Pesquisa como proposta à formação de professores
Alessandro Favero Guilherme/ FACOS *
Cristina Maria de Oliveira/FACOS**
Resumo: Neste documento, encontram-se alguns comentários avaliativos da proposta de
formação de professores com desafio à pesquisa. Este estudo é parte das reflexões
desenvolvidas nas aulas de Seminário de Pesquisa com as futuras professoras dos Anos
Iniciais, e, posteriormente, das reflexões a partir da análise dos artigos por elas produzidos
para registro de seus estudos de pesquisa-ação. Os estudos desenvolvidos e registrados em
forma de artigo formaram o corpus de uma pesquisa documental em que foram analisados os
discursos dos acadêmicos formandos. Objetiva-se compreender quais o(s) sentido(s) que
estão sendo construídos neste desafio pedagógico que poderão ser relevantes nos saberes
docentes construídos no decorrer do processo de formação.
Palavras-chave: reflexão crítica, interatividade, construção de sentido(s), validade da pesquisa
Abstract: In this document, there are some evaluative comments of the proposed teacher
training to challenge the search. This study is part of the ideas developed in the Seminário de
Pesquisa classes to future teachers of early grades, and then the reflections from the analysis
of the articles produced by them to record their action research studies. The studies developed
and registered as articles formed the corpus of documentary research in which we analyzed the
discourse of academic trainees. It aims to understand which (s) direction (s) being built in this
pedagogical challenge that may be relevant on the teachers constructed during the training
process.
Keywords: critical reflection, interaction, construction of meaning (s), validity of the research
Para começo de conversa
A qualidade em cursos de formação de professores de Anos Iniciais tem
suscitado estudos sob variados enfoques. Dentre esses, buscar uma melhor
compreensão da ação docente, através do desafio à pesquisa como proposta
de ensino tem oferecido resultados e perspectivas animadoras. Assim sendo,
apresentam-se algumas reflexões sobre a proposta da atividade de pesquisa
como ação formativa e de ensino, a partir do que se está desenvolvendo no
curso de Pedagogia e em estudos complementares em Grupo de Pesquisa-GP
Professor de LP/Inglês; ex-acadêmico do curso de Letras; integrante GP Estudos sobre Discurso e
Formação Docente
Doutora em Ciências da Educação pela Univ.de Barcelona, reconhec. UFRGS; Professora dos cursos de
Pedagogia, Letras e Direito/ FACOS-CNEC Osório-RS; orientadora GP Estudos sobre Discurso e Formação
Docente
39
da FACOS/CNEC Osório.
Propor um curso de formação de professores que desafie o acadêmico a
constituir-se um 'pesquisador participante' (Rincón, 1997) exige 'interatividade'
(Oliveira, 2000) do professor e do(s) aluno(s) durante toda a efetivação do(s)
estudo(s) - discussão inicial, organização, efetivação, análise e apresentação
dos resultados, etc. - nos enfoques temáticos escolhidos. No entanto, faz-se
necessário que o futuro professor, na etapa de formação nos cursos
superiores, tenha construído sentido(s) como aluno pesquisador para que
possa posteriormente dar sentido(s) à sua proposta de ensino e constituir
seu(s) saber(es) docente(s) com marcas discursivas dessa vivência.
Os saberes profissionais dos professores parecem ser, portanto,
plurais, compósitos, heterogêneos, pois trazem à tona, no próprio
exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-fazer e
do saber-ser bastante diversificados e provenientes de fontes variadas,
as quais podemos supor também sejam de natureza diferente.
(TARDIFF, 2002, p.61).
Considera-se que o 'professor pesquisador' (LÜDKE, 2002) aprenda a observar
a sua própria atuação e a construir sentido(s) nesta observação e na reflexão
sobre ela. Poderá consegui-lo na realidade social em que organiza e efetiva
'interação pela linguagem' (KOCH, 1997), pois lá os atores sociais - alunos e
professor - vão construindo sentido(s) em suas interatividades. Nesse
processo, o professor poderá selecionar o seu objeto de estudo que, uma vez
transformado em saber docente, serve de mediação à criação de novas
questões de estudo(s). Enquanto desafia seus alunos à observação e à
discussão de possíveis enfoques temáticos de estudo, o professor media essa
organização interativa e constrói o seu próprio desafio de pesquisador
participante na interatividade docente.
Reflexões na e sobre a interatividade docente
Uma das questões investigativas que perpassa a proposta em estudo, no
referido curso de formação, consiste em poder discutir com os futuros
professores a sua compreensão sobre a interatividade na pesquisa como
40
proposta de ensino. Para se constituir essa discussão, considera-se
fundamental a construção de uma relação entre o discurso do(s) professor(s)
universitário(s), dos futuros professores enquanto alunos e enquanto
professores nas suas atuações em estágio(s), e os diferentes enfoques
teóricos analisados em todas as suas atividades. Em síntese, é preciso haver
um projeto integrado, e por que não ratificar, coerente, de atuação nas aulas na
universidade e na proposta de atuação de estágio para que o futuro professor
construa sentido(s) que resultem em saberes docentes. Acredita-se que a falta
dessa coerência tenha sido uma das causas as quais rompem a continuidade
da proposta de formação profissional após terminados os estágios, no dia a dia
do recém formado professor, o que tem alimentado a permanência de uma
escola não criativa, com pouco sentido aos alunos ainda nos Anos Iniciais.
Mesmo que se tenha consciência de que precisam ser desenvolvidos estudos
longitudinais para poder avaliar o discurso desses professores egressos sobre
a contribuição da proposta de formação com desafio à pesquisa ao(s) seu(s)
saber(es) docente(s), as reflexões que permeiam as aulas na universidade e as
atuações de estágio já propiciam dados em abundância que validam a atual
escolha e animam à sua continuidade.
No decorrer do processo formativo, os futuros professores manifestam suas
expectativas quanto à compreensão do valor da pesquisa ao desenvolvimento
do homem, enquanto cidadão e profissional (características aqui destacadas
apenas por uma questão de ênfase ao estudo). Avaliam a contribuição ou não
que se desenvolve nas interatividades na universidade e nas escolas de
educação básica em que observam e atuam: a habilidade de desenvolver
observações que reúnam dados para possíveis estudos, a criação e decisão
por questões investigativas, a definição de objeto de estudo, a relação de
enfoques teóricos na revisão da literatura, etc., tudo o que, de início, lhes
parece 'quase impossível', uma vez que não se acreditam capazes de construir
tais habilidades, surpreende sucessivamente a cada futuro professor, no
decorrer especificamente desse oitavo semestre do curso que ora se analisa.
Frequentes são as manifestações como:
41
Agora eu sei que consigo ler e...; antes eu lia, mas não conseguia destacar reflexões que me
parecessem importante ao meu estudo; pareciam duas coisas diferentes. Não conseguia
relacionar o que lia com o que eu fazia aqui ou preparava para minha atuação. Tudo era
apenas uma tarefa a cumprir (A1)
Esse ou outros fragmentos discursivos são elementos que validam a proposta
do curso e formam as conexões de sequenciação nas aulas. Pode-se dizer
que, durante o próprio curso de formação, está se constituindo um
conhecimento sobre o valor da formação profissional continuada em relação à
pesquisa, em que os futuros professores, em atuação de estágio, quando
desafiam seus alunos à compreensão do valor da pesquisa, sentem a
necessidade de constantemente buscar informações e desenvolver estudos
que fundamentem as interatividades, ou seja, com os quais consigam 'dialogar'
para poderem compreender o seu próprio discurso e o dos seus alunos.
Constata-se, pois, nas reflexões na e sobre a interatividade docente, a
construção de sentido(s) na 'relação entre os saberes do professor
pesquisador/
os
saberes
docentes
e
a
pesquisa
denominada
de
acadêmica/científica' (LÜDKE, 2001, p.7).
As reflexões desenvolvidas em interatividade nas aulas na universidade, como
períodos de formação profissional, exigem e propiciam uma autorreflexão ao
professor universitário e aos futuros professores sobre suas atuações. De
acordo com Tardiff (2002), em seus estudos sobre a natureza das profissões,
os profissionais tornam-se
[...] capazes de avaliar o trabalho de seus pares. O profissionalismo
acarreta, portanto, uma autogestão dos conhecimentos pelo grupo de
pares, bem como um autocontrole da prática[...]. Esses conhecimentos
exigem autonomia e discernimento por parte dos profissionais, ou seja,
não se trata somente de conhecimentos técnicos padronizados cujos
modos operatórios são codificados e conhecidos de antemão, por
exemplo, em forma de rotinas, de procedimentos ou receitas [...]
(p.248).
Sabe-se que, para se efetivar a aprendizagem, é preciso haver uma
autopermissão, ou seja, é preciso que cada um se permita aprender, quando
consegue construir sentido(s) para tal aprendizagem. A consciência sobre essa
ação individual, até porque a natureza da aprendizagem seja essencialmente
42
social, é 'contagiada' e torna-se efetiva na interatividade discursiva em que se
reflexionam as diferentes atuações e se constroem interrelações entre essas, o
que valoriza e justifica o processo social. Destaca-se, nessas reflexões, todo o
imprevisível numa 'situação de ensino institucionalizada - SEI' (OLIVEIRA,
2000), que requer improvisações e decisões por novas questões e
encaminhamentos de respostas, o que é possível quando o professor se vale
de seus conhecimentos construídos na interação com enfoques teóricos
diversos e com seus alunos.
Ressalta-se, na análise dessas situações, o valor da pesquisa como opção
formativa e de ensino, socializadora e socializante, o que valida também o
universal, o intencional, e não tendencioso e dominador, que constituem
implicações do ensino na universidade como instituição formadora.
Como afirma Costa (2002), na sua compreensão sobre as relações de poder
que interferem no conhecimento e, por conseguinte, na concepção de
pesquisa:
[...] não importa o método que utilizamos para chegar ao conhecimento;
o que de fato faz a diferença são as interrogações que podem ser
formuladas dentro de uma ou outra maneira de conceber as relações
entre saber e poder. (p.16)
Quer-se formar professores que construam suas relações de trabalho como
'relações humanas, individualizadas e socializadas', porque vivenciaram essas
mesmas relações enquanto alunos, em que compreenderam que o 'objeto de
trabalho' do professor é um ser humano (TARDIFF, 2002) que sabe muito e
que deve ser desafiado a sempre querer saber mais. A interatividade discursiva
(OLIVEIRA, 2002) que se constitui durante as SEIs deve desbloquear barreiras
culturais erguidas nas práticas escolares preconceituosas, em que a atuação
do professor estava centrada em tarefas através das quais apresentava uma
única verdade sobre os fatos, exigindo que seus alunos a repetissem.
Considerando que o cumprimento de 'tarefas' implica uma relação de poder,
orienta-se à proposta de 'atividades interativas' - interatividades na organização
43
e efetivação de uma proposta de pesquisa na escola e na universidade, em
que os conhecimentos já construídos, os ritmos de aprendizagem e os saberes
culturais dos envolvidos são respeitados. A compreensão da diversidade
cultural impulsiona o desejo de saber sempre mais; sentir-se parte integrante
do percurso em busca de novos saberes, com respeito às diferenças e com
reconhecimento pelo afeto nas relações, constitui as relações de trabalho entre
professor/alunos ao contatarem com uma variedade de informações, nas
diferentes instâncias educacionais; essas relações passam a disseminar-se, na
ação
investigativa,
em
outros
espaços
sociais
fora
do
ambiente
escolar/universitário.
A pesquisa educacional, como proposta de formação do professor e de ensino,
e considerando as diferenças dos níveis de escolaridade em que atuam os
professores, requer que se estabeleçam 'critérios de validação da pesquisa'
(Anderson; Herr, 1999), para que se possa evitar concepções que venham a
considerar pesquisa educacional como consulta a informações publicadas ou à
opinião pública, como um experimento, e outras conotações de pesquisa que a
simplifiquem a uma prática sem o comprometimento e o rigor que lhe são
característicos.
Algumas reflexões sobre a pesquisa educacional como proposta de
ensino
O que pode ser pesquisado na escola e na universidade? Como deve se
desenvolver esta pesquisa? Essas e outras perguntas provavelmente são
manifestadas entre os envolvidos na interatividade pela pesquisa em ambiente
escolar/universitário.
Discute-se, com o futuro professor, sobre a necessidade da observação de
critérios que, de alguma maneira, 'validem' a escolha de enfoques temáticos e
de metodologias de pesquisa. Esta é uma preocupação que tem gerado vários
estudos no meio da pesquisa científica (BEILLEROT, 1991; LÜDKE, 1999;
ELLIOT, 1998; e outros), pertinentes ao valor social - científico e educativo - da
44
pesquisa e, não, à criação de mais um modismo escolar.
Neste documento, elegeu-se os critérios de "validade catalizadora" e de
"validade dialógica", dois entre os apresentados nos estudos de Anderson e
Herr (1999) para tecer algumas possíveis reflexões.
Na efetivação do primeiro critério de validação da pesquisa, desde a etapa
inicial de organização e durante todo o acompanhamento do estudo, o
professor na universidade discute com os futuros professores sobre como se
está configurando o enfoque temático e o caminho investigativo, de maneira
que sejam efetivadas as inferências necessárias à (re)orientação de
interatividades dos participantes e dos colaboradores da pesquisa, bem como
de sua permanente 'energização' em direção ao alcance de resultados e à
construção de conhecimentos sobre a realidade que possam resultar numa
decisão de transformação dessa realidade pesquisada.
Na observância do segundo critério, o de "validade dialógica", a decisão dos
enfoques, do problema orientativo e da metodologia da pesquisa é amplamente
discutida com os colegas e o professor da disciplina de Seminário de Pesquisa,
assim como aproximada a reflexões de teóricos sobre o tema em estudo. O
mesmo processo é desenvolvido entre o futuro professor em suas práticas de
estágio supervisionado e os alunos dos Anos Iniciais em grande grupo, numa
primeira etapa, e em grupos menores a partir da segunda etapa de discussões,
cujas propostas são acompanhadas também por professores de outras
disciplinas e em grupos de estudo no ensino superior. Ou seja, a validade
catalizadora e dialógica das pesquisas, nas modalidades de iniciação à
pesquisa e de pesquisa-ação, vai se constituindo através de uma metodologia
qualitativa e da interatividade discursiva do que resulta sentido(s) que
delimitam escolhas.
Como resultados desse processo de validação da pesquisa, enquanto
proposta de formação e de ensino tem-se observado, dentre outros, um
crescente interesse em pesquisar e um compromisso social na divulgação dos
resultados.
45
Compreende-se que, do seu interesse pela pesquisa, manifestado nas
diferentes interações discursivas, o futuro professor, que a partir do final do
semestre se torna legalmente um profissional, continuará com essa proposta
na sua atuação docente. Essa atuação passa a se constituir num 'saber
docente', considerando que esse professor foi criador de sua proposta de
estudo e está consciente de que é capaz de; percebeu-se através da análise
dos dados, neste estudo, que ao mesmo tempo em que, muitas vezes, se
manifestava
surpreso
com
seu
próprio
conhecimento,
manifestava-se
igualmente preocupado que havia feito pouco, conseguindo avaliar que uma
investigação sempre pode ser mais aprofundada e que é de natureza social e,
por isso, multidisciplinar, o que a favorece também como proposta de ensino na
educação básica.
Compreende-se, por isso, que a divulgação dos resultados torna-se
imprescindível para que se possa ampliar o campo de discussão e
alertar/incentivar outros profissionais da área e estudantes em busca de um
fazer docente e de um processo de estudo que efetivamente propicie o prazer
de estudar e de conscientizar-se sobre a ampliação de conhecimentos e
socialização dos saberes.
Temas como a importância da afetividade à valorização da aprendizagem, a
necessidade
de
autonomia
como
comprovação
de
conhecimento,
a
compreensão da pesquisa como proposta de ensino, e outros enfoques, já
estão registrados em artigos como resultados desses estudos. E, vários
eventos comunicativos nas escolas e entre a comunidade também foram
maneiras escolhidas pelos alunos para divulgação dos resultados obtidos, na
ânsia de socializar seus 'novos saberes' e de sensibilizar mais pessoas a sua
compreensão. Ambos podem constituir-se em documentos de reflexões à
avaliação da proposta de pesquisa como proposta de formação e de ensino,
bem como de reflexões sobre pesquisas educacionais que ora se desenvolvem
e que podem transformar a realidade escolar.
46
Referências
ANDERSON, G.; HERR, K. The new paradigm wars: Is there room for
rigorouspractitioner knowledge in schools and universities? Educational
Researcher, no.5, vol 28, june-july, 1999, p.12-21.
BEILLEROT, J. La Recherche, Essai D'Analyse. Recherche et Formation,
no.9, Avril, 1991, p.17-31.
COSTA, M. V. e outros. Caminhos investigativos. 2ed. RJ: DP&A Editora,
2002.
ELLIOT, J. Recolocando a pesquisa-ação em seu lugar original e próprio. Em
Geraldi e outros, Cartografias do trabalho docente. Campinas: Mercado das
Letras, 1998.
KOCH, I. A inter-ação pela linguagem. SP: Contexto,1997.
LÜDKE, M. O professor, seu saber e sua pesquisa. Educação & Sociedade,
no.74, v.22, abr, 2001, ISSN 0101-7330, versão impressa.
OLIVEIRA, C.M. La planificación del discurso escrito - un proceso de
interatividad. Tese de Doutoramento. Barcelona: UB, 2000.
________. Algumas considerações sobre o discurso docente. CD - 50
GEL, DF/Brasília: UNB, 2002.
RINCÓN, D. Metodologías de las investigaciones. Madri: Dickinson,1997.
TARDIFF, M. Saberes docentes & Formação Profissional. RJ: Vozes, 2002.
47
Download

Pesquisa como proposta à formação de professores