As aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain Reflexões O livro As aventuras de Huckleberry Finn conta a história de um jovem que, através da amizade, conseguiu se libertar da cultura americana do século XIX que tolerava a escravidão. No começo da história, percebemos como Huck se sentia “fora de lugar”, não se sentia pertencente à sociedade. Ele não se sentia bem nem quando vivia na casa das senhoras, que o adotaram e tentaram “civilizá-lo” (viúva Douglas e Miss Watson), nem na companhia do pai, um alcoólatra que o maltratava. Certo dia, seu instinto de sobrevivência fala mais alto, e Huck foge, forjando sua própria morte. Em sua jornada, encontra Jim, o escravo de Miss Watson, que estava fugindo em busca de liberdade. Huck e Jim, de diferentes formas, compartilhavam a necessidade de se libertarem. Ao longo da história, constroem uma relação de amizade muito forte. Embora Huck soubesse que Jim era um homem bom, em diversos momentos vive um profundo conflito entre a sua consciência – isto é, o que sentia e acreditava que era o certo - e a cultura escravagista da época, que o condenaria por estar ajudando um negro a fugir. Por trás da aventura, o livro está encenando dilemas morais e éticos violentos da sociedade norte-americana do século XIX, e nos faz refletir sobre a relação que estabelecemos com a cultura na qual estamos inseridos. Muitas vezes, incorporamos certos aspectos da cultura em que nascemos sem perceber e sem questioná-los. A partir do momento em que passamos a refletir sobre as normas sociais e assumir uma postura crítica, podemos criar uma relação de diálogo com a cultura, até mesmo rompendo com determinados aspectos. Huck, por exemplo, consegue se desprender daquela cultura através do encontro humano: por perceber que Jim era um homem bom e que sua fuga era digna, o afeto construído entre eles foi mais forte e verdadeiro que as normais sociais e religiosas da época. Agrupamos neste módulo os capítulos essenciais - entre o capítulo I e o capítulo XXXIII – que devem ser lidos e contêm os temas centrais da obra. 1 Agrupamento um: Início da história de Huck (capítulos I a VII) No primeiro capítulo, Huck conta como era a sua vida na casa da viúva Douglas e de Miss Watson, que queriam “civilizá-lo”, ensinando-lhe boas maneiras, levando-o à escola e tentando catequizá-lo. Desde o início, percebemos a dificuldade de comunicação que havia entre as senhoras e Huck. “Depois da ceia ela pegava em um livro e ensinava-me a história de Moisés e do seu povo; e eu suava para compreender tudo aquilo; mas um belo dia ela deu a entender que Moisés já tinha morrido há muitos anos, de maneira que não me preocupei mais com ele; porque eu não perco tempo com pessoas que já morreram”. (p.28) Miss Watson não conseguia transmitir a Huck a importância de conhecer o passado através das histórias. Ela contava a história de Moisés porque sua luta contra a escravidão continuava muito relevante no contexto em que o livro foi escrito. Inclusive, veremos no decorrer do livro, o quanto a história de Huck irá se aproximar da história de Moisés. Os ensinamentos e regras das senhoras não faziam sentido para Huck e, inclusive, muitas vezes produziam o efeito contrário ao que elas pretendiam. “Miss Watson dizia: “Não ponhas os pés aí em cima, Huckleberry”; “Não fiques encolhido desta maneira, Huckleberry – endireita-te!; e daí a pouco dizia: “Não bocejes nem te espreguices assim, Huckleberry; quando irás aprender a comportar-te?” E entao começava a falar-me do “mau lugar” e eu dizia que gostaria de estar lá. Ela ficava louca, então, mas eu não dizia aquilo por mal. Tudo o que eu queria era poder estar em outro lugar; tudo o que eu queria era uma variante; e não me mostrava muito exigente. Ela dizia que era pecado e falava assim; dizia que não seria capaz de repetir as minhas palavras, por nada nesse mundo; ela havia de viver de maneira a ir para o “bom lugar”. Bem, eu não podia ver qualquer vantagem em ir para onde ela fosse, de maneira que comigo mesmo resolvia que havia de fazer o contrário.” (p.29) Naquele ambiente, Huck sentia-se muito solitário: “Sentia-me tão sozinho que quase desejava estar morto.” (p.29) Em certos momentos, mesmo estando perto uns dos outros, podemos nos sentir sozinhos. O jovem se sentia inadequado, como se estivesse fora de lugar: “Sentia-me tão deprimido, que desejei ter uma companhia.” (p.30). Nesse momento, escuta um gato miando, e percebe que Tom estava chamando-o: “Logo depois ouvi um ramo estalar, em baixo, no escuro, em meio das árvores – alguma coisa se movia. Fiquei imóvel, sentado, e escutei. E prestando atenção, mal pude ouvir um “Miau! Miau!” lá em baixo. Aquilo era ótimo! Respondi: 2 “Miau! Miau!” o mais manso possível, depois apaguei a luz e pulei da janela para o telheiro.” (p.30) No começo do livro, vemos como a superstição é algo muito presente na vida de Huck. Em diversos momentos, ele explica o que lhe acontece a partir de superstições: “Daí a um pouco uma aranha veio se arrastando pelo meu ombro, dei-lhe um piparote e ela foi cair na chama da vela; e antes que eu pudesse mexer-me, estava morta, toda encolhida. Não era preciso que ninguém me dissesse que aquilo era mau agouro. (...) a má sorte quando se mata uma aranha.” (p.30) Aparentemente, as superstições nos protegem, pois nos tiram o medo do desconhecido. Às vezes, temos dificuldade de suportar o que não conseguimos compreender. Então, atribuímos sentido ao que, na verdade, não tem sentido naquele momento. Huck queria fugir da casa, mas Tom Sawyer lhe diz que, se ele quisesse entrar na quadrilha de ladrões, deveria morar na casa das senhoras para tornar-se “respeitável”. Apesar de dizer algo que não faz sentido, Huck obedece Tom e volta para a casa, pois seu maior desejo era fazer parte da quadrilha, pertencer a um grupo. Na quadrilha, havia muitas regras para o grupo e, apesar das leis serem arbitrárias e sem sentido, o grupo as obedecia e tinha muito respeito por elas. Muitas das coisas que Tom falava não faziam sentido, mas por ele ser o líder, os outros meninos o seguiam - mesmo sem compreender o significado do que dizia. Se no primeiro capítulo Huck tinha dificuldade para obedecer às regras da viúva, no capítulo dois vemos que ele seguia as normas da quadrilha. Tom é uma figura muito importante para Huck, pois faz com que ele se sinta pertencente a algo: é um modelo de identificação. Todos nós temos necessidade de ter líderes e, quando não temos líderes positivos, acabamos seguindo líderes negativos. Tom copiava as histórias dos livros, mesmo sem compreender seu significado. Ele lia muitos livros, mas não sabia como convencer os outros, pois não questionava o que os livros diziam. “Ora, com mil bombas! Temos de fazê-la. Já não te disse que está nos livros? Não queres começar a fazer coisas diferentes daquilo que está nos livros, para depois ficarmos todos atrapalhados...” (p.36) Diferentemente do que Tom diz, é importante dialogar com o que lemos nos livros e trazer para nossa realidade, refletindo sobre o que está escrito, acrescentando e se apropriando de forma ativa. No capítulo três, novamente fica clara a falta de comunicação entre as senhoras e Huck. A intenção de Miss Watson ao ensinar Huck a rezar era boa: queria que ele tivesse fé, acreditasse em algo, mas não sabia a melhor forma de lhe explicar. Huck 3 interpretava o que Miss Watson dizia de forma literal, e ela não conseguia explicar a metáfora contida nas mensagens que tentava transmitir. Além disso, a viúva Douglas e Miss Watson pensavam de formas diferentes, e queriam que Huck acreditasse em suas opiniões pessoais, o que o deixava ainda mais confuso. Em alguns momentos, a viúva conseguia fazer Huck se encantar pelas suas histórias, mas em seguida aparecia Miss Watson, contrariando o que a viúva havia lhe falado: “Às vezes, a viúva me chamava à parte e me falava sobre a Providência de maneira que enchia a boca da gente de água; mas no dia seguinte acontecia que Miss Watson se intrometia, e estragava tudo.” (p.40). No episódio da “caravana de árabes e espanhóis”, que para Huck não passou de uma reunião de meninos da escola, percebemos como a personalidade de Huck e Tom eram diferentes: Tom queria que Huck imaginasse igual a ele, mas não conseguia convencer o amigo. Huck tem dificuldade de fantasiar, por ser muito prático e observador. Tom não conseguia transmitir as histórias de uma forma que Huck se encantasse com elas. Huck tinha um interesse próprio nas coisas que fazia, se preocupava com o que poderia “ganhar”. Fazer algo esperando alguma coisa em troca é algo natural e saudável. Nas relações, é fundamental que haja troca entre as pessoas e, quando ela não existe, é porque assumimos que não podemos ganhar nada com o outro, ou que não temos nada a oferecer - o que representa uma falha no relacionamento. A generosidade não significa fazer algo sem esperar nada em troca, e sim estar aberto para dar e receber. No capítulo quatro, percebemos como Huck era flexível e adaptável a diferentes situações: a vida que antes lhe parecia quase insuportável, passa a ser atraente e interessante. “A princípio eu odiava a escola, mas pouco a pouco fui-me acostumando, até que já podia suportá-la. (...) E assim, quanto mais eu ia à escola, mas fácil parecia continuar. Estava também começando a me acostumar, de certa maneira, com os costumes da viúva, e já não me pareciam tão insuportáveis.” (p.45) Justamente quando começa a se adaptar ao ambiente da casa da viúva e de Miss Watson, seu pai reaparece para tirá-lo daquela casa. O pai de Huck era bêbado e não sabia cuidar do seu filho, por isso o antigo juiz havia dado a guarda de Huck às senhoras. Infelizmente, aquele pai era uma pessoa doente, e não sabia cuidar nem do seu filho nem dele mesmo. Contrariando a opinião das pessoas da cidade que conheciam o histórico do pai, o novo juiz decide dar uma chance a ele. O argumento do juiz é de que não poderia separar a família, mas na verdade Huck e seu pai não formavam uma família. Ele 4 acreditava que o homem poderia regenerar-se da noite para o dia, e o acolhe em sua casa, dando-lhe roupas novas. No dia seguinte, quando o pai de Huck vende as roupas e volta a beber de maneira descontrolada, o novo juiz afirma que “se alguém quisesse regenerar aquele homem, teria de fazer uso de uma espingarda.” (p.53), demonstrando sua falta de juízo e bom senso, e esquecendo que as pessoas alcoólatras precisam de tratamento especializado. O capítulo seis descreve a mente desequilibrada e doente do pai de Huck. Percebendo o quanto seu pai estava doente, o instinto de vida de Huck fala mais alto. O pai não conseguia mais reconhecer seu filho, e o via como o Anjo da morte que vinha para matá-lo. Huck foge, libertando-se da violência do pai. Até aqui, Huck era levado pelos acontecimentos, pela boa sorte, se adaptando às situações que apareciam para ele. A partir desse momento, Huck percebe que não podia mais esperar pela boa ou má sorte, e começa a fazer planos, prepararando -se para os próximos acontecimentos. No capítulo sete, vemos o plano que Huck elabora para forjar sua própria morte. A ideia do plano veio quando ouviu seu pai falar sobre como reagiria caso se deparasse com um intruso na cabana: “- De outra vez que vires um homem rondando por aqui, trata de acordar-me, entendes? Aquele homem não estava aqui para boa coisa. Eu teria atirado nele. Da próxima vez, acorda-me, ouviste?” Temas: - Dificuldade de comunicação entre as senhoras e Huck (cap.1) - Civilização (cap.1) - Como contar histórias: como apresentar o mundo às crianças (cap.1) - Sentimento de não-pertencimento (cap.1) - Solidão (cap.1) - Superstição como forma de proteção: atribuir sentido ao não-sentido (cap.1) - Relação de Tom com os livros: importância de dialogar com as histórias dos livros (cap.2) - Diferença entre as leis das senhoras e as leis da quadrilha de Tom (cap.2) - Confronto de opinião entre viúva Douglas e Miss Watson (cap.3) - Generosidade: importância da troca (cap.3) - Flexibilidade e adaptação de Huck (cap.4) 5 - Mente perturbada do pai de Huck (cap.5) - Justiça: o novo juiz e a falta de bom-senso (cap.5) - Resiliência de Huck (cap. 6 e 7) - Lado prático e planejamento de Huck (cap.7) - Instinto de sobrevivência (cap.7) Agrupamento dois: O despertar da verdadeira consciência (capítulos VIII, XVI, XXXI e XXXII) 1) A Promessa (Capítulo VIII) Huck chega na ilha e se sente em liberdade, no meio da natureza, mas sente falta de uma companhia. Nesse momento encontra Jim, que estava fugindo da escravidão e é tomado pela euforia de encontrar um conhecido na ilha. Huck e Jim estão em busca do mesmo objetivo: a conquista da liberdade. Com isso, surge um sentimento de identificação entre ambos. “-Bem, eu acredito em ti, Huck. Eu... eu fugi! -Jim! -Olha que tu disseste que não contarias nada a ninguém! Lembra-te que prometeste, Huck!... -Prometi, sim: disse que não contaria e manterei a minha palavra. Palavra! Podem-me chamar abolicionista desclassificado por ficar calado – mas isso não fará diferença. Nada direi, nem faltarei à minha palavra, de qualquer maneira. Portanto, conte-me tudo.” (p. 78) Em um momento de cumplicidade entre ambos, em que um conta seu segredo ao outro, Huck, sem parar para refletir, promete que não contará a ninguém sobre a fuga de Jim. 2 . O impasse (capítulo XVI) Huck começa a refletir sobre o que estava acontecendo quando vê Jim radiante pela possibilidade de estar tão perto da liberdade. Ele toma consciência da dimensão de 6 seus atos e sente-se atormentado. No entanto, essa consciência não é a de Huck, e sim os resquícios e vozes daquela cultura ainda tão enraizada nele: “Ora posso garantir-lhes que me senti também trêmulo e febril, só de ouvi-lo, porque começa a entrar-me na cabeça que ele já estava quase livre, e quem podia ser responsabilizado por isso? Eu! Não podia tirar aquilo da consciência fosse como fosse. Nunca me ocorrera antes o que era que eu estava fazendo. Mas agora ocorria; e parecia que me queimava, cada vez mais (...) Comecei a sentir-me tão vil e tão miserável que seria preferível estar morto.” (p. 134) Por estar muito contente e confiar em seu amigo, Jim não percebe o conflito que está atormentando Huck, e não se dá conta que o amigo estava prestes a entregá-lo e acabar com seu sonho de liberdade. Ao contrário do que ocorre em outros momentos, agora não há empatia; cada um está no seu mundo e não há comunicação entre eles. Quando Huck está disposto a denunciar seu amigo para dois barqueiros que ali passavam, surge um elemento de grande poder: a palavra. Jim lembra da sua amizade com Huck: “Lá vai, o bom velho Huck; o único homem branco que manteve sua palavra para com o pobre Jim” (p. 136). Essas palavras de gratidão e amizade fazem com que Huck desista de seus planos de denunciar Jim. Com a sua decisão, Huck se sente fraco, tem medo e não se considera homem suficiente. Pensa que talvez se tivesse tido coragem, teria agido de acordo com as leis da sociedade. Ele reflete e chega à conclusão de que, se entregasse Jim, não estaria se sentindo melhor: “Depois pensei um minuto e disse comigo mesmo: ‘Espera, supõe que tinhas procedido bem e tinhas denunciado Jim; estarias te sentindo melhor do que agora? Não’, pensei, ‘estaria me sentindo deprimido, exatamente como estou agora” (pag 138). Nesse momento, Huck encontra-se num impasse sem solução. 3. Rasgando o papel: a travessia (capítulo XXXI e XXXII) Huck descobre que Jim fora vendido por um dos vigaristas para um fazendeiro local, Para Huck, isso era um sinal claro de que a Providência o estava castigando por ter ajudado na fuga de um escravo. Huck sente-se indigno e errado. Pensa em como deveria ter frequentado a escola dominical e em como o ensinariam a seguir o “caminho correto”. Tenta rezar pedindo perdão por seus atos, mas não consegue: “Aquilo me fazia tremer. Veio-me a ideia rezar, e tentar deixar de ser a espécie de menino que fora até então, emendar-me. Ajoelhei-me; mas as palavras não vinham; por quê? Não adiantava tentar esconder isso d’Ele nem de mim tampouco. Eu sabia muito bem que elas não viriam. Era porque o meu coração não era sincero; era porque eu estava agindo de má-fé.” (p. 273) 7 Como não consegue rezar, Huck decide escrever uma carta a Sra. Watson informando o paradeiro de Jim para que pudesse recuperá-lo. No primeiro momento, ele se sente bem com essa decisão, mas logo começa a recordar de sua viagem e tantos momentos que passara com Jim e percebe que ele é, de fato, seu grande e único amigo. Quando Huck passa a refletir sobre o que está se passando, a sua verdadeira consciência desperta e o faz ver o quão injusta era aquela situação, afinal Jim era um homem bom, e tinha o direito de ser livre e trabalhar para poder viver com sua família. A grande justiça era escravizá-lo e separá-lo de sua esposa e filhos. Sendo assim, Huck decide que vai libertá-lo: “ - Pois bem! Prefiro ir para o inferno! - e rasguei-o. (...) Nunca mais pensei em reformar-me . Tirei aquilo tudo da cabeça e pensei que continuaria no mau caminho , no qual fora criado. E para começar, ia tratar de roubar Jim da escravidão, de novo; porque, no ponto em que estava, não tinha mais que recuar.” (pag 274) O aprendizado na viagem possibilita Huck pensar, não conforme a ordem dos outros, mas por sua experiência própria. Apesar da cultura, da religião e da sociedade dizerem que o que ele está fazendo é pecado, Huck, agora, está pensando e agindo conforme sua consciência, e ajudando outro ser humano a ser livre. Na verdade está se tornando um homem justo e ético. Durante sua jornada, chega cada vez mais perto da verdadeira liberdade. Ele deixa de pensar apenas em si próprio, e passa a pensar também no outro. É aqui que se dá a passagem, o marco. Ele rasga não só a carta, mas também rasga os antigos paradigmas e regras. Se no capítulo dois Huck é apresentado a duas ideias distintas e conflitantes a respeito da Providência– a da viúva ou a de Miss Watson – nesse momento se apresenta um outro tipo de Providência, na qual ele sente que pode confiar. “Fui avançando, sem nenhum plano preconcebido, confiando apenas na Providência para pôr as palavras convenientes na minha boca quando chegasse o momento; porque eu notara que a Providência sempre punha as palavras necessárias na minha boca, quando eu me entregava a ela.” (p.280) Huck não se sente mais sozinho no mundo: sente-se parte de “algo maior”, e que o destino o está acompanhando, conspirando a seu favor. Essa passagem nos remete a Odisséia de Homero. No começo do livro, Telêmaco, orientado pela deusa Palas Atena, sai à procura de seu pai, para restabelecer a ordem em sua casa, que estava tomada pelos pretendentes. Confiando na Providência, Telêmaco se coloca a caminho e ajuda seu pai Ulisses a restabelecer a justiça. Essa mesma justiça maior, Huck encontra dentro de si, no momento em que emerge a sua 8 verdadeira consciência. É com muita alegria que acompanhamos o crescimento de Huck. Temas: - Capítulo 8: Início da amizade entre Huck e Jim A promessa espontânea de Huck no momento em que encontra Jim Confiança de Jim em contar a Huck sobre sua fuga - Capítulo 16: Resquícios da cultura como sendo a consciência de Huck Momento de impasse no qual Huck não encontra uma solução e Jim não percebe o dilema de seu amigo O peso das palavras de amizade e gratidão de Jim no momento certo - Capítulo 31 e 32: Associação entre captura de Jim e sinal da Providência Arrependimento de Huck por ter ajudado Jim Impossibilidade de se rezar quando não está sendo sincero Huck escreve uma carta contando o paradeiro de Jim Lembranças dos momentos bons faz Huck desistir de entregar seu amigo Rasgar o papel como representação de rompimento com os valores da sociedade Formação da verdadeira consciência Providência na qual se pode confiar Agrupamento três: A má influência de Tom (capítulo XXXIII) Em sua jornada pelo rio Mississipi com seu amigo Jim, Huck passa por um processo de grandes aprendizados: percebe que não estava arrependido por ajudar Jim, descobre que não se pode mentir quando estamos rezando, e se dá conta de que Jim era a melhor pessoa que já havia conhecido no mundo e, por isso, não estava errado ao ajudá-lo. 9 No capítulo XXXIII, Huck reencontra Tom, e tem uma recaída. Lamentavelmente, ele se submete às brincadeiras de mau-gosto de Tom, que se diverte brincando de libertar Jim, quando sabia que Miss Watson já havia libertado seu escravo. Tom não conta a notícia a Huck e, se fingindo de um homem bom, se oferece para ajudá-lo em sua missão de libertar um negro. Em um primeiro momento, Huck tentou mostrar a Tom uma forma mais simples de libertar Jim, mas ele não lhe deu ouvidos – como acontecia no passado quando eles brincavam de quadrilha e Huck acabou se submetendo ao seu plano estúpido sem perceber, esquecendo o que havia aprendido em sua jornada. Apesar de ler muitos livros, Tom não aprende nada e engana Huck. Ele não consegue perceber como Huck havia crescido na convivência com Jim e como era genuína sua vontade de libertar o amigo. Diferentemente de Tom, o aprendizado de Huck foi construído ao longo de sua jornada, a partir das experiências que passou: a amizade com Jim, a convivência com os vigaristas, além de diversas pessoas e situações que foram vividas ao longo da viagem. Vemos uma ruptura no crescimento de Huck. Com esse desfecho, talvez o autor queira nos mostrar que, na vida, existem momentos de recaída, e que nosso desenvolvimento não é linear, e sim feito de avanços e retrocessos. É muito importante ficar perto das pessoas que promovem o melhor de nós. Temas: Recaída e submissão de Huck perante Tom Ineficácia dos planos de Tom Aprendizado nos livros e na vida (teoria e prática) Ruptura do crescimento de Huck Agrupamento quatro: A dificuldade de Huck de falar sobre seus sentimentos (capítulo XV) Nesse capítulo, Huck e Jim são separados durante uma tempestade muito forte, e ambos sentem muito medo. Quando Huck volta, Jim fica muito feliz: “Santo Deus! És tu mesmo, Huck? Então não estás morto? Não te afogaste? Estás de volta? É bom demais para ser verdade! Deixa-me olhar para ti, menino, deixa-me apalpar-te! Não, não morreste! Estás de volta, vivo e são, o mesmo velho Huck... o mesmo velho Huck, louvado seja Deus!” (p.127) Nesse momento, Huck nega o que havia acontecido, dizendo que tudo não passou de um pesadelo de Jim. Embora tenha sentido muito medo - “Se pensam que não é medonho e assustador ver-se assim no meio de um nevoeiro, sozinho, durante a 10 noite – experimentem, e verão.”(p.126) - Huck não consegue ser sincero e contar a Jim o medo que sentiu. Compartilhar o medo com Jim poderia ter sido uma forma de elaborar o que viveu e se aproximar do amigo. Vemos a dificuldade de Huck de receber afeto, de aceitar que alguém se preocupava com ele. Após certo tempo, Jim descobre que Huck estava mentindo: “Que significam? Bem, vou-te dizer. Quando eu me senti esgotado de fazer força, e de chamar por ti, e adormeci, meu coração estava despedaçado porque julguei que estavas perdido e, por isso não me importava mais do que pudesse acontecer à jangada ou a mim. E quando acordei e te encontrei aqui, são e salvo, as lágrimas me vieram aos olhos, e seria capaz de ter caído de joelhos e beijado os teus pés, tão grato me sentia. Mas durante todo esse tempo tu estavas pensando em fazer um idiota do velho Jim, com uma mentira. Aquilo ali, na jangada, é sujeira, e sujeira é também quando uma pessoa zomba de um amigo e procura envergonhá-lo.”(p.130) Depois que Jim fala que o que o amigo fez com ele foi uma “sujeira”, Huck se sente muito humilhado por ter mentido para Jim. Ele “cai em si”, se dá conta do absurdo do que tinha feito e sente-se envergonhado. “Depois, levantou-se devagar, dirigiu-se para a tenda, entrou nela, sem dizer mais uma palavra. Mas fora bastante. Eu sentia-me tão envergonhado que seria capaz de beijar-lhe os pés para que ele se desdissesse. Passaram-se quinze minutos antes que eu pudesse resolver-me a ir humilhar-me a um negro – mas acabei por fazê-lo, e nunca me arrependi disso depois. Nunca mais lhe fiz nenhuma brincadeira de mau gosto, nem teria feito aquela se soubesse que o magoaria tanto.” (p.131) Esse comportamento de Huck abre espaço para a consciência de Huck se manifestar, o que fica ainda mais forte no capítulo seguinte, quando ele tem uma crise de consciência. Agrupamento cinco: O encontro com Mary Jane (cap. XXVIII) Nesse capítulo, Huck se dá conta de como Mary Jane ficou muito abalada quando soube que iriam separar a família de negros: “Era por causa dos negros – eu já o esperava. Disse que a bela viagem à Inglaterra estava quase estragada para ela; que não sabia como poderia ser feliz lá, sabendo que a mãe e filhos não iriam ver-se nunca mais – e desatou a chorar.” (p.245) Ao vê-la chorando no quarto enquanto arruma as malas para a Inglaterra, Huck diz: “Senti-me muito magoado ao ver aquilo; qualquer um ficaria. Entrei e disse: 11 - Srta. Mary Jane, a senhorita não gosta de ver ninguém aperreado, nem eu também. Diga-me o que tem.” (p.245) O estado emocional de Mary Jane afetou Huck profundamente: foi o estímulo para que ele rompesse com aquela grande mentira. Em um ímpeto de emoção, Huck afirma que aquela venda não tinha validade e que logo os negros estariam de volta. Até aqui, Huck estava muito relutante em contar a verdade sobre os impostores, mas algo nele acaba exteriorizando sua angústia. Ao ver aquela situação de mentira, Huck se sente muito mal e, mesmo tentando controlar seus impulsos, não conseguiu evitar que a verdade saísse de sua boca em algum momento, como aconteceu. Dada a insistência de Mary Jane e, uma vez que já havia começado a contar , Huck reflete sobre o que deveria fazer: “Disse comigo mesmo que uma pessoa que diz a verdade quando está em uma situação apertada, corre riscos consideráveis, embora eu não tivesse experiência disso e não pudesse ter a certeza; mas parece pelo menos que assim seja; e no entanto, ali estava um caso no qual me parecia que a verdade seria melhor e sem dúvida, mais “prudente” do que qualquer mentira. Hei de guardar isso na minha memória, e relembrá-lo vez por outra, tão estranho e irregular me parece. Nunca vi coisa semelhante.” (p.246) Nesse trecho Huck faz uma importante reflexão sobre o momento em que a verdade deve ser dita ou não. Ele percebe que dizer a verdade traz consigo riscos, mas ele estava disposto a correr. No entanto, há momentos em que a verdade não pode e nem deve ser dita, pois falar a verdade o tempo todo implicaria em entregar o escravo Jim. É interessante pensarmos que, quando está prestes a entregar Jim, Huck pensava que contar a verdade sobre a situação de seu amigo era o correto e lhe faria se sentir bem. Após as palavras de gratidão de Jim, Huck muda de ideia e opta por mentir, dizendo para os dois homens que Jim era seu pai, o que, naquela situação, parecia ser o mais acertado. A sociedade da época pregava a verdade como valor absoluto, mas Huck percebe que nem sempre ela é a melhor opção. Durante sua jornada foram necessárias várias mentiras para esconder Jim e para continuar em busca de sua liberdade. Para ele, contar a verdade era, de fato, algo muito estranho. Essa tensão entre certo e errado, verdade e mentira permeia todo o livro e sempre coloca Huck numa profunda reflexão. Por confiar e acreditar em Mary Jane, Huck lhe conta a verdade dos fatos aos poucos, para não assustá-la e entristecê-la. Ele sente que ela é uma pessoa muito boa, e não merecia estar naquela situação. 12 “-Muito bem – continuei -, nada mais quero do que a sua palavra- confio mais nela do que na de qualquer outro que beije a Bíblia.” (p.246) Mary Jane mostra ser uma moça forte e decidida, disposta a seguir as indicações de Huck sobre o que fazer. Huck afirma que será uma verdade dura e espera uma atitude forte de Mary Jane: “-Não se excite. Fique sentada, quieta, e proceda como se fosse um homem. Tenho de dizer a verdade, e a senhora terá de ser forte, porque é uma verdade dura, e difícil de aceitar, mas não há outro remédio.” (p.246) Ao ser questionado sobre o paradeiro do dinheiro, Huck se sente muito desconfortável em dizer a verdade. Então, ele opta por escrever. Parece-nos que, para Huck, escrever é uma forma mais fácil de se dizer a verdade. “-Prefiro não lhe dizer onde o pus, srta. Mary Jane, se me quiser permitir; mas escrevêlo-ei em um pedaço de papel, e a senhorita poderá lê-lo quando for a caminho para a casa do sr. Lothrop, se quiser. Acha que está bem assim?” (p.250) Quando Mary Jane se mostra muito agradecida a Huck, dizendo que rezará por ele, Huck não se sente digno de receber uma oração, pois pensa ser uma pessoa não merecedora de gratidão. Essa lembrança é muito forte para Huck; o fato de alguém mostrar-se disposto a rezar por ele lhe mostrou que, embora haja vigaristas, também há pessoas muito boas capazes de enxergar bondade em pessoas como o Huck, que não acreditava que ele mesmo poderia estar nas orações de alguém. “Rezar por mim! Pensei comigo que se ela me conhecesse escolheria uma tarefa mais dentro dos limites das suas forças. Mas aposto que ela o fez, assim mesmo – era o seu feitio. (...) Nunca mais tornei a vê-la desde aquele momento em que ela transpôs a porta do quarto; não, nunca mais a vi desde então, mas acho que me lembrei dela pelo menos um milhão de vezes, e de ela ter-me dito que rezaria por mim; e se algum dia chegar a pensar que seria de alguma utilidade eu rezar por ela , diabos me levem se não o faria.” (p .250 e 251) Após elaborar todo o plano com Mary Jane, Huck sente-se muito satisfeito com seu trabalho. Ele lembra-se de Tom Sawyer, sua referência na elaboração de planos, e acredita que ele faria tudo aquilo com muito mais detalhes. No entanto, ele reconhece que planos mirabolantes estava fora da situação que exigia rapidez e eficiência. “Fiquei muito satisfeito; pareceu-me que agira muito acertadamente – calculei que nem Tom Sawyer seria capaz de fazê-lo melhor. Naturalmente fá-lo-ia com um pouco mais de encenação, mas isso estava fora das minhas possibilidades.”(p.253) Orientação: Esse capítulo pode ser lido junto com o capítulo do assaltante e do Sr. Spangler, na Comédia Humana. 13 Ao ser surpreendido durante um assalto, o Sr. Spangler não reage com violência e agressividade diante de John e, mantendo a calma, consegue estabelecer uma forma de comunicação entre os dois. Naquele momento,o Sr. Spangler se colocou no lugar do jovem e foi capaz de sentir seu desespero e sua dor como se estivesse na mesma condição experimentada por ele. Esta capacidade de se colocar no lugar do outro é chamada de empatia. O jovem afirma que não se importa em matar porque todos matam, evidenciando como aquele momento de guerra interferia em sua vida. John está sem esperanças, e quando afirma que também não se importa se alguém matá-lo, mostra estar descrente da vida, como se nada lhe fizesse sentido. Entretanto, John já tinha se surpreendido com um ato de bondade do Sr. Spangler em outro momento, e queria saber se ele era de fato um homem bom. É realmente um teste, uma forma arriscada de verificar se ele seria capaz de manter o bom-senso sob a mira de um revólver. Ao perceber que o Sr. Spangler o compreendeu e soube manter a mesma postura com ou sem a arma, John teve certeza de que realmente ele era um homem bom. John deixa o destino nas mãos do Sr. Spangler: se ele não passasse no teste, o rapaz não só mataria o Sr. Spangler, como também tiraria sua própria vida. Essa passagem é muito forte, e demonstra a necessidade dos jovens de encontrar pessoas confiáveis e em quem possam acreditar. Temas: Huck sente que Mary Jane merece saber a verdade em relação aos vigaristas. Ao desmascarar os vigaristas, Huck toma a decisão de se separar deles. Para Huck é muito importante saber que alguém estará rezando por ele. Confiança que um tem no outro A lembrança: Huck diz se lembrará de Mary Jane "um milhão de vezes". Agrupamento seis: Os vigaristas (capítulo XIX e capítulo XXXIII) No capítulo XIX, Huck e Jim conhecem dois vigaristas que se fazem passar por “duque” e “rei”. A princípio, Huck e Jim, seduzidos pelas histórias extraordinárias que os dois lhes contam, acreditam em seus truques. Em um determinado momento, Huck percebe que aqueles homens eram mentirosos, mas não conta para Jim. Decide não fazer nada, pois achava que se falasse algo, causaria brigas e aborrecimentos: “Se eles preferiam intitular-se duques e reis, eu não 14 tinha objeções a fazer, contanto que se mantivesse a paz na jangada. E também não adiantava dizer a Jim, de modo que não lhe disse. Se eu nunca aprendi nada que valesse a pena com papai, aprendi pelo menos que a melhor maneira de lidar com essa espécie de gente é deixá-los agir a seu modo” (p. 175) Quando Huck se deu conta de que aqueles homens eram vigaristas, poderia ter contado a Jim, e os dois poderiam ter se afastado deles e continuado sua viagem sem aquelas más companhias. Huck quis ficar quieto para evitar conflitos e brigas, mas, ficando calado, irá contribuir para que conflitos mais sérios surjam e, o que é pior: por não ter contado o que sabia, Jim acabou sendo vendido por um dos vigaristas mai s a frente. Os vigaristas contam a Huck e Jim que estavam fugindo, pois queriam pichá-los e cobrilos de penas: “Um negro me avisou essa manhã e disse-me que o pessoal estava se reunindo na calada, com os cachorros e os cavalos, e que em breve estariam por ali e então me dariam meia hora de avanço, para em seguida me perseguirem; e que se me apanhassem, tencionavam pichar-me, cobrir-me de penas e fazer-me passar por um mau bocado, por certo.” (p.171) Os vigaristas receberam avisos claros do perigo que estavam correndo ao enganar as pessoas e de que precisavam mudar seu comportamento. Ao invés de mudar o comportamento, eles mudaram de lugar, e continuaram aplicando seus golpes. No capítulo XXXIII vemos que eles finalmente são presos. Novamente, vemos uma alusão a Odisséia, em relação à atitude dos pretendentes, que também receberam muitos avisos, mas não modificaram suas atitudes, e foram punidos. “Quando chegamos à cidade e estávamos mais ou menos a meio da rua principal – seriam oito e meia, então -, vimos vir uma multidão de gente enfurecida, com archotes, e uma tremenda gritaria, batendo em panelas e tocando rompas; pulamos para um lado a fim de deixá-los passar; e quando passavam, vi que levavam o rei e o duque montados em uma grade – isto é, eu “sabia” que eram o rei e o duque, embora estivessem completamente cobertos de piche e penas, e não tivessem nada de aspecto humano – pareciam apenas dois monstruosos espanadores. Senti-me doente, ao ver aquilo; e tive pena deles, desgraçados patifes; pareceu-me que nunca mais poderia pensar neles com raiva. Era uma coisa horrorosa, aquele espetáculo. Não sei como os seres humanos podem ser tão cruéis para com os seus semelhantes.” (p.293) Apesar de saber que os vigaristas haviam prejudicado outras pessoas e até ele mesmo, Huck sente pena deles e desaprova a conduta de fazer justiça com as próprias mãos. Temas: 15 A sedução dos vigaristas (cap.19) Omissão de Huck sobre os vigaristas acarreta em sérias consequências (cap.19) Vigaristas ignoram os avisos e acabam sofrendo as consequências de seus atos (cap.33) Sugestão: Ler a Telemaquia - quatro primeiros cantos da Odisséia Agrupamento sete: Briga entre as famílias – relação com “Romeu e Julieta” (capítulo XVIII) O capítulo XVIII retrata a briga entre duas famílias rivais: os “Grangerfords” e os “Shepherdson”. O conflito milenar entre as famílias, retratadas como “trbios de aristocratas”, faz uma alusão à obra Romeu e Julieta, de Shakeaspeare. Se Romeu e Julieta tem um desfecho trágico, com a morte dos amados, aqui os filhos conseguem escapar, fugindo juntos. Nesse capítulo, é retratada a hipocrisia daquele ambiente. Em um determino episódio, as duas famílias vão a Igreja, armadas, ouvir um sermão do padre sobre o amor fraternal. Apesar de ouvirem o sermão, não absorvem o que o padre está dizendo e assim que saem da Igreja, voltam a brigar. “No domingo seguinte fomos para a Igreja, a cerca de três milhas de distância, todos a cavalo. Os homens também, levando suas espingardas, inclusive Buck, e conservavam-nas entre os joelhos ou encostadas à parede, à mão. Os Sheperdsons faziam o mesmo. Foi um belo sermão florido, versando sobre amor fraternal e outras coisas igualmente enfadonhas; mas todos disseram que fora um belo sermão, e comentavam-no ao ir para casa.” (p.158) Orientação: Após a leitura do capítulo, assistir ao filme “Romeu e Julieta”, relacionando as duas obras. Em Romeu e Julieta, as famílias aprendem e se reconciliam entre si. Nessa história, as famílias continuam brigando mais ainda. Os jovens deixam as suas famílias brigando e fogem para viver o seu amor. Temas: - Conflito milenar e sem motivos entre famílias (alusão à Romeu e Julieta) - Hipocrisia do ambiente - Fuga dos jovens daquele ambiente de morte 16 Agrupamento oito: O bêbado e a multidão (cap.XXI e XXII) Discurso de Hamlet traduzido da página 188 Ser ou não ser, eis a adaga nua Que transforma em calamidade uma vida tão longa; Quem há de levar este fardo, até chegar a Dunsinane? E o medo de alguma coisa após a morte Assassina o sono inocente, O segundo grande curso da natureza, E nos faz preferir os dardos e setas de uma sorte indigna A lançar outros que desconhecemos. O respeito nos devia obrigar a uma pausa; Acorda Duncan batendo na porta! Quem dera que pudesses; Pois que há de suportar o açoite e as dores do tempo, Os males da opressão, a teimosia do homem altivo, A demora da lei, e o silêncio a que se obriga nossa dor, Na desolação do meio da noite, quando bocejam os pátios Das igrejas Com os trajes costumeiros de negro solene, Do país desconhecido de onde nenhum viajante jamais regressa, E exalam seu contágio sobre o mundo. E assim o matiz normal da decisão, como o gato do provérbio, É maculado pela inquietação, Por todas as nuvens que pairam sobre os nossos telhados, E com esta preocupação suas correntezas se desviam E deixam de merecer o nome de ação. 17 É uma consumação que devemos desejar com todo o ardor. Mas tu, meiga e doce Ofélia, não abras tua boca de mármore, E vai para um convento – já! O capítulo retrata a força da massa, que nesse caso se sente muito poderosa e se torna violenta. O coronel Sherburn mata injustamente Boggs, um bêbado da cidade. A multidão assistiu à morte daquele homem como se fosse um espetáculo, um “circo”, e não interviram, foram coniventes. Eximindo-se da responsabilidade de ajudá-lo, a multidão também praticou uma forma de violência. Quando o homem já estava morto, a multidão enfurecida se organiza para linchar o coronel, fazendo sua própria justiça. O coronel agiu de forma errada, e a multidão quis fazer justiça com as próprias mãos. Assim, ambos negaram a justiça institucionalizada. Capítulo XXII O coronel faz um discurso muito eloquente mas, ao mesmo tempo, fica com a espingarda na mão. Seu discurso é sensato, mas suas ações não haviam sido coerentes com o discurso que fez. “Vocês não queriam vir. O homem comum não gosta de se meter em dissabores e perigos. Mas se apenas “meio”-homem – como Buck Karkness, ali – grita “Lincha! Lincha!” vocês tem medo de recuar, têm medo de revelar o que na realidade são – covardes – e armam uma gritaria, e agarram-se às labitas desse meio-homem e vêm até aqui fazendo uma algazarra, gabando-se das grandes coisas que vão fazer. A coisa mais lamentável é uma multidão; é o que é um exército – uma multidão; não lutam com a coragem própria, e sim com a coragem que lhes dá o número e que lhes inspiram os oficiais. Mas uma multidão sem um “homem” à sua frente está abaixo da compaixão. Agora, a única coisa que lhes resta é meterem o rabo entre as pernas, irem para casa e enfiarem-se em um buraco. Se tiver de haver algum linchamento de verdade, será no escuro, à maneira do Sul; e quando vierem, trarão as máscar as, e procurarão um “homem”. Agora, deem o fora – e levem o seu meio-homem consigo! – e levantou a espingarda, engatilhando-a, ao dizer isso.” Orientação: Ler junto com o capítulo do Big Cris da Comédia Humana. No capítulo XXI, a multidão viu que Boggs estava correndo perigo e mandaram chamar a sua filha, como se só ela pudesse fazer algo que tirasse o pai daquela situação. Já na Comédia Humana, ao ver Ulisses preso na armadilha, Big Cris, vendo a urgência da situação, não perde tempo e toma para si a responsabilidade de ajudar o menino e resolve o problema. 18 Temas: - Capítulo 20: Violência e a força da multidão Multidão também pratica um ato de violência ao não ajudar o bêbado Falta de justiça institucionalizada - Capítulo 21: Discurso do coronel não condiz com suas ações 19