EDITORIAL
SUMÁRIO
PERFÍL
CORREIO LEITOR
CALEIDOSCÓPIO EM FOCO REPORTAGEM
OPINIÃO ENSAIO
CRÓNICA
ENTREVISTA
SP
TÉCNICA
01.
01. Anel Saphorin da Versace
02. Anel de compromisso, em
esmalte verde e negro, com um
diamante em bruto montado em
caixa. séc.XV
03. Rafael. (1483-1520): ‘O Casamento da Virgem’, vendo-se São
José a entregar-lhe o anel, 1504.
02.
Anéis.
Princípios sem fim
Por Marionela Gusmão
Pequeno aro de metal ou de outra matéria, o anel é uma jóia muito antiga – um objecto de culto que pela
sua configuração simboliza um princípio sem fim e que tem uma riquíssima história milenar.
N
a China, o anel simbolizava o ciclo indefinido
O anel na civilização romana acompanhou as transformações da vi-
sem solução de continuidade. Vários
da social. No século II da nossa era, o anel de ouro foi introduzido
museus que conservam peças do antigo
nos esponsais como símbolo de fidelidade. E, muito mais tarde, um
Egipto possuem numerosos e variados
missal do século XI contém duas ladaínhas diferentes para a
anéis que mostram a importância deste
bênção dos anéis nupciais. O anel nupcial, tal como o anel do bis-
ornamento naquela civilização. Também
usados na Grécia antiga como selo ou sinete,
os anéis encontrados em
vários túmulos, no
po ou do papa, é o sinal de uma aliança ou de um voto.
Salientamos que a tradição indica que os noivos, no acto do casamento, devem trocar anéis. Esta troca significa e evoca, sob o plano
Bósforo, têm a forma de aros de ouro com pedras gravadas.
espiritual, a relação que se estabelece entre eles em dois sentidos
Segundo Gaston Oerfberr, o aro com pedras que constitui o anel é
opostos, isto é, uma dialética duplamente subtil em que cada um
uma invenção oriental que só se divulgou na Grécia, e depois em
dos cônjuges se torna mestre e escravo do outro.
Roma, por volta do século VI a.C. As pedras mais usadas eram o
O anel simboliza no Cristianismo a ligação fiel livremente aceite.
onix, jaspe, ametista e cornalina. O aro era, então, em ouro, ferro,
Ele está ligado ao tempo e ao cosmos. O texto de Pitágoras diz:
âmbar ou marfim.
«Não coloqueis a imagem de Deus sobre o vosso anel», mostrando
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04.
Anéis
que Deus não deve ser associado ao tempo. Este conceito tem duas
todas as forças do mal. Assim, o diamante valia mais pelo seu
interpretações: uma bíblica (não evocar o nome de Deus em vão) e
poder mágico do que pela sua natureza. Ainda nessa região da Ásia
outra ética (manifestação de uma existência livre e sem entraves).
meridional, a cor do diamante reflectia a casta de quem o usava, e
Os primeiros cristãos, à imitação dos gentios, usavam aros nos de-
já os mais brancos tinham cotação muito elevada.
dos e Clemente de Alexandria aconselhou o uso de anéis com ima-
O diamante (cujo nome vem do grego ‘adamas’, que significa in-
gens de pombas, de peixes ou de âncoras. No aspecto esotérico, cer-
vencível) foi eleito, pela sua perenidade como símbolo do compro-
tos autores garantem que o aro possui poderes mágicos. Em
misso para toda a vida. Desde o brilho suave do diamante em bru-
qualquer caso, usar um anel é abrir uma porta, entrar «num caste-
to, do Renascimento, até à incrível pirotecnia de elegante
lo, numa caverna, no paraíso…».
sofisticação do século XXI, o anel de diamantes é como um círculo
O anel de diamantes é como um círculo encantado sem fim;
é o presente que melhor testemunha o amor eterno e a lealdade entre homem e mulher e que sela as promessas feitas
Anéis e diamantes no matrimónio
encantado – o presente que melhor testemunha o amor e a lealdade
Oferta tradicional na Antiga Roma, o anel, símbolo do ciclo da vida
entre um homem e uma mulher, o que, com maior rigor, sela as
e da eternidade, funcionava como o juramento público entre o
promessas feitas que culminam no casamento.
homem e a mulher. Os cristãos adoptaram este costume e foi assim
Nos tempos medievais, as classes mais elevadas casavam-se com
que o anel passou a fazer parte da cerimónia matrimonial. Contu-
anéis de pedras preciosas. No século XV, o diamante, símbolo da fi-
do, só no século XV o significado de eternidade conferido ao anel
delidade conjugal, devido à resistência ao fogo e ao aço, passou a
foi reforçado pelo diamante, símbolo da fidelidade conjugal.
fazer parte do ritual do casamento, tornando-se vulgar nos anéis de
No entanto, lendas sobre as propriedades místicas do diamante
noivado das classes médias elevadas.
04. Lorenzo Lotto. ‘Casamento de Messer Marsílio e Sua
foram passando de gerações. Centenas de anos a.C., na Índia, onde
Assim, encontramos uma carta escrita, em 1477, pelo arquiduque
Noiva’; o par está retratado no momento da colocação
os diamantes foram primeiramente encontrados, acreditava-se que
Maximiliano, antes do seu noivado com Maria de Borgonha, que
do anel, sob os olhares amorosos de Cupido
esta pedra preciosa protegia das cobras, veneno, doenças, ladrões e
diz: «Nos esponsais, Sua Graça deve usar um anel com diamante e
01. Anéis Looping da Mauboussin
02. Casamento de Rainier e Grace do Mónaco
03. Anel de compromisso com diamantes séc. XVIII
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Anéis
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01. Anéis Audemars Piguet
SP
03.
02. Casamento de Carlos e Diana
03. Hans Ewort. Retrato de Maria
Tudor – rainha que desdenhou dos
anéis de compromisso quando casou
com Filipe II de Espanha, mas no retrato ostenta anéis de diamantes
01.
02.
também um anel de ouro».
dor. Todas as damas elegantes gostavam de aparecer com os seus de-
De formação octaédrica (oito faces), com duas pirâmides unidas
dos ostentando diamantes que podiam ser brancos ou de ligeira cor.
pela base, o diamante era montado com a pirâmide de baixo com-
Nenhuma outra pedra tinha o carisma do diamante e foi por isso que
pletamente escondida na cravação do anel, sobressaindo ostensiva-
ele se converteu no cúmplice favorito da mulher em sociedade.
mente a pirâmide superior. As quatro faces desta última, que fi-
Para satisfazer o desejo do brilho, as técnicas de polimento foram,
cava a descoberto, reflectiam a luz. A estrutura destes diamantes
uma vez mais, aperfeiçoadas. O talhe em forma de rosa foi ultra-
correspondia ao simbolismo das pirâmides egípcias. Acreditava-se
passado pelo corte do brilho redondo. Nos meados do século XVIII,
frequentemente que debaixo das pirâmides estava enterrada a ou-
o desenho das jóias, em geral, e naturalmente, dos anéis, acusou a
tra metade – a parte do demónio – com as mesmas formas e pro-
influência do despreocupado espírito ‘rocaille’. As pedras passaram
porções exactas.
a estar cada vez mais em foco. O tema dos corações surgiu em
Longe de se sentirem constrangidos pelo peso de engastes fecha-
muitas variantes, engastados com diamantes brancos e amarelos,
dos, os ourives usaram a imaginação e a visão apaixonada nos seus
atravessados por flechas aos pares, coroados ou atados por laços.
desenhos para enaltecer o prestígio do diamante. Estas pedras eram
A partir de 1770 esses símbolos foram substituídos por declarações
gostavam de aparecer com
os seus dedos ostentando
anéis com pedras preciosas
diamantes – ‘recordação,
então encastoadas, em anéis cada vez mais elaborados como, por ex-
de amor sublinhadas por letras em
emplo, rosáceas, letras do alfabeto e a flor de lis (símbolo da virgem),
amizade, amor’ – em cravações planas, esmaltadas de azul escuro e
afinal um emblema apropriado para uma noiva jovem e inocente.
emolduradas de pérolas ou diamantes de talhe em rosa. Bonita, deli-
No interior dos aros dos anéis foram-se inscrevendo pequenos po-
cada, colorida, a joalharia feminina deste tipo era a forma perfeita de
emas. Surgiram os chamados anéis ‘poesie’ onde as palavras secre-
expressar a elegância e o gosto requintado da época do séc.XVIII.
tas de amor eram, muitas vezes, decoradas com rosas envolvidas
Os anéis de compromisso, percursores das alianças de diamantes
em raios solares realçados por vivos esmaltes. Existem muitos ex-
que se oferecem actualmente como símbolo de amor eterno, eram
emplos de mensagens gravadas nos anéis.
os mais apreciados. Os anéis protectores, também com diamantes,
Brilhos e rebrilhos do século XVIII
criados para se usarem sobre o precioso anel de compromisso,
Para os mais abastados e instruídos, o século XVIII proporcionou
tornaram-se muito populares.
uma cintilante constelação de anéis de noivado e casamento. A des-
Os múltiplos estilos do século XIX
coberta de diamantes no Brasil aumentou enormemente a sua ofer-
No início do século XIX, a mulher frágil e adorada, venerada até,
ta. Por outro lado, as jóias com diamantes foram-se tornando mais
encontrava-se firmemente instalada no seu pedestal. As jóias com-
atraentes.
binavam perfeitamente com a sua idealizada posição social. Eram
Ao mesmo tempo, a melhoria da luz das velas contribuíu para o
belas, femininas, sentimentais.
acréscimo dos acontecimentos nocturnos, ocasião privilegiada para
Símbolos de amor, corações, coroas e flores ultrapassaram o sécu-
estas pedras reluzentes se darem a apreciar no seu máximo esplen-
lo anterior e seguiram a mulher. O mesmo aconteceu com o anel
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Todas as damas elegantes
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Anéis
comemorativo. Anéis executados em primoroso detalhe, alber-
Diferente do antigo estilo de cravejamento, que cobria tudo menos
gavam os retratos dos amados. Mechas dos seus cabelos ou de cri-
a ‘mesa’ da pedra, onde as imperfeições podiam passar desaperce-
anças carinhosamente adoradas, usavam-se ocultas em relicários,
bidas, a montagem da Tiffany constituíu um teste delicado à quali-
broches e anéis.
dade do diamante (corte, cor e pureza).
Mas, paralelamente a este apelo ao sentimento e à delicadeza, a
Durante o próspero séc. XIX ninguém usufruíu mais da joalharia
joalharia do século XIX era também uma importante forma de sim-
que a rainha Victória, personagem que possuía uma enorme
bolizar o ‘status’. A Revolução Industrial enriqueceu muita gente.
colecção de jóias criadas por Garrard. Em 1850, a colecção da rai-
Os homens de negócios bem sucedidos mostravam publicamente
nha Victoria foi valorizada com o ‘Koh-I-Noor’ (‘Montanha de Luz’),
o seu novo riquismo carregando as mulheres de jóias. Assim, o dia-
então o maior diamante do mundo, que lhe fora oferecido pela
mante cotizou-se cada vez mais. Em 1870, com a grande descober -
‘East India Company’.
ta das minas de diamantes do continente africano, a procura
O século XIX trouxe grandes mudanças no desenho da joalharia.
igualou a oferta. O diamante, como símbolo de ‘status’, passou a
Inicialmente, a sua inspiração baseava-se nos sentimentos delica-
ser acessível a um leque mais vasto de consumidores.
dos e imaginativos da época pós-revolucionária. Por altura de 1860,
Para os casais mais novos, a escolha do diamante de compromisso
as mulheres dóceis, até aí colocadas num pedestal inofensivo,
recaía, normalmente, sobre o solitário ou sobre uma combinação
reclamaram o direito ao voto, à educação e às novas liberdades. A
de várias pedras mais pequenas. Por esta época estava estabelecido
joalharia, correspondendo a este espírito, tornou-se vasta, arrojada
que a noiva podia esperar dois anéis: um de compromisso, com
e atrevida. No final do século emergiu um espírito de livre pensa-
uma pedra preciosa, e outro idêntico ao actual anel de casamento
mento romântico e a Arte Nova trouxe de volta ao desenho uma
que, no período vitoriano, não era mais do que uma fina argola de
flexível delicadeza. Durante todas estas mudanças, a beleza res-
ouro. Catálogos da especialidade desse tempo testemunham a
plandecente e a indestrutibilidade do anel de diamante conti-
grande variedade de desenhos (muitos dos quais ao preço de duas
nuaram a ser o mais importante símbolo de amor e felicidade.
libras): solitários, meios aros, grupos simples ou duplos, leques,
Actualmente, a joalharia é pródiga na criação de anéis ao sabor dos mais
painel, ‘navette’, entrecruzados ou ainda o anel de duas partes co-
intímos desejos do séc. XXI e é escolher na Maubossin, na Versace e
mo o ‘tu e eu’.
noutras grandes marcas de prestígio o modelo que mais agrada com a
O corte em brilhante era o mais apreciado. A um lapidador
ideia segura de que um anel é sempre um princípio sem fim.
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03.
JEAN & MONTMARIN
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a beleza esconde-se
PLACE VENDÔME
onde menos se espera.
veneziano, de nome Peruzzi, foi atribuída a primeira versão de 58
facetas, mas só no século XIX o brilho e o poder do diamante
foram completamente revelados.
O novo e rico abastecimento de diamantes brutos influenciou o desenho. Assim, os realces passaram a ser dados ao anel e também à
própria pedra. O solitário (diamante polido e facetado), tornou-se o
top da moda e a forma revolucionária de o encastoar, da autoria da
casa Tiffany, é hoje a mais universal.
Actualmente, a joalharia é
pródiga na criação de anéis
ao sabor dos mais intímos
desejos do novo século XXI
Os famosos joalheiros Tiffany, de Nova Iorque, inventaram uma
relógio lady m
cravação espectacular onde a pedra fica suspensa por seis garras
minúsculas. Esta cravação permitiu a exposição à luz de cada faceta da pedra, obtendo-se assim um fascinante jogo de luminosidade.
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01. 02. 03. e 04. Anéis da colecção Golden Diamonds, Chopard
ALMANSIL: alberto felício joalheiros
BRAGA: ourivesaria tesouro da sé
CASCAIS: torres joalheiros
COIMBRA: 17 horas joalharia LEIRIA: carlos joalheiros
LISBOA: torres joalheiros, lazuli joalheiros, morais joalheiros, severino relojoeiros
MAFRA: dona jóia
PORTO: ferdior jóias
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