1 MUSICALIZAÇÃO INFANTIL: EXPERIÊNCIAS PIBIDIANAS VIVENCIADAS COM UMA TURMA DO SEGUNDO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Adrielle Camila Oliveira de Rezende1 Mariele Schossler2 Morgana Kremer3 Orientadora Profª Drª Cristina Rolim Wolffenbüttel4 1. Introdução Esta comunicação apresenta um relato sobre nossas experiências vivenciadas como bolsistas do Programa de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) do subprojeto da Música da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) em uma escola municipal na cidade de Montenegro/RS. Sendo assim, a partir de nossas inserções na Escola Municipal de Ensino Fundamental Cinco de Maio e de nossas observações realizadas neste espaço, nos articulamos para realizar uma oficina de musicalização com uma turma do 2º Ano. Esta oficina é realizada de acordo com uma proposta teórica, que aqui é apresentada, e com o consentimento entre as partes envolvidas, sendo elas a direção da escola, nossa supervisão e coordenação, os estudantes e a professora da turma e nós, bolsistas. 2. Contextualização da escola e da turma escolhida A EMEF Cinco de maio, conforme seu Projeto Político Pedagógico dos anos de 2011, 2012 e 2013, está inserida em uma realidade global e local de desigualdade social e econômica, somando à escola o encargo de tentar auxiliar no processo de resolução das carências afetivas e econômicas dos estudantes. 1 2 3 4 Bolsista de Iniciação à Docência - Pibid 2014 – Uergs /Música-Campus Montenegro. Coordenadora de Área - Pibid 2014 – Uergs /Música-Campus Montenegro. 2 É nesta realidade que temos a responsabilidade de experimentar formas de melhorar o dia a dia dos alunos, por meio da Educação Musical, com o intuito de “entreter com fantasia e humor, a ponto de satisfazer a necessidade a qual eles têm direito: a necessidade de empolgação, tensão e relaxamento” (SOUZA, 2008, p.11). Nossas observações de aula e participações no cotidiano escolar não foram aceitas por todos os professores, portanto nos limitamos a propor iniciativas, como bolsistas, aos docentes que estavam abertos ao nosso trabalho, o que possibilitounos uma troca de experiências com estes, de modo que pudemos realizar uma tentativa de sintonização de objetivos. Entre as várias turmas que observamos, a do 2º ano foi a que mais nos chamou a atenção, visto que perambulavam diversos comentários pela escola a respeito do comportamento dessa turma. A partir daí, surgiu um interesse de fazer alguma atividade com esses estudantes, o qual ficou ainda maior quando a professora da turma veio até nós, enquanto observávamos o ensaio da banda marcial da escola, nos pedindo para desenvolvermos alguma oficina com as crianças. 3. Planejamento das atividades Baseando-se em nossas observações realizadas tanto dentro quanto fora da sala de aula, engajamo-nos em desenvolver uma proposta que fosse capaz de contemplar a todos os estudantes da turma escolhida, que foi o 2° ano do Ensino Fundamental, onde a faixa etária dos alunos varia entre 8 e 9 anos. Segundo Piaget (1990), a infância é uma atividade contínua de estruturação do pensamento e que, com a absorção de conteúdos, vai construindo novos esquemas de ação. Kebach (2013, p. 13) dirá que “se proporcionarmos desde cedo interações entre a criança e a música, estaremos contribuindo para que ela construa precocemente seu pensamento em relação aos elementos que compõe a linguagem musical.” Por isso, reafirma a compreensão que devemos ter sobre a representação da música para as crianças no ambiente escolar “para que possamos proporcionar uma interação musical diversificada, colocando as crianças em contato com a pluralidade cultural existente (...)” (2013, p 14). Kebach expande: Progressivamente a criança integra a música às demais brincadeiras e jogos, conferindo significados simbólicos aos objetos sonoros ou 3 instrumentos musicais e à sua produção musical. Ela se torna capaz de interiorizar suas ações musicais, diferenciando objetos de seus representantes, libertando o pensamento do controle exclusivo da percepção. Na construção da inteligência, novos esquemas adquiridos vão sendo integrados às estruturas já existentes, exigindo uma reorganização do que já estava constituído num patamar superior, o que permite á criança maior ação sobre o meio. (KEBACH, 2013, p. 15). Brito (2003, p. 19), diz que “a percepção, a discriminação e a interpretação de eventos sonoros, geradores de interações com o entorno, têm grande importância no que diz respeito à formação e permanente transformação da consciência de espaço e tempo”, o que fundamenta o objetivo de um trabalho de musicalização. Não é somente ensinar os estudantes a executarem um instrumento com extrema perícia, mas sim, explorar o mundo sonoro baseando-se na formação e trabalho com a presença (som) e ausência do som (silêncio) (BRITO, 2003). Independentemente do seu papel dentro da sociedade, a música exerce forte atração sobre os seres humanos, fazendo mesmo que de forma inconsciente que nos relacionemos com ela, muitas vezes quando a ouvimos começamos a nos familiarizar, movimentando o corpo ou cantarolando pequenas partes da melodia. As crianças quando brincam ou interagem com o universo sonoro, acabam descobrindo mesmo que de maneira simples, formas diferentes de se fazer música (SOUZA; JOLY, 2010, p. 98). A partir desses princípios, a finalidade determinada para o nosso trabalho se dá pensada em proporcionar aos estudantes uma interação com os elementos musicais, desde a apreciação musical, o conhecimento dos parâmetros sonoros, por meio do uso dos objetos sonoros presentes no cotidiano de sala de aula, do uso da voz, a utilização do corpo com seus sons e movimentos, gerando assim, um significado musical (SOUZA; JOLY, 2010). Outra preocupação nossa está relacionada ao fato de não existirem muitos espaços no ambiente escolar, por meio dos quais os estudantes poderiam ter a oportunidade de se expressarem de diferentes maneiras. Portanto, um dos nossos objetivos é permitir que os alunos se expressem por meio da música (Souza, 2008), experimentando e improvisando com o corpo e sons vocais, conforme explica Zagonel: O gesto corporal pode ser um elemento importante para a emissão do som. A partir dele é que se chega a fazer música, sempre considerando a capacidade criativa e a espontaneidade da pessoa, 4 incitando à invenção sonora e gráfica por meio da expressão de seus gestos. A criação musical deve ser o ponto central do processo de ensino-aprendizagem ou de prática musical. Mais do que o aprendizado ou a execução perfeita de exercícios e músicas, o importante é propiciar, por meio da musicalização, modificações internas que levem ao crescimento do indivíduo5 (2011, p. 17). Também consideramos importante estabelecer um diálogo com as crianças, buscando ouvir e conhecer suas vivências musicais, bem como suas ideias e expectativas para as aulas. De acordo com Souza (2008), as aulas de música não deveriam se orientar apenas pelo gosto do educador, mas também incluir no planejamento as experiências cotidianas dos estudantes, para que os mesmos possam se identificar com a disciplina e, valorizar sua própria cultura. Considerando ainda os comentários apontados em relação ao comportamento da turma, pensamos em trabalhar ao longo das aulas os valores humanos, tais como o respeito, a solidariedade, a cooperação, entre outros. Nesse sentido, Souza e Joly contribuem afirmando que Nas aulas de música em grupo são trabalhados aspectos como, por exemplo, o respeito pelos colegas, a cooperação que as atividades realizadas em coletivo exigem e a união da turma na busca de alcançar objetivos que sejam comuns a todos (SOUZA; JOLY, 2010, p. 101). A partir da proposta teórica em qual nos baseamos, e do consentimento das partes envolvidas, sendo elas a direção da escola, nossa supervisão e coordenação, os estudantes e a professora da turma, e nós, bolsistas, iniciamos a oficina de musicalização no mês de outubro de 2014, tendo disponível para isto uma hora semanal do turno regular de estudo da turma, com a participação da professora. 4. Desenvolvimento das atividades Após observações do contexto de relações existentes na turma e do planejamento, partimos para a primeira aula de nossa oficina. O primeiro passo foi nossa apresentação e uma conversa aberta com os alunos, para que conhecêssemos seus nomes, idades, gostos musicais, onde todos tiveram oportunidade de falar livremente e de optar em não falar. Apenas um aluno não quis participar da atividade, sendo-lhe reservado este direito. 5 Grifo da autora. 5 Nosso questionamento aos alunos em relação ao gosto musical é, para nosso trabalho, mais profundo do que somente dados de preferências, porque nas respostas dos estudantes passamos a conhecer um pouco mais de suas realidades, tanto na escola, quanto fora dela. É importante lembrar que a partir dessa interrogação, conhecemos mais sobre as relações de amizade presentes dentro da turma e pudemos ter uma breve ideia de como se dão suas relações cotidianas familiares. É claro que, para se confirmar muitas dessas afirmações, são necessários estudos mais aprofundados a respeito, e este não é nosso objetivo pontual no momento. Convidamos a professora da turma para participar das atividades, pois para os estudantes, ela se torna uma referência durante as atividades, podendo se tornar facilitadora do processo, a também podendo construir, juntamente com seus alunos, um conhecimento musical. A opção da professora foi de não participar das atividades, ficando presente na sala, onde poderia registrar em fotos e vídeos as atividades e controlar o comportamento dos alunos. Tradando-se deste último, o comportamento dos estudantes, percebemos que o grande problema de convivência se dá por causa de que todos costumam falar ao mesmo tempo, falando muito alto, muitas vezes causando um grande mal estar entre eles, pois acabam falando sem serem ouvidos, devido ao acúmulo de falas que acontecem simultaneamente. As atividades que viemos realizando são todas de cunho participativo e de exploração sonora (presença e ausência de som). Prezamos por atividades que envolvem o gesto, o ritmo e o som em um mesmo movimento, como atividades de percussão corporal e de músicas cantadas com percussão gestual relacionada. Essas atividades foram muito bem aceitas pelos alunos, pois, como são feitas inteiramente por eles, sendo eles mesmos quem cantam e percutem, faz com que se sintam incluídos, constituindo um processo onde os estudantes são o centro insubstituível. No trabalho dos parâmetros sonoros, sendo eles a altura, a duração, a intensidade e o timbre dos sons, fizemos atividades que necessitavam mais do silêncio e da atenção dos alunos, que puderam ser relacionadas com atividades de relaxamento. Nesta atividade, utilizamos de artifícios como a imitação de sons de animais, o que foi impressionante e diferente para os alunos, bem como a utilização dos objetos presentes na sala de aula, para aproximar a musicalidade do dia a dia. Solicitamos também para eles que estudassem em casa os sons que os objetos 6 produziam, e que tentassem discernir se estes eram agudos ou graves, fracos ou fortes, longos ou curtos. Em uma atividade em que lhes foi solicitado que fechassem os olhos para identificar sons, eles nos disseram ter reconhecido vozes dos colegas enquanto falavam e também sons cotidianos, como alguém varrendo o chão do pátio. A partir disso pudemos explicar a eles o parâmetro dos timbres, que é o que permite que eles percebam qual objeto, instrumento ou voz está produzindo determinado som. A partir do estudo dos parâmetros, percebemos que alguns alunos simplesmente, antes mesmo de ouvir determinado som para tentar classificá-lo, citavam uma resposta aleatória, enquanto outros já possuíam o costume de ouvir o som e posteriormente dar uma resposta condizente com o que ouviu. Em outra aula, levamos em uma caixinha de som de volume bem baixo músicas eruditas contemporâneas, e, passando de ouvido em ouvido, pedimos que ouvissem e tentassem imaginar o que poderia estar acontecendo se essa música fosse trilha sonora de um filme ou de um momento cotidiano. Ao questioná-los em grupo a respeito do que ouviram, alguns que ouviram Clair de Lune de Debussy, disseram que ouviram música de piano ou música de casamento, enquanto alguns colegas copiaram e repetiram respostas, outros disseram ter ouvido outros instrumentos, que não faziam parte da música, como violão e flauta. Isso demonstra, também, a tentativa de criar respostas que não foram dadas de um lado, e a falta de conhecimento da sonoridade de alguns instrumentos que necessitam ser trabalhadas, de outro. Em outra música, também foram citadas impressões geradas pela apreciação, como a sensação de que aquela música poderia ser de aventura, entre outras respostas. Essa vertente da apreciação musical, bem como do canto e da sonorização de histórias ainda não muito trabalhadas com a turma, são propostas de trabalho nos próximos encontros para continuar desenvolvendo com os estudantes um contato prático com a música e com seus elementos e particularidades. 5. Conclusão É importante dizer que as atividades de musicalização realizadas nas oficinas têm oportunizado, em igual proporção, o entendimento do conteúdo pelas crianças bem como o aprimoramento de nossa prática docente, principalmente em termos didáticos. Isso porque aprendendo a entender as características de aprendizado 7 individuais de cada um, conseguimos pensar em meios que facilitem a compreensão do conteúdo, inclusive favorecendo uma maior interação entre as crianças, de maneira que elas se ajudem mutuamente na assimilação das atividades, criando individual e coletivamente caminhos para tal. Um exemplo do que é dito aparece em um dos exercícios que propomos à turma. Em uma atividade sobre parâmetro sonoro, ao pedir que as crianças fechassem os olhos para escutar os sons que eram emitidos ao entorno, duas delas sentaram-se em posição de meditação e ali permaneceram em um inédito silêncio. A maioria também se manteve em silêncio, entretanto nota-se neste exemplo a tática utilizada que se dá por meio de uma associação com o símbolo. A figura de uma pessoa meditando é a imagem representativa do silêncio na imaginação das crianças e por elas é reproduzida com a finalidade de se atingir a resposta do exercício proposto. Com este exemplo entendemos a importância da atenção a cada pequeno gesto da criança quando convidada a refletir sobre uma temática, pois são estas reações que vão colaborar com a inovação na prática docente. A atenção do docente, bem como sua atualização sobre ferramentas teóricopráticas que fomentem o seu aperfeiçoamento, valorizarão a liberdade e o espaço da criança no ambiente escolar, criando condições para que ela se desenvolva. Afinal é a própria criança que fornecerá subsídios á criatividade do educador em sua prática. 8 REFERÊNCIAS BRITO, Teca Alencar. Música na educação infantil. São Paulo: Peirópolis, 2003. KEBACK, Patrícia Fernanda Carmem (ORG.). Expressão musical na educação infantil. Porto Alegre: Mediação, 2013. PIAGET, Jean. Epistemologia genética. São Paulo: Martins Fontes, 1990. EMEF CINCO DE MAIO. Projeto Político Pedagógico. Montenegro: Prefeitura Municipal de Montenegro, 2011, 2012 e 2013. SOUZA, Carlos Eduardo de; JOLY, Maria Carolina Leme. A importância do ensino musical na educação infantil. Cadernos da pedagogia. São Carlos, Ano 4 v. 4 n. 7, p. 96 – 110, jan. – jun. 2010. SOUZA, Jusamara (Org.). Aprender e ensinar música no cotidiano. Porto Alegre: Sulina, 2008. ZAGONEL, B. Brincando com música na sala de aula: jogos de criação musical usando a voz, o corpo e o movimento. Curitiba: Ibpex, 2011