DIVULGAÇÃO ENTREVISTA Força de uma geração “O acesso ao estudo da música, a meu ver, pode ser um dos fatores mais importantes para uma mudança radical da condição social e econômica da população brasileira. Esta era a proposta do SESI nos anos 70, esta era a grandeza de Thomas Pompeu, Alberto Jaffe, Denis Gray e mais algumas dezenas de professores que acreditaram que filhos de operários deviam ter também acesso a esses sublimes segredos da humanidade” Maestro José Maria Florêncio, ex-aluno do SESI Ceará SESI Nacional – Como foi sua iniciação musical no Centro de Formação de Instrumentistas do SESI Ceará? José Maria Florêncio – O que aconteceu no SESI Ceará foi algo absolutamente sem precedentes, no Brasil ou em qualquer lugar no mundo. O Centro de Formação de Instrumentistas do SESI era a escola ideal para aprender música, graças à grande visão de Thomas Pompeu de Souza Brasil Neto, presidente da CNI na época, e ao trabalho inovador dos professores Alberto Jaffe e Daisy de Lucca, assim como do professor Vazken Fermanian. O SESI oferecia as melhores condições de ensino e aprendizado e prestava assistência médica, social e psicológica. Na época a mesma atenção era dada às atividades esportivas, às artes plásticas, ao balé, ao folclore. Não é de se estranhar que, depois de alguns poucos anos, o SESI inundou as instituições artísticas brasileiras com profissionais de alto nível, que ocuparam os lugares mais destacados em todos os segmentos. SN – Qual sua lembrança daquela época? Florêncio – O mais importante era a força daquela geração de jovens sonhadores, artistas e esportistas, que tiveram uma oportunidade e fizeram jus a ela. Centenas de crianças e jovens se dedicando inteiramente ao que decidiram aprender. O nível era altíssimo, já que a concorrência era fortíssima. Todos nós vivíamos o SESI assim como nossos pais, familiares e vizinhos. 10 sesi87A.indd 10 24/06/2006 02:15:52 SN – Aquele período marcou de alguma forma a sua vida profissional de músico e de maestro? Florêncio – Mesmo tendo completado minha educação musical com todos os melhores professores do País, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, São Paulo, e estudado nos Estados Unidos, na Áustria e na Polônia, o que aconteceu no Ceará me fez o que sou até hoje. SN – O senhor mantém contato com ex-colegas ou ex-professores? Florêncio – Tenho oportunidade de reencontrar a cada passo da minha carreira profissional alguém relacionado com meus tempos de SESI. Praticamente cada orquestra profissional brasileira conta, pelo menos, com um músico que foi aluno do nosso projeto. Momentos lindos aconteceram quando, por exemplo, regi produções de balé no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Havia na orquestra excolegas de SESI, e no palco estavam Denis Gray, professor de balé do SESI, e bailarinos como Xico Timbo, Fernando Mendes e Flávio Sampaio, todos daquela época. No SESI praticávamos as mais diferentes modalidades de esportes e artes. Não havia barreiras e preconceitos. A grande maioria da orquestra fazia balé e vice-versa: saíamos das aulas de música para ir às aulas de esportes, de teatro ou de pintura. Assim nos conhecíamos e adorávamos passar o tempo juntos. Esses encontros, depois de 30 anos, são muito emocionantes e excepcionais. SN – Qual é a sua avaliação sobre a importância da música na formação de uma pessoa? Florêncio – O visionário Thomas Pompeu sabia algo que o Brasil até hoje não quer reconhecer plenamente: o estudo da música não tem de necessariamente formar artistas, mas, sim, cidadãos. Na Grécia antiga, o estudo da música estava junto ao da matemática e da filosofia. Se alguém tiver a oportunidade de aprender as grandes lições de disciplina, de sensibilidade, de ascensão espiritual que a música proporciona, essa pessoa será um trabalhador melhor, um cidadão mais preparado e mais crítico. O acesso ao estudo da música, a meu ver, pode ser um dos fatores mais importantes para uma mudança radical da condição social e econômica da população brasileira. Esta era a proposta do SESI nos anos 70, esta era a grandeza de Thomas Pompeu, Alberto Jaffe, Denis Gray e mais algumas dezenas de professores que acreditaram que filhos de operários deviam ter também acesso a esses sublimes segredos da humanidade. SN - O senhor acha que a música pode contribuir para tirar crianças das ruas e afastá-las de situação de riscos, como o envolvimento com drogas? Florêncio – No dia em que um jovem se apaixonar pela música como eu e centenas de crianças fizemos na época de SESI, e estiver disposto a se fechar em uma sala de estudos por até 14 horas por dia, ele não terá nem tempo para erros sociais e drogas. A música, mais do que qualquer outra atividade, é capaz de mudar pessoas. SN – Qual o sentimento de estar à frente da Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo? Florêncio – Mais da metade da minha vida passei dirigindo orquestras em todos os continentes. Passei por toda a Europa e por vários paises na Ásia, África e Américas. Regi orquestras que estão entre as maiores do mundo, assim como ensembles (grupos musicais) bem menos conhecidos. No Brasil, dirigi orquestras no Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Salvador, Belo Horizonte e Brasília. Claro que o Teatro Municipal de São Paulo é um lugar mágico, com uma história maravilhosa. Voltar para o Brasil como maestro titular da Orquestra Sinfônica Municipal é uma das maiores emoções. Fazendo todos os dias o caminho do camarim ao palco, volto meus olhos para a platéia e, no fundo do meu coração, agradeço a Deus por esta maravilhosa experiência. SN – Quais são os maiores desafios nesta nova empreitada? Florêncio – O que mais se espera de um maestro é que ele faça sua orquestra atingir um alto nível artístico. Essa é a minha meta, mas, para isso, quero trabalhar arduamente para mudar a condição atual de cada um dos músicos, a condição artística do Teatro como um todo e a da cidade de São Paulo como fim. Creio que somente com um enorme esforço conjunto teremos condições ideais de trabalho para fazer a nossa orquestra chegar ao nível esperado por nós todos. SN – O senhor tem outros projetos profissionais simultâneos? Florêncio – Minha carreira profissional exige que eu atue em vários lugares do mundo. Para os próximos anos, além de cooperar com as mais expressivas orquestras do meu país de adoção – a Polônia –, ainda deverei me apresentar em vários países da Europa, entre eles a Rússia, Itália e Principado de Mônaco. Tudo isso quero aliar com uma forte presença em São Paulo. Também tenho convites para reger no Rio de Janeiro. Logo que puder ficar por mais tempo no Brasil, gostaria de ajudar meus jovens colegas maestros, ensinando e completando a educação musical, passando a eles um pouco da minha experiência artística. Tanto a fazer e tão pouco tempo para realizar. Como diziam antigos mestres japoneses de artes marciais, “a arte é rica, mas a vida é curta para dominá-la”. 11 sesi87A.indd 11 24/06/2006 02:15:54