Título do trabalho: O ENSINO DE FILOSOFIA E A IMAGEM DO PENSAMENTO
Nome do autor: Luís Carlos Boa Nova Valério (UFSM)
Nome da co-autora: Vera Lúcia Tunes Espíndola (UFSM)
O ENSINO DE FILOSOFIA E A IMAGEM DO PENSAMENTO
Luís Carlos Boa Nova Valério (Universidade Federal de Santa Maria, RS)
Vera Lúcia Tunes Espíndola (Universidade Federal de Santa Maria, RS)
Este trabalho visa pensar os problemas do ensino de Filosofia no ensino médio a partir
do conceito de imagem do pensamento formulado por Gilles Deleuze, sendo ―imagem‖
a orientação que o pensamento dá a si mesmo. Esta orientação provém de pressupostos
subjetivos (o senso comum em geral ou a pré-filosofia) e objetivos (o senso científico),
que são responsáveis pelos conceitos dados em Filosofia na forma estrita de
proposições. Procuramos examinar o quanto muito dos problemas em ensinar Filosofia
a jovens do ensino médio ocorrem em face do aprendizado do pensamento filosófico
restrito à representação, ou seja, quando as proposições decidem sobre o significado e o
sentido na relação do conceito com a existência. A imagem do pensamento, significada
assim como imagem dogmática do pensamento, coloca para o ensino da Filosofia e,
especialmente, para o aprender a pensar, um obstáculo a um começo sem pressupostos
em Filosofia, a um pensamento da diferença ou nova imagem do pensamento capaz de
criar conceitos a novas formas de sentir, pensar, ver, ouvir, falar e agir.
Palavras-chave: Filosofia, pensamento, ensino.
O ENSINO DE FILOSOFIA E A IMAGEM DO PENSAMENTO
Este trabalho tem duas nascentes: a pesquisa nas escolas1 e o status do
pensamento filosófico, tanto no modo de estudar, fazer, como ensinar Filosofia. A
pesquisa nos mostrou os inúmeros encontros e não-encontros entre professores e alunos,
que estão, diretamente, implicados com alguns percalços do próprio fazer filosófico. É
da união de um e outro estado de coisas que passamos a considerar os problemas que
seguem.
As perguntas que fazíamos à época da pesquisa, e que seguimos fazendo, são:
que contribuição a Filosofia pode realizar dentro de cada um, professor e aluno, no
ensino médio? O quanto ela pode ser distinta das demais disciplinas que, de modo muito
semelhante, obedecem a um mesmo molde escolar? De que maneira a Filosofia pode
estabelecer uma relação diferente com o conhecimento? Qual a sua capacidade de
revisar e redescobrir o processo de aprender? De que maneira ela pode e deve ser uma
responsável especial por novas maneiras de professores e alunos pensarem e sentirem a
si mesmos e ao mundo? Qual a potência que ela propõe a uma nova imagem dos
problemas que não se esgote no exercício lógico e cognitivo? Como a Filosofia pode ser
uma prática que a traduza muito menos por ―amizade ao saber‖ do que por ―pensamento
e criação‖? O que é pensar? Quais são os possíveis com a Filosofia?
Formular estas e tantas outras questões afins não é uma maneira de ensejar
soluções ou reconhecer as finalidades da Filosofia na escola, o que faria com que
continuássemos tentando sempre colocá-la dentro de um molde que prometeria este ou
aquele fim, este ou aquele resultado. Embora a escola, enquanto sistema, não possa
prescindir de metas, objetivos, finalidades, resultados, precisamos entender que se há
espaço para processos mais fecundos, processos esses mais afeitos às questões do
pensamento que do conhecimento, não podemos, como professores, e imediatamente
com os alunos, furtar-nos a isso. Ainda mais se essa investida acena com a possibilidade
de fazer convergir a experiência de pensamento entre alunos e professores. Observando
Deleuze e Spinoza, Tomaz Tadeu chamou essa convergência de Encontro, que bem
entendido é ―A potência de agir. É esse o critério para determinar se um encontro é bom
ou não‖ (TADEU, 2002, p. 54).
1
Projeto de Pesquisa Filosofia, cultura juvenil e ensino médio (2005-2009). Disponível em:
http://w3.ufsm.br/filjem/ Acesso em: 06 jul. 2009.
Ainda que uma licenciatura em Filosofia fosse exímia na formação de homens e
mulheres preparados para ensinar na diversidade e sob a adversidade, e habilitasse
pessoas marcadas, sobretudo, pela aptidão à docência, e as transformassem em
conhecedoras atiladas da natureza humana e de sua sociedade, ainda que tal ideal se
realizasse, restaria muito a fazer no tocante ao próprio pensar, fazer Filosofia, gestar os
problemas, engendrar uma nova imagem à vida.
As questões e os problemas sobre o ensino de Filosofia se assemelham à erosão
das margens dos rios: quanto mais mexemos com as necessidades que a Filosofia
suscita no pensamento e à imanência, mais alargamos a complexidade e o mistério em
torno do processo de aprender e criar.
Nosso objetivo, neste breve texto, é mostrar mais uma face que se abre ao
problema que, genericamente, é designado por ―ensino de Filosofia‖; mas sabe-se, nele
estão represadas múltiplas condições, algumas já mencionadas aqui e outras mais que
precisam ser atualizadas2.
Em recente trabalho de pesquisa, exploramos a via que foi iniciada por Deleuze
em 1968 com a publicação de Diferença e Repetição, uma de suas duas teses de
doutorado3. Esta via consiste em cuidar dos problemas que concernem à criação de
conceitos, atividade, por excelência, filosófica. Ora, os diversos problemas relativos a
isto reportam diretamente ao pensamento representacional. Vejamos o que dizem
Deleuze e Guattari a esse respeito.
Os filósofos não se ocuparam o bastante com a natureza do conceito como
realidade filosófica. Eles preferiram considerá-lo como um conhecimento ou
uma representação dados, que se explicam por faculdades capazes de formálo (abstração ou generalização) ou de utilizá-los (juízo). Mas o conceito não é
dado, e criado, está por criar; não é forma do, ele próprio se põe em si
mesmo, autoposição. As duas coisas se implicam, já que o que é
verdadeiramente criado, do ser vivo a obra de arte, desfruta por isso mesmo
de uma autoposição de si, ou de um caráter autopoiético pelo qual ele é
reconhecido. Tanto mais o conceito é criado, tanto mais ele se põe. O que
depende de uma atividade criadora livre e também o que se põe em si
mesmo, independentemente e necessariamente: o mais subjetivo será o mais
objetivo (1992, p. 20)
2
Atualizar é prover o virtual à condição de realidade. Os conceitos ―atual‖ e ―virtual‖ aparecem,
especialmente, em DELEUZE, G. O atual e virtual, in: ALLIEZ, Eric, Deleuze Filosofia Virtual, São
Paulo: Edit. 34, 1996, p. 47-57.
3
A outra é Spinoza e o problema da expressão.
Podemos dizer que temos um divisor de águas: há uma imagem moral4 do
pensamento (DELEUZE, 2006) e uma nova imagem ou o pensamento sem imagem que
experimenta, inventa por absoluta necessidade. A primeira, historicamente, tem servido
ao pensamento filosófico. Seu status parte, invariavelmente, de pressupostos, de
condições a priori (base de toda representação), de construções analógicas que
garantem as generalizações, e de juízos que não ultrapassam a deliberação comparativa
dos predicados. Sabe-se, por exemplo, o valor de ―melhor‖, para qualquer coisa ou
situação, na estreita faixa de decisão do pensamento que se reporta a uma identidade no
conceito que indica, por fim, qual ―melhor‖ é melhor. Uma vez fosse retirada (ou não
considerada) essa referência no conceito, não seria nele dito o que é melhor ou quanto o
é.
A fragilidade do poder de prescrição dos predicados no pensamento só
aparentemente não é maior: basta que se enfraqueça o poder da identidade no conceito e
a correção das decisões predicativas tornar-se-á gradativamente mais vulnerável. Numa
palavra: escapar da abstração dos conceitos (fato que constrói o senso comum e o bom
senso) ou de sua via exclusiva de uso e utilidade (o ajuizamento) implica uma
pedagogia do conceito, que nada mais é do que pensar, no caso do ensino de Filosofia,
todas as conotações que o ensino é capaz de criar nas aulas da disciplina, entre alunos e
professores, na sua relação com o conhecimento (epistemologia) e com o pensamento
(noologia).
Para Deleuze e Guattari (a, p. 34), cuidar das coisas do pensamento era mais o
caso de uma nomadologia. Dentro do nosso tema, por exemplo, a nomadologia pensaria
criar uma nova imagem de aluno e de professor, porque novas relações de aprender e,
certamente, nova imagem de escola e, certamente, do conhecimento. Nessas novas
imagens, pensar e ser seriam uma só e mesma coisa (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.
54). Admitindo-se que a nomadologia seja um método, mas apenas no sentido de ser
uma condição, então ela é esquizo5 ao senso comum das faculdades e à sua
superdistribuição, o bom senso. Para o caso do ensino de Filosofia, a nomadologia
funcionaria bem como uma espécie de atalho para ou providência contra os grandes
pontos de vistas sedentários inscritos para uma ordem unitária transcendente de Estado
(DELEUZE; GUATTARI, 1995a, p. 34), família, trabalho e relação com o aprender.
4
Estamos pensando no significado originário de mores, como sendo o de costumes.
―[F.:
Do
gr.
skhízo,
'dividir,
fender'.]‖
(Cf.
Aulete
Disponível
<http://aulete.uol.com.br/site.php?mdl=aulete_digital&op=loadVerbete&palavra=esquiz%28o%29Acesso em: 17 mar. 2010.
5
em:
>
A leviatânica imagem do pensamento nos sugere que salvemos o professor, o
aluno, o conhecimento, a Filosofia, o futuro, a família. Luc Ferry (2008) dirá que em
detrimento de todas as mais sublimes transcendências do pensamento (Deus, religião,
fé, lei, moral) a Razão é o salvo-conduto dos filósofos que desejam nos salvar dos
medos que nos impedem de chegar à vida boa. Deleuze e Guattari (1992, p. 60) dirão
que ―A razão é apenas um conceito, e um conceito bem pobre [...]‖. Afinal, a nem tão
longa história deste conceito é a história do
paradoxo do legislador-sujeito, que substitui o déspota significante: quanto
mais você obedece aos enunciados da realidade dominante, mais comanda
como sujeito de enunciação na realidade mental, pois finalmente você só
obedece a você mesmo, é a você que você obedece! E é você quem comanda,
enquanto ser racional... Inventou-se uma nova forma de escravidão, ser
escravo de si mesmo, ou a pura "razão", o Cogito. Existe algo mais passional
do que a razão pura? Existe uma paixão mais fria e mais extrema, mais
interessada do que o Cogito? (DELEUZE; GUATTARI, 1995b, p. 71).
Os problemas do ensino de Filosofia, do que fazemos quando pensamos,
desafiam-nos de muitas maneiras. Digamos que a primeira delas diz respeito a dar conta
desse leviatã com propósitos messiânicos6 que carrega a sua imagem dogmática do
pensamento. É o filósofo, é o livro, é a Igreja, é o Estado, é o Destino, é o Pragmatismo,
é o Saber, mas não o é, verdadeiramente, o aprender, mais do que tudo, o mistério do
aprender. Então, poderíamos perguntar: como salvar pela Razão como defende Ferry?
Não importa que acreditemos que a Razão é melhor do que a Fé ou do que o
Nomo. Importa, contudo, que não nos iludamos com querer nos salvar dos medos que
nos impedem de chegar à vida boa por intermédio de qualquer destas instâncias. Aliás,
precisamos perguntar, mais ou menos ao modo do amor fati nietzscheneano: importa
mesmo a salvação?
Caberá, de direito, à imagem do pensamento ou ao pensamento da diferença ou
nova imagem do pensamento entender melhor os medos? Ainda: que significa aprender,
ensinar, pensar, se não nos desembaraçamos dos medos? Na relação com o
conhecimento, mas, sobretudo, com o aprender, professores e alunos, cada um ao seu
modo, têm seus medos. Nessas circunstâncias, o que significaria nos salvarmos pela
Razão? Perrenoud lembra uma lista extensa dos medos que acometem os professores, e
que está longe de ser esgotada no rol abaixo.
6
Porque se trata de um Eu, que é sujeito, demiurgo, verdade e razão históricos, o grande personagem
conceitual.
[...] - medo de perder a continuidade da proposta, de que a atenção se
disperse; - medo de perder tempo; - medo da desordem na construção do
saber; medo do silêncio; - medo do conformismo, da imitação; - medo de que
a conversa perturbe alguns alunos, fazendo-os perder confiança em si
mesmos; - medo de perder sua credibilidade, seu espaço, sua autoridade; [..]
– medo de se envolver demais, de não conservar a distância necessária; [...] –
medo de se envolver em um conflito afetivo; [...] – medo de perder suas
ilusões pedagógicas; [...] – medo de ver o texto do saber ficar confuso; medo de revelar sua ignorância (PERRENOUD, 2001, p. 63).
Com fins a irmos finalizando esta nossa introdução à imagem do pensamento,
fiquemos com esta passagem do quinto volume de Mil Platôs e que bem poderia abalar
a confiança que Ferry, por exemplo, deposita na Razão.
O Estado proporciona ao pensamento uma forma de interioridade, mas o
pensamento proporciona a essa interioridade uma forma de universalidade: "a
finalidade da organização mundial é a satisfação dos indivíduos racionais no
interior de Estados particulares livres". É uma curiosa troca que se produz
entre o Estado e a razão, mas essa troca é igualmente uma proposição
analítica, visto que a razão realizada se confunde com o Estado de direito,
assim como o Estado de fato é o devir da razão. Na filosofia dita moderna e
no Estado dito moderno ou racional, tudo gira em torno do legislador e do
sujeito. É preciso que o Estado realize a distinção entre o legislador e o
sujeito em condições formais tais que o pensamento, de seu lado, possa
pensar sua identidade. Obedece sempre, pois quanto mais obedeceres, mais
serás senhor, visto que só obedecerás à razão pura, isto é, a ti mesmo... Desde
que a filosofia se atribuiu ao papel de fundamento, não parou de bendizer os
poderes estabelecidos, e decalcar sua doutrina das faculdades dos órgãos de
poder do Estado. O senso comum, a unidade de todas as faculdades como
centro do Cogito, é o consenso de Estado levado ao absoluto. Essa foi
notadamente a grande operação da "crítica" kantiana, retomada e
desenvolvida pelo hegelianismo. Kant não parou de criticar os maus usos
para melhor bendizer a função. Não deve surpreender que o filósofo tenha se
tornado professor público ou funcionário de Estado. Tudo está acertado a
partir do momento em que a forma-Estado inspira uma imagem do
pensamento. E vice-versa. Sem dúvida, segundo as variações desta forma, a
própria imagem toma contornos diferentes: nem sempre desenhou ou
designou o filósofo, e nem sempre o desenhará. Pode-se ir de uma função
mágica a uma função racional. O poeta pôde exercer, em relação ao Estado
imperial arcaico, a função de domesticador de imagem (DELEUZE;
GUATTARI, 1997, p. 37)
Isto nos coloca diante de mais questões: não são somente os pressupostos
objetivos e subjetivos que podem obstaculizar um começo em Filosofia. É certo que
uma nova imagem do pensamento se arroga o direito, por pura necessidade, de não
servir às exigências dos conceitos objetivos e subjetivos da legislatura da Razão.
Contudo, ficamos ainda submetidos ao problema do medo que não faz menos do que
criar em cada um de nós um mínimo de déspota.
De uma maneira muito peculiar, dadas as circunstâncias políticas (ao fim e ao
cabo qualquer problema reporta-se sempre à pólis), temos o caso Descartes como
emblemático ao problema da imagem do pensamento. Trata-se de uma nova imagem do
pensamento que ele tentara adotar. Com a assinatura de um conceito como o Cogito,
Descartes faz a composição entre dúvida, pensamento e ser (Penso, logo existo). Pensar
e ser são casos resolvidos nesta proposição. Mas onde fica a dúvida? Ora, se Eu, por um
lado, é quem duvida e é em si mesmo duvidado, não pode, contudo, duvidar que pense.
Portanto, o cogito como personagem conceitual, resolve os três componentes do
conceito - duvidar, pensar e ser – fazendo-os coincidir para um mesmo ponto para o
qual a dúvida não se aplica: a identidade de um Eu. O movimento que Descartes faz
com o pensamento como causa primeira e inviolável ele o faz pelo recurso ao que
Deleuze (2006, p. 195), denominara de ―concórdia facultatum‖. As faculdades
(pensamento, razão, imaginação, memória) formam o senso comum que estabelece o
pensamento como representação em geral, assim como generalização e identidade nos
conceitos como única forma de pensar. Ou seja, o pensamento, a partir da forma ―todo
mundo sabe, ninguém pode negar‖ (DELEUZE, 2006, p. 190), funda todos os seus
pressupostos, subjetivos e objetivos. Ele faz com que a mais extensa subjetividade (o
senso comum e o bom senso) seja sustentada por uma identidade da objetividade dos
conceitos atribuídos como científicos. Que identidade é esta? No caso de Descartes,
primeiro ele procede a um afastamento de pressupostos objetivos do tipo ―o homem é
um animal racional‖ (DELEUZE, 2006, p. 189) e procura considerar apenas
pressupostos implícitos ou subjetivos para chegar a uma, digamos, causa mais pura para
o fato do que significa pensar e existir. Mas ao fazer isto, só lhe resta a experiência.
Esta, por sua vez, o que lhe oferece a uma nova imagem do pensamento, dado que a
experiência se transfigura na própria imagem dos conceitos subjetivos? Mais: que
experiência sem a experiência do conceito que não se consome na abstração ou no
juízo? Que experiência sem a experiência do conceito como puro acontecimento?
O conceito é evidentemente conhecimento, mas conhecimento de si, e o que
ele conhece é o puro acontecimento, que não se confunde com o estado de
coisas no qual se encarna. Destacar sempre um acontecimento das coisas e
dos seres é a tarefa da filosofia quando cria conceitos, entidades. Erigir o
novo evento das coisas e dos seres, dar-lhes sempre um novo acontecimento:
o espaço, o tempo, a matéria, o pensamento, o possível como
acontecimentos... (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 46).
Qual seria, então, um começo digno em Filosofia, que não se fechasse no círculo
férreo do senso comum das faculdades e se abrisse ao conceito como puro
acontecimento? Guardemos esta pergunta: De onde se partiria para pensar uma nova
imagem do pensamento?
Se duvidar, pensar e ser são problemas resolvidos para Descartes, com fins a
justificar o limite da dúvida sobre o que é o pensamento, é porque ele recorre a Deus
como um componente supraobjetivo, transcendental, componente que faltava à
identidade do seu conceito. Como os pressupostos objetivos e subjetivos não oferecem
em definitivo uma identidade indiscutível aos conceitos de existência e pensamento,
Descartes busca essa identidade no dado transcendental, que é, a um só tempo,
pressuposto subjetivo e objetivo.
Itaque ſola reſlat Idea Dei, in quâ, conſiderandum eſt an aliquid ſit quod a me
ipſo non potuerit proſiciſci. Dei nomine intelligo ſubſtantiam quandam
inſinitam, independentem, ſumme intelligentem, ſumme potentem, & a quâ
tum ego ipſe, tum aliud omne, ſi quid aliud extat, quodcumque extat, eſt
creatum. Quæ fane omnia tália funt ut, quo diligentius attendo, tanto minus a
me folo profecta effe poffe videantur. Ideoque ex antedictis, Deum neceffario
exiftere, eft concludendum (DESCARTES, 1999, p. 84)
E, assim, a ideia de Deus permanece a única em que se deve considerar se há
algo que não poderia provir de mim. Entendo pelo nome de Deus certa
substância infinita, independente, eterna, imutável, sumamente inteligente e
sumamente poderosa e pela qual eu mesmo fui criado e tudo o mais existente,
se existe alguma outra coisa. Todas essas coisas são tais que, quanto mais
cuidadosamente lhes presto atenção, tanto menos parece que elas possam
provir somente de mim. Por isso, do que foi dito deve-se concluir que Deus
existe necessariamente (DESCARTES, 1999, p. 85).
Esta passagem é exemplar para entender o problema da imagem do pensamento
não somente no que toca à função dos pressupostos objetivos e subjetivos a uma
pedagogia dos problemas em Filosofia, mas também ao recurso do pensamento ao
transcendental. Descartes não prescindiu do recurso de decalcar o transcendental sobre o
empírico (DELEUZE, 2006, p. 209) para resolver o problema da dúvida, do pensamento
e da existência. Mais, ele não deixou de imprimir
os problemas e as questões sobre as proposições correspondentes, que servem
ou podem servir de respostas. Nós sabemos qual é o agente da ilusão; é a
interrogação, que, nos quadros de uma comunidade, desmembra os
problemas e as questões e os reconstituem de acordo com proposições da
consciência comum empírica, isto é, de acordo com verossimilhanças de uma
simples doxa (DELEUZE, 2006, p. 226).
Façamos, então, nosso resumo do que até aqui vimos com o nosso tema. Pensar
os problemas do ensino de Filosofia nos limites dos problemas da imagem do
pensamento significa:
1. Pensar os mecanismos do senso comum das faculdades e do bom senso para
o pensamento enquanto uma imagem;
2. Pensar o problema da identidade do conceito, assim como a circunscrição
traçada a este pela analogia dos juízos, pela oposição dos predicados e pela
semelhança da percepção.
3. Pensar o que pode ser um começo em Filosofia. Para isto, é preciso dar conta
do problema dos pressupostos objetivos (explícitos) e subjetivos (implícitos).
4. Pensar que além dos limites das instâncias e organismos do pensamento,
temos a moldura dos hábitos: Mores versus Mores.
5. Pensar as circunstâncias do pensamento sedentário (PS) e do pensamento
nômade (PN):
5.1 Ao PS, uma epistemologia (ênfase aos métodos, conceitos como atos de
conhecimento, conceito como extensão da abstração, da generalização,
do juízo, conceito proposicional, o significado subsume o sentido, o
pensamento como ressignificador);
5.2 Ao PN, uma nomadologia (ênfase às percepções, aos afetos, conceitos
como atos de pensamento, conceito como intensão [força] do
acontecimento, da singularidade, conceito não-discursivo, o sentido
subsume o significado, o pensamento como criador);
5.3 O sujeito, no PS, é sujeito de enunciados;
5.4 No PN, o sujeito é sujeito de acontecimentos;
5.5 No PS, os conceitos se formulam por extração, formando fragmentos,
estratos; os conceitos operam em espaços estriados de conhecimento;
5.6 No PN, os conceitos se formulam como variações que se combinam
formando devires, deslocam-se em espaços lisos de pensamento;
5.7 O jogo predileto e oficial do PS é o xadrez (códigos, funções intrínsecas
e predeterminadas, regras, espaço fechado, movimentos programados,
jogo do sujeito e sua universalidade) (DELEUZE, 1997, capítulo 12
―1227 – Tratado de Nomadologia: A Máquina de Guerra‖).
5.8 O jogo predileto do PN é o Go da antiga China (signos, relações
extrínsecas
de situações imprevistas, espaço aberto, movimentos
perpetuados no múltiplo das situações, jogo do anônimo e sua
singularidade) (idem, ibidem).
5.9 A imagem mores do PS é a cogitatio natura universalis. O pensamento é
inato e é sempre uma representação.
5.10 A nova imagem do pensamento, no PN, é a da Diferença. O
pensamento é genital, por isso mesmo, criação (Artaud apud Deleuze,
2006, p. 213-214).
5.11 O veículo dos conceitos no PS é a transcendência.
5.12 O veículo dos conceitos no PN é a imanência.
5.13 Objetivo do PS: o saber.
5.14 Objetivo do PN: o aprender.
Por ora, este breve quadro comparativo nos é suficiente. Voltemos, agora, àquela
pergunta que, acima, pedimos para guardar: De onde se partiria para pensar uma nova
imagem do pensamento? Até aqui o que fizemos foram apenas algumas distinções entre
a imagem moral ou dogmática do pensamento e o pensamento da diferença ou nova
imagem do pensamento, para os fins de pensarmos nossos problemas sobre ensino de
Filosofia com jovens adolescentes do ensino médio. Isto porque não se ensina Filosofia
sem se problematizar intensamente a própria Filosofia, ou seja, o pensamento.
Problemas com a imagem do pensamento para o fazer filosófico
Precisamos pensar sobre o quanto pode ser fácil ou muito difícil começar em
filosofia. Desnecessário dizer que o nosso contexto, aqui, é sempre o da sala de aula do
ensino médio, espaço não filosófico ou pré-filosófico. Que significação toma o começar
e, mais do que isso, o sentido e o iniciar o pensamento? Que compromissos ou descasos
selamos (nós, professores de filosofia) com esse começar? Vale ressaltar que a postura
de descaso é aquela que auxilia a afirmação dos vícios da imagem do pensamento,
enquanto que a postura de compromisso diz respeito ao esforço do pensamento a uma
nova imagem e, portanto, a um começar dissuadido das astúcias ou ingenuidades do
pensamento natural universal (cogitatio natura universalis) que tudo prejulga
(DELEUZE, 2006, p. 192) pelos princípios do inatismo, da universalidade, da verdade e
do bom senso.
Dentre os milhares de professores que lecionam Filosofia no ensino médio, pelo
menos alguns já devem ter percebido que um dos maiores desafios a ser enfrentado por
mestres e alunos no aprendizado da Filosofia (quiçá de outras disciplinas) é o de
desmontar a arquitetura do inatismo, da retidão e da naturalidade do pensamento que
nos deixa sem saídas a uma nova imagem do pensamento. Mas que não se conte de
fazer essa desmontagem apenas pela via morna da cognição e do raciocínio lógico caso de andar em círculos, caso de tomar a Filosofia por Matemática, Física ou
Química, ainda que a Matemática, a Física e a Química também reivindiquem novas
formas de aprender.
Como se poderia, então, começar se nunca se começa? A ortodoxia da imagem
moral do pensamento é nossa enseada, porto seguro, coragem indolente 7. Subjetividade
que dominamos ou pensamos dominar. Por isso nunca o começo. Além do mais, como o
teríamos se os pressupostos filosóficos não se libertam dos pressupostos pré-filosóficos?
A Filosofia não tem mais qualquer meio de realizar seu projeto, que era o de
romper com a doxa [...] E se a Filosofia remete a um senso comum como a
seu pressuposto implícito, que necessidade tem o senso comum da Filosofia,
ele que mostra todos os dias ser capaz de fazer uma Filosofia a sua maneira?
Duplo perigo, ruinoso para a Filosofia (DELEUZE, 2006, p 196).
Antonio Negri, que foi aluno de Deleuze, em seu artigo ―O pensamento que
resiste à ordem‖, publicado no jornal Folha de São Paulo quatro meses após a morte de
Deleuze, diz o seguinte sobre a doxa:
[...] quem trabalha com filosofia ou cultura, sabe muito bem que existe uma
espécie de "doxa" européia e atlântica, na qual a história do pensamento oportunamente assim classificada - continua funcionando como código de
interpretação do real. Este código é transmitido e ensinado nas boas escolas, é
critério para uma boa educação e essencial para prestar concursos e, hoje,
pouco a pouco está entrando e sendo consolidado na informática. Este código
não é banal, mas complexo: histórico e progressivo pode apresentar-se de
forma linear ou dialética, mostrar paradigmas diversos e conflitantes,
singularizar ou variar conforme as várias disciplinas do saber; mas de
qualquer forma o espetáculo montado é sempre o mesmo (NEGRI, 1996a).
Então ele conclui definindo doxa como
Um sistema ordenado de interpretação do mundo, uma "historia rerum
gestarum"8 consolidada, uma lógica do passado que justifica o presente e
pretende aprisionar o tempo futuro no seu sistema. [...] código, justificação
do presente, fechamento do futuro, conservação, pensamento das elites
dominantes. Polícia de ideias. [...] Uma vez que o pensamento único
reformou a interpretação do real reconduzindo-a à "doxa", porque não fazer
da polícia além de um órgão de administração também um órgão do
pensamento? (NEGRI, 1996a).
Este é o caso-problema da imagem do pensamento filosófica que se aliena nos
princípios do inatismo, da universalidade, da verdade e do bom senso. Por isso, para
7
Complacência da cogitatio natura, como dizia Deleuze (2006, p. 197).
Enquanto a res gestae é a própria realidade de uma época, o que de fato aconteceu, a rerum gestarum é
apenas o discurso científico do que aconteceu.
8
muitos professores (esperamos!) este é o problema maior, mais importante e
interessante a ser enfrentado, pois só através dele podemos fazer surgir um começo
radical à filosofia, uma educação filosófica. Não nos esqueçamos, porém, de que tal
começo é nada pacífico, extremamente constrangedor, minado de tensões, uma vez que
não se trata de mera performance da inteligência sobre os valores culturais.
Pode-se, então, perguntar: haverá ambiente para isto em meio a adolescentes
cursando o ensino médio? Queremos acreditar que, justamente, por se usar o espaço de
aula apenas como repetição de exercícios performáticos de raciocínio e crítica é que a
aula de filosofia tem sido pródiga em desencontros e impossibilidades. Há que se
admitir que os (as) professores (as) de filosofia na sua maioria não têm conseguido
escapar do que Negri chamou, acima, de ―código de interpretação do real‖. Deleuze
(2006, p. 198), por sua vez, lembra que Nietzsche já nos ensinara que a maior parte dos
exercícios inteligentes não fazem mal a ninguém; assemelham-se a inocentes jogos
ocupacionais, que alunos e professores executam bem ao modo de atitudes com efeitos
que não superam mais do que a própria ocupação. Tais performances só têm proveito
para corroborar o statu quo do pensamento natural universal, que em nossos dias serve à
neoliberalidade de um Estado que cede, cada vez mais, às diretrizes de economia e
mercado. Ave, ciência!, diria Nietzsche; Ave, Urdoxa!, ecoavam Deleuze e Guattari
(1992, p 105), denunciando que aí estão os professores e os chefes de escola produzindo
―atos de transcendência‖ (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 186), desapercebidos dos
verdadeiros conceitos que só aparecem na voragem da imanência.
O fato é, então, que os desencontros não emanam tão-somente da monotonia e
inocência daqueles jogos, mas do que se lhes prevê como fundo: pressupostos implícitos
ou subjetivos, que Deleuze dirá estão ―envolvidos num sentimento‖ (DELEUZE, 2006,
p. 189).
Subsumidos estão o Eu e o começo por esse sentimento que atende pelo
emblema ―Todo mundo sabe‖. Alunos e professores sabem, pressupondo, inúmeras
coisas, cuja maior parte é designada9 pela forma da representação (conceitos objetivos),
enquanto outra parte apresenta objetos que não possuem mais do que conceitos
implícitos (subjetivos). O Eu penso é o mesmo numa ou noutra situação. Os
9
O termo ―designada‖ é absolutamente necessário, uma vez que para Deleuze ―a relação de designação é
somente a forma lógica da recognição‖ (2006, p. 221).
pressupostos de Epistemon e Eudoxo10 estão mais próximos do que poderíamos
imaginar. Como diz Deleuze, os pressupostos subjetivos ou implícitos de Eudoxo não
são menos preconceptivos do que os pressupostos objetivos ou explícitos de Epistemon.
Portanto, eles ―são um mesmo homem enganador, de quem é preciso desconfiar‖
(DELEUZE, 2006, p. 191). Diremos, aquém de Deleuze, que precisamos mesmo é
desconfiar de tudo aquilo que engana a um e outro, afinal, todos nós somos um pouco
de Eudoxo, Poliandro e Epistemon.
De onde partimos para pensar uma nova imagem do pensamento
Conduzir o começo com suas necessidades e riqueza é como guiar a criança no
seu plano de novidades. Conduzir a criança ou a criação é muito mais orientar-se pela
concepção da necessidade do novo e não do prazer. Dir-se-á que a criança tem prazer
com estar absorta em brincadeiras. Não seria melhor dizer que ela tem necessidades? O
começo da criança (seu dia, seus encontros, momentos e brinquedos) é todo feito de
necessidades. Começar para ela é criar, mas é certo que ela não sabe de pressupostos
que lhe facultem o pensamento e a criação.
Precisamos considerar estes e outros aspectos do recomeço em Filosofia.
Recomeçar o pensamento, nossos encontros, o aprender. Talvez o saber seja caso de
prazer, mas aprender, com certeza, é caso de descobrir11, necessidade.
Como dizia Deleuze, ―O problema do começo em Filosofia foi sempre
considerado, com razão, como muito delicado, pois começar significa eliminar todos os
pressupostos‖ (DELEUZE, 2006, p. 189). Para nos libertarmos da imagem do
pensamento é preciso, antes de tudo, arrolarmos os postulados que precarizam as
10
Os personagens Epistemon, Poliandro e Eudoxo fazem parte de um diálogo escrito por Descartes,
provavelmente, por volta do final da primeira metade do século XVII. Nessa teatralização, Descartes
conserva várias questões importantes abordadas também nas Meditações. Uma que lhe é tão importante é
a ideia do inatismo, de uma luz natural da razão que carrega o bom juízo, e que para ele é mais valiosa do
que todo conhecimento que se possa adquirir. Eudoxo é o portador daquela ―luz inata da razão‖ e é quem
serve às teses de Descartes, enquanto Epistemon, o ―homem culto‖, ―é um estudioso erudito versado na
filosofia tradicional‖ (COTTINGHAM, 1995, p. 26). Poliandro é o homem com pouca instrução que
serve para confirmar ou não a eficácia dos argumentos de Eudoxo e Epistemon. Digamos que nossos
alunos são os ―poliandros‖ de hoje, frente a professores que ora se parecem com Epistemon, ora com
Eudoxo.
11
Sentido de ―retirar os véus‖ (alétheia, verdade como remoção de véus)
oportunidades de criação, as necessidades de recomeço. O pensamento (quid juris) só
pode recomeçando, crialçando-se12. Porque é o que lhe é de direito.
Neste plano de imanência e de afeto13 poderíamos iniciar por três postulados a
uma nova imagem do pensamento em contraposição aos oito postulados da imagem
dogmática do pensamento14: 1º) ―se ensina aquilo que se pesquisa e não aquilo que se
sabe‖; 2º ―que há um certo mistério, um certo enigma em qualquer processo de
aprendizagem‖; 3º) ―e que a atividade de pensar – e, portanto, o ensino ou a pedagogia
do pensar – não tem nada a ver com a solução de problemas e sim com a colocação de
problemas‖ (TADEU, 2005). É bastante razoável pensarmos que somente nestes três
pressupostos há uma multidão de agenciamentos e afetos.
Para fugirmos, definitivamente, das ambivalências excludentes, sobretudo dessas
que se instalam dentro dos pressupostos, pois são propensas a falseá-los, recorremos a
um artifício muito oportuno levantado por Deleuze e Guattari ao final de O que é a
filosofia? (1992, p. 279). Trata-se de considerar que a melhor pedagogia é aquela que
permite que a arte, a ciência ou a filosofia se mantenham dialogando com suas faces
antagônicas. Isto significa que a ciência necessita de seu lado não-científico, a filosofia,
da sua face não-filosófica, a arte, da não-arte. Tal situação nos abre uma visão
extraordinária para alguns problemas acerca dos agenciamentos e da pedagogia do
conceito, assim como ao problema central desta escrita, que diz respeito à imagem do
pensamento filosófica para o ensino de filosofia entre os jovens estudantes do ensino
médio. Isto porque se conseguimos escapar da ambivalência ―os pressupostos da
imagem dogmática do pensamento‖ e ―os pressupostos de um pensamento sem imagem
ou de uma nova imagem do pensamento‖, conseguimos ver de forma diferenciada o
problema do começo ou recomeço que falávamos acima. Significa que não corremos o
12
Nosso neologismo diz respeito ao pensamento dar-se a criar como a criança cria: alçando-se pela
necessidade e não pelo prazer.
13
Nossa própria pedagogia (autopedagogia), em que pelo modo de ver, ouvir e sentir as coisas podemos
aumentar ou diminuir nossas potências de agir, conforme nos dizia Spinoza.
14
Ao final do terceiro capítulo de Diferença e Repetição (DELEUZE, 2006, p. 239) Deleuze recaptula os
oito postulados que ―esmagam o pensamento sob uma imagem que é a do Mesmo e do Semelhante na
representação, mas que trai profundamente o que significa pensar‖ (ibid. p. 240). São eles: 1º) a boa
vontade do pensador e a boa natureza do pensamento; 2º) o senso comum como concórdia das faculdades
do pensamento e a distribuição desse senso comum que o bom senso se encarrega de realizar; 3º) a
recognição como modelo de acerto e o erro como falha da recognição; 4º) a representação só permite uma
diferença: aquela que se deduz da identidade do conceito, da analogia dos juízos, da oposição dos
predicados e da semelhança na percepção; 5º) o negativo ocasiona a determinação do erro, que só é
admitido como produto de fatores externos e não do próprio pensamento; 6º) a proposição e o que ela
designa subsume a verdade e o sentido; 7º) os problemas são imprimidos sobre as proposições e não
passam de mera contingência das soluções; 8) o aprender está subordinado ao saber e a cultura, ao
método.
risco de uma pedagogia do conceito, da percepção ou da nova imagem do pensamento
representar uma receita ou fórmula acabada, caso em que, por exemplo, apregoaríamos
―que a arte deve nos formar, nos despertar, nos ensinar a sentir, nós que não somos
artistas – e a filosofia ensinar-nos a conceber, e a ciência a conhecer‖ (DELEUZE;
GUATTARI, 1992, p. 279).
Considerações finais
A imagem dogmática do pensamento saúda o saber e ridiculariza a nova imagem
do pensamento. Esta última é quase uma nulidade, um escárnio, para a organicidade da
doxa, da Urdoxa, do mercado, do capital e da lei moral.
O modelo de escola que ainda vige no mundo, e que o nosso país copia de forma
ainda mais precária dos países mais desenvolvidos economicamente, cuida do aprender
apenas como um meio para alcançar o saber universal do mercado, do capital e da lei
moral que serve integralmente a estes dois.
O problema do pensamento para todos os professores, não somente de Filosofia,
não está ligado a nenhuma essência, mas à compreensão e sentido do que possui ou não
importância, do que é mais e menos perigoso ao fazer filosófico. Está ligado à
percepção do que é singular e o que é regular (generalização de coisas, acontecimentos
e pessoas); O problema do pensamento volta-se
à repartição entre o relevante e o ordinário, repartição que se faz inteiramente
no inessencial ou na descrição de uma multiplicidade, em relação aos
acontecimentos ideais que constituem as condições de um ‗problema‘. Ter
uma ideia não significa outra coisa; e o espírito falso, a própria besteira,
define-se, antes de tudo, por suas perpétuas confusões entre o importante e o
desimportante, o ordinário e o singular (DELEUZE, 2006, p. 269).
Desde que dimensionemos os riscos e os custos da imagem do pensamento ao
ensino de filosofia, poderemos responder se o que queremos é lecionar filosofia ou
aprender a pensar entre os alunos e com nós mesmos.
Com a nova imagem do pensamento ou, provisoriamente, com o pensamento
sem imagem, deviríamos vésperas e dias atuais15 com novas formas de ver, pensar,
sentir, ouvir, falar e agir.
15
Reportamo-nos, aqui, à nossa nota de rodapé nº 2.
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digital Disponível em: http://www.dossie_deleuze.blogger.com.br/ - Acesso em 12 dez.
2009).
_____. Mil platôs - capitalismo e esquizofrenia, vol. 2. Tradução de Ana Lúcia de
Oliveira e Lúcia Cláudia Leão. Rio de janeiro: Ed. 34, 1995b. (Edição digital
Disponível em: http://www.dossie_deleuze.blogger.com.br/ Acesso em 12 dez. 2009).
_____. Mil platôs - capitalismo c esquizofrenia, vol. 5. Tradução de Peter Pál Pelbart e
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Texto bilíngüe: latim e português. Campinas: Ed. CEMODECON, 1999.
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<Erro! A referência de hiperlink não é válida. em 20 mar. 2010.
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