507 SIMULAÇÃO NUMÉRICA DA BOLHA DE SEPARAÇÃO EM UM ESCOAMENTO SOBRE UMA PLACA PLANA FINA INCLINADA ATRAVÉS DE MODELOS RANS Fernando Nóbrega de Araujo 1, André Luiz Tenório Rezende 2 1 Departamento de Engenharia Mecânica e de Materiais, IME – Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected] 2 Departamento de Engenharia Mecânica e de Materiais, IME - Instituto Militar de Engenharia, Rio de Janeiro, Brasil, [email protected] Resumo: O objetivo desta investigação é a simulação numérica do escoamento sobre uma placa plana fina inclinada. Neste escoamento complexo a existência de transição de regime laminar para turbulento, separação de camada limite, bolha de recirculação e recolamento, torna a simulação numérica um desafio considerável. As soluções são obtidas pelas equações de média de Reynolds (RANS) para o problema bidimensional em regime permanente, e os resultados são comparados com experimentos realizados em túnel de vento. Palavras-Chave: Placa plana, recolamento, turbulência. 1. INTRODUÇÃO Este trabalho é uma investigação numérica do escoamento turbulento incompressível em torno de uma placa plana fina com bordo de ataque afiado e envergadura infinita para os ângulos de 2° e 4° (Fig. 1). O escoamento em torno de uma placa fina com pequenos ângulos de incidência apresenta uma estrutura muito complexa, apresentando transição de regime laminar para turbulento, separação de camada limite, bolha de recirculação principal, recolamento, relaminarização e bolha de recirculação secundária. O estudo do fluxo em torno da placa plana fina com pequenos ângulos de incidência pode ajudar no projeto de aletas e asas de projéteis e mísseis. Este escoamento induz sobre a placa uma bolha longa e fina, denominada na literatura como “thin aerofoil bubble” (Gault, 1957). A camada limite ao redor da borda afiada é muito fina, e espera-se separar imediatamente, devido à mudança de direção do fluxo. Como mostrado na Fig. 1, há uma linha de corrente que separa a bolha principal do escoamento externo e se une à superfície no ponto de recolamento. Se o ângulo de incidência é suficientemente pequeno (geralmente menor que 6 graus), o escoamento recola na superfície superior em um ponto que se move gradualmente a jusante com o aumento do ângulo de incidência. Para ângulos maiores, não há ponto de recolamento, e a bolha aumenta a jusante posteriormente ao bordo de fuga (Newman and Tse, 1992). Devido ao ponto fixo de separação, o escoamento é insensível a uma mudança no número de Reynolds, e a transição ocorrerá logo após a separação (Crompton, 2000). Após a separação, a camada cisalhante sofre uma transição muito próxima da borda afiada. A camada cisalhante turbulenta aumenta rapidamente e possui uma alta taxa de mistura; e em seguida recola (ponto de recolamento XR) a jusante e bifurca. Parte do fluxo é dirigido à montante para aumentar a camada cisalhante. O refluxo resultante reduz a pressão na superfície e ajuda a dobrar a camada cisalhante de volta ao ponto de recolamento. O fluxo remanescente que segue a jusante se reverte gradualmente a uma camada limite turbulenta anexa à placa, antes de atingir o bordo de fuga (supondo que exista comprimento suficiente na placa após o recolamento). Fig. 1. Modelo simplificado O fluido que escoa para montante está sujeito a um forte gradiente de pressão favorável e posteriormente, ele acelera e atinge a velocidade reversa máxima em cerca de metade do caminho de volta ao longo do comprimento da bolha. Este gradiente favorável de pressão tem um efeito estabilizador sobre a camada limite reversa e uma significante queda na intensidade da turbulência é registrada nesta região. Correspondente a esta queda na intensidade da turbulência, o gradiente de velocidade próximo à superfície diminui e os perfis de camada limite se tornam mais laminares; o gradiente de pressão favorável induz uma relaminarização (transição inversa). Perto da frente da bolha de separação o gradiente de pressão é adverso ao escoamento reverso e consequentemente a camada limite laminar é propensa a separação. Crompton (2000) observou uma pequena bolha de separação 508 INFLUENCE OF THE ANGLE OF ATTACH ON THE LEADING EDGE BUBBLE IN A FLOW OVER A THIN FLAT PLATE Fernando Nóbrega de Araujo 1, André Luiz Tenório Rezende 2 secundária nos seus experimentos próximo ao bordo de ataque da placa. Esta pequena bolha secundária é esquematicamente ilustrada na Fig. 2, sendo esta bolha de difícil previsão pelos modelos RANS. uma função de mistura e ambos modelos são somados. Esta função de mistura F1 é zero (conduzindo ao modelo k-ω padrão) no interior da camada limite turbulenta e possui o valor unitário (correspondente ao modelo k-ε padrão) na região externa à camada. A viscosidade turbulenta é formulada pelas expressões: (2) Fig. 2. Esboço da bolha secundária 2. MODELO MATEMÁTICO A abordagem de média de Reynolds é baseda na decomposição da velocidade em u=u+u’ onde u é o vetor velocidade média e u' o vetor da flutuação de velocidade. As equações da continuidade e momento linear médias (RANS), para o escoamento incompressível em regime permanente são dadas por (1) ; ∇ • u=0 ∇ • ( u u ) = − ∇( p ρ ) + υ ∇ 2 u + ∇ • ( − u' u' ) onde ρ é a massa específica, υ=µ/ρ é a viscosidade cinemática, µ é a viscosidade molecular, e p é a pressão. A Equação (1) tem a mesma forma da equação de NavierStokes, mas agora ela tem um termo adicional, o termo de tensão de Reynolds, -u'u' , representando a influência das flutuações no escoamento médio. Para fechar a Eq. (1), o termo de tensão de Reynolds pode ser modelado com base na hipótese de Boussinesq, onde a tensão turbulenta é obtida através de uma analogia com a lei de Stokes, i.e., a tensão é proporcional à taxa de deformação. Os modelos de turbulência selecionados para serem investigados no presente trabalho são descritos a seguir. 2.1. Modelo SST k-ω O modelo RANS de transporte de tensão de cisalhamento (Shear-Stress Transport) SST k-ω (Menter, 1994) foi proposto para simulações de escoamentos aerodinâmicos com fortes gradientes de pressão adversos e separação de camada limite combinando os modelos k-ε e k-ω. Para escoamentos de camada limite, o modelo k-ω é superior ao modelo k-ε na solução da região viscosa próxima à parede, e tem sido aplicado com sucesso em problemas envolvendo gradientes adversos de pressão. Entretanto, o modelo k-ω requer uma condição de contorno não nula em ω para correntes livres não turbulentas, e o fluxo calculado é muito sensível ao valor especificado (Menter, 1994). Também tem sido mostrado (Cazalbou et al, 1993) que o modelo k-ε não sofre esta deficiência. Portanto, o modelo SST k-ω mescla a robusta e precisa formulação do modelo k-ω próximo às paredes com a independência da corrente livre do modelo k-ε fora da camada limite. Para isso, o modelo k-ε é escrito em termos da taxa de dissipação específica, ω. Então, o modelo k-ω padrão e o modelo k-ε transformado são multiplicados por onde S = ( 2 Sij Sij )0.5 é o módulo do tensor taxa de deformação média Sij , e F2 é a função de mistura para a viscosidade turbulenta no modelo SST k-ω, d é a distância à parede. A energia cinética turbulenta k e sua taxa de dissipação específica ω do modelo SST k-ω (Menter, 1994) pode ser determinada pela solução destas equações de conservação, onde o conjunto de constantes de fechamento para o modelo SST k-ω φ são calculadas usando-se uma função de mistura entre as constantes φ1 do modelo k-ω padrão e φ2 do modelo k-ε , então: φ =F1 φ1 +(1 - F1) φ2. 2.2. Modelo de Spalart-Allmaras Desenvolvido por Spalart e Allmaras (1992), este é um modelo relativamente simples que resolve uma equação diferencial de transporte para a viscosidade turbulenta e, por conseguinte, requer um menor esforço computacional. O modelo de Spalart-Allmaras foi projetado especificamente para aplicações aeroespaciais que envolvem escoamentos delimitados por paredes e gradientes adversos de pressão. A equação diferencial é obtida usando o empiricismo, os argumentos de análise dimensional, e uma dependência selecionada sobre a viscosidade molecular. Para este modelo o termo de tensão de Reynolds é modelado sem o último termo da Eq. (3), (3) T − u' u' = υ t ( ∇ u + ∇ u ) A viscosidade turbulenta é definida como υ t = υ~ fν 1 (4) onde fυ1 é a função de amortecimento viscoso usada para tratar mais adequadamente a camada amortecedora e a subcamada viscosa, expressa por fν 1 = χ3 3 χ + Cν31 ; χ ≡ υ~ υ A equação de transporte para a variável de trabalho υ~ dada por (Deck et al, 2002) ∂υ~ ∂(ui υ~) 1 ∂ + = Gν + σν~ ∂ x j ∂t ∂x j (5) é 2 ∂υ~ ∂υ~ − Υ (6) (υ + υ~) + Cb2 ν ∂ xj ∂x j 3. RESULTADOS A placa plana fina proposta por Crompton (2000) foi modelada com a geometria descrita na Fig. 3. A placa tem uma corda de comprimento c de 160 mm e uma envergadura de 800 mm dando uma proporção de 5, o que é suficiente para fornecer nominalmente escoamento bi-dimensional. 509 INFLUENCE OF THE ANGLE OF ATTACH ON THE LEADING EDGE BUBBLE IN A FLOW OVER A THIN FLAT PLATE Fernando Nóbrega de Araujo 1, André Luiz Tenório Rezende 2 O comprimento de recolamento foi considerado por Crompton (2000) como sendo independente de Re quando Re >105, onde Re é definido como Re= U∞ c /υ, onde U∞ é a velocidade de corrente livre, e c é a corda da placa. O experimento em túnel de vento foi realizado com Re = 2.13 × 105 e este número de Reynolds é usado para comparar os modelos de turbulência e os dados experimentais. Ângulos de ataque α = 1o à 5o, estão disponíveis nos dados experimentais em intervalos de 1 grau. A Fig. 4 mostra o domínio computacional usado nas simulações, o qual foi definido com base no trabalho de Collie (2005). respectivamente. Ambas estações estão localizadas dentro da bolha de recirculação. Fig. 5. Perfis de velocidade para ângulo de incidência θ = 2 o. Fig. 3. Dimensões da placa plana. Fig. 4. Detalhes do domínio. Os campos de velocidade, pressão e grandezas turbulentas foram determinados com o software comercial Fluent (2006) com ambos modelos descritos na seção 2. Este código é baseado no Método de Volumes Finitos. As simulações foram realizadas com o esquema QUICK (Leonard, 1979), que é de segunda ordem. O sistema de equações algébricas foi resolvido com o método Multgrid (Hutchinson and Raithby, 1986). O problema foi considerado convergido quando os resíduos máximos de todas as equações foram menores que 10-6. o Fig. 6. Perfis de velocidade para ângulo de incidência θ = 4 . 3.1. Comprimento de recolamento A Tabela 1 apresenta os comprimentos de recolamento (XR) para a placa plana para os ângulos de incidência de 2 o e 4 o, obtidos com os modelos de turbulência RANS. Tabela 1 – Comprimentos de recolamento normalizados (XR) e respectivos erros. o Fig. 7. Linhas de corrente para o modelo SST - θ = 4 . A precisão das previsões dos comprimentos de recolamento para este escoamento é fortemente dependente da capacidade do modelo de turbulência em representar a complexa estrutura do escoamento descrito; entretanto o refinamento da malha também exerce um papel fundamental neste desempenho. 3.2. Perfis de velocidade média Os perfis de velocidade média obtidos com os modelos SST e Spalart-Allmaras (SA) para os ângulos de incidência de 2 o e 4 o são comparados com os dados experimentais de Crompton (2000) em duas estações nas Figs. 5 e 6, A Fig. 7 mostra as linhas de corrente correspondentes às previsões do modelo SST. Pode ser verificado que o modelo SST foi capaz de prever a bolha de recirculação secundária, que foi observada experimentalmente. O modelo de SpalartAllmaras não apresenta a bolha secundária e isto está diretamente relacionado aos perfis de velocidades observados serem mais turbulentos nos resultados destas simulações, induzindo o escoamento dentro da bolha a ser mais resistente à segunda separação, mantendo a camada limite reversa junto à superfície da placa dentro da bolha principal. 3.3. Distribuições de pressão A distribuição de pressão é analizada através do coeficiente de pressão definido como 3 510 INFLUENCE OF THE ANGLE OF ATTACH ON THE LEADING EDGE BUBBLE IN A FLOW OVER A THIN FLAT PLATE Fernando Nóbrega de Araujo 1, André Luiz Tenório Rezende 2 (7) C P = ( p ∞ − p ) /( 0.5 ρ U ∞2 ) onde p é a pressão estática, p∞ e U∞ são a pressão e a velocidade da corrente livre. A Fig. 8 apresenta a variação do coeficiente de pressão ao longo da placa para θ =2o. Novamente os modelos RANS SA e SST são comparados com os dados experimentais. Estes resultados confirmam a discussão da seção anterior, i.e., os modelos de turbulência preveram maiores valores de velocidade próximo à parede, por isso, como esperado, as distribuições de pressão apresentaram menores valores do que os dados experimentais. o Fig. 10. Estatísticas de Segunda ordem - ângulo de incidência θ = 4 . 4. CONCLUSÃO o Fig. 8. Coeficientes de Pressão para ângulo de incidência θ = 2 . 3.4. Estatísticas de segunda ordem As estatísticas de segunda ordem u′ u′ encontradas com os modelos de SA e SST são comparadas com os dados experimentais para os dois ângulos de incidência na primeira e segunda estações. O modelo de Spalart-Allmaras usa uma função de amortecimento viscoso para melhor representar a camada de amortecimento e a subcamada viscosa, mas isso resulta em uma maior redução na taxa de mistura e consequentemente menores níveis de turbulência dentro da bolha, que são visíveis em ambas as estações para os dois casos mostrados nas Figs. 9 e 10. O modelo SST simula maiores níveis de turbulência na camada cisalhante do que o modelo de Spalart-Allmaras. No entanto dentro da bolha principal o modelo SST mistura o modelo κ−ε na região interna da bolha então a equação de ε é resolvida em toda a camada cisalhante. Por conseguinte isto resulta que a equação de ε prevê uma menor dissipação da turbulência que leva a uma maior previsão de níveis de turbulência na camada cisalhante separada. Assim o aumento da turbulência é um resultado direto da equação de ε o que realmente melhora os resultados do modelo SST. Neste trabalho, os modelos de turbulência SST (Menter, 1994) e Spalart-Allmaras (1992) foram aplicados para calcular o escoamento incompressível sobre uma placa plana com um bordo de ataque afiado, usando pequenos ângulos de inclinação. Dois ângulos foram investigados, θ =2o e 4o. Os resultados obtidos foram comparados com os dados experimentais de Crompton (2000). Os perfis de velocidade média apresentaram uma concordância razoável com os resultados experimentais; entretanto os detalhes da bolha de recirculação foram subestimados em tamanho e superestimados em magnitude. Qualitativamente os perfis são os mesmos para os diferentes ângulos de ataque indicando a presença de similaridade. A previsão do comprimento de recolamento foi melhorada com o aumento do ângulo de ataque; por outro lado, a distribuição da pressão sobre a placa tem se deteriorado. Apesar de uma melhor previsão do comprimento de recolamento ter sido obtida com o modelo SA, os resultados globais do modelo SST foram melhores. O modelo SpalartAllmaras não capturou a bolha de recirculação secundária e uma taxa de mistura correta na camada limite cisalhante, provocando desvios nos campos de velocidade e pressão na região da bolha. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem à CAPES o apoio concedido a esta pesquisa. REFERÊNCIAS [1]DOI Collie S., Gerritsen M., Jackson P., 2008, “Performance of Two-Equation Turbulence Models for Flat Plate Flows with Leading Edge Bubbles”. Journal of Fluids EngineeringTransactions of the Asme, Vol. 130, No. 2. [2]PUB Crompton, M. J.; Barret, R. V., 2000, “Investigation of the Separation Bubble Formed Behind the Sharp Leading Edge of a Flat Plate at Incidence”. Proceedings of the Institution of Mechanical Engineers Part G-Journal of Aerospace Engineering, Vol. 214, No. G3, pp. 157-176. [3]PUB Menter, F. R., 1994, “Two-Equation Eddy-Viscosity Turbulence Models for Engineering Applications”, AIAA Jounal, Vol. 32, No. 8, pp. 1598-1605. Fig. 9. Estatísticas de Segunda ordem - ângulo de incidência θ = 2 o [4] Rezende, A.L.T. Sampaio, L.E.B and Nieckele, A.O., 2008, “Reynolds Averaged Navier-Stokes Simulation of Highly Anisotropic Turbulence Structures”, Proceedings of the 6th Spring School of Transition and Turbulence, EPTT 2008.