PROJETO CADEIRA DO SABER: UMA EXPERIÊNCIA DE PRODUÇÃO TEXTUAL - ARTIGO DE OPINIÃO Raquel Lima Silva Costa1 – SESI-SP Grupo de Trabalho - Didática: Teorias, Metodologias e Práticas Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Na sala de aula, os estudantes apresentam diversos tipos de dificuldades, o que é normal, já que, no processo de ensino e aprendizagem, é fundamental que tracem hipóteses diante do que aprendem, descobrem e aprimoram. Contudo, como professora de Língua Portuguesa, muito me intrigava (e ainda intriga) o fato de alguns jovens conseguirem defender e refutar oralmente um ponto de vista, mas não conseguirem se expressar na modalidade escrita da língua. São alunos que gostam de opinar durante as aulas e que sabem da importância da argumentação, no entanto, apresentam textos pouco claros, com ausência de coesão e coerência, com tema tratado superficialmente e, muitas vezes, com ideias e argumentos insustentáveis. Ao vivenciar mais intensamente essa situação no ano de 2012, quando lecionava para duas turmas de 9º ano (64 estudantes), na rede escolar SESI-SP, decidi pensar em uma estratégia capaz de colaborar para que meus alunos aprimorassem a escrita de textos opinativos. Para tanto, desenvolvi junto à turma o projeto Cadeira do Saber, por meio do qual busquei realizar intervenções didáticas individualizadas. Tratou-se, à época, de minha primeira iniciativa em investigar mais profundamente uma situação-problema relacionada à dificuldade de escrita dos estudantes. Foi algo que exigiu de mim tempo para estudar sobre o assunto e revisar minha proposta didático-metodológica. Com o desenvolvimento do projeto, o qual busquei desenvolver de uma forma que entendo ser muito simples, consegui fazer com que os estudantes: desenvolvessem o gosto pelo hábito de leitura; realizassem uma leitura mais atenta dos textos, especialmente no que diz respeito ao ponto de vista do autor; e valorizassem o planejamento e a reescrita sistemática de suas produções, antes da versão final dos textos que eram solicitados. Palavras-chave: Produção textual. Artigo de opinião. Avaliação formativa. Feedback. Autoavaliação. 1 Graduada e mestre em Letras pela UNESP. Professora, entre 2010 e 2012, e analista técnico educacional, desde 2013, na rede escolar SESI-SP. E-mail: [email protected] ISSN 2176-1396 35144 Introdução Em 2012, eu lecionava Língua Portuguesa na rede escolar SESI-SP para os 9ºs anos do Ensino Fundamental, na cidade de Jacareí/SP. 2 No SESI-SP, o ensino de Língua Portuguesa está pautado em sequências didáticas que enfocam os gêneros textuais, de modo a possibilitar aos estudantes a reflexão sobre o contexto em que os gêneros são produzidos, sua finalidade, público-alvo e meio de circulação. Esse trabalho com os gêneros textuais busca levar os estudantes a aprimorarem suas capacidades de linguagem e desenvolverem outras capacidades que ainda não dominam. À época do desenvolvimento do projeto Cadeira do Saber, o gênero que eu desenvolvia junto aos estudantes era o artigo de opinião. O projeto Cadeira do Saber Durante as sequências didáticas destinadas à investigação e produção do gênero artigo de opinião, constatei, a partir da análise da produção inicial dos estudantes, que eles apresentavam dificuldade em desenvolver uma sequência discursiva argumentativa. Observei também que os textos apresentavam problemas relacionados à coesão e coerência e, muitas vezes, baseavam-se no senso comum e prendiam-se ao discurso oral (revelavam um tom de conversação). Além disso, as dificuldades eram muito heterogêneas, o que dificultava, por exemplo, a sistematização de conceitos específicos para toda a turma, já que cada aluno tinha um tipo e grau de dificuldade. Diante disso, precisei pensar em alguma estratégia por meio da qual eu pudesse realizar um acompanhamento mais individualizado, especialmente no que diz respeito à produção textual. Para, então, aproximar-me ainda mais da realidade de escrita de meus alunos, desenvolvi o projeto Cadeira do Saber, cujo nome é, a um só tempo, literal e simbólico: os alunos sentavam-se, um por vez, numa cadeira colocada ao lado de minha mesa. A cadeira onde sentavam representava paciência (sentar-se para pensar) e conhecimento (pensar para produzir). O nome do projeto, aliás, surgiu num momento de descontração (e também de insight): quando um dos estudantes reclamava das dificuldades em produzir o texto, puxei uma cadeira, coloquei-a ao meu lado, chamei meu aluno e disse-lhe: “senta aqui, pois, assim, 2 À época, eu também lecionava Língua Portuguesa para duas turmas de 8º ano e Língua Espanhola para todos os anos do Ensino Médio. 35145 você vai compreender melhor”. Num primeiro instante, os alunos estranharam, alguns se sentiam tímidos, outros inquietos... Com o tempo, não tinha uma aula em que não quisessem sentar na cadeira do saber. Contudo, sentar na cadeira do saber não se tratava de algo simples. Não era somente pedir para os estudantes sentarem ao meu lado e eu lhes auxiliar em suas dúvidas de escrita. Além (e em razão) da heterogeneidade da turma diante de uma série de fatores (especialmente no que se refere ao histórico acadêmico e aos interesses pessoais dos alunos), os ritmos de aprendizagem eram bem diversos. Diagnosticar as dificuldades e desenvolver estratégias didáticas requeria, portanto, uma sistematização de dados e um monitoramento, tanto de minhas ações como da aprendizagem dos estudantes. Nesse sentido, a concepção de educação da rede escolar SESI-SP contribuiu para que eu pudesse desenvolver esse projeto. Trata-se de uma rede que valoriza a relação dialógica, na perspectiva de Paulo Freire (2011), e os princípios da avaliação formativa, defendida, dentre outros autores, por Maria Benigna Villas Boas (2009 e 2010). Ademais, no que se refere especificamente à Língua Portuguesa, o ensino e aprendizagem dos gêneros textuais baseia-se na proposta de sequências didáticas desenvolvida por Bernard Schneuwly e Joaquim Dolz (2004). Além desses autores, fui inspirada pela proposta de Philippe Perrenoud (2000) sobre os dispositivos didáticos de diferenciação. São propostas teóricas e metodológicas que contribuíram para o aprimoramento de minha prática pedagógica. O desafio de identificar as dificuldades dos alunos e traçar planos de ação Diante dos pressupostos da avaliação formativa, que tem por elementos fundamentais a regulação da prática pedagógica e o fornecimento de feedback por parte do docente ao aluno, para que este consiga, gradativamente, desenvolver a autorregulação de sua aprendizagem por meio da autoavaliação e da metacognição (cf. VILLAS BOAS, 2009), tomei a decisão de monitorar a aprendizagem dos estudantes, de forma individual, adequando encaminhamentos pedagógicos a uma situação de aprendizagem que se tornasse mais significativa a cada um deles. Por fundamentar-se num monitoramento constante da prática docente, eu percebi que a avaliação formativa propicia reajustes contínuos no trabalho pedagógico. Nessa avaliação, é fundamental o trabalho colaborativo entre professor e estudante, no sentido de que ambos precisam manter um vínculo permanente na execução das atividades escolares, tornando-se imprescindível uma postura democrática por parte do professor e um posicionamento ativo 35146 por parte do aluno, que terá de enxergar-se como corresponsável no processo de construção do conhecimento. Não se trata de uma tarefa fácil, já que, por motivar a ruptura de algumas características da educação tradicional, em que o professor era o único detentor do saber, a avaliação formativa requer uma ação mediada: o professor precisa atuar como um articulador e problematizador, a fim de que os alunos sejam capazes de sistematizar o que já sabem, aprofundando seus conhecimentos e atuando no mundo, com visão analítica e crítica. Eu percebia nesse tipo de avaliação a oportunidade de conseguir ouvir melhor os meus alunos, para que, diante disso, eu pudesse elaborar atividades e pensar em recursos que facilitassem a aprendizagem. Quando, então, comecei a colocar em prática a avaliação formativa, passei a realizar uma avaliação diagnóstica das produções dos estudantes, especialmente quando lia seus textos, no momento em que se sentavam na cadeira do saber. Assim, comecei a identificar mais nitidamente tanto os avanços quanto as reais dificuldades dos alunos. Não significa que eu não conseguisse realizar isso antes, quando apenas recolhia as produções dos estudantes e as lia. Ocorre que, quando os alunos se sentavam ao meu lado, eles tinham a oportunidade de me explicar o que pensavam ao escrever. Assim, muitas das coisas – que eu apenas inferia, no momento “solitário” da correção –, eu conseguia compreender melhor por meio do diálogo que eu estabelecia com o aluno, quando ele se sentava na cadeira do saber. Em outras palavras, eu comecei a compreender melhor as hipóteses dos estudantes e a forma como traçavam algumas relações na escrita. Dessa maneira, eu passei a verificar que, enquanto uns não conseguiam estabelecer sequência textual (progressão temática, por exemplo), outros conseguiam mantê-la, mas não usavam, de forma adequada, nem elementos coesivos (anáforas e catáforas) nem conectores discursivos (especialmente advérbios de tempo, conjunções e locuções conjuntivas), afetando a relação de causa e consequência, de explicação, de temporalidade etc., e, consequentemente, ferindo a relação lógica de seus textos. Segue um exemplo de um fragmento de um texto de um estudante em que isso pode ser percebido: Bom, apartir da notícia, onde a prefeitura de São Paulo apresentou na manhã de terça-feira, dia 5 de junho deste ano (...), que os primeiros táxis elétricos iriam circular na cidade de São Paulo, sendo assim, um dos primeiros da América Latina, deixa muitos taxistas preocupados, pois está sendo muito caro aqui no Brasil, e não 35147 tem pontos de recarregamento, e além disso, se demora 6 horas para se recarregar o carro.3 Na primeira reescrita do texto (após a primeira orientação recebida na cadeira do saber), o estudante já demonstrava a seguinte versão de sua produção: A partir da notícia, em que a prefeitura de São Paulo apresentou na manhã de terça-feira, dia 5 de junho deste ano (...), fiquei sabendo que os táxis elétricos iriam circular na cidade de São Paulo, sendo assim, um dos primeiros da América Latina. Isso deixa assim muitos taxistas preocupados, pois está sendo muito caro um carro aqui no Brasil, e não há pontos de recarregamento, e além disso, se demora 6 horas para se reabastecer o carro.4 Esse texto passaria por novas reescritas, especialmente após a sistematização de conceitos e depois de outros momentos na cadeira do saber. Ao realizar esse acompanhamento individual e ao analisar os resultados que, aos poucos, eu estava obtendo, eu confirmava, em minha prática, o que já havia anunciado Philippe Perrenoud (2000, p. 55): Para que cada aluno progrida rumo aos domínios visados, convém colocá-lo, com bastante frequência, em uma situação de aprendizagem ótima para ele. Não basta que ela tenha sentido, que o envolva e mobilize. Deve também solicitá-lo em sua zona de desenvolvimento próximo. Quem poderia se opor a esse magnífico programa? O incômodo é que há inúmeros alunos em uma aula. Ora, uma situação-padrão consegue excepcionalmente ser ótima para todos, porque eles não têm o mesmo nível de desenvolvimento, os mesmos conhecimentos prévios, a mesma relação com o saber, os mesmos interesses, os mesmos recursos e maneira de aprender. Diferenciar é romper com a pedagogia frontal – a mesma lição, os mesmos exercícios para todos –, mas é, sobretudo, criar uma organização do trabalho e dos dispositivos didáticos que coloquem cada um dos alunos em uma situação ótima, priorizando aqueles que têm mais a aprender (em itálico, grifo do autor; em negrito, grifo meu). As etapas da produção textual Como mencionado anteriormente, nas etapas de produção textual tomei por referência as sequências didáticas propostas por Schneuwly, Joaquim Dolz et al (2004) e o próprio material didático da rede – Movimento do aprender – que segue a metodologia desses autores. Conforme Dolz et al (2004), as sequências didáticas são “um conjunto de atividades escolares, organizadas de maneira sistemática, em torno de um gênero oral ou escrito” (p.82). Essas sequências instauram uma primeira relação entre um objeto de apropriação de uma prática de linguagem e os instrumentos que facilitam essa apropriação, buscando confrontar 3 4 Fragmento transcrito na íntegra. Fragmento transcrito na íntegra. 35148 os alunos com práticas de linguagem historicamente construídas – os gêneros textuais –, para lhes dar a possibilidade de construí-las e delas se apropriarem (cf. SCHNEUWLY & DOLZ, 2004, p. 43). A sequência didática estrutura-se da seguinte forma: Figura 1. Esquema da sequência didática Fonte: Dolz et al, 2004, p. 83. Essas etapas constituem um ciclo de ensino e aprendizagem que, gradativamente, vai sendo aprofundando. Em minha prática, conforme sugerido pelos autores, dei relevância à apresentação da situação (deixando bem claro aos estudantes a finalidade dos textos que teriam de produzir) e à análise da produção inicial, momento em que eu realizava uma avaliação diagnóstica para identificar o que precisava aprofundar nos módulos. Dessa forma, eu conseguia, diante das dificuldades dos alunos, instaurar mudanças associadas a uma situação específica de aprendizagem, tendo que, para isso, analisar as capacidades e dificuldades de meus alunos, não somente antes de ensinar determinados conteúdos, como durante o processo de ensino e aprendizagem (cf. SCHNEUWLY e DOLZ, 2004, p. 45). Nos módulos, etapas posteriores à produção inicial, eu me preocupava em diversificar atividades, seguindo aquelas propostas no material didático da rede, complementando-as, quando julgava necessário e, paralelamente, dava ênfase às orientações individuais, na cadeira do saber. Enquanto eu tinha ao meu lado um estudante que recebia minhas orientações, os demais alunos davam continuidade às atividades propostas no material. Em momentos programados, retomávamos as atividades para discuti-las e aprofundá-las. Em datas, também pré-agendadas, eu apresentava minha análise das produções textuais da turma e, a partir de fragmentos de textos dos próprios alunos (com autorização prévia deles), eu conseguia sistematizar conceitos e, até mesmo, problematizar situações para que os estudantes tentassem resolvê-las. Como todos passavam pela cadeira do saber, eu conseguia também colher dados a 35149 partir dos quais eu verificava similaridade nas questões apresentadas pelos estudantes (ainda que algumas delas mantivessem suas especificidades), sendo muito comum, por exemplo, a identificação, por parte dos alunos, com as formas de escrita dos demais colegas de classe. Foi marcante, no processo, a ênfase dada, durante o aprofundamento do gênero artigo de opinião, à importância de argumentos plausíveis para a defesa de um ponto de vista. Nesse quesito, continha no material didático Movimento do aprender uma estratégia muito interessante: uma sequência de três textos sobre um mesmo episódio – o roubo do Rolex do apresentador Luciano Huck –, em que cada texto expunha um posicionamento de um autor diante do ocorrido. No primeiro dos textos, intitulado “Pensamentos quase póstumos”, o próprio Luciano Huck falava da situação que vivenciou, criticando a violência em São Paulo. No segundo, “Pensamentos de um ‘correria’”, o rapper Ferréz contra-argumenta a tese apresentada por Huck, expondo razões que leva alguém a roubar. No terceiro texto, “O rolo do Rolex”, 5 Zeca Baleiro problematiza a existência de opiniões que se fundamentam em estereótipos (situando, nesse caso, tanto a opinião de Huck como a de Ferréz), concluindo que há questões – como o roubo de um relógio – cuja interpretação é bem mais complexa do que dizer que um dos lados (dos ricos ou dos pobres) é culpado ou vítima na situação. Diante da leitura e intepretação desses fatos, verifiquei que os estudantes, em seus textos, tendiam a se posicionar de forma muito genérica e, quase sempre, apenas concordavam com Huck ou com Ferréz, às vezes reproduzindo o que os autores diziam, sem traçarem análises diante do posicionamento do autor. Foi um grande desafio, nesse sentido, debater com os alunos, de modo que pudessem defender ou refutar pontos de vista, apresentando um posicionamento crítico diante de situações polêmicas. Além dos tipos de argumentos, foi necessário aprofundar conceitos como: tópico-comentário, citação direta e paráfrase e estrutura conclusiva. Intensifiquei, portanto, o acompanhamento individual durante as aulas, fazendo paradas estratégicas para sistematizar conteúdos, tomando sempre por base as produções dos próprios estudantes. Com o passar do tempo, os alunos pediam para que seus textos fossem expostos, inclusive na íntegra. Abaixo segue um fragmento de texto resultante dessas discussões sobre a polêmica do roubo do Rolex, numa ocasião em que os estudantes teriam de 5 Os textos de Luciano Huck, Ferréz e Zeca Baleiro foram publicados, respectivamente, na Folha on-line (01/10/2007), Folha on-line (08/10/2007) e Folha de S. Paulo (29/10/2007). 35150 emitir opiniões diante dos argumentos apresentados pelos autores dos três textos mencionados, sendo, portanto, necessário uma análise do ponto de vista de cada um deles: (...) Huck, em seu argumento sobre o roubo de seu relógio “Rollex”, dita o ocorrido por que passou, e, com isso, também faz uma crítica à segurança da cidade de São Paulo. É correto da parte de Huck, e também um direito, o ato de querer se expor, relatando tal acontecimento. Em alguns momentos, ele se deixa levar pelo drama, porém ainda assim defendendo seu ponto de vista. Alguns criticaram-no, mas o fato de Huck ter usado de sua fama para expor o ocorrido foi algo positivo, pois ele acaba se tornando um porta-voz dos paulistanos que sofrem do mesmo. É uma forma de expressão que reivindica direitos e busca assim, uma melhor qualidade de vida.6 O fragmento acima se refere a um texto que passou por, no mínimo, duas reescritas por parte do aluno, e três leituras de minha parte, o que significa que o estudante sentou ao meu lado na cadeira do saber, ao menos por duas vezes. Verificar, nesse fragmento, a clareza do estudante ao defender seu ponto de vista, por meio de argumentos plausíveis e de uma linguagem que condiz com o contexto de produção textual é constatar resultados eficazes diante de um trabalho tão intenso. O portfólio como instrumento de autoavaliação Durante o desenvolvimento do projeto, propus aos estudantes que trabalhássemos com o portfólio, o qual, conforme Villas Boas (2010, p. 39), é mais do que uma coleção de trabalhos do aluno, haja vista que a escolha das atividades é feita por meio de autoavaliação, que envolve tanto o julgamento da qualidade da produção como das estratégias de aprendizagem utilizadas. Optei por esse instrumento avaliativo por acreditar que, por meio dele, eu conseguiria não somente monitorar a produção dos alunos, sistematizar o fornecimento de feedbacks e colher dados para diagnosticar avanços e dificuldades como também contribuiria para que os estudantes tivessem a oportunidade de acompanhar seus progressos, revisitando sempre seus textos e realizando a autoavaliação. Trabalhar com o portfólio foi uma estratégia muito positiva, contudo bastante desafiante, pois exigiu de mim muita clareza diante de minha prática pedagógica, fazendo-me sempre pensar na finalidade de minhas ações e no tempo e recursos didáticos que eu precisaria ter para alcançar meus objetivos. Além disso, eu precisei estabelecer cronogramas 6 Fragmento transcrito na íntegra. 35151 para conseguir ler todos os portfólios dos estudantes e dar-lhes feedbacks. O momento destinado ao projeto Cadeira do Saber contribuía para a realização dessas estratégias. A atribuição de notas às produções textuais dos estudantes Eu não lançava nota na produção inicial dos estudantes, pois se tratava de um texto por meio do qual eu averiguava as dificuldades relativas à aprendizagem, principalmente daquelas que ultrapassam as capacidades de linguagem dos alunos. Nos primeiros meses do projeto, a nota era lançada, a partir da segunda produção textual, sendo alterada a cada nova reescrita do texto, com o objetivo de que o aluno, uma vez progredindo em suas produções, automaticamente, obtivesse melhores notas. Com o tempo, dada as especificidades dos textos produzidos e diante de diversos tipos de dificuldades apresentadas pelos estudantes, comecei a refletir mais detidamente sobre o processo de correção e, aos poucos, fui tentando construir uma nova cultura no que se refere à nota. Algo também não muito fácil, uma vez que os alunos acreditavam que tudo que produziam na escola precisava de uma nota, restringindo-se mais ao aspecto quantitativo que ao qualitativo. Tentei, então, ressignificar a questão da nota, passando a atribui-la somente ao final do processo, quando eu realizava a avaliação somativa. Para lançar a nota, eu levava em consideração tanto os critérios avaliativos previamente estabelecidos e também todo o processo de produção textual, desde a primeira até a última produção dos estudantes, o que exigia de mim uma clareza dos feedbacks que eu fornecia aos alunos e do monitoramento que eu realizava, para saber como os estudantes reagiam às orientações fornecidas. Considerações Finais O projeto Cadeira do Saber foi um divisor de águas em minha prática pedagógica, pois, por meio dele, repensei sobre minha ação docente e sobre o impacto de minhas decisões na vida e no desempenho acadêmico de meus estudantes. Durante a vivência do projeto, duas situações foram marcantes: o dia em que uma aluna de um dos 9ºs anos me parou no corredor, deixando seu texto comigo, pedindo para que ele fosse apresentado à turma para suscitar as discussões durante a aula, e a ocasião em que, no momento em que entrei na sala, os alunos puxavam suas cadeiras para se sentarem ao meu lado, para que eu pudesse ler seus textos e dar-lhes feedbacks. Senti, nesses instantes, que estava conseguindo, ainda que, 35152 paulatinamente, fazer com que meus estudantes modificassem a postura diante da leitura e produção de textos, passando a sentir as ações de ler e escrever como algo natural que se estende da escola para as demais esferas sociais (e vice-versa). Agradecimento: Em tempo, gostaria de agradecer à Sandra Moreira que, em 2012, era coordenadora pedagógica do SESI-SP, de Jacareí/SP, e que, com carinho e sabedoria, muito contribuiu com o desenvolvimento desse projeto. REFERÊNCIAS FREIRE, Paulo. 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