OLHARES SOBRE A OBRA DE MARCEL DUCHAMP - A MÁQUINA
DE IDÉIAS, O ANTÍGENO ARTÍSTICO, O ARTÍFICE INTERTEXTO –
UM PENSADOR NA ARTE
Milena Guerson
Licenciada em Artes-UFJF
Especialista em Ensino de Artes Visuais-UFMG
Mestranda em Estudos Literários/Teoria da Literatura-UFMG
[email protected]
Resumo:
Abstract:
Este trabalho consiste em um estudo
básico sobre a obra de Marcel Duchamp,
ressaltando sua inserção no panorama
artístico da modernidade, e a herança
disseminada
para
o
pensamento
contemporâneo em arte. São destacadas
as obras Nu descendo uma escada n°2
(1911-1912), A noiva despida por seus
celibatários, mesmo, ou Grande vidro
(1915-1923) e a Caixa verde (1934), assim
como há considerações sobre a realização
dos Ready-made e os desdobramentos da
arte conceitual.
Ce travail consiste en une étude de base
sur l’œuvre de Marcel Duchamp, en
soulignant son insertion dans la scène
artistique de la modernité, l'héritage et la
diffusion de la pensée contemporaine dans
l'art. Les travaux qui sont mis en évidence
sont: Nu descendant un escalier n°2 (19111912), La Mariée mise à nu par ses
célibataires, même, ou Grand Verre (19151923) et La Boîte verte (1934), ainsi comme
il y a des considérations sur l'exécution du
Ready-made et les développements de
l'art conceptuel.
Palavras-chave:
Mots-Clés:
Duchamp, pintura, arte conceitual
Duchamp, Peintre, l'art conceptuel
Final do século XIX e início do século XX, Belle époque, apesar da confiante
ambiência européia, em prol do progresso econômico-social, estão estabelecidos os
patamares para uma crise no modelo capitalista. Ao considerarmos a expressão “corrida
imperialista” designando o acirramento da busca de posses/territórios, devido às práticas do
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capitalismo monopolista, percebemos também o desdobramento de inumeráveis conflitos,
que convergem para o que vem a ser a Primeira Guerra Mundial. Nesse contexto é que
encontramos Marcel Duchamp (1887 – 1968), mais que um ser humano no sentido estrito do
termo, um artista; e embora um antípoda da idéia de gênio artístico, um dos pioneiros a
trabalhar com a “consciência da arte” (VENÂNCIO FILHO, 1988).
A Primeira Guerra não é fator que influencia diretamente a obra de Duchamp, haja
vista ser avesso à realização de arte pelo sentimento, trazendo consigo ideais calculistas.
Segundo a abordagem de Venâncio Filho (1988), Duchamp não gosta e nem desgosta das
coisas em geral, há indiferença, há também a negação da habilidade do fazer artesanal, e até
mesmo da pesquisa plástica em pintura, apregoada pelas vanguardas. Duchamp tem
participação nos domínios artísticos da modernidade, mas torna-se, de certa maneira,
precursor e propulsor do pensamento artístico contemporâneo:
Foi ao mesmo tempo discreto e polêmico, reservado e escandaloso, disperso e
rigoroso. Talvez ele tenha realizado de maneira deliberada e calculada a cisão
apontada pelo poeta T. S. Eliot entre ‘o homem que sofre e o artista que cria’.
Levou essa cisão a um limite. Deixando Paris, assumindo pseudônimos,
travestindo-se, inventando o ready-made, Duchamp nada mais fazia que separar-se
de si mesmo. (...). Tornava-se, por assim dizer, um dispositivo artístico (VENÂNCIO
FILHO, 1988, p.9).
Duchamp não se mostra como um artista engajado, na busca de soluções diante dos
conflitos com o mundo circundante, mas nos remetemos à Europa, para percebermos o
Duchamp que, nascido na Normandia e, certa feita, indo estudar em Paris, nasce também
como pintor, partindo do ambiente familiar: “De família culta, tendo dois irmãos mais velhos
já artistas – eram ao todo seis – ele cresceu em um ambiente apropriado e estimulante. Dos
15 aos 24 anos dedicou-se à pintura” (OSÓRIO, 2008). E deixando para trás uma trilha
artística tradicional, constituída por um artista tradicional, decide, sob postura centrada,
estabelecer um “código” para seu trabalho, a partir de experiências que veio a ter com a
Instituição Arte. “Não se trata somente de inovar, transformar, revolucionar. Trata-se de
encontrar um código, estabelecer um modo de comportamento estrito e intransponível.
Mesmo que seja um anticódigo. Foi isso que Duchamp, antes de tudo, realizou” (VENÂNCIO
FILHO, 1988, p.10).
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Não se trata de simplesmente ceder ao espírito da vanguarda, ou à tendência
progressista e evolucionista da História da Arte; para se falar de Duchamp, não se pode ter
como base as comuns concepções abordadas no campo da Arte com “A” maiúsculo, e sim,
torna-se imprescindível aplicar como sustentáculo o questionamento dessas referidas
concepções, gerando um campo que compactua com a própria atitude duchampiana:
“Cubista sem ter conhecido Picasso ou Braque, colocou em crise o cubismo analítico com seu
quadro Nu descendo uma escada. Surrealista antes do surrealismo, dadaísta antes do
dadaísmo, confundido como futurista, Duchamp circulou, ora indiferente, ora atuante, nos
mais importantes movimentos artísticos do século. Foi um pouco de tudo e muito dele
mesmo” (VENÂNCIO FILHO, 1988, p.11-12).
Para Compagnon (2010) a modernidade se constitui por uma tradição feita de
rupturas, ou seja, cada novo começo termina, uma geração rompe com a outra, acarretando
que a modernidade incorra em um paradoxo ou aporia, pois se o moderno é “negação da
tradição”, é também “tradição da negação” ou “negação da ruptura.” E Compagnon (2010,
p.12) propõe que, se o moderno trata de “rupturas irrecuperáveis”, e a visão da História da
Arte é progressista, artistas que primeiro propuseram ideais de modernidade seriam
constantemente desbancados. Defende, então, que “deveríamos fazer uma história
paradoxal da tradição moderna, concebida como uma narrativa esburacada, uma crônica
intermitente.”
Dessa Maneira, longe de especificações sobre movimentos artísticos, pelo estudo de
suas principais características, para falar de Duchamp é preciso entender uma arte que
desestabiliza e estabelece a si mesma, em um ciclo dialético: “Para Duchamp, a arte, todas as
artes, obedece à mesma lei: a meta ironia é inerente ao próprio espírito. É uma ironia que
destrói sua própria negação e, assim, se torna afirmativa” (PAZ, 2002, p.11). Temos a busca de
uma arte conceitual, diante de uma postura intelectiva.
Para Compagnon (2010, p.20), “nossa concepção moderna de um tempo sucessivo,
irreversível e infinito tem por modelo o progresso científico ocidental, desde a Renascença,
com a abolição da autoridade e o triunfo da razão.” E apregoa que “recorre-se (...) à
generalização sociológica mais grosseira sobre a situação histórica do espírito moderno:(...)”
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(2010, p.49). A partir de uma História da Arte pautada nessa visão genético-progressista,
temos que, influenciados em parte pelas idéias de Kant, os artistas da modernidade se vêem
na necessidade de buscar a linguagem própria da arte – o que designa cada arte puramente,
em si. Segundo a abordagem de Greemberg (In, COMPAGNON, 2010, p.55), no campo da
pintura, se fazia necessário ressaltar elementos que remetessem somente a esse universo,
de onde deriva a concentração das vanguardas no estudo do plano pictórico (da planeidade
da tela), ressaltando o bidimensional. Em 1911, Picasso e Braque divulgavam telas que
apresentavam características do cubismo analítico, com “a facetação da figura, a
multiplicidade simultânea de pontos de vista, a redução do volume à superfície, a palheta
reduzida” (VENÂNCIO FILHO, 1988, p.31).
Figura 1 – Pablo Picasso, O
Poeta (1911).
Figura 2 – Marcel Duchamp,
Nu descendo uma escada n°2
(1911-1912).
Figura 3 – Georges Braque,
Homem com uma guitarra
(1911).
Tendo se enveredado pelo Movimento cubista, que se encontrava em voga na
época, Duchamp tem sua tela, Nu descendo uma escada n°2 (1911-1912), recusada no Salão dos
Independentes, em Paris. Essa recusa se dá sob alegação de que a obra não estava de acordo
com o cubismo, devido principalmente à presença do volume e do movimento maquinal que
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compunham aquela imagem. Conforme Venâncio Filho (1988, p.36), Duchamp, ao realizar o
Nu, associa aos processos do cubismo analítico algo de fantasia e imaginação. Por
decomposição formal, através de formatos de lâminas que se repetem, e de sucessões
paralelas que se correspondem, compondo o objeto em deformação, Duchamp elabora
sobre o movimento.
A análise do cubismo destruiu o tempo absoluto e unitário colocando na tela o
tempo relativo e fragmentado através da apresentação simultânea de vários
aspectos de um objeto que só podiam ser percebidos em tempos diferentes. Assim
como o cubismo decompunha o tempo, Duchamp podia decompor o movimento
(VENÂNCIO FILHO, 1988, p.36).
O Nu é um dos marcos da trajetória duchampiana, e não representa somente o
momento de ruptura com o cubismo analítico, trata-se de uma ruptura com a pintura
tradicional inteira. Segundo palavras do próprio artista, ao falar da ruptura em relação ao
pictórico:
Ela veio de muitas coisas. Primeiro, o contato cotidiano com os artistas, o fato de
viver com artistas, me desagradava muito. (...). No grupo de pessoas mais
avançadas da época, algumas tinham escrúpulos excessivos, manifestavam uma
espécie de medo. (...), acharam que o Nu não tinha a ver com a linha que já haviam
previsto. O Cubismo não tinha ainda dois ou três anos de existência, e eles já
tinham uma linha de conduta absolutamente clara, estabelecida, prevendo tudo
que deveria acontecer. Eu achei muito ingênuo. Isso me esfriou a tal ponto que,
como uma reação contra tal comportamento, da parte de artistas que eu
acreditava livres, arrumei um emprego. Tornei-me bibliotecário na Biblioteca
Sainte-Geneviève em Paris (CABANNE, 1987, p.26-27).
Conforme Venâncio Filho (1988, p.37), se a obra evidenciada foi recusada no
contexto cubista, sendo considerada um “frenesi do cubismo”, ou representante de um
“cubismo imaginário”, até mesmo “uma piada sobre a ortodoxia cubista”, ao ser enviada
para o Armory Show, nos Estados Unidos, teve a obra uma diferente recepção. O Armory
Show se tratava da primeira exposição de Arte Moderna a ser realizada na América,
recebendo trabalhos dos diferentes movimentos artísticos que vigoravam. Assim, no ano de
1913, em Nova Iorque, entre obras de Matisse, Cézanne, Picasso, Braque, Kandinsky, Brancusi
e outros, lá estava o Nu, de Duchamp, com sua intrínseca polêmica (VENÂNCIO FILHO, 1988,
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p.18).
Pelo efeito do movimento a referida tela poderia nos remeter ao Futurismo, porém a
intenção daquela obra não era designar algo futurista; principalmente, nela não estava
contida a idéia de culto que exalta a velocidade, e sim a idéia de representar, de forma
estática, o movimento; o qual é, para Duchamp, algo passível de ser estudado, parte da
realidade a ser pesada e medida, artística ou cientificamente. Para os futuristas a velocidade
se torna a própria realidade, numa visão onde impera a sensação. “É o espírito difuso da
época que, na verdade, aproximava Duchamp e os futuristas. Eles não eram os únicos
interessados no movimento. A arte respondia ao assalto das máquinas. Duchamp e os
futuristas são aspectos da mesma resposta” (VENÂNCIO FILHO, 1988, p.42).
Segundo Argan (1992, p.438-439), o Nu teria sido bem aceito no Armory Show, pois
nos Estados Unidos “a passagem do ambiente natural para o ambiente tecnológico fora mais
rápida e traumática que na Europa.” Nos Estados Unidos, as pessoas já se encontravam
habituadas ao mundo das máquinas, e haveriam acatado com grande força essa nova
influência tecnológica sobre os antigos costumes. Ainda conforme o autor: “O movimento
de uma pessoa que desce uma escada é um movimento repetitivo, mecânico, semelhante ao
movimento de uma máquina. Ao executá-lo, a pessoa passa do estado de organismo vivo,
para o de engenho ou máquina; o funcionamento biológico se transforma em
funcionamento mecânico.” Tal como seria o destino das pessoas em geral, em relação à
sociedade tecnológica.
Analítica, mas não cubista; abordando o movimento, mas não futurista, o Nu, antes
de qualquer consideração, é uma obra que exige “apreciação intelectual” (VENÂNCIO FILHO,
1988, p.37); “o cubismo analítico convertido em cirurgia mental” (PAZ, 2002, p.10). Ruptura
com a tradição pictórica, resposta de um Duchamp que já trazia, em si, a contestação de uma
arte que, há muito, “celebrava o racionalismo” (KRAUSS, 1998). Uma pessoa nua descendo
uma escada, além de sugerir uma situação imaginária, era o perfeito contraponto ao nu
clássico, deitado e estático. Não é um nu que sugere contemplação, pede mais ação do que o
próprio contemplar, “é o olho que incorpora movimento ao quadro” (DUCHAMP apud
VENÂNCIO FILHO, 1988, p.39). Marcel Duchamp, máquina de idéias, estabelece sua ruptura
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com a instituição Arte e, ao comentar sobre o ato criador, afirma:
Milhões de artistas criam; somente alguns poucos milhares são discutidos ou
aceitos pelo público e muito menos ainda são os consagrados pela posteridade. Em
última análise, o artista pode proclamar de todos os telhados que é um gênio; terá
de esperar pelo veredicto do público para que a sua declaração assuma um valor
social e para que, finalmente, a posteridade o inclua entre as figuras primordiais da
História da Arte. (...), o papel do público é o de determinar qual o peso da obra de
arte na balança estética (DUCHAMP, 1987, p.72).
Se uma mesma obra poderia ser depreciada em um lugar e aclamada em outro, o
que faria uma obra se tornar arte? Partindo desse questionamento, pode-se dizer que o
legado duchampiano, em formação, incorpora certa imponência bélica; metodicamente, o
artista consegue gerar conflito não pelo fato de lutar com afinco, mas por ser indiferente,
por fazer arte baseada numa fina crítica da própria arte. Nos domínios da metalinguagem, tal
como elemento nocivo, porém atenuado, Duchamp se constrói como antígeno artístico, no
intuito de prover uma arte vacinada de torrentes e arrebates – uma arte alheia ao
psicologismo e ao emocionalismo, enfim, ao simbolismo, propriamente dito.
Em paralelo entre as Artes Visuais e a Literatura no século XX, assistimos a gradual
recusa das idéias de autoria – que sugere um eu, uma marca pessoal, um subjetivo
psicológico –, na direção de idéias, cuja palavra central pode-se dizer ser o conceito de
“forma”, por vezes, “tautológica” (DIDI-HUBERMAN, 1998). A forma que será evidência,
como o próprio nome diz, entre o Formalismo Russo e a Estilística, da decomposição cubista
do espaço tridimensional até o pensamento minimalista. Conforme Compagnon (2010, p.4748), que retoma Friedrich, a poesia a partir de Baudelaire, renuncia à expressão do
sentimento, e torna-se vontade formal. “Em Mallarmé, a rarefação e o hermetismo se
acentuam como recusa dos limites da inteligibilidade e busca do ser em si, equivalemte ao
nada, transcendência vazia do coup de Dés (Lance de Dados).” Mas Compagnon (2010, p.48)
cita Friedrich para sugerir que a visão desse autor nos oferece uma explicação históricogenética, sugerindo que, tal como Rimbaud, embora de forma diferente, Mallarmé “leva sua
obra até aquele ponto em que ela se destrói e anuncia o fim de toda poesia.” Para
Compagnon (2010, p.50) a poesia de Mallarmé, não é “menos representativa“ que a de
Baudelaire, nem mais “indeterminada ou ambígua em seu sentido”, pois não seria ideal
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“confundir obscuridade e modernidade, hermetismo e ausência de referência.”
Paz (2002, p.52-53) associa Duchamp e Mallarmé, em seu radicalismo, “um é o poeta
e o outro é o pintor da Idéia. (...). O papel que o acaso desempenha no universo de Mallarmé,
assume-o o humor, a metaironia, no de Duchamp.” Além disso, afirma que “A obra Gêmea do
Grande Vidro é Um coup de Dés.” Compagnon reconhece a ironia como “um dos
componentes essenciais da modernidade”, também reconhece os conceitos de
“desrealização” e “despersonalização” – como sendo “os dois fatores da análise dialética da
tradição poética moderna” (2010, p.50). Duchamp é essencialmente irônico, desrealizador e
despersonalista.
Em 3 de agosto de 1914 a Alemanha declara guerra à França. Em 6 de agosto de 1915,
Duchamp embarca para a América. Tudo na perfeita harmonia das forças do “acaso”. “Um
francês na América faz tanto sentido quanto um nu descendo uma escada. Havia a guerra e o
sucesso no Armory Show como justificativas.” (VENÂNCIO FILHO, 1988, p.18). Guerra se
estabelecendo pelo mundo e ruptura de Duchamp com a Paris da recusa, e paradoxalmente
centro mundial da arte moderna. Na América, mais precisamente em Nova Iorque, temos
agora um Duchamp, de certo modo anônimo, inserido em novo ambiente, que se faz
propício para a realização de outro empreendimento. Voltamo-nos para a obra conhecida
como Grande Vidro, na qual Duchamp trabalha com a ruptura que faltava: a do “celibatário”
com a pintura tradicional.
O título do Grande Vidro é, em verdade, A noiva despida por seus celibatários, mesmo,
sendo que a metade inferior da obra é denominada Máquina Celibatária. Para Duchamp,
“celibatário não é o estado oposto ao de casado, nem se confunde com a condição de
solteiro, celibatário é um projeto existencial, uma atitude intelectual” (VENÂNCIO FILHO,
1988, p. 13), assim como a noiva não seria uma noiva comum e poderia representar a própria
pintura e suas artimanhas. Após trabalhar na realização dessa obra, entre 1915 e 1923, por
cerca de oito anos, o artista a abandona incompleta. Em 1926, operações de transporte da
obra acarretam-lhe rachaduras; Duchamp passa a empregar a idéia de que o acaso teria,
enfim, terminado a obra, cujo destino se configurou em perpetuação inacabada.
A partir desse fato há o “abandono” da pintura por Duchamp, foi o próximo passo
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após trazer a tinta para um suporte de vidro, realização que contestou o fundo em
perspectiva das pinturas tradicionais. No Grande vidro o suporte faz aparecer o ambiente em
que a obra se encontra, onde podemos projetar nossas próprias perspectivas, e podemos
nos ver refletidos no vidro. Segundo palavras do artista: “O vidro me interessava como
suporte por sua transparência. Em seguida, a cor, pintada sobre o vidro, é visível do outro
lado e não se oxida se for lacrada. A cor mantém-se intacta, tanto quanto possível, com sua
pureza visual. Tudo isso constituía questões técnicas que tinham sua importância”
(DUCHAMP apud VENÂNCIO FILHO, 1988, p.49).
Assim como o Nu prima pela apreciação
intelectual, temos, segundo Paz (2002, p.67), que o
Grande Vidro “é um enigma e, como todos os enigmas,
não é algo que se contempla, mas sim que se decifra.”
A obra, em si, foi realizada para que os espectadores
observem além... através, metafórica e literalmente.
Olharmo-nos através de um vidro pode ser equiparado
a interpretar um texto por nossa própria forma de
pensar. Na modernidade, em geral, já não importa
tanto os direcionamentos dados pelo autor de uma
Figura 4 – Marcel Duchamp, A noiva despida
por seus celibatários, mesmo (1915-1923).
obra, mas o modo de olhar do leitor, em obras (livros,
poemas,
pinturas,
antipinturas)
que,
então,
subentendemos, podem perpetuar inacabadas, tal como o Grande Vidro.
Ultrapassando sua transparência, a obra em questão, que corresponde a 12 anos de
trabalho aproximadamente, é uma imbricada rede, tecida com austeridade, pois há
metódicas relações e significados contidos na Caixa verde, elaborada e editada por
Duchamp, sendo publicada em 1934, a qual se trata de uma espécie de catálogo que esmiúça
todo o projeto, todo o planejamento elaborado pelo artista, para a execução do Grande
vidro.
Paradoxo:
ninguém como ele
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se desligou tanto da idéia de “obra”
ninguém como ele
organizou tanto a própria obra
(CAMPOS, 1986, p. 202).
Figura 5 – Marcel Duchamp, Caixa verde (1934); livro ilustrado com
noventa e quatro páginas.
Duchamp ressalta a importância do fornecimento de significados para suas obras,
para tal faz uso freqüente de trocadilhos e jogos de palavras, daí se desdobra uma
aproximação com o literário. Em sua postura artística, prima pela utilização da linguagem
referente ao verbo, e chega a afirmar que “o título é um elemento essencial da pintura, como
a cor e o desenho” (PAZ, 2002, p.10). Ainda segundo Paz (2002, p.16) “A Noiva... é uma
transposição, no sentido que Mallarmé dava a essa palavra, do método literário à pintura.”
Na página 20, o autor retoma: “A pintura é escritura e o Grande Vidro um texto que devemos
decifrar.”
O fascínio de Duchamp “diante da linguagem é de ordem intelectual: é o
instrumento mais perfeito para produzir significados e, também, para destruí-los” (PAZ,
2002, p.11). De onde podemos inferir que há entre a Caixa verde e o Grande vidro uma relação
de anulação, pois na Caixa estão contidos projetos escritos que não são literatura – os
escritos, quando considerados como entidades, vão além, mas o Grande vidro, por sua vez,
não é um objeto artístico por si só, haja vista que interage com a Caixa. Nem tudo o que está
contido na esquematização foi materializado no vidro, e a obra em vidro não se restringe
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somente ao que está escrito nos esquemas. Dessa forma, se poderia dizer que a potência
entre o Grande vidro e a Caixa, está no vazio gerado pela mútua destituição que um objeto
causa ante o outro; não são válidos os escritos e nem a obra construída, é considerado o
caminho, o vale onde é gerada a mútua destituição, e esse vale é o conceito artístico (PAZ,
2002, p.30-31). Abordando o ato criador, Duchamp afirma:
Na cadeia de reações que acompanham o ato criador falta um elo. Esta falha que
representa a inabilidade do artista em expressar integralmente a sua intenção; esta
diferença entre o que quis realizar e o que na verdade realizou é o “coeficiente
artístico” pessoal contido na sua obra de arte. Em outras palavras, o “coeficiente
artístico” pessoal é como que uma relação aritmética entre o que permanece
inexpresso embora intencionado, e o que é expresso não-intencionalmente
(DUCHAMP, 1987, p.71-74).
Gullar (2005, p.12) nos apresenta um contraponto, pois embora reconheça que o
Grande Vidro tenha sido realizado com materiais não tradicionais em pintura, ressalta que se
trata de “uma obra artesanal e que exigiu do artista um enorme esforço.” Gullar considera
Duchamp como uma espécie de artesão “agonizante”, o qual, se pode dizer, oscila entre o
separar-se de si para criar, e o ser em si mesmo:
Eu havia trabalhado anos numa coisa que, voluntariamente, desejava que fosse
executada a partir de planos precisos; mas, apesar disso, não queria, e talvez por
isso tenha trabalhado tanto tempo, que ela fosse a expressão de alguma espécie
de vida interior. Infelizmente, com o tempo, perdi todo o entusiasmo na sua
execução; não me interessava mais, não tinha mais a ver comigo. Então, me cansei,
e parei, mas sem nenhum choque, sem uma decisão brusca; nem pensei nisso
(DUCHAMP apud CABANNE, 1987, p.27).
Como propõe Cabanne (1987, p.27), e Duchamp certifica ao entrevistador, ao falar
do Grande Vidro, a obra tratou-se de “uma recusa progressiva aos meios tradicionais”. Não se
pode negar, assim, que a realização do Grande Vidro caracteriza uma mudança significativa
no pensamento plástico de Duchamp, pois esse abandona, de forma ainda mais veemente, o
realizar pictórico, e passa a pensá-lo, chegando a tratá-la somente em nível de idéias; o que
passa a valer é a atitude do projeto em arte; conforme Paz (2002, p.8-9), “tudo que fez a
partir de 1913 é parte de sua tentativa de substituir a pintura-pintura pela pintura-idéia.”
“Pintura retiniana” é uma expressão utilizada para designar uma pintura que se
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prende ao dado visual, ao olhar, ao que se vê. Duchamp quer levar a pintura para além do
simples olhar da realidade, pois, conforme Paz (2002, p.9), “nos mostrou que todas as artes,
sem excluir a dos olhos, nascem e terminam em uma zona invisível. (...) o invisível não é
obscuro nem misterioso, é transparente.” Talvez a transparência inicie no Grande Vidro, para
que possamos prosseguir até o invisível. As palavras que seguem, ditas pelo artista,
caracterizam seus ideais e seu “abandono da pintura”:
Os últimos cem anos foram retinianos, os próprios cubistas o foram. Os surrealistas
tentaram se libertar, do mesmo modo que os dadaístas, mas estes eram niilistas e
suas realizações não foram suficientes para provar que, segundo suas teorias, não
tinham necessidade de pintar. Eu estava tão consciente do aspecto retiniano da
pintura que quis encontrar outra via de exploração. Cem anos de retinianismo é
suficiente. Antes, a pintura era sempre um meio para um fim, fosse ele religioso,
político, social, decorativo ou romântico. Hoje é um fim em si (DUCHAMP apud
VENÂNCIO FILHO, 1988, p.50).
Se Nietzsche “mata Deus” na Filosofia, Duchamp quer “matar a Pintura” e, se quer
matar a Pintura, quer matar a Arte inteira, fundada que está, desde a Grécia, na idéia de
mimese. Compagnon (2010, p.46-47) apregoa que, segundo a visão progressista da História
da Arte – que corresponderia a uma ortodoxia surgida em fins do século XIX –, um dos
pressupostos básicos da modernidade é “um afastamento cada vez mais radical em relação à
representação e à referência denominada mimesis, desde Aristóteles – a fim de reatar com
uma base mais autêntica da arte.” Como se quisessemos esboçar uma “história da
purificação da arte, de sua redução ao essencial (...), uma tensão da arte em direção a seu
limite ou, ainda, uma redução da ilusão, uma reapropriação da origem.” Duchamp,
entretanto, antígeno estranho, não quer reatar autenticidade, ou ontologicamente
reapropriar o originário, quer romper ironicamente, reduzir a arte às suas necessidades
básicas. Entretanto, convém lembrar que um antígeno não destrói, mas se arma contra um
específico “mal” maior, a partir desse próprio “mal”. Duchamp não mata a arte, não pode
fazê-lo, pois está envolto por ela “até o pescoço”, por isso é essencial que mantenha a
medida (seu código), para não dar cabo de si em uma forca e, se ameaça agredir a arte, é
preciso armar, de imediato, o assopro.
Para Ferreira Gullar (2005, p.11-12), “Duchamp se tinha, no fundo, como 'o último
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artista', aquele que já perdeu os seus instrumentos de expressão, mas ainda insiste em
expressar-se.” Duchamp, então, é um último suspiro, um artesão rendido, fez apenas o que
lhe restava fazer. Talvez um artífice intertexto, capaz de vestir a materialidade com um corpo
de conceitos, alfaiate ou celibatário que, em vez de vestir, despe noivas picturais.
Ainda segundo Gullar, a arte conceitual, derivada do trabalho de Duchamp, não é
questão de vanguarda, e não revela nada mais do que um impasse a que chegou “a pintura e
as artes artesanais.” Não passa da “remanescência de uma linguagem agonizante – no
compasso de espera por uma outra arte, mais ajustada aos novos tempos.” A arte conceitual
é situada como “lamento nostálgico” da “falecida arte artesanal”, que não adere a novos
recursos tecnológicos, advindos da sociedade industrial, mas sim os ironiza e, por vezes, os
nega.
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Figura. 6 – Marcel Duchamp,
Roda de bicicleta (1913); readymade.
Figura 7 – Marcel Duchamp,
Fonte (1917); ready-made.
Figura 8 – Marcel Ducham,
Porta-garrafas (1964); readymade.
No âmbito do Duchamp que segue rompendo com tradições temos a passagem do
Grande vidro, “que precisa estar em algum lugar”, para os ready-made, que “podem estar em
qualquer lugar” (VENÂNCIO FILHO, 1988, p.24). O Grande vidro teve seu fim no acaso, “é o
resultado de um processo de desestetização. É a progressiva retirada dos procedimentos,
dos materiais, da temática tradicionais, para deixar nada ou quase nada", os ready-made têm
seu início a partir do acaso, tratando-se de objetos selecionados sob os olhos da indiferença,
para serem lançados no mundo artístico. (VENÂNCIO FILHO, 1988, p.62). Com esses feitos,
Duchamp traçava formas para destituir de seu posto o que seria considerado arte, e
acrescentar ao lugar destituído, coisas consideradas banais. Como estrategista, prestes a
concretizar um “xeque-mate” – praticante assíduo que era do xadrez –, através dos readymade, banal e simplesmente, traz objetos que tinham utilidade no cotidiano de cada ser
humano, produzidos em escala industrial, para serem inseridos na esfera não-utilitária da
arte.
Não temos mais telas, paletas e pincéis, não mais talentos ocultos e sagrados
museus, os ready-made seriam realizados não para habitar, povoar exposições, mas para
circular no pensamento entre a tradição e a modernidade em arte, chegando então a habitar
a própria atmosfera da contemporaneidade. Segundo Osório (2008), “A obra de Duchamp
deve ser vista não apenas nela mesma, mas na variada descendência germinada na sua
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atitude”. Através dos ready-made, Duchamp gera uma popularização da arte, abolindo ares
de pompa, por exemplo, ao acrescentar bigode e barba em uma reprodução da consagrada
Monalisa, em se tratando dos ready-made retificados, que funcionam como espécies de
releituras ou citações de obras, utilizando-se de intervenções (VENÂNCIO FILHO, 1988, p.6970).
Quando Appolinaire afirmou que Duchamp iria “reconciliar a arte com o povo”, ele
estava de alguma forma certo. Duchamp promovia indiretamente uma
sensibilidade anônima, urbana, e afinal popular, para a esfera da arte. Realizava, a
seu modo, a máxima de Lautréamont: “A arte deve ser feita por todos”. Todos
através de Duchamp faziam arte (VENÂNCIO FILHO, 1988, p. 21-22).
A realização dos ready-made caracteriza o auge do questionamento duchampiano
sobre a arte, pois em comunhão com a banalidade desses objetos, está ressaltada a
grandiosidade das idéias. Não são produzidos, no que diz respeito ao engenho do fazer
artístico tradicional, são trabalhados em nível de contextos e conceitos. Duchamp
demonstra, definitivamente, que arte não é puramente visão. Importante ressaltar que,
segundo explanação do artista, se ele tivesse feito grande número de ready-made, a idéia
sobre os mesmos seria inutilizada, pois surgiriam implicações com o gosto pessoal, e de
forma alguma objetos visados para a realização de um ready-made eram escolhidos por
“deleite estético”, em contraponto à questão do objet trouvé, termo que designa a escolha
de objetos com base no gosto pessoal, aos quais também é conferido algo de sentido
poético, relações com o belo, entre outras considerações (VENÂNCIO FILHO, 1988, p.71).
Duchamp não poderia deixar que se estabelecesse uma linguagem a partir dos
ready-made, se viesse a existir, por parte dele, um “Ready-madismo”, todo um ideal seria
desperdiçado. “Os ready-made (...) envolviam um estrito código ético/estético” (VENÂNCIO
FILHO, 1988, p.71), e vêm a ser os mais característicos frutos do próprio código estabelecido
por Duchamp, para a realização de sua crítica à arte, pela via da própria arte. Marcel
Duchamp, máquina de idéias, antígeno artístico, buscava a recusa de “compromissos, da
família à profissão, em nome da integridade e da coerência de sua obra e de sua vida.”
(OSÓRIO, 2008).
Enfim, ao acatarmos a função dos ready-made, estaríamos admitindo que tudo pode
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ser arte? Seriam exageros os ideais de Duchamp? Para Venâncio Filho (1988, p.72), “Quando
tudo pode se tornar um ready-made não está a arte condenada ao desaparecimento? Ou ao
contrário: tudo se torna arte. O ready-made aponta para uma dessas possibilidades. Ele é um
limite, um limite da arte, que foi mais tarde exaustivamente explorado pelos artistas
contemporâneos.” O próprio Duchamp certamente não tinha consciência da abrangência
que suas obras e idéias tomariam na atualidade, a amplitude do panorama de discussão
sobre as questões duchampianas foi naturalmente ressaltada pela crítica de arte ao longo
dos tempos. “Sua obra transita na linha abissal e milimétrica que separa a banalidade da
transcendência, o visível do invisível. Na verdade ela não está nos museus, mas sim
entranhada em nossa cultura e comportamento, inspirando constantemente nossa
imaginação” (OSÓRIO, 2008). Por seu caráter niilista, por sua discrição e austeridade, visto
que se dizia avesso à idéia de público e de posteridade, Duchamp não se importaria muito
com quaisquer críticas e considerações. Em sua época presenciou muitas delas, recusas que
geraram revolução, como no caso do Nu e do famoso ready-made do mictório, o qual esteve
escondido, censurado, nos bastidores de uma exposição. E a assinatura que consta no
mictório é um pseudônimo “R. Mutt” ou, se quisermos, é cada um de nós.
Para Gullar (2005, p.24), sobre os ready-made: “eles tiram sua significação da arte
que contestam e tanto isso é verdade que, hoje, quando já não contestam nada, perderam
toda força expressiva. É que sua expressividade era externa a eles, meramente sintática,
conjuntural.” Enquanto isso, obras que seriam “fruto de aprofundada elaboração da
linguagem pictórica, mantêm sua significação através dos anos.” Além disso, afirma que os
ready-made, em vez de romper com a arte, simplesmente expressariam “inconformismo”
para com a “civilização industrial, que pôs fim à arte artesanal.”
Passam-se os anos, variam-se as críticas, mas não se cansa de abordar Marcel
Duchamp, seja para edificá-lo, seja para “desconstruí-lo” (SANT´ANNA, 2003). Estima-se que
em vez de: Por que arte? A pergunta fundamental talvez seja hoje: Por que Duchamp? E uma
possível resposta é porque talvez tenha se utilizado muito da ironia, e o riso destrói o dogma,
o senso comum é a favor do dogma, e a função principal da teoria e da crítica artísticoliterária é ir contra o senso comum; segundo Compagnon (2003, p.17) “o que caracteriza a
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teoria é (...), sua vis polemica, e os impasses aos quais isso leva a teoria, sem que ela mesma
se dê conta, (...).”
Portanto, a certeza que podemos ter é a de que, assim como os Estados Unidos
ascendem como potência mundial no final da Primeira Guerra, o Duchamp em Nova Iorque
surge como potência artística na “Guerra da arte”, na Crise da Arte, na História da Arte pós
prenúncios de sua morte – Postmodern , Post mortem, ou então uma arte vacinada contra
sua ameaça aterradora de fim. Contra ou a favor de seu próprio gosto – até mesmo na
insossa e inodora ausência desse – talvez, contradizendo o mero acaso, tenha sido Duchamp,
um pensador na arte, para sutil e meticulosamente revolucionar concepções, uma vez que o
pensamento logicamente se desenvolve em acordo com a evolução do Homem:
Os movimentos de vanguarda nasceram das mudanças introduzidas na sociedade
pela revolução industrial e o desenvolvimento científico-tecnológico. Essas
mudanças conduziram, de um lado, à substituição da produção artesanal pela
industrial e, de outro, à crise da representação figurativa da realidade. A
preponderância do modo de produção industrial levou à desvalorização do
artesanato como base da produção artística e estimulou a adoção de novas
técnicas de expressão e o uso de novos materiais. O radicalismo niilista do
Dadaísmo duchampiano expressa essa desvalorização da técnica artesanal (…)
(FERREIRA GULLAR, 2005, p.10).
Assim como as máquinas revolucionam a sociedade industrial, desarticulando o
artesão independente, Duchamp desarticula/rearticula o viés artesanal da arte. Conforme
Paz (2002, p.15), em Duchamp não temos uma “filosofia da pintura”, mas “a pintura como
filosofia”; o artista, acima de tudo, dissemina a necessidade de novas atitudes, pautadas em
condutas metódicas e disciplinarmente contestadoras – a destruição gera a reconstrução,
inclusive no que diz respeito à destruição da arte de uma velha Europa, para a incorporação
de novas IDÉIAS.
assim duchamp opera
o trânsito pansemiótico
entre verbal e o não-verbal
guerrilheiro artístico
duchamp pontilhou
seu caminho solitário
de obras-esfinges
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Figura 9 – Marcel Duchamp,
L.H.O.O.Q. (1919); ready-made
retificado.
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que nos provocam
sob as mais diversas
e despretensiosas camuflagens
monalisticamente ambíguas
como o seu autor
(CAMPOS, 1986, p.208).
Referências bibliográficas
ARGAN, G.C. Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
CABANNE, P. Marcel Duchamp: Engenheiro do tempo perdido. São Paulo:
Perspectiva, 1987.
CAMPOS, A. O anticrítico. São Paulo: Companhia das Letras, 1986.
COMPAGNON, A. O demônio da teoria: Literatura e senso comum. Belo
Horizonte: UFMG, Trad. Cleonice Paes Barreto Mourão e Consuelo Fortes
Santiago, 2003.
COMPAGNON, A. Os cinco paradoxos da modernidade. Trad. Cleonice P. B.
Mourão, Consuelo F. Santiago e Eunice Galery. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.
DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998.
DUCHAMP, M. O ato criador. In: BATTCOCK, Gregory (edit.). A nova arte. São
Paulo: Perspectiva, 1987.
GULLAR, F. Argumentação contra a morte da arte. Rio de Janeiro: Revan, 2005.
KRAUSS, R. Formas de Ready-made: Duchamp e Brancusi. In: Caminhos da
escultura moderna. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1998.
OSÓRIO, L. C. Duchamp – a crise da arte. Disponivel em:
www.niteroiartes.com.br/cursos/laeca/modulos2.html. Acesso em 18/10/2008.
PAZ, O. Marcel Duchamp ou o castelo da pureza. São Paulo: Perspectiva, 2002.
SANT´ANNA, A. R. Desconstruir Duchamp. Rio de Janeiro: Vieira & Lent, 2003.
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VENÂNCIO FILHO, P. A beleza da indiferença. São Paulo: Editora
Brasiliense,1988.
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OLHARES SOBRE A OBRA DE MARCEL DUCHAMP