Escassez e qualidade dos engenheiros no Brasil: uma proposta de sistematização do debate Bruno César Araújo (IPEA/USP) Leonardo de Melo Lins (USP) Guilherme Amaral (USP) Roteiro • Introdução • Renda per capita tem relação com ocupações técnico-científicas • Formação e emprego de engenheiros e crescimento: o caso brasileiro • Aspectos do mercado de trabalho em engenharia • Afinal, qual o debate? Uma proposta de sistematização Introdução • • Debate brasileiro recente sobre um possível cenário de escassez de mão-de-obra qualificada em geral (e de engenheiros em particular): estaríamos à iminência de um “apagão”? Alguns indicadores de escassez de engenheiros seriam (Burtz et al., 2003): 1. 2. 3. 4. Queda no emprego e na formação dos engenheiros com respeito ao passado recente; Emprego e formação menor do que seria desejado socialmente; Preços ascendentes (salários); Outros aspectos do mercado de trabalho (Nascimento, 2011): • • • • • • • Baixas taxas de desemprego; Proporção crescente de empregados nas ocupações típicas; Alta rotatividade da mão-de-obra especializada, que tenderia a permanecer pouco nos empregos em busca de melhores salários – o que seria refletido na redução do diferencial entre os salários dos demitidos e dos admitidos; Vagas abertas preenchidas com dificuldade; Aumento nas horas trabalhadas, com o uso freqüente de horas extras; Concorrência acirrada entre empresas pelos melhores profissionais; Redução das exigências para a contratação. Mas antes dessa discussão... Renda per capita e recursos humanos em C&T (1) Renda per capita e recursos humanos em C&T (2) PIBperCapi tait i 0 1HRST it Modelos de Efeitos Fixos: Variáveis HRST (1) (2) PIB per capita PIB per capita 552.9*** (139.0) HRST (somente nível superior) 712.0*** (191.9) Constante Observações R-quadrado Número de países (erros-padrão entre parênteses) *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1 19,690*** 25,915*** (4,272) (2,905) 70 70 0.260 0.234 24 24 Formação, emprego e PIB no Brasil 300,00% 250,00% PIB 200,00% Po Total 150,00% Po.Total. Engenharia 100,00% Formados em Engenharia 50,00% Formandos total 0,00% 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Formação, emprego e PIB no Brasil: Conclusões parciais Q. Houve queda no emprego e na formação dos engenheiros com respeito ao passado recente? R. Não. O crescimento no número dos engenheiros empregados foi de 5,8% a.a. entre 20002011, e o de engenheiros formados, de 8,7%. Entretanto, estas taxas de crescimento não foram tão diferentes do total de empregados e do total de formados em todos os cursos, respectivamente. Q. O emprego e o número de engenheiros são menores do que o desejado socialmente? R. Não. Embora seja muito difícil quantificar exatamente a demanda de engenheiros, ou calcular o que seria um número socialmente ótimo, acredita-se que eles guardam alguma relação com o PIB. Em outras palavras, deve existir uma razão teórica engenheiros/PIB ideal. Assim, mesmo que se imagine um déficit no curto prazo, este deve ser corrigido ao longo do tempo porque a taxa de crescimento dos formados em engenharia é bem superior do que a do PIB. Soma-se a isso a possibilidade de atrair engenheiros fora das ocupações típicas (mas isso acreditamos ser difícil, devido aos padrões de carreira). Aspectos do mercado de trabalho Q. Como foi a evolução dos salários dos engenheiros? R. Crescente, mas nisso não foi muito diferente das outras ocupações formais – o diferencial entre as ocupações de engenharia e as demais não cresceu ao longo da década. Portanto, este indicador não sinaliza aquecimento específico do mercado de trabalho de engenheiros, pelo menos relativamente às outras ocupações. Ano Engenharia (a) P.O. Total (b) Razão (a)/(b) 2006 7.022,06 1.510,76 465% 2007 7.137,49 1.523,13 469% 2008 7.491,62 1.587,19 472% 2009 7.836,87 1.626,48 482% 2010 7.412,73 1.674,99 443% Q. Como foi a evolução do desemprego dos engenheiros? R. Usando dados dos dois últimos Censos, Menezes-Filho (2012) nota uma queda da taxa de desemprego entre os formados em engenharia de 4% em 2000 para 2% em 2010. Apesar da queda, vale notar que a taxa de desemprego entre os formados em engenharia é historicamente baixa (Pompermayer et al, 2011). Aspectos do mercado de trabalho Q. O que aconteceu com os “engenheiros fora da engenharia” (fora das ocupações típicas)? R. Ainda de acordo com o Menezes-Filho (2012), a proporção de engenheiros em ocupações típicas subiu em todas as áreas da engenharia entre 2000 e 2010, chegando a 38% (para comparação, medicina = 80%). Além disso, e talvez mais importante, em 2000 os engenheiros exercendo outras ocupações que não as típicas tendiam a ganhar mais, e isso se inverteu em 2010. Q. Como anda a rotatividade dos engenheiros? Eles estão procurando (e achando) melhores empregos em outras empresas? R. Não. Nascimento (2011) analisa a questão da rotatividade da mão-de-obra dos profissionais em Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM) conjugada ao comportamento da diferença de salários entre demitidos e admitidos na indústria e na construção civil a partir dos microdados do CAGED, entre jan 2003 e mai 2011. Foram identificados 3 períodos de aquecimento (redução do diferencial demitidos/admitidos e/ou redução da rotatividade). Mas em nenhum deles se pode falar em “escassez” (3 meses ou mais de taxas acima de 1 desvio-padrão da média histórica). Conclusão A análise conjunta de todos estes indicadores quantitativos; 1. 2. 3. 4. 5. 6. Queda no emprego e, principalmente, na formação dos engenheiros? Crescimento no emprego e formação menor que o crescimento do PIB? Crescimento no diferencial do salário dos engenheiros em relação à média? Queda no desemprego dos engenheiros? Aumento das ocupações típicas, com valorização das mesmas? Os engenheiros estão procurando melhores empregos em outras empresas? Conclusão: se existe pressão, esta é de curto prazo. Afinal, qual o debate? A discussão quantitativa e geral pode esconder algumas dimensões importantes. 1. Qualidade – Nada foi dito sobre qualidade até agora. De fato, mais de 40% dos formandos em engenharia são de cursos conceito 1 e 2 do Enade (Gusso e Nascimento, 2011). Não mais de 30% dos formandos vêm de universidades de ponta (conceitos 4 ou 5 ou universidades de pesquisa). Afinal, qual o debate? 2. Problema geracional (2000 vs. 2010) Engenheiros CBO (2000 = 133 mil, 2010 = 233 mil) Engenheiros formados (2000 = 567 mil, 2010 = 937 mil) 70 ou + 65 a 69 60 a 64 55 a 59 50 a 54 45 a 49 Engenheiros 2000 40 a 44 Engenheiros 2010 35 a 39 30 a 34 25 a 29 20 a 24 20% – 10% % 10% 20% Se, em termos agregados, podem não faltar engenheiros, pode ser notado certo desequilíbrio na pirâmide etária desta categoria profissional (formação e ocupação). Resquício da “década perdida”? Afinal, qual o debate? 3. Especialidades específicas – Podem não faltar engenheiros em geral, mas pode haver carências específicas (especialidades/certificações). – Pompermayer et al. (2011) indicam que há carências em especialidades como engenharia naval e de minas, por exemplo. A própria Petrobras tem um programa de bolsas de estudo para formação de mão-de-obra em petróleo, gás e combustíveis. Afinal, qual o debate? 4. Problemas regionais – – – A concentração regional de formandos em engenharia é tradicional, e reflete a distribuição dos bons cursos ao redor do país. Também é natural a concentração regional do emprego em engenharia nas áreas mais densamente industrializadas, e mais recentemente nas áreas de exploração de petróleo e gás. Em teoria, migração pode resolver o problema. Mas é de se esperar que o ajuste do mercado de trabalho via migração demore um pouco para ocorrer, o que pode gerar problemas de curto prazo. A este exemplo, ver em Nascimento (2012) o que está acontecendo na Região Metropolitana do Recife.