VIOLAÇÃO RACIAL E REPRESENTAÇÕES ÉTNICAS E SOCIAIS NA SOCIEDADE Thiago Antônio Gomes Santos (Thiago Taché) [email protected] PALAVRAS-CHAVE Ações afirmativas, afrodescendência, Brasil, combate, consciência, cultura, democracia, desigualdades, Direito, ensino, étnico, Humano, identidade, igualdade, luta, movimento Negro, Negritude, orientações, pesquisa, política, racial, racismo, reconhecimento, representação, respeito, resistência, saberes, segregação, social, violação. Ao considerar algumas questões sobre a função das reflexões críticas no campo das relações étnico-raciais gostaria, primeiramente, de lembrar que a violação racial está fundada numa mitoideologia racista, isto é, no desenvolvimento de um sistema institucional baseado na discriminação etnocultural, na colonização mental, na extrema hierarquização sociorracial e no paradigma, encarado como direito, de uma raça, tida como pura e superior, de dominar as demais. Busco, a seguir, explorar o desenvolvimento de seus significados e de sua missão, querendo, acima de tudo, aliar-me a luta pelo combate ao racismo. Ora, é crítico, e indispensável, compreendermos as soluções para os problemas mais recentes gerados pelos produtos da insensibilidade sociorracial – fundada na hostilidade contra as/os que são postas/postos como inferiores, na discriminação, separação e/ou apartamento total. A questão da violação racial existe na Nação brasileira como um todo e existe, inclusive, nas bases epistemológicas que desempenham uma produção intelectual que dão suporte ao racismo institucional. O que escrevo aponta algumas possibilidades e problemas das tendências e direções da dimensão destrutiva da violação racial, definida por formas de sociabilidade instituídas pelas próprias instituições. A naturalização das diferenças, a legitimação da exclusão e o extermínio das/dos diferentes, postas/os como inferiores, encontra-se presente, e sistematicamente ocultada, por elementos que permitem ao racismo institucional, e a toda uma mitoideologia do autoengano, exercidos, inclusive, por estabelecimentos de ensino público e privado; milhares de implicadas/os na elaboração, execução e avaliação de programas de interesse educacional, de planos institucionais, pedagógicos e de ensino, como também por diversos segmentos da sociedade e instituições públicas e privadas no Brasil, de violar-nos racialmente, brutalizando-nos, serviciando-nos, abusando física e psiquicamente de nós, caracterizando nossas relações intersubjetivas e nossas relações interpessoais e sociais, assim definidas pela trivialização, banalização, opressão, desligitimação, intimidação, desigualdades e iniquidades sociorraciais (1). Thiago Antônio Gomes Santos (Thiago Taché). Natural de Belo Horizonte e residente em Esmeraldas-MG. Negro, poeta, educador – graduado em Letras pela UFMG – e ativista sociocultural. Nos últimos anos é responsável por elaborar e organizar uma rede de iniciativas de valorização e fortalecimento das culturas populares no Brasil e que são também importantes para a articulação e promoção dos Direitos Humanos, em especial aquelas que dependem do conjunto de ações e políticas afirmativas. A questão que trago é a de compreendermos os papéis que cada segmento social vem tendo no processo de representação étnica e social, por exemplo, e também mostrar que a sociedade moderna não percebe que as próprias explicações que ela oferece para seus dilemas em torno da questão racial são violações raciais porque ela mesma, “Humanidade Moderna”, está cega ao lugar efetivo de produção da violação racial. Os preconceitos, xenofobias, etnicismos, segregacionismos e/ou racismos multiplicados e reiterados no curso dos anos, décadas e séculos mostra-nos a alimentação e repetição da violação racial desenhada, nesse meu pensamento, por quatro mecanismos. O primeiro mecanismo é o da exclusão. Afirma-se que a sociedade é não violenta e que se houver violação ela é praticada por gente que não faz parte da comunidade. O mecanismo da exclusão produz a diferença entre um “nós”, sujeitas/os não violentas/os, e o “elas/es”, não sujeitas/os violentas/os. “Elas/es” não fazem parte do “nós”. Dentro desse primeiro mecanismo, o da exclusão, o espectro invisibilizado das/os diversas/os sujeitas/os, que são exterminados através do epistemicidio, executado por sujeitas/os não violentas/os, agrupadas/os em uma massa burocrática que ao seguir as regras são incapazes de avaliar os impactos de suas ações na/no outra/o, a/o excluída/o. O segundo mecanismo é o da distinção. Distingue-se o essencial do acidental, isto é, por essência as/os sujeitas/os não são violentas/os e, portanto, a violação racial não existe, é acidental. É um acontecimento efêmero, passageiro, e é por isso que se diz uma epidemia de violação, um surto de violação, que está localizado na superfície de um tempo e espaços definidos. Ela é vista, portanto, como superável e ela deixa intacta a essência não violenta, assim como no caso das/dos assassinas/os presas/os a sua sociopatia. O terceiro mecanismo é jurídico. A violação racial fica circunscrita ao campo da delinquência e da criminalidade e o crime racial pode ser, portanto, definido como ataque a propriedade identitária, furto identitário, roubo identitário, latrocínio identitário. E por consequente o roubo da/o sujeita/o, o latrocínio do sujeita/o, comprometendo sua identidade a ponto de fazê-la ruir, causando a morte da/o sujeita/o, dado o epistemicidio da/o sujeita/o. Esse mecanismo jurídico permite de um lado determinar quem são as/os agentes violentas/os e, em função dos mecanismos anteriores, o da exclusão e o da distinção, os agentes violentos são as/os pobres, e entre as/os pobres evidentemente as/os Negras/os, e permite, ainda, legitimar a ação da política policial social, contra a população pobre e em particular contra as/os Negras/os. A ação da política policial social, pode ser às vezes considerada violenta. Ela poderia receber o nome de chacina política social, massacre político social, quando de uma só vez e sem motivo o número de “assassinadas/os” é muito elevado. Na maioria das vezes, o “assassinato” político social é considerado normal e natural, uma vez que ele protege o “nós”, não violentas/os, contra o “elas/es”, violentas/os, ou ao menos este é o imaginário das/dos detentores de privilégios na sociedade. Finalmente, o último mecanismo é o da inversão do real social. O paternalismo branco é visto como proteção para assegurar a natural inferioridade e indolência das/dos Negras/os, os quais como todos sabem são vistas/os como incapazes e incompetentes (2). Nosso padrão de sociedade não nos permite desenvolver uma ação afirmativa interior e exterior à nossa própria realidade, sem que ela venha da obediência a uma ordem, a um comando ou a uma pressão externa; não nos permite, portanto, a realização de uma ação Thiago Antônio Gomes Santos (Thiago Taché). Natural de Belo Horizonte e residente em Esmeraldas-MG. Negro, poeta, educador – graduado em Letras pela UFMG – e ativista sociocultural. Nos últimos anos é responsável por elaborar e organizar uma rede de iniciativas de valorização e fortalecimento das culturas populares no Brasil e que são também importantes para a articulação e promoção dos Direitos Humanos, em especial aquelas que dependem do conjunto de ações e políticas afirmativas. afirmativa democrática, de natureza racial, livre e responsável, dado que bloqueia nossa agencia étnica; e funda o desrespeito à nossa racialidade, liberdade e responsabilidade (3). Conservando as marcas da sociedade colonial escravista, a sociedade como um todo, é determinada pelo predomínio do espaço privado, portanto de interesses econômicos e sociais determinados sobre o espaço público, e tendo no centro a hierarquia familiar, é fortemente hierarquizada em todos os seus aspectos. Nela, as relações sociais e intersubjetivas são sempre realizadas como relações entre um superior que manda e um inferior que obedece: “Sabe com quem está falando?”. As diferenças e as simetrias são sempre transformadas em desigualdades que reforçam a relação mando/obediência. A/O outra/o jamais é reconhecida/o como sujeita/o, nem como sujeita/o de direitos. Jamais é reconhecida/o como subjetividade e alteridade. As relações entre os que se julgam iguais são de parentesco, de compadrio, isto é, de cumplicidade. E entre aquelas/es que são vistas/os como desiguais, o relacionamento toma a forma do favor, da clientela, da tutela e da cooptação. E quando a desigualdade é muito marcada assume, pura e simplesmente, a forma da opressão. Nós podemos, resumindo seus principais traços, considerar a sociedade como oligárquica, autoritária, vertical, polarizada entre a carência e o privilégio e com um bloqueio e resistência à instituição dos direitos civis, econômicos, sociais e culturais do povo Negro. Essa sociedade, concebendo a cidadania como privilégio de classe, faz assim uma concessão da classe dominante às demais classes sociais, podendo ser retirada quando os dominantes assim o decidiam. Pelo mesmo motivo, no caso das camadas populares, e portanto, a população Negra, os direitos, no lugar de aparecerem como conquistas do Movimento Negro organizado, são sempre apresentados como concessão e outorgas feitas pelo Estado – dependendo da vontade pessoal e do arbítrio do governante. O poder dos governantes em geral, é claramente percebido como distante, secreto, representante dos privilégios das oligarquias e não dos direitos da generalidade social. Para as/os “nós” a lei é privilégio e para “elas/eles” repressão. A lei, na sociedade, não figura o polo público do poder e da regulação dos conflitos, não define direitos e deveres porque em nossa sociedade a tarefa da lei é a conservação de privilégios e o exercício da repressão. Por esse motivo as leis aparecem como inócuas, inúteis ou incompreensíveis, já que feitas para serem transgredidas e não para serem transformadas. Situação violenta que é miticamente transformada num traço positivo quando a transgressão é elogiada entre as/os professoras/es e políticos, por exemplo, que tendem a formar clubes privados da oligarquia local. Sabemos, por tudo isso, que as experiências de regressão evolutiva e cedição às estruturas de opressão racial crescem em escala mundial. O racismo permanece na sociedade e a violação, fenômeno da mitoideologia de discriminação e opressão racial, opera por meio de alguns mecanismos que garantem a sua conservação mesmo contra todos os dados factuais adversos. É dessa compreensão e desse desafio externo que evolui o conceito desse estudo. Axé! Thiago Antônio Gomes Santos (Thiago Taché). Natural de Belo Horizonte e residente em Esmeraldas-MG. Negro, poeta, educador – graduado em Letras pela UFMG – e ativista sociocultural. Nos últimos anos é responsável por elaborar e organizar uma rede de iniciativas de valorização e fortalecimento das culturas populares no Brasil e que são também importantes para a articulação e promoção dos Direitos Humanos, em especial aquelas que dependem do conjunto de ações e políticas afirmativas. REFERÊNCIAS (1) MOORE, Carlos. Racismo & Sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo – Belo Horizonte: Nandyala, 2012. (2) CHAUÍ, Marilena. Representação política e enfrentamento ao racismo. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AEp7DrYRYV. Acesso em 20 nov. 2014. (3) NASCIMENTO, Elisa Larkin. Afrocêntricidade: uma abordagem epistemológica inovadora - (Sankofa: matrizes africanas da cultura brasileira; 4) / Elisa Larkin Nascimento (org.). São Paulo: Selo Negro, 2009. Thiago Antônio Gomes Santos (Thiago Taché). Natural de Belo Horizonte e residente em Esmeraldas-MG. Negro, poeta, educador – graduado em Letras pela UFMG – e ativista sociocultural. Nos últimos anos é responsável por elaborar e organizar uma rede de iniciativas de valorização e fortalecimento das culturas populares no Brasil e que são também importantes para a articulação e promoção dos Direitos Humanos, em especial aquelas que dependem do conjunto de ações e políticas afirmativas.