7ª Conferência Nacional de Educação da CNTE Brasília, 9 a 11 de outubro de 2009 1 Apresentação 2 3 A oportunidade de a sociedade retomar a discussão sobre a construção de um Sistema 4 Nacional de Educação (SNE) requer o compromisso de todos os atores envolvidos no processo 5 educacional, pois abster-se desse debate significa corroborar com o status quo das desigualdades 6 social e econômica, ao qual o país tem procurado reverter desde a vitória eleitoral para presidente, 7 em 2002. 8 A CNTE nunca teve dúvida da essencialidade do SNE como um dos mecanismos para a 9 superação das mazelas educacionais brasileiras. Porém, seus objetivos devem estar centrados na 10 viabilidade da escola unitária – aquela onde os estudantes e os profissionais do interior do Maranhão 11 ou da periferia de São Paulo contem com a mesma qualidade oferecida àqueles das escolas de 12 referência de qualquer parte do país. 13 Assim como num passado recente, uma nova Conferência Nacional de Educação se dispõe a 14 ser a instância de debate plural e democrático rumo à concretização do SNE. Agora, porém, esta 15 instância propõe-se ser institucionalizada e protagonista do debate social para a formulação das 16 políticas públicas, e a CNTE, por este motivo, tem sido partícipe da CONAE, de modo que 17 contribuiu ativamente na elaboração de seu documento-base para a edição 2010. Também as 18 entidades filiadas à Confederação têm participado com afinco da organização das Conferências 19 Municipais, Intermunicipais e Estaduais, principalmente onde os governos locais se omitiram em 20 organizá-las. 21 A promoção de mais um momento de intensa reflexão sobre a construção do SNE e do novo 22 Plano Nacional de Educação (PNE), junto a nossa base e às vésperas das conferências estaduais que 23 precedem a CONAE, demonstra nosso compromisso e desejo em tratar esses dois temas de forma a 24 relacioná-los ao projeto de desenvolvimento nacional sustentável, com valorização do trabalho. 25 Os subsídios apresentados neste documento, que incorporam parte do texto publicado na 3ª 26 edição da revista Esforce, são fruto de nossas experiências acumuladas, das reivindicações atuais e 27 dos sonhos para o futuro. Também agregam os processos de luta que a CNTE protagonizou junto 28 com outros parceiros, a exemplo da regulamentação da LDB (projeto Jorge Haje), da assinatura do 1 1 Acordo Nacional de Educação para Todos e da construção do Plano Nacional de Educação da 2 Sociedade Brasileira. 3 Desejamos, a todos e a todas, um excelente trabalho, a fim de que aprimoremos nossas 4 contribuições a mais esse momento histórico para a educação brasileira, que, Oxalá, vingue no 5 sentido de promover a qualidade da educação – sobretudo a pública – e a valorização de seus 6 profissionais. 7 8 Os esforços e o contra-esforço para implementar o SNE: breve 9 histórico das lutas sociais e institucionais 10 11 Na primeira fase dos debates sobre a regulamentação do art. 22, XXIV da CF/88, a CNTE, 12 então integrante do Fórum Nacional da LDB, apoiou o Substitutivo apresentado pelo relator Jorge 13 Hage ao PL 1.258/88, que visava instituir o SNE como “expressão institucional do esforço 14 organizado, autônomo e permanente do Estado e da sociedade brasileira pela educação, 15 compreendendo os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, 16 bem como as instituições públicas e privadas, prestadoras de serviços de natureza educacional” 1 17 Essa expressão institucional, encarregada de organizar toda a educação nacional, continha, 18 em esfera nacional, fundamentos, objetivos e órgãos normativo e de coordenação, de execução, 19 consultivo e de articulação com a sociedade. Também dispunha de abrangência e competências 20 definidas, assim como os sistemas próprios da União, dos Estados, do DF e dos Municípios. As 21 normatizações gerais do SNE encontravam-se dispostas na LDB, e tinham a gestão democrática 22 como base de formulação e articulação das políticas entre os sistemas de ensino. Eram tidas como 23 normas gerais da educação, as condições para a formação e a valorização da carreira dos 24 profissionais da educação, as áreas prioritárias de atuação de cada ente, os critérios para aplicação 25 dos recursos financeiros, as formas de organização de cada nível, etapa e modalidade do ensino e o 26 currículo nacional comum. 27 Paralelamente ao processo legislativo, e diante da urgência de se melhorar os indicadores 28 educacionais, em 19 de outubro de 1994, a CNTE assinou, em conjunto com MEC, Consed, 29 Undime, CRUB e Conselhos Estaduais de Educação, o Pacto pela Valorização do Magistério e 30 Qualidade da Educação, também denominado de Compromisso com a Qualidade e a 31 Profissionalização do Magistério: Por uma Escola de Cidadãos. 1 Redação conferida ao caput do art. 8º do PL 1.258/88, aprovado na Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados. 2 1 O Pacto, não materializado em lei, foi fruto da Conferência Nacional de Educação, realizada 2 em setembro de 1994, em que as esferas públicas e os agentes do processo educativo – União, 3 Estados, Municípios, profissionais da educação, famílias e sociedade civil – elegeram a valorização 4 e o reconhecimento do magistério como condições essenciais para o resgate da qualidade da 5 educação e para a consecução das diretrizes firmadas no Plano Decenal de Educação, que vigeria 6 (mas não vigeu) de 1993 a 2003. Naquele momento, num inédito esforço da sociedade e dos entes 7 federados, selou-se o Acordo Nacional de Educação para Todos. 8 As premissas e as linhas de ação do Acordo Nacional previam, no campo da valorização 9 profissional, a instituição de piso salarial (PSPN) e da política nacional de formação inicial e 10 continuada para os profissionais do magistério; a revisão dos currículos dos cursos de formação de 11 professores (Normal, Pedagogia e Licenciaturas) e a reorientação dos programas de pós-graduação 12 das universidades; a revisão dos estatutos e planos de carreira, a fim de promover a implantação do 13 novo regime de trabalho (PSPN, jornada e melhorias das condições de trabalho); a assistência 14 técnico-científica para estimular o desenvolvimento do projeto político pedagógico da escola; a 15 disseminação de experiências e inovações facilitadoras da aprendizagem e da produtividade dos 16 sistemas de ensino, dentre outras ações. 17 As responsabilidades pela efetivação do Pacto eram de todos os seus signatários, que 18 deveriam também promover a gestão colegiada do Plano Decenal de Educação para Todos em cada 19 uma das esferas administrativas. 20 Contudo, o projeto neoliberal, instalado a partir de janeiro de 1995, rompeu com o Acordo 21 Nacional e desconstituiu os princípios do PL 1.258/88, que visavam empregar uma visão sistêmica 22 às políticas educacionais, sobretudo através de regimes de cooperação (institucionalizado através da 23 LDB) e de colaboração (por adesão dos entes ao Acordo Nacional), ambos pautados na 24 democratização da gestão escolar e dos sistemas de ensino, e no apoio técnico e financeiro da 25 União. 26 A reforma educacional, com destaque para a EC 14/96 e para as leis 9.424 (Fundef) e 9.394 27 (LDB), desprezou a noção sistêmica e os princípios cooperativos e democráticos assegurados pela 28 CF/88 à educação nacional. Optou, assim, por centralizar a organização das políticas e por 29 descentralizar (leia-se, na maioria dos casos, prefeiturizar sem apoio correspondente) a execução das 30 mesmas. Sugeriu uma articulação precária dos sistemas com base no art. 8º da LDB, que prevê a 31 possibilidade de regime voluntário de colaboração. Desobrigou a União em financiar a educação 32 básica e os programas de erradicação do analfabetismo e priorizou os parcos recursos federais numa 33 só etapa, o ensino fundamental. Fragmentou os níveis, etapas e modalidades de ensino, congelou as 34 matrículas da educação profissional e criou cisão entre o ensino profissional e propedêutico (Decreto 3 1 2.208/97). Negou as diretrizes nacionais de carreira e o piso salarial profissional nacional e centrou a 2 regulação da educação num sistema de avaliação tosco e limitado. 3 Do ponto de vista da valorização profissional, a Reforma aniquilou o processo de resgate 4 social dos trabalhadores da educação básica. As políticas neoliberais, além de negar as prerrogativas 5 do Pacto de 1994, ainda trataram de inverter os valores nele consensuados, e quem era vítima do 6 sistema – no caso os profissionais da educação – passou a ser o principal ‘culpado’ pelas mazelas 7 educacionais. Os salários médios, alicerçados na política de abonos e gratificações, sobrepuseram o 8 PSPN e agravaram ainda mais a quebra da paridade imposta pelas ECs 19 e 20, ambas de 1998; a 9 desobrigação do Estado em ofertar formação profissional (inicial e continuada) transferiu a 10 responsabilidade da qualificação aos próprios profissionais e à iniciativa privada, sem qualquer 11 critério de aferição da qualidade dessas instituições; a escassez do financiamento e a negação da 12 gestão democrática rebaixaram a qualidade da educação e desestimularam o controle social. 13 Em 1997, por ocasião do debate sobre o Plano Nacional de Educação, a sociedade brasileira 14 apresentou uma contraproposta à lógica neoliberal, sintetizada no PL 4.155/98 (PNE da Sociedade), 15 mas este foi preterido pelo projeto do governo FHC que deu origem à Lei 10.172/01. 16 Já a eleição do presidente Lula possibilitou reabrir o diálogo social em torno da construção 17 do projeto de educação para o país. Em que pese arestas ainda estarem sendo aparadas, fato é que os 18 condutos de comunicação (governo/sociedade) começam a se aprimorar a ponto de alcançar esse 19 importante processo das Conferências de Educação. 20 Quanto à materialidade desse diálogo, o caráter sistêmico da política educacional, garantido 21 pela Constituição Federal, retornou ao centro das discussões. E é objetivo da CONAE 2010 buscar 22 institucionalizar essa orientação para todo o ordenamento infraconstitucional. O Fundo da Educação 23 Básica (Fundeb) e o Piso Salarial Profissional Nacional são duas políticas estruturantes que já 24 absorveram a visão sistêmica das políticas educacionais. Mas ainda falta estruturar outros elementos 25 do próprio financiamento, da gestão democrática e da valorização profissional. 26 O fato de a CONAE 2010 ter pautado a construção do Sistema Nacional Articulado de 27 Educação juntamente com a reformulação do PNE, foi uma decisão acertada, pois condiciona o 28 novo Plano a observar, de imediato, os conceitos sistêmicos e democráticos a serem perseguidos por 29 todos os gestores públicos e os sistemas de ensino do país. 30 De nossa parte resta, agora, consolidar a CONAE como instância máxima de consulta da 31 sociedade e definir a concepção do SNE, sobre o qual o próximo PNE pautará seus objetivos e 32 metas. 33 4 1 Concepção de Sistema Nacional de Educação: algumas 2 posições de diferentes atores 3 4 Para a CNTE, um Sistema Nacional de Educação deve orientar e sustentar toda a política 5 educacional do país, da creche à pós-graduação. Para tanto, o SNE deve conceber a educação como 6 direito público e subjetivo de todo cidadão e cidadã, visando sua formação integral e garantindo 7 escola pública, gratuita, laica, unitária e de qualidade socialmente referenciada. 8 Também na nossa visão, a qualidade da educação necessita de elementos estruturantes que 9 dialoguem entre si, como o financiamento, a gestão democrática e a valorização profissional. A 10 articulação cooperativa entre os entes federados e a gestão democrática são os requisitos 11 fundamentais para a sustentabilidade e a eficiência do SNE, o qual tem como escopo transpor as 12 desigualdades regionais e assegurar a qualidade da educação em todo território nacional. 13 Neste sentido, a denominação articulado conferida, neste momento, ao SNE, além de 14 explicitar a cooperação entre os sistemas de ensino deve reforçar seu caráter democrático, pois se 15 subentende que cada esfera administrativa abrirá mão de parte de sua autonomia para integrar um 16 projeto maior de sociedade, à luz dos arts. 3º e 205 a 214 da CF/88 e de suas regulamentações em 17 leis a serem pactuadas na CONAE e aprovadas pelo Congresso Nacional. 18 Dessa forma, o caráter institucional do SNE é essencial, assim como é imprescindível que o 19 novo PNE, além de prever o conceito sistêmico das políticas educacionais, eleja a valorização de 20 todos os profissionais da educação como condição sine qua non para a melhoria da qualidade da 21 educação pública. As premissas do Pacto de 1994 devem ser resgatadas pelo PNE e por outras leis, 22 sobretudo a LDB. Assim como o Piso, já regulamentado pela Lei 11.738, as diretrizes de carreira e a 23 política nacional de formação do magistério (Decreto 6.755/09) e o Programa Profuncionário devem 24 conter legislações próprias e constarem do PNE. 25 Na visão do PNE da Sociedade Brasileira, consolidado em 1997 e atualizado até 2005, “as 26 ações do Sistema Nacional de Educação, eixo central da organização da educação nacional, devem 27 simplificar as estruturas burocráticas, descentralizar os processos de decisão e execução, fortalecer 28 as escolas e as unidades prestadoras de serviços, articular os diferentes níveis e sistemas de ensino, 29 integrar a educação formal e a informal, articular a educação escolar com as ações educativas no 30 interior dos movimentos populares, valorizar os processos de avaliação institucional (...)” Do ponto 31 de vista cooperativo, o documento enfatiza que “(...) cabe à União, além de organizar, financiar e 32 administrar sua rede de ensino, prestar assistência técnica e financeira aos Estados e Municípios, 33 visando o desenvolvimento dos respectivos sistemas, a compensação e a superação das 34 desigualdades sociais e regionais, tanto em termos quantitativos como qualitativos. Isso se justifica 5 1 face às disparidades regionais de um país de dimensões continentais como o Brasil e, 2 principalmente, pelas diferenças na condução política – clientelista – de alguns Estados (...)” 2 3 Embora consideremos atuais essas orientações do PNE da Sociedade, é preciso destacar que 4 a descentralização dos processos de decisão e execução precisa atender à demanda local, sem, 5 contudo, opor-se aos princípios do SNE. Assim, caberá à CONAE indicar as fronteiras para a 6 regulamentação dos arts. 23 e 24 da CF/88, que tratam das competências comuns e concorrentes dos 7 entes federados, a fim de orientar as áreas de atuação dos sistemas federal, estaduais e municipais. 8 Quanto ao apoio técnico e financeiro da União, apesar de quase todas as normas educacionais o 9 preverem, ele também leva em consideração a alta concentração de arrecadação tributária nesta 10 esfera administrativa, que corrobora com a necessidade de suplementação aos demais entes. 11 O Pacto pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação propunha a execução de 12 uma série de medidas sistêmicas que giravam em torno da “valorização do magistério”. Em que pese 13 algumas delas estarem em andamento, a exemplo do Piso, e outras estarem no espectro das políticas 14 do MEC, como a Política Nacional de Formação de Professores e o Profuncionário, é preciso 15 resgatar outras concepções, especialmente no que diz respeito à gestão democrática do processo de 16 elaboração, execução e avaliação das políticas educacionais. 17 Desde 2007, o MEC tem buscado colocar em prática um regime de colaboração entre esferas 18 administrativas (União, Estados e Municípios) por meio do Plano de Desenvolvimento da Educação 19 (PDE), o qual congrega o Plano de Ações Articuladas (PAR). A ação ministerial abrange as 20 transferências voluntárias destinadas aos sistemas e se desenvolve, basicamente, sob quatro eixos: 21 financiamento, gestão educacional, formação e valorização profissional e avaliação institucional – 22 que deveria, na nossa compreensão, englobar as políticas dos sistemas, as condições das escolas e 23 sua clientela, os profissionais, os estudantes e os instrumentos de gestão democrática. 24 Embora a estrutura colaborativa esteja em consonância com a perspectiva de consolidação 25 do SNE, falta à proposta do MEC o caráter institucional. Hoje ela é tida como ação de governo, 26 portanto, frágil do ponto de vista legal. Assim, será tarefa da CONAE eleger as políticas do PDE e 27 do PAR, dentre outras, que devem compor a estrutura institucionalizada do SNE, refletindo, 28 inclusive, sobre suas concepções pedagógicas e organizativas. 29 Como desfecho desse compromisso institucionalizado, é preciso que os entes deem garantias 30 do cumprimento das diretrizes traçadas pelo SNE e pelo PNE, as quais devem ser asseguradas 31 mediante a aprovação, pelo Congresso Nacional, de Lei de Responsabilidade Educacional. Esta 32 deverá definir os limites para a organização dos sistemas de ensino, tais como: o número de 33 estudantes por professor e por funcionários de escola em âmbito das redes de ensino (urbano e 2 Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, consolidado na plenária de encerramento do II Coned. BH, 1997, p. 30. 6 1 rural); o número de estudantes por salas de aulas (seriadas e multiseriadas), com diferenciação 2 quando se trata de inclusão de deficientes; a aplicação dos recursos constitucionalmente vinculados 3 à educação nos limites dos arts. 70 e 71 da LDB, e que devem ficar sob responsabilidade das 4 secretarias de educação (art. 69, § 5º da LDB); a aplicação das políticas de valorização profissional 5 (PSPN, planos de carreira, acesso por concurso público e limites para contratação temporária, 6 jornada com mínimo de hora-atividade, política de formação etc); o cumprimento dos requisitos da 7 gestão democrática pactuados na CONAE e devidamente legalizados; o atendimento à base comum 8 do currículo escolar; a participação efetiva dos sistemas nos processos de avaliação da educação 9 nacional, dentre outros temas. E os gestores públicos que descumprirem a legislação educacional 10 deverão ser responsabilizados administrativa e penalmente, conforme os casos. 11 12 Os preceitos (e princípios) constitucionais a serem observados 13 pelo Sistema Nacional Articulado de Educação 14 15 A Constituição de 1988 representa a síntese da reorganização da democracia brasileira, a 16 qual elegeu a equidade e o respeito aos direitos individuais, coletivos e sociais como bases 17 materiais, e a cidadania o elemento formal para sua difusão. Daí a denominação de Carta Cidadã. 18 Ocorre que, como visto, consolidado o período da redemocratização, o país optou por um 19 projeto político antagônico ao princípio da equidade, que dependia de forte respaldo do Estado para 20 sua consecução. O neoliberalismo induziu uma depreciação dos valores e dos compromissos sociais 21 do Estado brasileiro, atingindo fortemente a educação e demais políticas públicas. 22 Ao contrário do que muitos pregam, a CF/88 não traz comandos utópicos, inatingíveis. Sua 23 estrutura foi edificada a partir da concepção cooperativa dos entes federados que formam a 24 República do Brasil. Ela não promove o isolamento das unidades federadas, mas sim a união dos 25 esforços destas. Isso está claro no princípio da indissolução da República (art. 1º) e nos fundamentos 26 do art. 3º, que preveem: “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o 27 desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades 28 sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, 29 idade e quaisquer outras formas de discriminação.” 30 O Título II da CF/88 trata dos direitos e garantias fundamentais. O art. 5º estipula os direitos 31 individuais e coletivos e do 6º ao 11 estão previstos os direitos sociais, sendo estes: a educação, a 32 saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade 33 e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.(art. 6º da CF, gn). 7 1 O Título III denomina-se “Da Organização do Estado”, e é fundamental para entender os 2 limites da atuação dos entes federados. O art. 22 descreve as competências privativas da União, à 3 qual inclui legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (inciso XXIV). O art. 23, V diz ser 4 competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proporcionar os 5 meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. O parágrafo único do mesmo artigo preceitua 6 que: Leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito 7 Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito 8 nacional. Já o artigo 24 enumera as competências concorrentes dos entes – exceto os municípios – 9 sendo educação, cultura, ensino e desporto alguns dos temas passíveis de serem legislados 10 alternativamente. Os parágrafos do artigo ainda esclarecem os limites dessas competências, 11 conforme seguem: 12 § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer 13 normas gerais. 14 § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência 15 suplementar dos Estados. 16 § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa 17 plena, para atender a suas peculiaridades. 18 § 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no 19 que lhe for contrário. 20 21 Em breve parêntese, o nó judicial envolvendo a Lei 11.738 – que instituiu o piso salarial do 22 magistério – consiste em definir o que são e o que não são normas gerais. A ADI 4.167, interposta 23 por cinco governadores de estado (RS, SC, PR, MS e CE) com apoio tácito de outros cinco (SP, 24 MG, TO, RR e DF), visa limitar o comando do art. 60, III, “e” do ADCT à mera questão de valor, 25 desconsiderando seu principal objetivo que é valorizar a carreira do magistério. Essa forçosa 26 restrição passa ao largo da interpretação sistêmica do texto constitucional, sobretudo dos preceitos 27 do art. 206. A hora-atividade (art. 2º, § 4º da lei do piso), na condição de elemento intrínseco da 28 carga de trabalho do professor e, consequentemente, determinante para o aprendizado dos estudantes 29 deve ou não ser minimamente regulada em nível nacional? É ou não uma norma geral? Em 30 julgamento de liminar, o Supremo Tribunal Federal entendeu que não. Esperamos reverter essa 31 posição no julgamento do mérito, pois o assunto é primordial para apontar as fronteiras do Sistema 32 Nacional Articulado de Educação. 33 Pelo artigo 25 da CF/88 se verifica que os estados organizam-se e regem-se pelas 34 Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da Constituição Federal. São reservadas 35 aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas pela Carta Magna (§ 1º). 8 1 Quanto aos municípios, embora não gozem de autonomia para legislar sobre matéria 2 educacional – o artigo 24 da CF/88 limita essa prerrogativa à União, aos Estados e ao Distrito 3 Federal – eles podem constituir órgãos normatizadores (Conselhos de Educação), além do executor 4 (Secretaria de Educação), a fim de melhor e mais democraticamente acompanhar a implementação 5 das políticas educacionais. Estas, por sua vez, devem ser orientadas pelos Planos Municipais de 6 Educação, construídos também de forma democrática. 7 A última parte do supracitado art. 6º determina que os direitos sociais sejam reconhecidos (e 8 garantidos) na forma da Constituição. No caso da educação, esses direitos estão previstos no Título 9 VIII, Capítulo III, Seção I, compreendendo os artigos 205 a 214. 10 A Constituição elegeu a educação como direito de todos e dever do Estado e da família (art. 11 205). Os princípios regentes do ensino (educação formal e regular) pautam-se na igualdade de 12 condições para o acesso e a permanência na escola; na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e 13 divulgar o pensamento, a arte e o saber; no pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; na 14 coexistência de instituições públicas e privadas; na gestão democrática; na garantia de padrão de 15 qualidade; na valorização dos profissionais da educação escolar, através de piso salarial profissional 16 nacional, de planos de carreira e do ingresso por concurso público aos das redes públicas (art. 206). 17 Na nossa concepção, esses princípios referem-se aos objetivos do Sistema Nacional Articulado de 18 Educação. 19 20 Já o artigo 208 descreve os deveres do Estado com a educação pública, e vale a pena ser transcrito uma vez que compreende parte das metas a serem alcançadas pelo SNE: 21 Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: 22 I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para 23 todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria; 24 II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; 25 III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na 26 rede regular de ensino; 27 IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; 28 V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a 29 capacidade de cada um; 30 VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; 31 VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de 32 material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. 33 § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. 34 § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, 35 importa responsabilidade da autoridade competente. 36 § 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a 37 chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola. 9 1 2 O art. 209 reconhece a oferta privada de educação, que deve atender às normas gerais e aos 3 requisitos de autorização e de avaliação estabelecidos pelo poder público. A rede particular deverá 4 integrar o SNE, em razão da garantia dos princípios e fundamentos universais da educação e do 5 Estado brasileiro, que preveem equidade na oferta do ensino e a não discriminação de cidadãos 6 (observando-se, também, o art. 19, II, CF). Ademais, toda instituição de ensino regular, 7 independente de ser pública ou privada, está condicionada aos ditames legais do poder público. 8 Outra importante referência constitucional para um Sistema Nacional de Educação é o art. 9 211, que fora totalmente adaptado para atender aos preceitos da Emenda 14 (Fundef). Nele estão 10 previstas as competências para atendimento dos níveis e etapas educacionais. E não obstante o 11 processo de municipalização do ensino fundamental e da educação infantil, atualmente, a oferta 12 pública de ensino encontra-se organizada conforme disposição deste artigo. 13 As garantias materiais para investimento na educação pública estão previstas no artigo 212. 14 Não há dúvida que o financiamento constitui um dos pilares centrais da política de cooperação (e de 15 colaboração) entre os entes federados, pois somente a vinculação constitucional de recursos é 16 insuficiente para atender, com qualidade e equidade, a demanda educacional no país. Desta forma, 17 essencial o apoio técnico e financeiro dos entes mais desenvolvidos para com os de menor 18 capacidade. 19 Quanto à destinação dos recursos públicos, o art. 213 determina a aplicação prioritária nas 20 escolas públicas, porém permite destinar parte da receita de impostos às escolas comunitárias, 21 confessionais ou filantrópicas, a depender da finalidade social (pública) de cada uma. E regular o 22 funcionamento dessas instituições similarmente aos requisitos para a qualidade das escolas públicas 23 parece ser uma opção bastante plausível. 24 O art. 214 determina que lei federal fixe o Plano Nacional de Educação, prevendo a 25 integração das ações do poder público, com vistas a atender a todos os preceitos constitucionais e ao 26 desenvolvimento do ensino nos diversos níveis, em especial no que diz respeito à erradicação do 27 analfabetismo, à universalização do atendimento escolar, à melhoria da qualidade do ensino, à 28 formação para o trabalho e à promoção humanística, científica e tecnológica do país. Esse tema 29 encontra-se associado ao debate do SNE, nas Conferências de Educação, primeiro porque o PNE, 30 sancionado em 2001, expirará em janeiro de 2011; segundo, porque a sua construção democrática é 31 fundamental para a conformação institucional de um Sistema Nacional também democrático. 32 Por fim, o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em sua 33 terceira versão (texto original, E.C 14/96 e E.C 53/06) prevê o Fundo de Manutenção e 34 Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 10 1 âmbito dos estados e do DF, que representa, hoje, a mais ampla política de cooperação do setor 2 educacional. 3 4 Os regimes de colaboração e cooperação e as políticas 5 articuladas do MEC com os sistemas de ensino 6 7 Desde 2004, quando o MEC formulou a Proposta de Emenda Constitucional nº 415/05, que 8 deu origem a E.C nº 53/06, iniciou-se um diálogo com os entes federados no sentido de consolidar 9 um regime de cooperação (concepção assegurada no parágrafo único do art. 23 da CF), a fim de 10 elevar o atendimento e a qualidade da educação pública. 11 Instituído pelo art. 60 do ADCT/CF e pela Lei 11.494/07, o Fundeb foi o primeiro regime 12 cooperativo consolidado em âmbito de toda a educação básica. O piso salarial profissional nacional 13 do magistério, previsto no próprio Fundeb, foi o segundo. 14 A diferença entre regime de colaboração e de cooperação refere-se à forma pela qual as 15 políticas educacionais se articulam entre os sistemas de ensino. Conforme visto mais acima, a LDB 16 elegeu o regime de colaboração como forma de propiciar a articulação dos sistemas (art. 8º). Essa 17 articulação, todavia, só se faz possível em âmbito de decisões de governos, ou seja, pelo princípio da 18 adesão voluntária. Já o regime de cooperação pauta-se na institucionalização das relações entre os 19 sistemas, independente de ações de governos. Ele traduz a forma escolhida pela Constituição para 20 implementar as políticas educacionais (em nível de Estado). Daí crermos que a E.C 14/96 constituiu 21 um 22 infraconstitucionalmente o regime de colaboração. Parte do voto do ministro Carlos Ayres Britto, no 23 julgamento da liminar da ADI 4.167, enfatiza a compreensão cooperativa da CF/88, embora o 24 assunto versasse sobre a remuneração dos profissionais da educação. Senão vejamos: 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 estelionato constitucional, pois negou a cooperação constitucional e impôs “(...) Entendo que numa macrovisão constitucional, a Constituição, em tema de educação, sobretudo educação básica, consagrou um modelo de federalismo cooperativo, tanto financeiro quanto tecnicamente. Ou seja, a Constituição inovou, primou por um modelo peculiar de federação eminentemente cooperativa nos dois citados planos: o plano técnico e o plano financeiro. Basta lembrar que a Constituição contém 56 dispositivos na sua parte permanente sobre educação. Nada menos do que 56 dispositivos. Ela se fez praticamente regulamentar, tal cuidado que devotou ao tema da educação. E, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, 40 dispositivos – pelo menos eu contei aqui – foram dedicados ao mesmo tema. Vale dizer, há 96 dispositivos constitucionais focadamente direcionados para regulação do tema da educação. Tudo nesses 96 dispositivos é transfederativo. Por que transfederativo? Porque abarca de todas as esferas federativas brasileiras: União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios. Essa macrovisão já responde, ainda num juízo prefacial, à boa parte das objeções que estão sendo feitas à lei (PSPN). É que a autonomia dos 11 1 2 3 4 Estados, Municípios e Distrito Federal foi relativizada pela Constituição. A própria Constituição quebrantou a autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na matéria. Com uma exceção. E, aí sim, a Constituição preservou a integridade autonômica em matéria de universidade. Em se tratando de universidade, a Constituição deixou a autonomia totalmente intocada (...)” 3 (gn) 5 6 Em 2007, o Ministério da Educação lançou, na esfera de governo, o Plano de 7 Desenvolvimento da Educação e o Plano de Ações Articuladas com a finalidade de empreender 8 vários programas e políticas de colaboração entre os sistemas de ensino federal, estaduais e 9 municipais. Hoje, essas ações do MEC estão disponíveis para adesão dos entes federados, mediante 10 convênio firmado pelo Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. 11 As críticas da CNTE ao PDE, à época de seu lançamento, referiam-se à forma como o Plano 12 foi elaborado – sem ouvir a sociedade – e à sua relação estreita com uma só representação social, o 13 movimento Compromisso Todos pela Educação, que, inclusive, cedeu nome ao Plano de Metas do 14 governo federal. Também a limitação das ações colaborativas, listadas nos 27 programas do PDE, e 15 o foco da avaliação numa aparente tendência reducionista e meritória foram alvos de contestação. 16 Mas a principal crítica apontava a fragilidade do regime de colaboração, não institucionalizado por 17 lei e pendente de adesão voluntária dos entes federados. Para a CNTE, o melhor consistia em 18 avançar no regime de cooperação, visando antecipar a regulamentação do Sistema Nacional de 19 Educação. 20 Não obstante às críticas, o aprimoramento do Plano de Metas, que passou a englobar, no 21 PAR, outras políticas para além dos programas iniciais do PDE, tem apontado as matérias que 22 formam o atual regime de colaboração do MEC como norteadoras para o Sistema Nacional de 23 Educação (articulado). E o próprio Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), a partir 24 da agregação de variáveis mais amplas, poderá contribuir, ainda mais, para projetar um padrão de 25 qualidade a ser perseguido por cada ente da federação, pautado nas orientações das políticas do 26 SNE. E quem sabe, assim, as metas do Compromisso, previstas para 2022, podem ser antecipadas. 27 O PDE e o PAR também inovaram na questão da contrapartida dos entes às políticas de 28 colaboração, e a mesma estrutura poderá ser mantida para assegurar a continuidade de regimes 29 colaborativos (de âmbito governamental), entre os entes federados. Isso transfere às políticas de 30 governo, sobretudo em períodos de transição eleitoral, um compromisso institucional importante 31 para a elevação da qualidade da educação. 32 3 Idem Acórdão ADI 4167, páginas 40-41. 12 1 Propostas da 7ª Conferência Nacional de Educação da CNTE 2 sobre os eixos estruturantes do SNE e do PNE 3 4 Tendo em vista o acúmulo da CNTE – muito dos quais constam dos fundamentos e objetivos 5 listados no documento-base da CONAE 2010 – e, levando-se em consideração as propostas contidas 6 no PNE da Sociedade Brasileira, no Pacto pela Valorização do Magistério e Qualidade da Educação 7 e no atual regime de colaboração do MEC, que se pauta nos pilares do financiamento, da gestão, da 8 valorização profissional e da avaliação institucional, propõe-se: 9 10 Sobre o Financiamento 11 12 O novo PNE deve prever novas fontes de recursos para a educação, especialmente as 13 decorrentes (i) da PEC 277/08, que visa eliminar a Desvinculação de Receitas da União (DRU) da 14 educação e a estender a obrigatoriedade do ensino da pré-escola ao ensino médio e (ii) do Fundo 15 Social, que prevê a transferência das riquezas do pré-sal para a realização de projetos e programas 16 nas áreas de combate à pobreza e de desenvolvimento da educação, da cultura, da ciência e 17 tecnologia e da sustentabilidade ambiental, devendo 50% desses recursos serem destinados à 18 educação pública. 19 Desta forma, o PNE deve indicar o investimento mínimo de 10% do PIB na educação 20 brasileira, a fim de atender todas as necessidades da educação pública. E para alcançar esta 21 ampliação, além de pôr fim à DRU na educação, o governo deverá reduzir, drasticamente, o 22 pagamento da dívida pública que compromete quase 50% da arrecadação tributária, realizar uma 23 reforma tributária com foco no princípio da progressividade dos impostos, aplicar os recursos 24 públicos exclusivamente na educação pública, além de outras medidas, como o fim da Lei de 25 Responsabilidade Fiscal, que é amplamente utilizada pelos gestores para não atender as 26 reivindicações sindicais e, consequentemente, para rebaixar as carreiras dos trabalhadores em 27 educação. 28 Quanto à reforma tributária, seus princípios devem se pautar na justiça social e no equilíbrio 29 regional, visando, primordialmente, a garantia de recursos para a efetivação de direitos sociais e para 30 a distribuição da renda. Essa reforma ainda deve ser capaz de vincular adequadamente os tributos 31 (impostos, taxas e contribuições) ao investimento educacional, de tal modo que as políticas de 32 substituição dos impostos pelas contribuições sociais e a renúncia e a guerra fiscais não prejudiquem 33 o financiamento público da educação. 13 1 Paralelamente aos esforços de elevação dos investimentos do PIB em educação, a próxima 2 CONAE deve pautar o debate sobre Custo Aluno Qualidade (CAQ), com o intuito de mensurar as 3 demandas educacionais por níveis, etapas e modalidades, bem como do ponto de vista do pagamento 4 de pessoal, dos diversos custeios e dos investimentos. 5 À União caberá coordenar processo de equiparação proporcional dos investimentos per 6 capita da educação básica e superior, a fim de eliminar o ‘abismo do financiamento’ existente entre 7 os dois níveis e, consequentemente, possibilitar a elevação da qualidade da educação básica. 8 O Fundeb significou um avanço para o financiamento da educação básica. Além de romper 9 com a fragmentação do ensino fundamental, o Fundo estimula o acesso e a permanência dos 10 estudantes e contribui para a queda da evasão e a melhoria do fluxo escolar. Contudo, segundo 11 dados da Pnad/2008, o acesso à creche e a redução do analfabetismo continuam em patamares 12 insatisfatórios e carecem de programas e recursos privilegiados. Assim, a limitação de 15% do 13 Fundeb para investimento na EJA (art. 11 da Lei 11.494) pode significar um gargalo à erradicação 14 do analfabetismo caso não haja outras compensações significativas da União. Quanto à creche, o 15 objetivo das ações governamentais deve focar o atendimento público, em contraposição a sugestões 16 parlamentares em trâmite no Congresso, que visam ampliar a rede privada. 17 Ainda sobre o Fundeb, as portarias que fixam o valor mínimo per capita devem assegurar que 18 qualquer revisão a menor do valor anual não ultrapassará a 5% o inicialmente estipulado. A ação 19 visa garantir maior segurança jurídica aos entes federados e a comprometer a União pelas 20 informações fornecidas aos estados e municípios. A medida também visa salvaguardar os 21 investimentos de estados e municípios, efetivados mediante a previsão de receitas projetadas pelos 22 órgãos do governo federal, de eventuais políticas econômicas da União que gerem impacto negativo 23 na arrecadação tributária. 24 Tema de grande relevância diz respeito à liberalização integral dos recursos 25 constitucionalmente vinculados à educação dos limites impostos pela Lei de Responsabilidade 26 Fiscal (LRF), LC 101/00, principalmente os que se destinam à reformulação dos planos de carreira, 27 conforme prevê a lei do piso salarial. O assunto precisa ser pauta do PNE, mas, sobretudo, de ações 28 do Executivo e do Parlamento federais, a fim de corrigir uma sobreposição de lei infraconstitucional 29 à Carta Maior que tem impedido a efetiva valorização dos profissionais da educação em diversas 30 localidades. 31 A aplicação do art. 69, § 5º da LDB deve ser reforçada no PNE, constar da Lei de 32 Responsabilidade Educacional e exigida em todos os convênios do Ministério da Educação, assim 33 como a regulamentação do PSPN, de acordo com a Lei 11.738, julgada constitucional pelo STF. 34 O MEC deve assegurar a complementação financeira ao PSPN a todos os estados e 35 municípios que não conseguirem atingir o valor indicado pela Lei 11.738, alterando, assim, sua 14 1 interpretação de suplementar financeiramente apenas os entes previstos no repasse federal ao 2 Fundeb. 3 A suplementação financeira da União deve ser garantida a todas as políticas de cooperação 4 envolvendo os níveis básico e superior, como medida equalizadora das políticas públicas que visem 5 alcançar a escola unitária. 6 7 Sobre a Gestão Democrática 8 9 A luta histórica pela gestão democrática se confunde com o processo da redemocratização do 10 país. Avançamos em algumas conquistas, mas, no entanto, com a ofensiva neoliberal, uma nova 11 concepção de gestão se contrapõe ao modelo defendido pelo movimento dos trabalhadores em 12 educação. 13 Sob o pretexto de melhorar a educação, diversas ações vêm sendo implementadas em vários 14 estados e municípios, as quais introduzem conceitos de gestão empresarial e tecnocrática no 15 cotidiano escolar. Essa nova prática educacional caracteriza-se, ainda, pelo aprofundamento do 16 autoritarismo do sistema e da direção escolar para com os demais atores escolares, contrapondo o 17 princípio da democracia. 18 Nesse sentido, torna-se fundamental reafirmar a gestão democrática na sua totalidade, como 19 resistência a esse projeto pautado meramente na produtividade e no desempenho individual de 20 escolas, estudantes e profissionais. 21 À luz do PNE da Sociedade, que absorveu as premissas apontadas pela 5ª Conferência 22 Nacional de Educação da CNTE (outubro de 1997), “a fundamentação da gestão está, pois, na 23 constituição de um espaço público de direito, que deve promover condições de igualdade, garantir 24 estrutura material para um serviço de qualidade, criar um ambiente de trabalho coletivo que vise a 25 superação de um sistema educacional seletivo e excludente, e, ao mesmo tempo, que possibilite a 26 interrelação desse sistema com o modelo de produção e distribuição de riqueza, com a organização 27 da sociedade, com a organização política, com a definição de papéis do poder público, com as 28 teorias do conhecimento, as ciências, as artes e as culturas.” 29 Enfatiza o documento, ainda, que “a gestão deve estar inserida no processo de relação da 30 instituição educacional com a sociedade, de tal forma a possibilitar aos seus agentes a utilização de 31 mecanismos de construção e de conquista da qualidade social na educação. Nessa perspectiva, a 32 instituição educacional deve ter como princípios fundamentais: o caráter público; a inserção social 33 e a gestão democrática, onde as práticas participativas, a descentralização do poder, a socialização 34 das decisões desencadeiem um permanente exercício de conquista da cidadania. Esta última é 15 1 concebida como materialização dos direitos fundamentais legalmente constituídos, entre eles o 2 direito à educação.” 3 Com base nesses fundamentos, a proposta da CNTE para a gestão do SNE leva em 4 consideração cinco questões: i) a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e 5 bases da educação nacional; ii) a divisão das competências legais, normativas e executoras do SNE 6 entre os sistemas de ensino federal, estaduais e municipais; iii) a participação democrática de todos 7 os atores educacionais representados na CONAE no processo de planejamento, elaboração, 8 implementação e avaliação das políticas públicas; iv) a garantia de controle legislativo, jurídico e 9 social das políticas educacionais e; v) a gestão democrática das escolas, com eleição direta para 10 diretor(a) e conselho escolar, instrumento essencial para a qualidade social da educação, inclusive 11 para o combate à violência, na medida em que a comunidade escolar se envolve e passa a ser co- 12 dirigente do processo. 13 Assim, a CONAE deve ficar responsável pela definição de diretrizes e prioridades que 14 atendam à execução das políticas estruturantes do SNE (financiamento, gestão, valorização 15 profissional e avaliação institucional), com vistas a alcançar os objetivos e metas dos planos 16 nacionais de educação. Tal como proposto, atualmente, sua composição deve garantir ampla 17 representação dos setores sociais envolvidos com a educação. 18 O Fórum Nacional de Educação deve cumprir função consultiva, de articulação, organização, 19 acompanhamento da política educacional e de coordenação da CONAE. Parte das entidades 20 educacionais que integram a CONAE deve compor sua estrutura, a ser mantida pelo MEC. 21 As competências da União estão definidas nos artigos 8º e 9º da LDB, devendo, no entanto, o 22 § 1º do art. 9º prever a autonomia administrativa e financeira do Conselho Nacional de Educação, a 23 fim de torná-lo órgão normativo tanto do sistema federal quanto do Sistema Nacional de Educação – 24 à luz das deliberações da CONAE. Já a sua composição deve manter o princípio da ampla 25 representação social. 26 Os artigos 10 e 11 da LDB devem prever a participação democrática de todos os atores 27 educacionais, eleitos por seus pares, nos conselhos de educação estaduais e municipais, os quais 28 devem manter funções consultivas, normativas, fiscalizadoras e deliberativas de seus respectivos 29 sistemas. As decisões desses órgãos não poderão sobrepor deliberações do CNE, tendo em vista o 30 princípio da relativização da autonomia federativa que abarca o SNE, bem como pelo fato de a 31 Constituição não ter concedido soberania aos sistemas estaduais e municipais em matéria de 32 legislação e normatização educacionais. 33 Em nível escolar, o artigo 14 da LDB deve sofrer alteração mediante aprovação de Proposta 34 de Emenda Constitucional que vise assegurar eleição direta para direção escolar e para os conselhos 16 1 escolares. A aprovação do PLS 344/07, do Senado Federal, caminha no sentido de efetivar essa 2 conquista. 3 A gestão democrática das escolas não deve se limitar às eleições de dirigentes, mas também 4 abranger a realização de conferências; a livre organização sindical, estudantil e da comunidade; o 5 planejamento coletivo; a avaliação e o controle social. 6 O atual artigo 16 da LDB deverá ser precedido de outro que institucionalize o Sistema 7 Nacional de Educação, tendo a CONAE e o Fórum Nacional de Educação como instâncias de 8 articulação dos sistemas com a sociedade. 9 Sobre o atual modelo de gestão do PAR e do PDE, é preciso garantir a efetiva participação 10 dos profissionais e da comunidade escolar na elaboração dos planos voltados aos sistemas e às 11 escolas, conforme versa as orientações do MEC. Infelizmente, na maioria das redes de ensino, as 12 secretarias de educação realizaram os planejamentos de forma terceirizada ou individual. 13 É preciso garantir, também, na Lei de Responsabilidade Educacional, que os sistemas de 14 ensino discutam com os profissionais da educação a elaboração ou a adequação dos planos de 15 carreira, que devem ser, preferencialmente, unificados (professores, especialistas e funcionários de 16 escola). 17 Sobre o Fundeb, é preciso que a Comissão Intergovernamental de Financiamento para a 18 Educação Básica de Qualidade agregue representação do Fórum Nacional de Educação, como forma 19 de democratizar o acesso dos trabalhadores às decisões. Também é necessário que os entes 20 federados assumam o compromisso de capacitar regularmente todos os membros do conselho de 21 acompanhamento e controle social do Fundeb, bem como os conselheiros escolares. 22 23 Sobre a Valorização dos Profissionais da Educação 24 25 26 27 28 29 O SNE e o PNE devem resgatar o conceito do Pacto de 1994, com as devidas atualizações, e situar a valorização dos profissionais da educação no centro do debate educacional. De acordo com a Lei 12.014, que alterou o art. 61 da LDB: “Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela 30 estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, 31 são: 32 I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na 33 educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; 34 II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com 35 habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e 17 1 orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas 2 mesmas áreas; 3 III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou 4 superior em área pedagógica ou afim. 5 6 Parágrafo único. A formação dos profissionais da educação, de modo a 7 atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos 8 objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como 9 fundamentos: 10 I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos 11 fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho; 12 II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados 13 e capacitação em serviço; 14 III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições 15 de ensino e em outras atividades.” 16 17 18 Portanto, essa classificação é a base para a regulamentação dos incisos V e VIII e parágrafo único do art. 206 da CF/88, modificados ou introduzidos pela EC 53/06. 19 Diante dessa nova perspectiva de profissionais da educação, o SNE e o PNE devem prever a 20 regulamentação de todos os dispositivos constitucionais referentes ao tema, sob a lógica da 21 indissociabilidade dos elementos da carreira, que compreende a formação, o salário, a jornada, as 22 condições de trabalho e o ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, pelo 23 regime estatutário. 24 Sobre o aspecto da formação, a CONAE deve indicar a institucionalização do Decreto 25 6.755/09, que versa sobre a Política Nacional de Formação de Professores. Esta legislação deve 26 absorver, ainda, as indicações apontadas no art. 5º, incisos XI a XV da Resolução CNE/CEB nº 27 02/09 – que também observam princípios e níveis de abrangência e colaboração entre os sistemas 28 para a oferta da política de formação – bem como prever a formação inicial dos professores 29 exclusivamente em cursos presenciais, exceto nas regiões onde não for possível. 30 Com base na 21ª Área de Formação Profissional, instituída pelo Conselho Nacional de 31 Educação, o MEC deve encaminhar projeto de lei ao Congresso propondo a obrigatoriedade da 32 formação dos Funcionários de Escola dentro do eixo profissional “Serviço de Apoio Escolar”. 33 Atualmente, essa formação é ofertada por meio do programa Profuncionário, executado mediante 34 parceria voluntária entre os sistemas federal, estaduais e municipais. Porém, dada a necessidade de 35 massificação, o MEC deve transformar o Profuncionário em política pública efetiva para que possa 18 1 ser oferecido tanto na rede federal de educação tecnológica (CEFETs e IFETs) como pelos sistemas 2 estaduais e municipais, através das escolas públicas. 3 4 Ainda sobre os Funcionários de Escola, cabe ao CNE normatizar o inciso III do novo art. 61 da LDB, referente às áreas de formação em nível superior para atuação profissional. 5 Do ponto de vista da proposta do MEC de limitar a atuação dos profissionais formados em 6 nível médio na modalidade Normal apenas à educação infantil, conforme dispõe o PL 5.395/2009, a 7 CNTE defende a elevação da escolaridade dos profissionais da educação (professores, especialistas 8 e funcionários de escola), mas não descarta a importância dos cursos Normais de nível médio como 9 referencial para a formação do profissional do magistério. Neste sentido, nossa proposta consiste em 10 reformular os cursos de Pedagogia e as Licenciaturas (currículo, estágio, práticas docentes, 11 tecnologias de informação e comunicação etc), bem como reforçar a importância dos cursos 12 Normais de nível médio na perspectiva de um primeiro nível para a formação docente com foco de 13 atuação na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental. Paralelamente, poder-se-ia 14 garantir vagas em instituições públicas de ensino superior aos formandos do curso Normal, como 15 forma de possibilitar a continuidade da formação para a profissão de professor. Ademais, essas 16 iniciativas não correm o risco de engrossar o preocupante déficit de professores e nem condicionam 17 uma nova corrida por formação aligeirada em instituições de qualidade duvidosa, na hipótese de 18 uma eventual mudança nos rumos da política de governo a partir de 2011. 19 Também o fato de o PL 5.395/09 indicar o ENEM para nota de corte nos processos de 20 seleção para as vagas em cursos de formação de professores das universidades públicas, e, mesmo 21 longe desta medida, isoladamente, prever a solução do problema do déficit de professores em 22 determinadas áreas de conhecimento, há uma tendência do movimento social em considerar a ideia 23 oportuna em função de sua permeabilidade aos estudantes da escola pública e pela possibilidade que 24 cria (junto com a reforma geral do ENEM) para a revisão do currículo do ensino médio. Em suma, 25 esta proposta visa privilegiar o conhecimento à ‘decoreba’ e tenta aproximar a universidade da 26 escola básica, por meio de proposta curricular com conteúdo mais qualificado. 27 Ainda sobre esse tema, é fundamental que a CONAE discuta as redações subseqüentes ao art. 28 61 da LDB, dado que a proposta do MEC de alteração do art. 62 não mantém coerência com a Lei 29 12.014. O corte à formação de professores nega a essencialidade da habilitação de todos os 30 profissionais da educação. O MEC já reconheceu a importância da profissionalização dos 31 Funcionários de Escola, através do Profuncionário. Por isso, nossa proposta consiste em prever 32 critérios de formação para as três categorias de profissionais listadas no art. 61 da LDB e em 33 estender o requisito de notas do ENEM também para as graduações dos Funcionários. Estas, como 34 já observado, necessitam de normatização da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de 35 Educação, pois o eixo profissional “Serviço de Apoio Escolar” limita-se à formação de nível médio 19 1 em quatro áreas: Gestão Escolar, Multimeios Didáticos, Alimentação Escolar e Infraestrutura 2 Material e Ambiental. 3 Entendemos que caberá ao Fórum Nacional de Educação, através das indicações apontadas 4 pela CONAE, aprofundar o debate com o MEC, o CNE e os sistemas de ensino acerca da 5 reformulação dos currículos dos cursos de formação dos profissionais da educação; da reorientação 6 das pós-graduações nesta área – inclusive sobre a forma de acesso dos profissionais, recentemente 7 contemplada por meio de programas da CAPES – e da adaptação dos professores às áreas de 8 conhecimentos previstas na Resolução CEB/CNE nº 3/98, às quais integram a concepção do projeto 9 piloto Ensino Médio Inovador, proposto pelo MEC em parceria com os sistemas de ensino estaduais. 10 Sobre o Projeto do Ensino Médio, a CNTE reconhece o esforço do MEC em pautar a questão 11 da identidade dessa etapa com foco na erradicação da dicotomia entre educação propedêutica e 12 profissional. A necessidade de inclusão e de regularização do fluxo é outro ponto relevante, dado 13 que só cerca de 47% da população entre 15 e 17 anos encontra-se efetivamente matriculada no 14 ensino médio, segundo a Pnad/2007. O PNE previu como meta a inclusão de 100% dos jovens nessa 15 faixa etária ao longo de sua execução. O déficit atual, portanto, é de mais de 50%. Outros milhões de 16 jovens e adultos também não concluíram a educação básica e necessitam elevar a escolaridade para 17 obter melhores condições de vida e garantia do emprego. 18 Outro ponto importante dessa proposta refere-se à expectativa de institucionalização do 19 projeto piloto em âmbito das políticas do SNE, a fim de responsabilizar os entes federados pelas 20 competências políticas, técnicas e financeiras quanto à execução desta e de outras ações realizadas 21 em âmbito de regimes de cooperação. E a formação profissional para o desenvolvimento dessa nova 22 proposta pedagógica para o ensino médio precisa ser ofertada e financiada pelas redes públicas em 23 conjunto com as instituições formadoras. 24 Não obstante sua importância, o referido Projeto deve preocupar-se em acompanhar o 25 impacto das mudanças no ENEM – que estão sendo propostas pelo MEC – a fim de preservar os 26 avanços e rever possíveis retrocessos, sobretudo em relação aos princípios que motivaram a 27 interiorização das universidades e dos institutos tecnológicos e para que o ENEM não sirva de 28 instrumento de avaliação de desempenho de caráter classificatório, punitivo e meritocrático. O MEC 29 e o CNE também devem supervisionar a aplicação do conceito de ‘áreas de conhecimento’ a ser 30 adotado pelos sistemas, com vistas a primar pela interdependência das disciplinas e dos conteúdos e 31 não por suas fusões, o que certamente descaracterizaria a proposta pedagógica – retornando a uma 32 educação instrumental – e provocaria onda de demissões de professores. E o exemplo da mudança 33 do modelo seriado para os ciclos serve de referência também para esse caso, pois a então inovadora 34 proposta de avaliação permanente transformou-se, em muitos casos, em “aprovação automática” na 20 1 visão de vários sistemas de ensino preocupados apenas em economizar ‘custos’ com a manutenção 2 do ensino. 3 Quanto à carreira, as leis que se seguirão à do piso salarial profissional nacional do 4 magistério devem buscar regular as bases de atuação dos profissionais sob a ótica sistêmica da 5 educação. Ou seja, a valorização profissional é uma das políticas estruturantes para a qualidade da 6 educação, e por isso deve manter relação com o financiamento, a gestão democrática e a avaliação 7 (dos sistemas, das escolas, dos profissionais e dos estudantes, de forma articulada). O PL 1.592/03, 8 em trâmite na Câmara dos Deputados, dispõe de parte dessa compreensão e a Resolução CNE/CEB 9 nº 02/09 também. Enquanto aquele não é aprovado, cabe aos sistemas se comprometerem em 10 instituir as diretrizes emanadas pela Resolução do CNE, principalmente quando da reformulação 11 prevista no art. 6º da Lei 11.738. 12 Importante destacar, ainda, que a adequação dos PCCS, à luz da lei do piso salarial, tem por 13 finalidade transpor para estas normas os princípios da valorização contidos na lei federal, dentre os 14 quais destacam-se: i) a referência mínima do piso nacional para o vencimento inicial das carreiras 15 dos profissionais com formação de nível médio, em todas as redes públicas de educação básica; ii) a 16 vinculação do vencimento inicial de carreira a uma carga horária, no máximo, de 40 horas semanais; 17 iii) a imediata destinação de, no mínimo, 1/3 (um terço) da jornada para hora-atividade; iv) a 18 redução da jornada de trabalho sem redução de salários; e v) a extensão dos dispositivos 19 remuneratórios do piso aos aposentados, de acordo com os direitos previdenciários previstos na 20 CF/88, os quais estão ressaltados no § 5º do art. 2º da Lei 11.738. 21 Compete à União envidar esforços junto com os sistemas de ensino e o Fórum Nacional de 22 Educação no sentido de discutir a regulamentação do art. 206, VIII da CF/88, que prevê a extensão 23 do PSPN para todos os profissionais da educação. 24 Já a implantação do piso salarial e das diretrizes nacionais de carreira, por todos os entes 25 federativos, deve ser pauta da Lei de Responsabilidade Educacional, dada a essencialidade dessas 26 medidas para a melhoria da educação em todo Brasil. 27 Aos sistemas de ensino compete, imediatamente, incorporar os preceitos da Lei 11.301 nos 28 planos de carreira dos profissionais da educação, a qual prevê a contagem do tempo de serviço dos 29 professores nas funções de direção escolar, coordenação e assessoramento pedagógico para a 30 aposentadoria especial. 31 Com relação às condições de trabalho nas escolas, onde se insere o problema da violência, 32 o SNE, através de seus atores, no tocante ao problema da violência e da saúde dos profissionais da 33 educação, o SNE, através de seus atores, deve discutir medidas preventivas que indiquem ações 34 pedagógicas e propostas de interlocução com outros agentes públicos e sociais, a fim de promover o 35 bom trabalho dos educadores e a boa convivência com a comunidade escolar e o seu entorno. 21 1 Outra condição fundamental para melhorar as condições de trabalho diz respeito ao número 2 máximo de estudantes por turma. É preciso a garantia das seguintes relações: i) na educação infantil: 3 de 0 a 2 anos, seis crianças por professor(a); de 3 anos, até 10 crianças; de 4 a 5 anos, até 15 4 crianças; ii) no ensino fundamental: nos anos iniciais, 20 estudantes por professor(a) e; nos anos 5 finais, 25 estudantes; iii) no ensino médio, 30 estudantes e iv) no ensino superior, até 35 estudantes. 6 7 Sobre a Avaliação Institucional 8 9 Atualmente, a educação básica conta com dois instrumentos genéricos de avaliação: as 10 provas aplicadas aos estudantes (SAEB, Prova e Provinha Brasil), que ajudam a compor o Índice de 11 Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB); e as metas estabelecidas no Plano de Ações 12 Articuladas, que também se correlacionam com o IDEB. 13 O IDEB, em que pese sua limitação de indicadores, pode ser considerado um embrião para a 14 aferição do padrão de qualidade do ensino, pois além da proficiência nas disciplinas de português e 15 matemática avalia também o fluxo e a evasão escolares. E sua importância tenderá a ganhar peso à 16 medida que avançar o debate sobre o Custo Aluno Qualidade e a Gestão Democrática, uma vez que 17 o cruzamento dessas variáveis abrirá novas perspectivas para a avaliação da educação, podendo até 18 contribuir para a antecipação das metas previstas no Compromisso Todos pela Educação. Hoje, o 19 valor per capita do Fundeb constitui parte do investimento por aluno empregado nas diferentes 20 etapas e modalidades. A outra parte deriva da aplicação direta dos recursos públicos que não 21 compõem o Fundo, e que varia demasiadamente entre os sistemas de ensino, tornando-se de difícil 22 mensuração. 23 Ao discutir o CAQ e a gestão democrática, a CONAE deve indicar aos sistemas de ensino, 24 reunidos sob a égide dos princípios do SNE, elementos essenciais para a elevação do padrão de 25 qualidade. Por outro lado, outros indicadores poderão ser agregados ao IDEB, no sentido de captar, 26 por exemplo, as realidades das diferentes clientelas da escola pública que necessitam de políticas 27 diferenciadas para alcançarem o “sucesso” escolar. 28 Quanto à avaliação dos sistemas de ensino, o PAR indica critérios de planejamento com 29 objetivos e metas atrelados às demandas educacionais verificadas através do censo educacional, da 30 Pnad/IBGE e das metas do plano nacional de educação. Ou seja, são referências coerentes, mas que 31 precisam de debate com a comunidade escolar para adquirir legitimidade social. Porém, ainda falta 32 avaliar o acompanhamento dos planos (PAR e PDE) nos sistemas e verificar a abrangência do 33 controle social sobre as ações planejadas. Estes requisitos são essenciais à qualidade social da 34 educação e devem ser pautados no PNE, na forma de gestão colegiada, a fim de garantir a 35 participação conjunta dos membros da Secretaria e do Conselho de Educação, do Ministério 22 1 Público, do Tribunal de Contas (onde houver), dos profissionais, dos estudantes e de seus pais no 2 processo de avaliação dos planos de educação, dos orçamentos públicos e de outros programas 3 estruturantes desenvolvidos pelos sistemas. 4 Sobre a avaliação dos profissionais, há diversas propostas de certificação para o magistério 5 em debate no Congresso, que desconsideram o caráter sistêmico de uma política de avaliação 6 eficiente para toda a rede. A Resolução CNE/CEB nº 02/09, no art. 5º, incisos XVI ao XIX trata de 7 incentivos de progressão na carreira levando-se em conta a dedicação exclusiva ao cargo, a elevação 8 da titulação, o tempo de serviço e a avaliação de desempenho. Esta, no entanto, segundo a 9 Resolução, “deve reconhecer a interdependência entre trabalho do profissional do magistério e o 10 funcionamento geral do sistema de ensino, e, portanto, ser compreendida como um processo global 11 e permanente de análise de atividades, a fim de proporcionar ao profissional do magistério um 12 momento de aprofundar a análise de sua prática, percebendo seus pontos positivos e visualizando 13 caminhos para a superação de suas dificuldades, possibilitando dessa forma seu crescimento 14 profissional e, ao sistema de ensino, indicadores que permitam o aprimoramento do processo 15 educativo.” (inc. XVII) 16 A opção por uma avaliação não punitiva, meramente, encontra eco nos sindicatos de 17 trabalhadores em educação, desde que venha acompanhada de valorização da carreira profissional. 18 Neste sentido, a política de bônus coletivo ou de gratificação individual não pressupõe a valorização 19 profissional, pois não integra a carreira dos profissionais da educação, e, pior, agrava a quebra da 20 paridade entre trabalhadores ativos e aposentados. 21 Embora seja matéria de múltipla interpretação, cabe à CONAE, ao Fórum Nacional e aos 22 Conselhos de Educação, juntamente com os órgãos executores dos sistemas de ensino e as entidades 23 representativas dos trabalhadores, organizarem a discussão sobre a avaliação docente e não docente 24 com o objetivo de inseri-la nos planos de carreira dos profissionais da educação, no PNE e na 25 própria LDB, caso esta opte em agregar um capítulo sobre a valorização dos profissionais da 26 educação. 27 Também o PNE da Sociedade aponta diretrizes para esta tarefa, e propõe que “a avaliação 28 interna e externa das instituições educacionais deve levar em conta os seus recursos, sua 29 organização, suas condições de trabalho, o padrão único de qualidade e, no caso da educação 30 superior, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, a universalidade de campos de 31 conhecimento, entre outros indicadores. Esse processo avaliatório é coordenado pelos Conselhos 32 Superiores e Conselhos Sociais nas universidades, e pelos Conselhos Escolares nas unidades 33 escolares”. O documento fixou como uma de suas diretrizes gerais “instituir mecanismo de 34 avaliação interna e externa, em todos os segmentos do Sistema Nacional de Educação, com a 35 participação de todos os envolvidos no processo educacional, através de uma dinâmica 23 1 democrática, legítima e transparente, que parta das condições básicas para o desenvolvimento do 2 trabalho educativo até chegar a resultados socialmente significativos.” 4 3 Cabe aos trabalhadores lutar pela revogação de todos os dispositivos constantes em 4 legislações federais, estaduais e municipais, que instituam ou possibilitem a adoção da avaliação 5 meritocrática/punitiva, como as previstas nos incisos XIII, XV e XVIII, do art. 2º do Decreto nº 6 6.094/2007, que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela 7 Educação. 8 9 Considerações finais 10 11 Além das medidas já destacadas, o MEC conduziu, e continua conduzindo, uma série de 12 ações que atendem aos pressupostos do Sistema Nacional Articulado de Educação. A extensão das 13 políticas de transporte, merenda e livro didático a toda educação básica, inclusive ao ensino médio, 14 ajuda a garantir o acesso e a permanência com qualidade na escola. O Decreto 5.154/04 revogou o 15 Decreto 2.208/97 e reintegrou o ensino profissional ao médio. A PEC 277/08, aprovada pela Câmara 16 dos Deputados, prevê o fim da DRU na educação e é mais um passo rumo ao incremento do 17 financiamento. A mesma PEC prevê estender a obrigatoriedade do ensino público da pré-escola ao 18 ensino médio, contrapondo o princípio limitador da E.C 14, imposto ao art. 208, I e II. O PROUNI 19 (Lei 11.096/05) e as mudanças nas regras do FIES (Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino 20 Superior) têm possibilitado aumentar as matrículas no ensino superior, principalmente de jovens 21 entre 18 e 24 anos, e o Decreto 6.096/07, que instituiu o REUNI (Programa de Apoio a Planos de 22 Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras), além de prever dobrar as 23 matrículas nas instituições federais de ensino superior, caminha em consonância com a política 24 nacional de formação de professores da educação básica, ao privilegiar a oferta de cursos de 25 licenciaturas. As mudanças no ENEM possibilitam formas alternativas de acesso da juventude e dos 26 adultos ao ensino superior e corroboram com o ingresso das camadas populares nas universidades 27 públicas, dada a alteração curricular que se propõe a implementar; o programa Mais Educação tem 28 priorizado a implantação da escola de tempo integral em áreas periféricas e de risco social, 29 contribuindo com outras políticas de inclusão e prevenção à criminalidade. 30 Mesmo havendo divergências conceituais entre uma e outra política, o fato é que todas elas 31 se pautam em princípios que reafirmam o direito à educação pública como dever do Estado – o que é 32 muito importante frente ao recente cenário de privatização e mercantilização da educação. Ademais, 4 Plano Nacional de Educação da Sociedade Brasileira, consolidado na plenária de encerramento do II Coned. BH, 1997, p. 33, 35 e 36. 24 1 a democratização da gestão, proposta ao SNE, tende a contribuir para que essas divergências se 2 dissipem, haja vista a maior participação da sociedade na elaboração das políticas públicas. 3 Quanto à oferta educacional privada, a experiência histórica revela a necessidade de se 4 estender compromissos que regem o ensino público para as redes particulares (básica e superior). 5 Além do currículo, da avaliação e da gestão democrática, aspectos da carreira dos profissionais, 6 especialmente do nível básico, deverão integrar as normativas de funcionamento dessas instituições 7 (piso, jornada, planos de carreira e gestão democrática) 8 As instituições do setor privado, por fazerem parte do Sistema Nacional de Educação, 9 subordinam-se ao conjunto de normas gerais de educação e devem se harmonizar com as políticas 10 públicas que têm como eixo o direito à educação, bem como acatarem os critérios de autorização e 11 avaliação de responsabilidade do poder público. Dessa forma, no que diz respeito ao setor privado, o 12 Estado deve normatizar, controlar e fiscalizar todas as instituições, sob os mesmos parâmetros e 13 exigências aplicados ao setor público. 14 A possibilidade de concluir o processo da CONAE 2010 tendo uma noção mais clara acerca 15 da estruturação do Sistema Nacional Articulado de Educação é vital para se garantir a efetividade da 16 pauta dos movimentos sociais, em particular, o educacional, sobre a gestão democrática. Sem que 17 esse requisito seja atendido, de forma ampla e segura, corre-se o risco de que os avanços do SNE 18 sejam limitados pela onipotência de governos que não prezam em ouvir os anseios da sociedade. E, 19 em se tratando de educação, impossível melhorar seu nível de qualidade num ambiente em que a 20 democracia escolar (e dos sistemas) não seja a válvula impulsionadora da liberdade, da criatividade, 21 da crítica construtiva e do diálogo fraterno. 22 23 Texto aprovado na Plenária Final da 7ª Conferência Nacional de Educação 25