. Quanto às noções de “certo” e “errado”, há um certo equilíbrio entre uma visão absoluta e outra noção relativa. Nenhum dos dois livros aborda alguma variedade estigmatizada. Com a ausência de discussão sobre esta variedade, os livros poderiam deixar nos alunos a impressão que não existem formas da língua inglesa além do que foi ensinado. Em relação aos exercícios de exploração gramatical, observamos que, enquanto o livro 1 recorre apenas às práticas tradicionais de preenchimento de lacunas e de reescritura de sentenças, o livro 2 é mais diversificado; as atividades vão desde as tradicionais, até as que permitem ao aluno aplicar, de forma adequada, as regras gramaticais em jogo em uma situação comunicativa. As notas sugestivas feitas pelo livro do professor 1 (LP1) tratam adequadamente as variações dialetais regionais. Além de trabalhar as variedades britânicas e americanas, o livro menciona, em um momento, as variedades 65 australianas, mas no sentido de serem semelhantes às variedades americanas. O livro do professor também apresenta as formas equivalentes, mas sem relacioná-las com seu contexto de uso. O livro do professor 2 (LP2), apesar de, nas suas orientações afirmar que trabalha com outras variedades internacionais além do inglês americano e do inglês britânico, apenas enfatiza estas duas variedades. Em um exercício, o LP2 orienta que se estimule os alunos a usarem apenas as formas contraídas dos verbos. Com isso, deixa de considerar que, em outros contextos de uso, as formas extensas dos verbos são as mais utilizadas. Há também uma nota em que o livro mostra as formas equivalentes, sem, contudo, definir seu contexto de uso. Com base nesta presente pesquisa, observando os aspectos teóricos apresentados, assim como a análise dos livros, sugerimos que os professores, ao selecionar os materiais didáticos, levem em consideração o tratamento que estes materiais dão a variação lingüística, mais especificamente, no tocante à apresentação de textos de diferentes dialetos e de diferentes registros, na exploração do vocabulário, na explanação gramatical. É interessante que os autores de livros didáticos, além de explorar os aspectos acima, apresente no livro do professor, propostas para trabalhar a variação lingüística, bem como comentar as respostas dos exercícios propostos que explorem a diversidade lingüística. Com este trabalho, embora delimitado em seus objetivos e em suas amostras, esperamos ter contribuído significantemente para a avaliação de materiais didáticos através das análises aqui apresentadas. Esperamos também ter trazido contribuições para os profissionais de ensino no sentido de incentivá-los a perceber a língua como expressão de caráter heterogêneo, manifestada conforme os aspectos sociais e situacionais e, principalmente, valer-se desta concepção dinâmica da língua nos programas de estudo da língua inglesa, especialmente no Ensino Médio, permitindo que os alunos possam observar quão flexível é a língua e interpretar e usar a língua de acordo com os contextos geográficos, sociais e situacionais de cada evento comunicativo. 66 Referências Bibiliográficas AKHMANOVA, Olga. ‘Language’ or ‘Dialect’? In: GHOSH, Samir K. Man, language and society. Paris: Mouton, 1972. p. 17-22. ALKMIM, Tânia M. Sociolingüística: parte I. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna. Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, v. 1, 2001. p. 21-47. ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola, 2003. BAGNO, Marcos. 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Cambridge: Cambridge University Press, 1996 73 ANEXOS 74 Anexo I: Roteiro de análise dos livros didáticos I – Material textual e atividades de exploração do texto 1) O livro didático apresenta textos de: a) diferentes dialetos? b) diferentes registros? 2) O livro, de algum modo, chama atenção para certas expressões ocorrentes que pertencem a um dialeto ou a um registro mais específico (formal ou informal)? 3) As atividades de compreensão e interpretação, quando tratam da variação lingüística a) propõem algum tipo de prática investigativa, de pesquisa, capaz de levar o aprendiz a correlacionar a forma lingüística em jogo com o seu contexto de uso, e a perceber as variações como fenômenos previsíveis e decorrentes da própria natureza social da linguagem? b) recorrem às práticas tradicionais de preenchimento de lacunas, substituição de palavras por seus “sinônimos” etc.? II – Exploração do vocabulário 1) Há alguma tentativa de ligar as palavras ou expressões com os contextos extralingüísticos, sejam geográficos ou situacionais? 2) Como a gíria é tratada no livro didático? 3) Os exercícios e atividades, quando tratam da variação lingüística a) propõem algum tipo de prática investigativa, de pesquisa, capaz de levar o aprendiz a correlacionar a forma lingüística em jogo com o seu contexto de uso, e a perceber as variações como fenômenos previsíveis e decorrentes da própria natureza social da linguagem? b) recorrem às práticas tradicionais de preenchimento de lacunas, substituição de palavras por seus “sinônimos” etc.? 75 III – Exploração dos itens da gramática 1) Pelas explicações gramaticais, qual é a concepção de língua adotada no livro? a) concepção tradicional, com ênfase na forma, regida pela norma padrão? b) concepção dinâmica, com ênfase no uso, baseado nas variedades prestigiadas? 2) O livro aborda alguma variedade estigmatizada? 3) Como são tratadas as noções de “certo” e “errado”? a) são relativizadas, tornando-se como referência a um padrão de língua sóciohistoricamente constituído? b) São tidas como absolutas e definitivas? 4) Os exercícios de exploração gramatical, quando tratam da variação lingüística, a) permitem ao aluno a perceber e de forma adequada a variação das regras gramaticais em conforme cada situação comunicativa? b) recorrem às práticas tradicionais de preenchimento de lacunas, substituição de palavras por seus “sinônimos” etc.? IV – Livro do professor Que direção o livro do professor revela na abordagem da variação lingüística? 76 Anexo II: Material textual 77 to go to the Seventh Heaven. 78 79 80 81 82