RELATÓRIO DE ANÁLISE DE ACIDENTE EMPRESA: IMCOPA Importação, Exportação e Indústria de Óleos Ltda. LOCAL: Araucária-PR DATA DO ACIDENTE: 18 de abril de 2007 às 11:30hs DATA DA VISITA: 08 de maio de 2007 TIPO DE OCORRÊNCIA: Explosão seguida de incêndio com 4 mortos e 2 feridos. INFORMAÇÕES SOBRE A EMPRESA: Empresa do ramo químico, com 334 empregados. Contratante de obra de ampliação das instalações executadas por empreiteiras. VÍTIMAS: 1. DOUGLAS ERICK DE SOUZA (ÓBITO) 2. VINÍCIUS VIEIRA (ÓBITO) 3. ONIVALDO PEREIRA DE BARROS (ÓBITO) 4. ARMINDO FERRARI (ÓBITO) 5. ANTONIO CIOCH (QUEIMADURAS DE 2º GRAU NO PESCOÇO) 6. GILDEMAR BATISTA DE MACEDO (QUEIMADURAS EM 11% DO CORPO) 1. DESCRIÇÃO E LOCAL DO ACIDENTE: Segundo informações obtidas no local, eram executadas obras dentro e nas proximidades de uma bacia de tanques, onde havia armazenado álcool etílico, quando um dos tanques com capacidade de 311.000 litros e contendo cerca de 10% de produto explodiu. Um segundo tanque também veio a explodir posteriormente. (figura 1) Figura 1 Os tanques eram atmosféricos, construídos em aço carbono e revestidos internamente com resina e com tubulação de entrada de produto pelo teto na forma de descarga em chuveiro e saída pela parte inferior. Eram equipados, segundo o projeto, com tomada para transmissor de nível, portas de inspeção de teto e de costado e válvula de alívio de pressão conjugada com corta-chama. A empresa informou que eram executadas apenas obras de alvenaria e com fiação elétrica no interior da bacia e nas proximidades, que não incluíam trabalhos “a quente, como soldagem, esmerilhamento ou corte oxi-acetilênico. Outras informações, entretanto, relataram operações com solda a cerca de 20 metros do tanque. O primeiro tanque rompeu-se na base projetando-se com teto e costado e liberando o produto incendiado que atingiu os trabalhadores vitimados. (figura 2) A explosão do segundo tanque ocorreu devido ao aquecimento dos vapores em seu interior provocado pelo incêndio no tanque próximo. Figura 2 O segundo tanque permaneceu com a base e o costado intactos, tendo o seu teto projetado. Os primeiro combate foi realizado pela brigada interna da empresa com auxilio de empresas vizinhas, notadamente no fornecimento de água de combate a incêndio. A ocorrência somente foi controlada cerca de três horas depois. 2. ESCOPO E OBJETIVOS DA ANÁLISE DO ACIDENTE: O presente relatório tem como objetivo estudar e apontar as possíveis causas da ignição da mistura de ar + vapores de álcool no interior do tanque, assim como analisar as conseqüências do evento e propor medidas de segurança para a prevenção de novas ocorrências assim como para reduzir a gravidade de eventuais novos casos. Não objetiva constituir-se num laudo pericial. 3. METODOLOGIA: - Visita e registros fotográficos do local da ocorrência; Entrevista com o maior número possível de pessoas envolvidas; Análise de normas técnicas aplicáveis; Consulta a especialistas; Análise de informações e notificações da Delegacia Regional do Trabalho de Curitiba; Consulta a referências bibliográficas e materiais técnicos confiáveis; Noticiário da imprensa. 4. ANÁLISE DO AMBIENTE DO ACIDENTE: No dia 08 de maio de 2007 os técnicos da Fundacentro de São Paulo, Fernando Vieira Sobrinho e José Possebon estiveram na empresa acompanhados pelos auditores fiscais da Delegacia Regional do Trabalho de Curitiba, Maria Eloísa Negrello e Francisco Carlos Bergami e pelo Técnico Adir de Souza, da Fundacentro-PR. Foram ouvidas várias pessoas das áreas de produção, segurança do trabalho, brigada de emergência e funcionários terceirizados relacionados com o acidente. As informações obtidas nem sempre foram consistentes, quer seja com fatos observados ou mesmo entre os entrevistados, o que se constitui numa dificuldade da apuração das causas por meio dessa etapa. A verificação física dos equipamentos mostrou comportamentos distintos em termos de resistência mecânica, uma vez que o primeiro tanque a explodir rompeu-se na base projetando-se inteiramente com costado e teto intactos e o segundo teve seu teto projetado mantendo-se fixo na bacia. As diferentes quantidades da fase vapor nos tanques pode explicar essa diferença, pois no primeiro tanque tal fase era de cerca de 90% do volume enquanto no segundo era bem menor. Somente uma perícia de engenharia poderia determinar não conformidades em termos de elaboração do projeto dos tanques, de construção, montagem e soldagem para se chegar a uma conclusão quantitativa, o que não é o objetivo desse relatório. Foram analisadas as seguintes normas: - API STANDARD 650 - Welded Steel Tanks for Oil Storage - NBR 7821 - Tanques soldados para armazenamento de petróleo e derivados - NBR 7505 - Armazenagem de petróleo, seus derivados líquidos e álcool carburante - NR 20 – Líquidos combustíveis e inflamáveis Consultas a especialistas em construção e inspeção de tanques forneceram informações no sentido de que as normas existentes atuais não especificam “solda fraca” para tetos de tanques com a capacidade dos acidentados na IMCOPA. Entende-se por “solda fraca” aquela aplicada na fixação do teto sobre o costado do tanque e que, em caso de explosão, permite que o teto seja projetado enquanto o costado é mantido intacto para contenção do produto no interior do tanque. Isso facilita o combate ao incêndio e evita o alastramento das chamas. Foram também consultadas e estudadas as seguintes referências: (a) Static Electricity, da International Social Security Organization, Germany (b) vídeo técnico instrucional “static electricity” produzido pela CIBA-GEIGY (c) relatório preliminar da Delegacia Regional do Trabalho de Curitiba 5. ANÁLISE CRÍTICA DO ACIDENTE: O álcool etílico é um liquido inflamável com ponto de fulgor de 13°C, energia mínima de ignição em torno de 0,03mJ e faixa de explosividade entre 3,3 e 19% de mistura de vapor e ar. Em tanques atmosféricos, a operação automática da válvula de alívio de pressão ou válvula de pressão e vácuo faz com que excesso de vapores no interior do tanque sejam liberados, mas também admite a entrada de ar externo na medida que diminui o nível de líquido no interior do tanque, equalizando as pressões internas e externas. Como conseqüência, têm-se no interior do tanque uma mistura de ar + vapor de álcool dentro da faixa de explosividade. Uma fonte com energia suficiente para atingir a energia mínima de ignição provoca a explosão dessa mistura. Na situação analisada pode-se relacionar as possíveis fontes de ignição que implicassem na ignição da mistura no interior do primeiro tanque, considerando as limitações naturais no levantamento de informações (tempo decorrido entre o evento e a visita, mudanças de cenário e imprecisão das entrevistas): A) Descarga atmosférica Não se verificaram evidências consistentes para essa hipótese B) Admissão de fonte de ignição devida a falha do corta chama da válvula Improvável C) Soldagem ou corte acetilênico que introduzissem a fonte de ignição pelo costado do tanque Não foram levantadas evidências consistentes para essa hipótese D) Admissão de fonte de ignição por meio da tubulação de enchimento Havia evidências para essa hipótese E) Geração de cargas eletrostáticas no interior do tanque Verificaram-se totais condições para essa possibilidade e para a probabilidade de uma ignição provocada por eletricidade estática. A hipótese da fonte de ignição ter alcançado o interior do tanque por meio da tubulação pode ser admitida, uma vez que o duto poderia ter conduzido essa fonte de algum ponto remoto da linha de transferência. Como o enchimento é feito pelo topo do tanque, é possível a presença de vapores na tubulação o que não ocorreria caso a alimentação fosse feita pelo costado, próximo da base, ficando a saída do duto mergulhada no líquido no interior do tanque. Para confirmação dessa hipótese seria necessária uma análise técnica criteriosa dos dutos, o que não foi possível. A seguir é apresentado um estudo ilustrando as condições favoráveis à ocorrência de acumulo de cargas eletrostáticas no interior do tanque e, conseqüentemente, a possibilidade de uma descarga de tal natureza ter causado a explosão: A eletricidade estática é um fenômeno conhecido na indústria de processos e a literatura aponta a mesma como um fator com potencial de causar acidentes com incêndios e explosões em locais com presença de misturas explosivas de ar e vapores inflamáveis, como era o caso do interior do tanque. Para tanto é necessário que as cargas acumuladas sejam suficientes para gerar uma descarga com energia igual à energia mínima de ignição da substância A forma como era feito o enchimento do tanque, ou seja, com a tubulação de entrada despejando o produto em queda livre a partir do topo é um conhecido processo gerador de cargas eletrostáticas conforme mostram as figuras abaixo extraídas da referência (b) num experimento feito em menor escala. Escoamento de líquido em queda livre sobre um container metálico (condutor de eletricidade) Medição do campo elétrico gerado pela queda do líquido mostrando variação de cargas Cargas elétricas Animação ilustrando as cargas elétricas e seu movimento na superfície do líquido Observar que as cargas escoam pela superfície do material metálico do container Container de material plástico não condutor Observar que as cargas permanecem no interior do container (fonte: Static Electricity, da ISSA) No caso do tanque acidentado, apesar do mesmo ser construído em aço carbono o revestimento interno com resina funcionou como isolante auxiliando no acúmulo de cargas na superfície do líquido. Se essa quantidade de carga fosse tal que pudesse gerar uma diferença de potencial em relação a alguma superfície e uma descarga com energia mínima de ignição igual ou superior à do álcool, a explosão ocorreria. Há também a hipótese de que as cargas elétricas estivessem presentes na fase vapor em quantidade suficiente para gerar a explosão entre a boca de entrada e a parede lateral interna, dependo da distância entre as mesmas. Em relação às graves conseqüências do acidente, ou seja, as mortes e ferimentos causados aos trabalhadores, as mesmas poderiam ter sido evitadas caso o tanque permanecesse com seu costado intacto e contendo o produto incendiado no seu interior. Uma análise das normas técnicas atualmente existentes demonstra que as mesmas não são suficientes para se evitar o acidente e suas conseqüências, notadamente no que se refere à Norma Regulamentadora n. 20 da Portaria 3214 do Ministério do Trabalho que permanece inalterada desde sua publicação em 1978. Também não se observa nas normas ABNT consultadas subsídios para incrementar a segurança desse tipo de tanque. Verificou-se, finalmente, uma gestão de riscos inadequada por parte da empresa onde ocorreu o acidente, em vista das irregularidades detectadas e contidas no relatório da Delegacia Regional do Trabalho de Curitiba. MEDIDAS RECOMENDADAS: A) EM NÍVEL DE PROJETO: A operação de enchimento dos tanques deve ser feita por baixo, em vazão baixa até que a boca de entrada esteja totalmente mergulhada no produto, evitando dessa forma a descarga em queda livre, geradora de cargas eletrostáticas. O teto do tanque deve ser fixado sobre o costado com a chamada “solda fraca”, ou então ser instalada uma tampa de emergência que se rompa em caso de explosão e mantenha o costado intacto. Câmaras de espuma podem ser instaladas para a injeção automática no tanque em caso de incêndio, abafando a superfície em chamas. Câmaras de inertização podem ser providenciadas, injetando gás inerte (nitrogênio, por exemplo) ao invéz da admissão de ar propiciada pela válvula de pressão e vácuo. Elaboração e execução (construção) do projeto seguindo rigidamente as normas técnicas aplicáveis, incluindo acompanhamento, inspeção e teste previamente á liberação do tanque para operação. B) EM NÍVEL DE SEGURANÇA DO TRABALHO Atender às recomendações feitas pela Delegacia Regional do Trabalho Estabelecer um programa de Segurança, Saúde e Meio Ambiente que inclua análises de riscos, perigos, vulnerabilidades e conseqüências adequados às atividades específicas da empresa. O programa de SSMA deve também incluir etapas de treinamento, capacitação e aperfeiçoamento dos diversos níveis de profissionais envolvidos com a questão, incluindo as empresas contratadas e trabalhadores terceirizados. Finalmente, considera-se importante que as instâncias competentes do Ministério do Trabalho e Emprego ampliem e incrementem ações preventivas, por meio de programas de capacitação, produção e difusão de informações, revisão de normas e implementação de acordos e convenções internacionais como o GHS – Sistema Globalmente Harmonizado de Rotulagem de Substâncias Químicas, Convenção 170 e 174 da Organização Internacional do Trabalho, que versam respectivamente sobre segurança com produtos químicos e prevenção de acidentes químicos ampliados. São Paulo, 18 de setembro de 2007-09-19 Fernando Vieira Sobrinho José Possebon