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IV Mostra de Pesquisa da
Pós-Graduação
PUCRS
Normas infraconstitucionais e o direito fundamental à saúde:
eficácia e legitimidade
ANA HELENA KARNAS HOEFEL, Carlos Alberto Molinaro (orientador)
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu - Mestrado, Faculdade de Direito, PUCRS,
Resumo
No artigo 6º da Constituição Federal estão elencados os direitos sociais. Dentre eles o
direito à saúde. Ainda, no Título VIII (Da ordem social), a Seção II é intitulada “Da saúde”. O
artigo 196 da Constituição Federal1 dispõe: “A saúde é direito de todos e dever do estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e
de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação”.
Os preceitos antes mencionados são apenas alguns exemplos de como a Constituição
Federal trata do tema saúde. Entretanto, muitas regulamentações infraconstitucionais são
necessárias para o funcionamento do sistema. São realizadas leis, medias provisórias,
resoluções, instruções normativas, portarias e etc. Trata-se de um grande sistema normativo
que objetiva a garantia do bem maior: a saúde. Um sistema normativo, nada mais é do que um
sistema global, coeso, onde a variação numa parte afeta o todo e vice-versa2.
Dentro do sistema normativo, a categoria mais importante de direitos é a categoria dos
direitos fundamentais. O reconhecimento da saúde, como direito fundamental, encontra
legitimidade material por ser parte integrante do mínimo existencial e por ser elemento
essencial da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, vale lembrar a lição de Ingo
1
2
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 1º
de maio.
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Teoria da norma jurídica. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 142.
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Wolfgang Sarlet3 ao tratar de dignidade da pessoa humana. Para o autor, dignidade da pessoa
humana é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano. Dessa forma, o ser humano é
merecedor de respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade. A pessoa humana
é assegurada contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano e deve ter garantidas
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável.
Por outro lado, vale lembrar que a saúde também é formalmente direito fundamental,
pois encontra-se positivada no texto constitucional e em tratados internacionais. Mais do que
um direito a ser protegido, o direito à saúde é “cláusula pétrea constitucional”.
Questiona-se, então, o que é saúde. Julio Cesar de Sá Rocha4 entende que é a
concretização da sadia qualidade de vida, uma vida com dignidade. José Afonso da Silva5, ao
tratar de saúde, lembra que “nos casos de doença cada um tem o direito a um tratamento
condignido de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua
situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas
constitucionais”.
A efetividade e a valorização da saúde são dois aspectos de fundamental importância.
Dessa forma, é necessário que regulamentem-se as diversas situações dessa área. A legislação
no âmbito da saúde é de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios (inciso I do artigo 23 da Constituição Federal). Por outra lado, no que tange a
proteção e defesa da saúde, a competência é concorrente dos entes federativos, excluído os
Municípios, limitando-se a União a editação de normas gerais (parágrafo 1º e inciso XII do
artigo 24 da Constituição Federal). Vale lembrar que os Municípios podem legislar sobre
assuntos locais (inciso II do artigo 23 e inciso I do artigo 30 da Constituição Federal).
Entretanto, a Lei 8.080 de 1990 instituiu o sistema único de saúde e determinou a
descentralização da saúde, ficando a cargo dos municípios a sua administração.
3
4
5
SARLET, Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de
1988. 3ª Ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 59-60
ROCHA, Julio César de Sá. Direito da saúde: direito sanitário na perspectiva dos interesses difusos e
coletivos. São Paulo: Ltr, 1999, p. 43.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 18ª Ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 311.
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Por outro lado, no âmbito da saúde também existe um número expressivo de normas
de natureza infralegal, como instruções normativas e portarias, que regulam uma série de
fatores nessa seara. Essas disposições normativas na maioria das vezes têm um grau de
respeitabilidade muito grande pelos profissionais da área da saúde. Entretanto, nem sempre o
respeito a esses preceitos tem por objetivo a valorização do bem maior que é a saúde.
Questiona-se, então, se este tipo de regulação teria um grau de eficácia superior ao da
Constituição Federal no âmbito da saúde. Em julgado antigo do Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul, os desembargadores lembraram que o direito fundamental à saúde deve
prevalecer no caso de risco de vida do paciente, mesmo que em contraponto a normas
procedimentais como a necessidade de autorização de paciente ou familiar6. Muito embora
tenha-se encontrado este julgado, dificilmente questões de escolhas médicas e atendimento
aos preceitos das normas infralegais vão parar no Judiciário, o que torna mais difícil a análise
sobre a eficácia de tais dispositivos normativos.
Introdução
6
EMENTA: CAUTELAR. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. NÃO CABE AO
PODER JUDICIÁRIO, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, AUTORIZAR OU ORDENAR
TRATAMENTO
MÉDICO-CIRÚRGICOS
E/OU
HOSPITALARES,
SALVO
CASOS
EXCEPCIONALÍSSIMOS E SALVO QUANDO ENVOLVIDOS OS INTERESSES DE MENORES. SE
IMINENTE O PERIGO DE VIDA, É DIREITO E DEVER DO MÉDICO EMPREGAR TODOS OS
TRATAMENTOS, INCLUSIVE CIRÚRGICOS, PARA SALVAR O PACIENTE, MESMO
CONTRA A VONTADE DESTE, E DE SEUS FAMILIARES E DE QUEM QUER QUE SEJA,
AINDA QUE A OPOSIÇÃO SEJA DITADA POR MOTIVOS RELIGIOSOS. IMPORTA AO
MÉDICO E AO HOSPITAL E DEMONSTRAR QUE UTILIZARAM A CIÊNCIA E A TÉCNICA
APOIADAS EM SÉRIA LITERATURA MÉDICA, MESMO QUE HAJA DIVERGÊNCIAS QUANTO
AO MELHOR TRATAMENTO. O JUDICIÁRIO NÃO SERVE PARA DIMINUIR OS RISCOS DA
PROFISSÃO MÉDICA OU DA ATIVIDADE HOSPITALAR. SE TRANSFUSÃO DE SANGUE FOR
TIDA COMO IMPRESCINDÍVEL, CONFORME SÓLIDA LITERATURA MÉDICO-CIENTÍFICA (NÃO
IMPORTANDO NATURAIS DIVERGÊNCIAS), DEVE SER CONCRETIZADA, SE PARA SALVAR A
VIDA DO PACIENTE, MESMO CONTRA A VONTADE DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ, MAS
DESDE QUE HAJA URGÊNCIA E PERIGO IMINENTE DE VIDA (ART. 146, § 3º, INC. I, DO
CÓDIGO PENAL). CASO CONCRETO EM QUE NÃO SE VERIFICAVA TAL URGÊNCIA. O
DIREITO À VIDA ANTECEDE O DIREITO À LIBERDADE, AQUI INCLUÍDA A LIBERDADE DE
RELIGIÃO; É FALÁCIA ARGUMENTAR COM OS QUE MORREM PELA LIBERDADE POIS, AÍ SE
TRATA DE CONTEXTO FÁTICO TOTALMENTE DIVERSO. NÃO CONSTA QUE MORTO POSSA
SER LIVRE OU LUTAR POR SUA LIBERDADE. HÁ PRINCÍPIOS GERAIS DE ÉTICA E DE
DIREITO, QUE ALIÁS NORTEIAM A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, QUE PRECISAM SE
SOBREPOR AS ESPECIFICIDADES CULTURAIS E RELIGIOSAS; SOB PENA DE SE
HOMOLOGAREM AS MAIORES BRUTALIDADES; ENTRE ELES ESTÃO OS PRINCÍPIOS QUE
RESGUARDAM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS COM A VIDA E A DIGNIDADE
HUMANAS. RELIGIÕES DEVEM PRESERVAR A VIDA E NÃO EXTERMINÁ-LA. (APELAÇÃO
CÍVEL Nº 595000373, SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR:
SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA, JULGADO EM 28/03/1995)
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Um dos princípios básicos do sistema jurídico brasileiro é a Supremacia da
Constituição. Esse princípio objetiva garantir que todas as demais normas do sistema estejam
em consonância com a Carta Magna, ou seja, o total respeito pelas normas constitucionais.
Na área da saúde, existem inúmeras normas infraconstitucionais como portarias e
instruções normativas que objetivam reger as relações referentes a hospitais, clínicas,
profissionais da área da saúde, medicamentos, etc. Entretanto, essas normas nem sempre
respeitam os ditames da Constituição Federal ou, em determinadas situações, devem ser
afastadas objetivando o bem maior que é a “saúde”.
Dessa
forma,
questionam-se
quais
são
os
tipos
de
regulamentações
infraconstitucionais que existem na área da saúde e a sua função no sistema jurídico
brasileiro. Nessa perspectiva, a análise do grau eficácia dessas normas em contraponto com o
direito fundamental à saúde é de fundamental relevo.
Metodologia
O presente trabalho terá como metodologia a revisão bibliográfica tradicional,
buscando-se, a partir da doutrina existente na área do Direito Constitucional, o conhecimento
disponível, identificando e analisando as teorias existentes, na tentativa de expor o melhor
entendimento do tema a ser discutido. Para tanto, o método de abordagem será o dedutivo, o
qual, segundo Lakatos “tem o propósito de explicitar o conteúdo das premissas”7.
Também será desenvolvida na estratégia hipotética, vez que se busca a comprovação e
a negação de dados. Da hipótese formulada, deduzem-se conseqüências que deverão ser
testadas ou falseadas.
A investigação levará em conta os aspectos de sua natureza básica; do ponto de vista
da forma de abordagem será quantitativo-qualitativa; em decorrência destes aspectos será
importante compreender a concepção da pesquisa sobre os objetivos traçados no que tange a
possibilidade de trabalhar de forma exploratória e explicativa; já do ponto de vista dos
7
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia científica. Ciência do Conhecimento
científico, métodos, teoria, hipóteses e variáveis. Metodologia Jurídica. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 64.
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procedimentos técnicos se desenvolverá levando em conta a revisão bibliográfica,
experimental, documental e de levantamento de procedimentos.
Primeiramente, será analisado o sistema normativo jurídico brasileiro, dando enfoque
às normas referentes à área da saúde. A seguir, será analisado o tratamento dado à saúde no
direito brasileiro, objetivando uma comparação entre a eficácia dos diferentes tipos de normas
relativas ao tema. Serão, ainda, demonstrados os subsídios legais para o exercício desse
direito, através da legislação e da doutrina, com a utilização do método dedutivo, ao mesmo
tempo em que se tentarão responder o problema e se confirmar ou não a hipótese de pesquisa,
através de uma análise pelo método hipotético-dedutivo.
Resultados (ou Resultados e Discussão)
Como o trabalho encontra-se em desenvolvimento, os resultados ainda são parciais.
Entretanto, pode-se observar, até o presente momento, que as normas infraconstitucionais por
serem mais específicas e próximas aos profissionais da área da saúde, acabam tendo um
grande grau de eficácia. Por outro lado, ainda questiona-se se essas normas são sempre
respeitadas ou se elas são afastadas quando o objetivo final é a preservação da saúde.
Conclusão
Em virtude da fase inicial da pesquisa não são possíveis informações conclusivas.
Entretanto, já é possível vislumbrar uma tendência de maior valorização ao direito à saúde,
mesmo que para isso seja necessário sacrificar certos ditames previstos nas normas
infraconstitucionais.
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