De Cortiço a Cortiço
Antônio Cândido
Camila Souza dos Santos
Carla Lopes Mendes
Edson Miguel
Henrique Campos Freitas
Senta que lá vem História . .
O romance se passa todo ele no bairro de Botafogo, atualmente um
bairro bem urbano da cidade do Rio de Janeiro, que era a capital e maior
cidade do Brasil. Durante todo o século 18, porém, o bairro de Botafogo
fez parte da zona rural da cidade. Era um arrabalde afastado e alagadiço
onde foram construídas algumas chácaras, às quais só se tinha acesso por
barco, porque Botafogo, como grande parte da cidade, fica à beira-mar. Só
em 1838 o bairro passa a ser considerado zona urbana. Depois é que
começa a existir transporte regular entre o centro e o bairro, que passa a
contar com abastecimento regular de água e, mais adiante, iluminação e
gás. Com o desenvolvimento do transporte urbano, das novas linhas de
bonde, o bairro de Botafogo começa a receber outros tipos de moradores:
funcionários públicos simples, militares, operários, funcionários do
comércio. Para atender a essa população é que surgem estalagens e
cortiços, como o de João Romão. A convivência entre os pobres e ricos
acontecerá no cenário do bairro de Botafogo.
NATURALISMO
Ferro e Carvão –
Willian Bell Scott,
1861.
O mundo do
trabalho industrial
ganha destaque
como tema da arte
do período
O namoro entre a arte e ciência
• Teoria da evolução das espécies,
de Darwin;
• O papel da literatura como
ciência;
• Émile Zola, escritor francês;
• A mentalidade divulgada por
Zola
está
intimamente
identificada com o caráter
experimental da ciência.
• No Brasil, o Naturalismo
evoluiu junto ao Realismo.
O projeto literário do Naturalismo
• Definição de Naturalismo a partir de Émile Zola;
• O que o projeto naturalista pretende?
• Os naturalistas
psicológica;
deixaram
de
lado
• Personagens da literatura Naturalista.
a
análise
UMA LAVOURA DE ALMAS
Construção
(...)
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
(...)
Chico Buarque de Holanda – Construção
Letra disponível em: <http//www.chicobuarque.com.br>. Acesso em 22 de abril de 2012.
A obra naturalista: O CORTIÇO
Aluísio de Azevedo trata da vida dos
excluídos sociais. Variados tipos físicos e
psicológicos aglomeram-se num cortiço,
mantendo entre si algum tipo de
relacionamento, como se formassem um
organismo vivo em contínuo movimento e
transformação.
REALISMO
Busca da realidade da
vida, mostrada como
realmente é: aspectos
negativos e positivos;
Análise psicológica
das personagens;
Narra acontecimentos
do cotidiano;
Pessimismo latente;
NATURALISMO
Visão de mundo do
escritor naturalista é
mais determinista;
A ação importa mais
que a vida interior das
personagens;
Temas relacionados a
patologias sociais,
aspectos grotescos e
repulsivos da vida;
Diferenciação e indiferenciação
L’Assommoir
Narra histórias de
trabalhadores pobres,
amontoados numa
habitação coletiva;
Degradação motivada pela
promiscuidade, agravada
pelo álcool;
Senhorio cobrando
aluguéis;
O Cortiço
Narra histórias de
trabalhadores pobres,
amontoados numa
habitação coletiva;
Degradação motivada pela
promiscuidade, agravada
pelo sexo e violência;
Explorador e explorado;
Primitivismo econômico;
Uma língua do pê
No Brasil costumam dizer que para o escravo
são necessários três P.P.P., a saber, Pau, Pão e Pano.
(Candido, p. 109)
No fim do século XIX era corrente no Rio de
Janeiro, como dito humorístico, uma variante mais
brutal ainda: “Para português, negro e burro, três
pês: pão pra comer, pano pra vestir, pau para
trabalhar.” (Candido, p.109)
Poema Pau-Brasil, à maneira de Oswald de Andrade:
Mais valia crioula:
Para
português negro e burro
três pês:
pão pra comer
pano pra vestir
pau pra trabalhar (Candido, p.109)
Penso no brasileiro livre daquele tempo com
tendência mais ou menos acentuada para o ócio,
favorecido pelo regime de escravidão,
encarando o trabalho como derrogação e forma
de nivelar por baixo, quase até a esfera da
animalidade, como está no dito. O português se
nivelaria ao escravo porque, de tamanco e
camisa de meia, parecia depositar-se (para usar a
imagem usual do tempo) na borra da sociedade,
pois “trabalhava como um burro” (Candido,
p.110)
“N’O cortiço, João Romão não se distingue
inicialmente pelos hábitos da escrava Bertoleza;
mas é o princípio construtor e animador da
morada coletiva, de cuja exploração vai tirando
os meios que o elevam no fim do livro ao andar
da burguesia, pronto para ser comendador ou
visconde.” (Candido, p. 111)
“ Desde que a febre de possuir se apoderou dele
totalmente, todos os seus atos, todos, fosse o mais
simples, visavam um interesse pecuniário.”
( O cortiço, p.19)
“ (...)e contentava-se com os restos da comida dos
trabalhadores.”
(O cortiço, p.19)”
“Essa acumulação assume para o romancista a forma
odiosa da exploração do nacional pelo estrangeiro.”
(Candido, p.111)
“Daí a presença duma espécie de luta de raças e
nacionalidades, num romance que não questiona os
fundamentos da ordem.”
(Candido, p.112)
“ (...) seu livro dá grande importância à natureza, à
moda naturalista, estabelecendo implicitamente para
atuação dos personagens três possibilidades:”
1 português que chega e vence o
2 português que chega e é vencido pelo
3 brasileiro explorado e adaptado ao
( Candido, p.112)
meio
1. português que chega e vence o meio
João Romão:
“ e via-se já na brilhante posição que o esperava: uma
vez de dentro, associava-se logo ao sogro e iria pouco a
pouco, como quem não quer a coisa, o empurrando para
o lado, até empolgar-lhe o lugar e fazer de si um
verdadeiro chefe da colônia portuguesa no Brasil.”
(O cortiço, p. 145-146)
2.português que chega e é vencido pelo meio
Jerônimo:
“O português abrasileirou-se para sempre; fez-se
preguiçoso, amigo das extravagâncias e dos abusos,
luxurioso e ciumento; fora-se-lhe de vez o espírito da
economia e da ordem; perdeu a esperança de enriquecer.”
( O cortiço, p. 135-136)
3. brasileiro explorado e adaptado ao meio
Bertoleza:
“As quatro da madrugada estava já na faina de todos os
dias, aviando o café para os fregueses e depois preparando
o almoço para os trabalhadores (...) Varria a casa,
cozinhava, vendia ao balcão na taverna, fazia sua quitanda
durante o intervalo de seus serviços, e a noite passava-se
para a porta da venda, e defronte de um fogareiro de barro,
fritava fígado e frigia sardinhas”
(O cortiço, pg.15)
A verdade dos pês
3 pês: pão pra comer, pano para vestir, pau para trabalhar
O tipo de gente que enunciava os três pês sentia-se
confirmada por eles na sua própria superioridade. Essa
gente era cônscia de ser branca, brasileira e livre.Três
categorias bem relativas que por isso mesmo precisavam
ser afirmadas com ênfase, para abafar as dúvidas num país
onde as posições eram tão recentes quanto a própria
nacionalidade, onde a brancura era o que ainda é (uma
convenção escorada na cooptação dos “homens bons”)
onde a liberdade era uma forma disfarçada de dependência.
Se estiver na camada de cima, asseguro
desse modo a minha posição e desmascaram os que
estão por baixo: portugueses pobres, gente de cor e
brancos do meu tipo que podem cobiçar o meu
lugar. Se estiver em camada inferior, devo gritar
ainda mais alto, para me fazer como os de
cima e evitar qualquer confusão com os que
estão mais abaixo.
Os três pês: o português não é o
português, o negro não é o negro e o burro
não é burro.Em plano profundo, trata-se de
uma trinca diferente, pois na verdade estão
em presença: primeiro o explorador
capitalista, segundo o trabalhador reduzido
a escravo e terceiro o homem socialmente
alienado rebaixado ao nível do animal.
Espontâneo e
dirigido
Gravure de Gaston
Latouche
pour L'Assommoir,
édition Flammarion et
Marpon, 1878. BNF
• Comparação entre o cortiço francês L’Assomoir e o
cortiço brasileiro;
“O que aliás não impediu que as casinhas
continuassem a surgir, uma após outra, e fossem
logo se enchendo, a estenderem-se unidas por ali
a fora, desde a venda até quase ao morro, e depois
dobrassem para o lado do Miranda e avançassem
sobre o quintal deste, que parecia ameaçado por
aquela serpente de pedra e cal.”
O cortiço como realidade orgânica
“Daí a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente;
uma aglomeração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após
outros, lavavam a cara, incomodamente, debaixo do fio de água
que escorria da altura de uns cinco palmos. O chão inundava-se.
As mulheres precisavam já prender as saias entre as coxas para
não as molhar; via-se lhes a tostada nudez dos braços e do
pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o
alto do casco; os homens, esses não se preocupavam em não
molhar o pêlo, ao contrário metiam a cabeça bem debaixo da
água e esfregavam com força as ventas e as barbas, fossando e
fungando contra as palmas da mão. As portas das latrinas não
descansavam, era um abrir e fechar de cada instante, um entrar e
sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda
amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao
trabalho de lá ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos
fundos, por detrás da estalagem ou no recanto das hortas.”
AZEVEDO, A. O cortiço, p. 17. Editora América do Sul : São Paulo – SP,
CRESCIMENTO DIRIGIDO
“Desde que a grande vontade de acumular posses tomou conta
de João, tudo o que ele fazia era juntar dinheiro. Só tinha essa
preocupação. Das hortas, colhia para si e para Bertoleza os
piores legumes, aqueles que ninguém ia querer comprar; as
galinhas botavam muitos ovos, e ele não comia nenhum,
mesmo gostando muito; vendia tudo e se contentava com os
restos da comida que ele mesmo servia para os
trabalhadores.”
A reconstrução do cortiço após o incêndio;
“A passagem do espontâneo e dirigido
manifesta a acumulação do capital, que
disciplina à medida que se disciplina,
enquanto sistema metafórico passa do orgânico
da natureza para o mecânico do mundo
urbanizado.”
(Cândido, p.119, 1991)
Cortiço velho (Carapicus) X Cortiço Novo (Vila São
Romão);
(Re)construção do cortiço como sobrado,
metaforizando com sua ascensão social,
entrando nas classes superiores.
O cortiço e/ou o Brasil
“(…) Mas em outro nível, não será também
antinaturalisticamente uma alegoria do Brasil , com a
sua mistura de raças, o choque entre elas, a natureza
fascinadora e difícil, o capitalista estrangeiro postado
na entrada, vigiando, extorquindo, mandando,
desprezando e participando(…)?
(Candido, p.116)
Meio  Raça  Brasil
Natureza tropical do Rio  Raças e tipos humanos
misturados  Cortiço
Na composição, o cortiço é o centro de convergência, o
lugar por excelência, em função do qual, tudo se exprime.
Aluísio aceita a visão romântico-exótica de
uma natureza poderosa e transformadora,
reinterpretando-a em chave naturalista.
A perspectiva naturalista ajuda a compreender
o mecanismo do cortiço, pois o mesmo é regido
por um determinismo estrito, que mostra a
natureza (meio) condicionando o grupo (raça) e
ambos definindo as relações na habitação
coletiva.
Dois movimentos
complementares
Centrípeto (a
natureza
influenciando a
personalidade)
Centrífugo (a
resistência à
pressão do meio)
O movimento social parece o mesmo que o
movimento da narrativa, porque o cortiço é,
ao mesmo tempo um sistema de relações
concretas entre personagens e uma
figuração do próprio Brasil.
O meio e a raça
Agir como brasileiro redunda para o emigrante
em ser como brasileiro, isto é , no quadro estreito
de “ O Cortiço”, ser massa dominada. Esse
processo é descrito pelo romancista como processo
natural de envolvimento e queda, onde a natureza
do país funciona como força perigosa, encarnada
figuradamente em Rita que sendo personagem
atuante é ao mesmo tempo símbolo, súcubo e
gênio da terra.
A transformação de Jerônimo se traduz pela
mudança de comportamento em casa. A seriedade
paquidérmica sede lugar a alegria, ele adota a
comida local e a sua força vai diminuindo
enquanto os sentidos se aguçam e o corpo ganham
hábitos de asseios. Tudo culmina numa certa
aceitação triunfal da natureza num gosto
crescente pela luz selvagem e alegre do Brasil.
Café e sol, símbolos afrodisíacos. O café tem um
sentido afrodisíaco e simbólico de beberagem
através da qual penetram no português as
seduções do meio, mas o símbolo supremo é
todavia o sol, que percorre o livro como
manifestação de natureza tropical e princípio
masculino de fertilidade.
Sol e calor são concebidos como chama que
queima, derrete a disciplina, fomenta a
inquietação e a turbulência, fecunda como o sexo.
O português tem a força, a astúcia e a tradição. O
brasileiro serve a ele como animal de carga e sua
única vingança consiste em absorvê-lo
passivamente pelo erotismo, que aparece como
símbolo de sedução da terra.
O reino animal
“O branco, predatório ou avacalhado, sem
meio-termo; o mulato e o negro, desordenados, (...)
todos tem na economia d’O cortiço uma espécie de
destino animal comum, acentuado pelo gosto
naturalista da visão fisiológica.”
(Candido, p. 122 e 123)
“...
a começar pelo conjunto da habitação coletiva,
vista como ‘aglomeração de machos e fêmeas’, que
manifestam o ‘prazer animal de existir’.” ( Candido, p.
123)
“... e logo depois vemos ‘as mulheres (que) iam
despejando crianças com uma regularidade de gado
procriador’.” ( Candido, p. 123)
“E gozou-a, gozou-a loucamente, com delírio, com
verdadeira satisfação de animal no cio.” ( O cortiço,
cap. I, p. 17)
“ E era tão feroz o demônio naquela fome de cão sem
dono” ( O cortiço, cap. VII, p. 52)
“a sua crina preta, desgrenhada, escorrida e abundante
como as das éguas selvagens (...)” ( O cortiço, cap. XVII,
p. 128)
“Firmo, o atual amante de Rita Baiana, era um mulato
pachola, delgado de corpo e ágil como um cabrito.” (O
cortiço, p. 49)
“Mulheres amamentavam o filhinho ali mesmo, ao ar
livre, mostrando a uberdade das tetas cheias.” (O cortiço,
p. 112)
“o estudante atirou-se, sôfrego, sentindo-lhe a frescura da
sua carne de lavadeira, mas sem largar as pernas do
coelho.” (O cortiço, p. 62)
“Miranda nunca a tivera, nem nunca a vira, assim
tão violenta no prazer. Estranhou-a afigurou-se-lhe estar
nos braços de uma amante apaixonada: descobriu nela o
capitoso encanto com que nos embebedam as cortesãs
amestradas na ciência do gozo venéreo.” (O cortiço, p. 17)
“As suas descrições da vida sexual são mais
atrevidas ( para o tempo), (...) e em matéria de
Brutalidade verbal, nem Zola nem ninguém tinha
chegado ao extremo com que é descrito o modo pelo
qual o comendador Miranda “se serve”, “como quem
se serve de uma escarradeira”, da mulher, que o traíra
e ele odeia. Como sempre, quando a Europa diz
“mata” o Brasil diz “esfola”.” ( Candido, p. 125)
A “pensão do sexo”
• La Joie de Vivre e O cortiço: Pauline Quenu e
Pombinha;
• Função fisiológica-manifestação individual;
• O sol como manifestação simbólica;
“- Vem cá, minha flor!... disse-lhe, puxando-a contra si e
deixando-se cair sobre um divã. Sabes? Eu te quero cada vez
mais!... Estou louca por ti!
E devorava-a de beijos violentos, repetidos, quentes, que
sufocavam a menina, enchendo-a de espanto e de um
instintivo temor, cuja origem a pobrezinha, na sua
simplicidade, não podia saber qual era.”
“Depois abraçou-se às pernas da filha e, no arrebatamento de
sua comoção, beijou-lhe repetidas vezes a barriga e parecia
querer beijar também aquele sangue abençoado, que lhes abria
os horizontes da vida, que lhes garantia o futuro; aquele
sangue bom, que descia do céu, como a chuva benfazeja sobre
uma pobre terra esterilizada pela seca.”
• A prostituição como subproduto, introduzida por
Aluísio no Cortiço;
• No fim, Pombinha se torna prostituta;
“Pombinha se tornou uma das prostituta mais requisitadas do
Rio de Janeiro. O sexo era para ela uma grande arte. Pombinha
tinha especial simpatia pela filha de Jerônimo, e ajudava
Piedade generosamente. Podia se dizer que o carinho que
Pombinha tinha por Senhorinha era o mesmo que antes
Léonie tinha por Pombinha. A cadeia continuava: o Cortiço
estava preparando uma nova prostituta naquela pobre
menina, filha de pai ausente e mãe bêbada.”
Força e fraqueza das mediações
A necessidade de representar o país por
acréscimo, que não se punha a Zola em
relação à França, diminui o alcance geral do
romance de Aluísio, mas aumenta o seu
significado específico.
Bibliografia
CANDIDO, Antonio. Duas Cidades. Rio
de Janeiro: 2004.
FARACO C.E.; MOURA F.M; MARUXO JR.
Linguagem e Interação. São Paulo: Ática,
2010.
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O cortiço