Revista Brasileira de Educação
ISSN: 1413-2478
[email protected]
Associação Nacional de Pós-Graduação e
Pesquisa em Educação
Brasil
Berino, Aristóteles de Paula
Reseña de "Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor"
de Ali, Kamel
Revista Brasileira de Educação, vol. 12, núm. 36, setembro-dezembro, 2007, pp. 533-535
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação
Rio de Janeiro, Brasil
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Resenhas
compreendida por Dávila como uma
tentativa frustrada de romper com padrões que não apenas cerceavam a liberdade dos alunos, como também acentuavam as diferenças de classe.
Jerry Dávila encerra seu livro
examinando como a fascinação com a
raça é um traço marcante no Brasil. No
epílogo, “O persistente fascínio brasileiro pela raça”, vai buscar diversas situações contemporâneas para conferir
atualidade ao argumento central do seu
livro. Para ele, embora as teses
eugenistas tenham perdido a credibilidade após o término da Segunda Guerra ainda é possível perceber os pressupostos que as alimentaram em
instituições e em muitas práticas, indicando como a metáfora raça humana
continua a ser recriada na sociedade
brasileira.1 Vai encontrá-la em expressões corriqueiras que circulam no Brasil, como no vocabulário do futebol –
“raça rubro-negra” – ou também em
comentários jornalísticos sobre a divulgação de pesquisas genéticas que tentam caracterizar o “homem brasileiro”.
Dávila compreende que essas são formas recriadas de apresentar a “democracia racial brasileira” e o pensamento
eugênico dos anos de 1930. Para o autor, a metáfora ainda persiste no debate
atual quando se afirma que agora são
as instituições, mais do que os indivíduos, que precisam ser reformadas para
solucionar as desigualdades racial e social. Por fim, Jerry Dávila considera
que a obsessiva fixação com a identidade racial brasileira reflete as estratégias compartilhadas pelas elites: o conforto de sermos racialmente
miscigenados e a outorgação do diploma de brancura. Para ele, um diploma
de “negritude” seria impensável tanto
nos anos trinta do século passado como
ainda nos dias atuais.
1
Ver entrevista de Jerry Dávila publi-
cada em <www.sbenbio.org.br/>.
O argumento de Jerry Dávila e a
análise de seu livro provocam novas
leituras sobre este importante momento
da história educacional brasileira e nos
desafiam a continuar buscando formas
de enfrentamento para a profunda injustiça que marca o acesso à educação
em nosso país. Se ao contrário dos educadores reformistas estamos mais conscientes das armadilhas ideológicas de
nosso tempo, esta obra certamente contribui para isso e oferece-nos material
para apurar nossa capacidade de examinar como recriamos metáforas raciais ao lado do desejo de um futuro
melhor para as novas gerações.
Sandra Escovedo Selles
Faculdade de Educação
da Universidade Federal Fluminense
Brown University, Center for Latin
American Studies, Providence,
Estados Unidos
(Visiting scholar com bolsa do
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico – CNPq)
E-mail: [email protected]
KAMEL, Ali. Não somos racistas: uma
reação aos que querem nos
transformar numa nação bicolor. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
143p.
A nação que sempre se orgulhou de sua miscigenação não merece isto. (Kamel, 2006, p. 40)
Escrito pelo diretor de jornalismo da Rede Globo, cientista social de
formação, Não somos racistas a rigor
não é uma obra acadêmica, mas desperta interesse exatamente em razão
do caráter de divulgação da edição
(editora major, título provocador, redação e argumentação direta, entre
outros aspectos) e polêmica assumida
Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 36 set./dez. 2007
a respeito de um tema cujo debate segue fundamental para educadores e
para o próprio país. Alcance maior
que pode ser medido pela assinatura
do prefácio feito por Yvonne Maggie,
socióloga envolvida no debate (acirrado) sobre os destinos das políticas
identitárias.
A frase destacada para começar
esta resenha localiza o ponto de vista
principal do autor e situa também a
dificuldade que enfrentará, ao longo
do livro, de sustentar a tese pretendida: o racismo não constitui um traço
marcante do país, uma vez que
inexistem barreiras institucionalizadas
para a progressão do negro na sociedade brasileira. Hipótese com a qual
busca discordar da adoção de cotas
para ingresso na universidade e propor, sobretudo, investimentos em educação como o melhor caminho para
cobrir as defasagens econômicas e enfrentar o preconceito preferencialmente dirigido ao pobre, mas não exclusivamente ao negro. Para Ali Kamel, a
miscigenação, como um patrimônio
estimável, é uma constante da sociedade brasileira e a proposta de reservas de vagas a partir de critérios raciais não é coerente com essa nossa
história e impõe o risco de vermos o
país dividido entre brancos e negros e,
aí sim, vermos nascer o ódio racial.
O livro reúne textos produzidos
a partir de artigos que publicou no jornal O Globo desde 2003, tomando
parte nas discussões sobre os programas governamentais para discriminação racial e reparação social. Como se
sabe, essa discussão que mobilizou –
e ainda mobiliza – o Congresso Nacional, as universidades, intelectuais
diversos (professores, militantes e artistas) e até a opinião pública, de forma mais geral, ganhou maior vulto
quando foram produzidos manifestos
favoráveis e contrários à adoção de
cotas raciais nas universidades públicas e a aceitação do Estatuto da Igual-
533
Resenhas
dade Racial, projeto de lei do deputado petista Paulo Paim, em 2006. Portanto, o livro deve ser situado no âmbito dessas discussões e mais bem
avaliado diante da sua ambição política e teórica ante o problema que abraça: a forma apropriada de tratar a situação sofrida em que vive grande parte
dos negros no Brasil e a ação do Estado com o propósito do reconhecimento das diferenças.
A abordagem de Ali Kamel
debruça-se particularmente sobre as
análises estatísticas para demonstrar,
em primeiro lugar, que há, a partir do
governo de Fernando Henrique Cardoso, uma utilização tendenciosa dos
números gerados nas pesquisas feitas
pelo Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) para provar uma
suposta marginalização racista dos negros no país, cuja recuperação seria
feita com as cotas raciais. Sua crítica
acusa especialmente o considerado artifício de classificar como negros, na
verdade, não apenas os negros, mas
também os pardos. Procedimento que
serve não apenas para superestimar o
número de negros e negros pobres,
mas que se presta também à descaracterização do país, representando-o
como bicolor, quando seria, de fato,
uma nação mestiça, misturada entre os
componentes da sua população. Uma
simulação da população por meio de
números que maneja dados falseando
a demonstrável convivência entre
brancos e negros, inexistente nos países nos quais efetivamente há o racismo como uma característica marcante
da sociedade.
Ali Kamel não rejeita o fato da
existência do racismo no país, mas recusa a dimensão que lhe é atribuída,
observando que existe muito mais o
preconceito dirigido preferencialmente ao pobre (que chama de
“classismo”), que se agrava com a
concentração de renda. Portanto, o caminho que preconiza não é o das ini-
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ciativas que beneficiam os negros
para ingressar na universidade, entre
outros programas formulados, como
reserva de vagas nas empresas, por
exemplo. Para o autor, a saída dessa
situação, em que os negros são
desfavorecidos (assim como os brancos e pardos pobres, considera), está
no desenvolvimento do país (geração
de empregos) e para isso, como condição, em investimentos consideráveis
em educação. É na educação pública e
de qualidade que residiriam as vantagens merecidas por toda a população,
independente da cor, e os negros poderiam beneficiar-se pelas conquistas
possíveis, se igualados nas condições
primárias para o desenvolvimento
pessoal.
O autor propõe o debate de alguns temas que não podem mesmo ser
evitados diante do preconceito em relação ao negro (homem e mulher) na
sociedade brasileira e da criação de
políticas públicas relacionadas ao seu
enfrentamento. Interroga a propriedade do próprio conceito de raça como
diferença, que vê como não-científico,
apoiando-se nos estudos do
geneticista Sérgio Pena. Questiona
também a construção de identidades
finalizadas na cor, destacando como
podem ser fixadas por meio de dados
numéricos e interesse político. São
questões incontornáveis diante de
qualquer debate conseqüente sobre o
assunto. No entanto, Ali Kamel é preso na mesma teia de problemas que
critica. Recorre a uma e outra referência das ciências sociais para iluminar
a questão que examina, mas a argumentação intensiva baseada em dados
estatísticos que faz uso para refutar as
interpretações correntes das pesquisas
produz uma reflexão qualitativa que
pouco caminha diante de uma questão
que exige também outras metodologias para o estudo e superação da sua
realidade opressora.
Ao lado de uma saudável crítica
aos investimentos feitos na educação
pública, acredita que mais e melhor
educação dirigida a todos criará as condições de resolução satisfatória do preconceito, já que as oportunidades vividas serão as melhores para o emprego
e renda de cada indivíduo, do negro ou
não, hoje constrangida pela desigualdade social. Portanto, pensando na eventual conquista realizada pelo mérito,
imaginando uma igualdade de condições proporcionadas pela educação, Ali
Kamel não problematiza a questão do
racismo diante da própria estrutura da
sociedade. Não admite que o sistema
escolar, de qualquer país, contém
assimetrias, como parte da reprodução
das desigualdades geradas pela divisão
do trabalho. No seu constructo
democrático-burguês, portanto, não interroga como o racismo, ao lado de outras formas de desintegração social, ao
segmentar os habitantes de um país, se
presta a uma divisão da população
oportuna para manter sua rede de desigualdade econômica e social, ideologicamente justificada e pretendida de forma perene.
Um equívoco comprometedor na
análise do autor é associar ao racismo
principalmente uma ação odiosa, posição que conduz, ao longo do texto, a
afirmar que isso, definitivamente, não
está presente na nossa sociedade. No
entanto, se admitirmos que faz parte
da violência sistemática do racismo
sua disseminação no cotidiano de uma
sociedade, integrada a diferentes modalidades de exclusão e marginalização, independente de ser acompanhado de um caráter mais irado ou
explosivo, é insofismável que não
apenas os negros, mas também populações regionais, são vítimas constantes dessa opressão. Ali Kamel tenta
demonstrar que o nosso preconceito é
dirigido indistintamente ao pobre, mas
trabalha com um plano de análise que
ignora exatamente o espaço comum e
ordinário da vida, onde toda emoção é
Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 36 set./dez. 2007
Resenhas
produzida. É no cotidiano das escolas,
no emprego, na família ou nos espaços públicos que o racismo pode ser
devidamente registrado e, infelizmente, confirmado como fato corriqueiro
no país – mas que o autor refuta simplesmente afirmando que são “se não
a exceção, manifestações minoritárias
em nosso modo de viver” (p. 22).
Ali Kamel ainda comete outra
séria falta na sua análise quando esboça uma explicação para as propostas
de adoção de políticas de preferência
racial hoje. Em primeiro lugar, lembra
o jovem Fernando Henrique Cardoso,
sociólogo que nos anos de 1950 já defendia, nos estudos que realizava, a
existência de uma opressão dos brancos sobre os negros. Como presidente,
fez com que essa questão aparecesse
politicamente entre as ações governamentais. Situa também o
atravessamento das Nações Unidas,
agora vivamente envolvida na promoção de nações multiétnicas como reação às intolerâncias raciais. Ali Kamel
observa também que a desigualdade
social, que faz dos negros e pardos
maioria entre os pobres, favorece o argumento de que este é uma país racista, ainda que exista um grande contingente de brancos também pobres.
Como última explicação, diz que existe um gosto por soluções fáceis e soluções mágicas no país. Sem entrar no
mérito das suas explicações, é notável
que tenha deixado de considerar a
própria autonomia do movimento negro, do ativismo contra o racismo, que
conflita o Estado com suas demandas,
influenciando na criação das políticas
públicas. É também uma ausência
considerável não analisar o próprio tecido da globalização atual. As tecnologias da comunicação (multimídia e
de acesso relativamente popular), mediante a intensidade da experiência da
diferença, aquecem as visões do multiculturalismo. Existem agora novos
ou revigorados elementos que compe-
lem a uma orientadora percepção segmentada da cultura e dos modos de
vida, propiciando também a formulação de políticas públicas apropriadas a
uma modificada compreensão do país
e do mundo.
A complexidade do fato social
do racismo exige toda a nossa atenção. Diante da constatação de que a
universidade, de um modo geral, é
elitista e com seus procedimentos e ritos de ingresso impede que muitas
carreiras e profissões sejam perseguidas (e alcançadas) por parcelas consideráveis da população, são necessárias medidas democratizantes. Mas é
preciso fazer avançar esse debate levando o diálogo até a raiz dos problemas que suscita.
Aristóteles de Paula Berino
Doutor em educação pela
Universidade Federal Fluminense,
professor do Instituto
Multidisciplinar da Universidade
Federal Rural do
Rio de Janeiro
E-mail: [email protected]
LOPES, Alice Casimiro. Currículo e
epistemologia. Ijuí: Editora UNIJUÍ,
2007. 232p.
A coleção Educação Química da
editora UNIJUÍ está sendo ampliada
com o lançamento de mais uma obra.
Trata-se do livro Currículo e epistemologia, de Alice Casimiro Lopes.
Num primeiro contato com o livro, a imagem da capa destaca-se sugerindo – entre tantos sentidos – talvez
luzes de um pôr-do-sol, ou nuances coloridas de alguma solução preparada
em um laboratório de química... Polissemia que também se torna convite
para conhecer o livro: seu prefácio
(com chancela afetuosa do professor
Áttico Chassot), sua introdução e a dis-
Revista Brasileira de Educação v. 12 n. 36 set./dez. 2007
posição de oito textos ou capítulos que,
mesmo sendo apresentados com temáticas aparentemente independentes, são
fortemente articulados entre si.
São percursos de pesquisa desenhados ao longo do tempo, mostrando
diferentes faces da pesquisadora. Freqüentando também encontros e congressos regionais e nacionais de ensino
de química e participando com competência e dedicação dos debates mais
profícuos e promissores, a autora de
Currículo e epistemologia tornou-se já
há algum tempo uma autoridade das
mais requisitadas na pesquisa em educação em nosso país e também para
além das fronteiras nacionais.
Com o olhar e a experiência de
hoje, retoma textos menos ou mais recentes, propondo uma tessitura inusitada
e de intensa potencialidade. Os capítulos não seguem uma ordem cronológica, como nos explica a autora na introdução, mas há uma lógica entre eles,
um movimento de insinuação de um
campo em outro – da epistemologia ao
currículo – não num sentido único, mas
como interpenetrabilidade.
Mobilizando-se primeiramente
nos terrenos da epistemologia, os capítulos: “Bachelard: o filósofo da desilusão” e “Contribuições de Gaston
Bachelard ao ensino de ciências” trabalham o pensamento desse epistemólogo
francês em sua face diurna, a que debate a ciência na busca constante de rompimento com o monismo metodológico
e com as visões mais arraigadas do positivismo lógico sobre a produção do
conhecimento científico. Nos dizeres
da autora:
[...] o objetivo de Bachelard não
era ensinar aos cientistas como
proceder em seu trabalho. Seu diálogo era com os filósofos de seu
tempo, questionando uma Filosofia desatenta às transformações
radicais que sofre a razão humana
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