A responsabilidade dos sindicatos
Zeina Latif – Economista chefe XP Investimentos
Uma variável chave para o sucesso no combate à inflação é o comportamento
dos salários. Quanto mais indexados à inflação passada, pior. Alimenta-se a
espiral inflacionária e, de quebra, compromete-se a geração de empregos. As
duas coisas ao mesmo tempo: inflação e desemprego mais elevados. No final,
todos perdem, empregados e empregadores. É só uma questão de tempo.
Pouco tempo, considerando o quadro atual da economia brasileira, com
inflação já bastante elevada e quadro recessivo.
Os ajustes salariais, portanto, precisam ser monitorados de perto.
A PNAD trimestral do IBGE mostra que o ajuste salarial médio nos últimos
quatro trimestres finalizados em junho foi de 7,9% na variação anual. Na PNAD
mensal, a cifra foi de 11,1% em julho. Cifras elevadas e em aceleração. Em
junho do ano passado, o aumento chegou a 4,6% anual.
Na abertura por regiões, centro-oeste, norte e nordeste registraram aumentos
mais contidos, em torno de 6% nos quatro trimestres até junho. No outro
extremo, o sudeste, a alta foi de 9,3%, e no sul, 7,7%. Pode-se notar que
regiões mais sindicalizadas exibem ajustes mais robustos.
Porém, isso não é necessariamente bom para o trabalhador. As regiões com
ajuste salarial mais modesto apresentaram maior crescimento do emprego. Em
torno de 1,8% no eixo NO-NE e 0,3% no SU-SE. Esse resultado não
surpreende. As empresas precisam, de alguma forma, ajustar a folha de
pagamento em função da queda da produção. Se o ajuste não for via salários
reais, será via cortes na ocupação, o que, por sua vez, pode prejudicar a
operação eficiente da empresa.
É crucial que os aumentos salariais sejam compatíveis com os ganhos de
produtividade da economia. Como há sinais de que a produtividade vem
encolhendo, em função das baixas taxas de investimento passadas e do
intervencionismo estatal desastrado dos últimos anos, o quadro preocupa.
No nível da empresa, isso significa mais encolhimento de margens e menos
incentivo à produção. O setor produtivo já vinha sendo impactado desde 2010
pela inflação de salários, decorrente dos estímulos excessivos à demanda no
passado. Este ano, mais um golpe, que é a pressão de custos advinda da
expressiva depreciação cambial. Os indicadores de inadimplência da pessoa
jurídica não deixam dúvidas quanto às dificuldades financeiras enfrentadas
pelas empresas.
É neste contexto que sindicatos buscam ganhos salariais em termos reais
(acima da inflação). E a resposta das empresas tem sido demitir ou substituir
trabalhadores mais caros.
Os empregos com carteira recuaram 2,2% em agosto em relação a agosto de
2014, segundo o MTE. Na média de 12 meses o recuo foi de 0,1%, o que
mostra que o quadro vem se agravando ao longo deste ano.
Uma válvula de escape tem sido o aumento do emprego informal. A PNAD, que
engloba mercado formal e informal, indica aumento de 0,3% da ocupação total
em julho na variação anual e 0,9% na média de 12 meses.
Consolidando as informação de PNAD e Caged (uma aproximação apenas,
pois são metodologias diferentes, sendo a primeira uma pesquisa amostral e a
segunda registros efetivos no MTE), conclui-se que o emprego sem carteira
cresceu em julho 2,8% na variação anual e 4,6% na média de 12 meses, mas
já está desacelerando com o agravamento da crise.
A troca de trabalhadores mais caros por outros mais baratos é indicada pela
razão entre salário de admissão e demissão, que está em queda, segundo o
MTE. Essa troca pode significar trabalhadores menos produtivos, o que
também prejudica as empresas.
Há uma rigidez de salários reais (salários descontando a inflação) no Brasil.
Uma evidência disso é que as variações de rendimentos nominais de
trabalhadores sem carteira têm sido mais modestas do que dos com carteira
assinada. Pela PNAD, a variação média foi de 5,3% e 7,8% nos últimos 12
meses até julho, respectivamente. A inflação média no período foi de 7,6% pelo
IPCA. Houve, portanto, indexação plena de salários com carteira, apesar de
fatores pontuais estarem afetando a inflação este ano.
A rigidez de salários reais é fonte de preocupação. Ainda que sindicatos e
trabalhadores celebrem no curto prazo, no médio e longo prazos isso é má
notícia para todos. Este é um preço relativo importante na economia, e sua
rigidez traz consequências para o funcionamento do setor produtivo.
Por outro lado, a baixa resistência de empregadores em aceitar o ajuste salarial
pedido pelo trabalhadores não demostra apenas o poder dos sindicatos e o
risco de judicialização – os tribunais com frequência determinam o repasse
pleno da inflação a salários, independente das condições da economia -, mas a
intenção de repassar a preços finais o ajuste salarial.
Nos últimos anos, o repasse a preços no setor manufatureiro foi mais limitado,
em função da concorrência do importado. O mesmo não vale para o setor de
serviços, que têm mais graus de liberdade para ajustar preços. Não à toa a
inflação de serviços é mais elevada.
De qualquer forma, no quadro atual de pressão cambial e após anos de não
cumprimento da meta de inflação, é crucial monitorar a capacidade de repasse
de custos aos preços finais. Os sinais não são muito animadores. A inércia
inflacionária aumentou nos últimos anos e os repasses do câmbio parecem
estar aumentando.
Quanto mais a memória inflacionária influenciar a formação de salários e
preços ao consumidor, com as empresas se arriscando mais a repassar custos,
pois enxergam taxa de inflação elevada, mais difícil será o trabalho do Banco
Central para trazer a inflação de volta para a meta.
Todos têm uma parte neste latifúndio.
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A responsabilidade dos sindicatos por Zeina Latif / XP