Rev. Bras. Fisiot. Vol. 3, No. I (1998) ©Associação Brasileira de Fisioterapia 21 Estudo da Eficácia do Uso de Palmilhas no Tratamento Conservador da Osteoartrite de Joelhos 1 2 R.C. Dias*\ L.F. Teixeira , J.M.D. Dias 1, L.A. Simões , A.C. Bastone 2 2 e I.M. Nóbrega 1 Fisioterapeutas, Professores Assistentes do Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Mestres em Ciências da Reabilitação por Queen 's University, Canadá 2 Bolsistas de Iniciação Científica, PIBICICNPq Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Av. Antônio Carlos 6627- Campus Pampulha, 31271-970 Belo Horizonte- MG Recebido 21.08.97; Aceito: 27.07.98 Resumo: Para investigar a eficácia clínica do uso de palmilhas em pacientes idosos com osteoartrite (OA) de joelhos, foram tratados e acompanhados por três meses 23 joelhos de 15 pacientes com deformidades angulares en1 valgo e varo. Para avaliar a dor, a rigidez, função articular do joelho e dificuldades funcionais nas atividades de vida diária (A VOs), foram utilizados o Western o( Ontario and MacMaster's Universities (WOMAC) Osteoarthritis Jndex e o Knee Society Score (KSS) adaptados. Os sujeitos foram aleatoriamente alocados em dois grupos, sendo um experimental (n = 8 ) e o outro controle (n = 7 ). Os pacientes em ambos os grupos receberam I O sessões de fisioterapia durante 4 semanas com intervalos de até 4 dias entre as sessões. Além desse protocolo de fisioterapia, os sujeitos no grupo experimental fizeram uso constante de palmilhas corretivas com 8 mm de elevação nas bordas mediai ou lateral, conforme a deformidade. Todos os sujeitos foram avaliados antes do início do tratamento, após I Osessões de fisioterapia e 3 meses após as I Osessões. Os resultados indicaram que o grupo experimental, após 3 meses do término do tratamento e em uso constante das palmilhas prescritas, demonstrou uma diferença estatisticamente significante (p ::::: 0,05) em relação ao controle da dor e na melhora das capacidades funcionais quando comparado ao grupo controle. O uso de palmilhas demonstrou ser um importante recurso clínico no tratamento conservador da OA de joelhos leve e moderada com deformidade em valgo ou varo. Palavras-Chave: osteoartrite, osteoartrose, joelho, A VD, medidasfuncionais Abstract: To investigate the clinicai efficacy ofwedged insoles to manage elderly patients with knee osteoarthritis (OA), 23 knees of 15 patients with angular deformities in the valgus or varus were followed up for 3 months. Pain, stiffness, knee function and functional difficulties with day life activities were assessed using the modifíed Westem ofOntario and MacMaster's Universities (WOMAC) Osteoarthritis lndexand the Knee Society Score (KSS). Subjects were randomly assigned in two groups, experimental (n = 8 ) and control (n = 7 ). All o f them received I O sessions o f Physical Therapy (PT) during a 4-week period, with an interval o f at least 4 days between each session. In addition, subjects in the experimental group wore, prescribed wedged heel insoles with an elevation of 8 mm medially or laterally, depending on the angular deformity presented for the whole day. Ali the subjects, in both groups, were assessed at baseline, after 1O PT sessions and 3 months after the last PT session. The results indicated that the experimental group 3 months after the end o f treatment, showed a statistically significant difference (p ::::: 0.05) for pain and function, when compared with the control group. The efficacy o f wedged heel insoles was demonstrated, indicating that their use might be considered as a relevant alternative in the management o f mild and modera te knee OA, with angular deformities in the valgus or varus. Kcywords: osteoarthritis, osteroarthrosis, knee, ADL,functional measurement * Rosangela CoiTêa Dias: Depaiiamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Av. Antônio Carlos, 6627, Campus Pampulha, Unidade Administrativa 11-2° Andar, 31271-970 Belo Horizonte- MG. Este trabalho foi realizado com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Pró-Reitoria de Pesquisa da Universidade Federal de Minas. 22 Dias et ai. Introdução A Osteoartrite é a doença reumática mais prevalente e de alta incidência em pessoas com 65 anos ou mais. Acomete principalmente as atiiculações diartrodiais, sendo 1 o joelho a articulação mais acometida . Patologicamente, ocorre uma fibrilação precoce na cartilagem hialina acompanhada de erosão e perda da integridade tecidual, com impmiantc esclerose subcondral e proliferação de osteófitos marginais e cistos subcondrais. Do ponto de vista etiológico existem controvérsias · d a d oença 2·3,4 . s-ao apon tad os quanto aos "'1atorcs causats dentre outros, a interação de fatores inflamatórios, incongruência articular, estresse mecânico e alterações neuromusculares. Alguns fatores de risco, como a atividade ocupacional, lesões e traumas pregressos, obesidade e doenças sistêmicas como a hipertensão atierial c a diabetes mellitus, também são apontados como causas do desenvolvimento da OA. Pelo tàto da OA ser uma doença heterogênea quanto às suas manifestações, seu diagnóstico também é complexo, em geral é feito a partir de critérios clínicos, radiológicos c laboratoriais. Desta forma, para se firmar o diagnóstico, o paciente deve apresentar 3 a 5 dos seguintes sintomas: idade acima de 50 anos, rigidez matinal com duração inferior a 30 min, crepitação, alargamento ósseo, dor à palpação das bordas articulares, ausência de calor local, osteófitos e fator . 5. . 'de negattvo reumatot Dentre os sinais e sintomas mais freqüentes, denota6 mos dor de ritmo circadiano , rigidez matinal c após repouso com duração inferior a 30 min, dor à palpação dos bordos articulares, crepitação, edema, deformidades angulares, frouxidão ligamentar c alterações ncuro-musculoesqucléticas3 que levam o indivíduo à deficiência f1sica c à 78 perda da independência nas AVD's • . Alterações proprioceptivas, igualmente importantes, também estão prescn39 tcs · , assim como a diminuição da velocidade da marcha, 10 da f.orça museu Iar c d a capact'd a d c aero'b.tca . O tratamento da OA inclui medicamentos analgésicos c anti-inflamatórios, cirurgias c fisioterapia. O tratamento fisioterápico é importante não só na manutenção de pacicntcs com quadros de disfunção tlsica severa, mas especial mente em pacientes com disfunção leve ou moderada. Nestes casos, a proteção articular c a educação do paciente são fatores fundamentais para a manutenção de uma boa qualidade de vida. Algumas vezes o repouso atiicular é requerido, mas por outro lado medidas de proteção articular são ncccssárias. Tal proteção articular significa propiciar à articu!ação acometida, condições de responder às demandas funcionais de maneira mais próxima do funcionamento normal esperado para a mesma. Assim, devemos imple- Rev. Bras. Fisiot. mcntar medidas terapêuticas que requeiram mobilização articular regular, descarga de peso c condicionamento neuro-muscular. Portanto, reduzir o estresse articular, otimizar a atenuação do choque durante exercícios e ativi dades de vida diária e manter ou melhorar a amplitude de movimentação ativa da articulação e seu alinhamento, são os principais objetivos a serem alcançados com as cstratégias do tratamento conservador. O estresse articular é reduzido ao diminuir-se a carga de peso imposta à atiiculação. Isto pode ser atingido pela manutenção de um peso corporal adequado, exercícios em ambientes com redução da gravidade, tais como a água ou em bicicleta, e redução de pesos extra-corpóreos CatTe11 gados. Ncumann demonstrou que um peso extra-corpóreo carregado de I 0% do peso corporal pode aumentar signifi cativamcnte as forças compressivas sobre as atiiculações coxo-fcmorais e dos joelhos. Embora os mecanismos através dos quais o peso corporal afeta o joelho com OA em mulheres não sejam 12 bem conhecidos, Felson et a!. encontraram uma correlação positiva significa entre o peso corporal na meia idade c o aparecimento de OA após os 65 anos. Relata ainda que aparentemente a redução do peso corporal leva a uma redução na severidade dos sintomas. As forças de impacto também podem ser reduzidas pelo uso de materiais viscoelásticos nas solas dos sapatos 13 Tem sido demonstrado que palmilhas ou em palmilhas viscoclásticas diminuem 42% do choque medido na tíbia proximalmente, em uma amostra de I O sujeitos caminhando a uma velocidade de 4 km/h. Os mecanismos de ação terapêutica do uso de palmilhas ainda não estão bem esclarecidos. Entretanto, vários estudos indicam o uso dessas palmilhas como recurso importante para a proteção · d o uso d e pa 1mt·111as · · c I'mtca . Iar 14 ' 15 ' 16 ' 17. A c fitcacta atitcu foi comprovada em um experimento clínico controlado de 149 sujeitos, acompanhados durante 5 anos, por Sasaki e 17 Yasuda O estresse articular também pode ser reduzido di minuindo-sc as forças de reação. Na OA de joelhos c coxo-femorais, o adequado uso de uma bengala contraiatcralmcntc pode reduzir essas forças de reação ao redor das 11 articulações em cerca de 50%, • As forças de reação ao redor dos joelhos também podem ser reduzidas evitando-se subir e descer escadas, uma vez que nessas atividades as articulações são submetidas a uma descarga de peso 1 máxima c a forças de impacto articular . Outro método para reduzir forças de reação é cami nhar em uma velocidade .que não aumente o estresse biomccânico. V clocidades muito altas na marcha ou cotTida aumentam o estresse articular sobre o joelho, o que pode resultar em lesões induzidas por estas atividades. Pessoas com OA de joelhos devem desenvolver marcha em uma velocidade que não produza aumento na dor ou no edema. Vol. 3. No. 1, 1998 Eficácia de Palmilhas na OA de Joelhos Dois estudos sobre marcha como atividade aeróbica para pessoas com OA de coxo-femorais ou joelhos incluíram exercícios para manutenção ou ganho de ADM e exercícios de fortalecimentos como atividades de aquecimento para uma programa progressivo de caminhada. Ambos reportaram aumentos significativos no condicionamento físico e na endurance, sem exacerbação dos sintomas característi18 cos da OA ou dropouts devido à dor articular , 19 . A diminuição da velocidade de marcha em pessoas com OA é comum, e há uma concordância de que a velocidade de desenvolvimento da marcha é uma medida significativa de melhora. É verdadeiro que a habilidade de caminhar rápido, o suficiente para atravessar a rua em uma sinal de trânsito para pedestres, é importante para uma locomoção autônoma na vida comunitária 20 . Entretanto, aumentar a velocidade da marcha sem dedicar uma atenção à biomecânica músculo-articular pode não ser a melhor estratégia. Outros requerimentos para atenuação de impacto são o adequado condicionamento da musculatura do joelho e a habilidade de gerar força rapidamente para uma contração excêntrica, que são sempre comprometidos como conseqüência da dor e da inatividade. Para otimizar essa capacidade é necessário estabelecer no plano de tratamento, um condicionamento muscular que inclua o fortalecimento concêntrico e excêntrico dos grupos musculares e endurance em velocidades funcionais, além da aprendizagem de habilidades motoras 1 . 23 Instrumentos de medida . de ava11açao . - cI'mica . que O Kss 21 '22 e, um mstrumento se propõe a avaliar discriminadamente a função de joelho (aspectos fisico-funcionais articulares) da capacidade funcional do paciente nas atividades de locomoção (marcha e escadas). Assim, obtém-se escores independentes para a articulação do joelho (Escore de Joelho) e para a performance funcional do paciente (Escore de Função). O Escore de Joelho é constituído pela soma de pontos obtidos nos aspectos de dor, ADM de flexão, estabilidade articular antero-posterior e médio-lateral, deduzidos dos pontos obtidos em alinhamento, contratura de flexão e déficit de extensão. O Escore de Função é constituído pela soma dos pontos obtidos na avaliação da marcha e escadas deduzidos de pontos obtidos pelo uso de dispositivos de auxílio à marcha (incluindo o uso de cadeira de rodas). Os Escores de Joelho e de Função são atribuídos em uma escala de O a I 00 pontos, recebendo O a pior e I 00 a melhor condição, para cada um dos escores. 23 24 25 , . , . I .d. O WOMAC Ind ex ' ' e um questwnano mu ti Imensional sobre as AVD's que avalia dor (5 questões), rigidez (2 questões) e função (17 questões). Foi idealizado para ser utilizado de forma auto-administrada, específico para OA de joelhos, podendo ser apresentado em escala Likert ou visual. São atribuídos escores de O a I 00 pontos, sendo O a melhor e I 00 a pior condição em cada uma das dimensões avaliadas. Procedimentos Material e Métodos Delineamento Este estudo foi um experimento clínico controlado, aleatório, de 2 grupos de sujeitos voluntários portadores de OA leve ou moderada de joelhos, na fase crônica, comprovada pelo exame radiológico dessa articulação, nos quais foram feitas três medidas repetidas das mesmas variáveis ao longo de três meses de acompanhamento. Sujeitos Pacientes com diagnóstico de OA, encaminhados ao Ambulatório de Fisioterapia do Hospital das Clínicas da UFMG, foram avaliados para inclusão no estudo. Foram incluídos aqueles que apresentavam exame radiológico compatível com AO leve e moderada, apresentando deformidades angulares em valgo ou varo, de ambos ou de um só joelho, dor, dificuldades funcionais na marcha, sem história cirúrgica ou traumas prévios e sem distúrbios cognitivos que impedissem a participação no estudo. Todos os pacientes foram esclarecidos sobre os objetivos e os procedimentos do mesmo e ao estarem de acordo assinaram um termo de consentimento pós-informação. Os pacientes foram aleatoriamente alocados em 2 grupos, um experimental (GE) e outro controle (GC). Os pacientes que compuseram os dois grupos receberam 1O sessões de fisioterapia durante 4 semanas, com intervalos de até 4 dias entre as sessões. Além desse protocolo de fisioterapia, os pacientes do grupo experimental fizeram uso constante de palmilhas corretivas prescritas de acordo com a defonnidade angular apresentada. Todos os sujeitos foram avaliados pelo mesmo examinador antes do início do tratamento, após 1O sessões de fisioterapia e 3 meses após essas 1O sessões. Essa avaliação constava de uma anamnese, um exame fisico e a aplicação dos dois instrumentos de medidas selecionados para o estudo. As sessões de fisioterapia constavam de aplicação de parafina sob a forma de enfaixamento ao redor da região articular do joelho, associada a exercícios de alongamento dos grupos musculares da cadeia posterior e da banda iliotibial. Exercícios isotônicos ativos em cadeia cinética aberta, com carga leve ( 1 kg), foram realizados visando o fortalecimento dos músculos da cintura pélvica e do quadríceps. As palmilhas prescritas eram confeccionadas em espuma de alta densidade revestidas em couro com elevação de 8 mm na borda mediai para os pacientes com deformi- Rev. Bras. Fisiot. Dias et ai. 24 dade angular em valgo e elevação na borda lateral para aqueles que apresentavam deformidade em varo. Elas foram usadas dentro do calçado ou tênis, durante todas as atividades de vida diária. A maioria dos pacientes não usava calçados dentro de casa, mas sim chinelos. Orientamos, então, o uso de sapatilhas de pano com solado de borracha nas quais as palmilhas eram inseridas, em substituição aos chinelos, durante esses períodos. Todos os pacientes encaminhados foram previamente avaliados antes de ser incluídos no estudo, para verificar se os critérios de inclusão eram atendidos. Uma vez incluído, o paciente era esclarecido sobre os objetivos do estudo e seu consentimento era solicitado. Os pacientes que não preencheram os critérios de inclusão detenninados para o estudo foram encaminhados para tratamento no ambulatório de fisioterapia. Os pacientes foram alocados aleatoriamente para os dois protocolos do estudo de acordo com sua entrada no mesmo. Assim, os sujeitos com números de entrada pares receberam o protocolo de exercícios associados ao uso de palmilhas e com números ímpares somente o protocolo de exercícios. Desta fonna foram constituídos os grupos experimental e controle, respectivamente. Os sujeitos, em ambos os grupos, foram submetidos à mesma avaliação fisioterápica, que foi executada pelo mesmo examinador, em todas as etapas do estudo. Essa avaliação constava de medidas de força muscular de 26 quadríceps e isquiotibiais com esfigmomanômetro , avaliação da flexibilidade dos isquiotibiais através do goniômetro, prova de Thomas, prova de Ober aplicação do KSS e do WOMAC. Esse mesmo protocolo de avaliação foi feito após o término das I Osessões de fisioterapia e após 3 meses dessa data. O levantamento dos escores em cada um dos instrumentos e em todas as etapas de avaliação foi feito por um examinador cego em relação aos protocolos recebidos pelos sujeitos. A análise final dos resultados foi feita de forma agrupada, sem identificação nominal dos sujeitos para garantir a imparcialidade de julgamento dos mesmos. estatística entre os grupos ao nível de significância a a:s_0.05. O Teste de Ajustamento de Bonferroni-Mann-Whitney como teste de contraste (nível de significância: 0.20/k), foi utilizado para identificar que grupo teria sido responsável pela significância estatística encontrada. Resultados Foram avaliados 23 joelhos de 15 pacientes, sendo 14 do sexo feminino e 1 do sexo masculino, cujas idades variaram entre 59 e 73 anos (Tabela 1). O teste do qui-quadrado foi utilizado para verificar as diferenças entre os pacientes nos dois grupos para as variáveis idade, sexo, tipo de deformidade angular e lado do acometimento. Nenhuma das associações foi estatisticamente significante. Nenhum dos sujeitos no grupo experimental descontinuou o uso das palmilhas até o momento da avaliação final, ou seja, 3 meses após as 1O sessões de fisioterapia. O hábito do uso de chinelos em casa foi modificado para o uso de sapatilhas de pano que acomodassem as palmilhas, naqueles pacientes que não conseguiam usar o calçado regular em seu ambiente doméstico. A todos os pacientes foi perguntado se sua condição havia melhorado com o tratamento e desde quando esta melhora foi observada. O grupo controle relatava melhora perto do final das I O sessões de fisioterapia e 3 meses após referiam ainda achar que continuavam precisando de recursos fisicos e anaJ.gésicos para a dor e a rigidez após repouso. Os pacientes no grupo experimental (em uso de palmilhas desde o início do protocolo), relatavam uma melhora subjetiva ao redor da 5" sessão e aos 3 meses informavam estar bastante satisfeitos com os resultados, tendo inclusive di minuído a necessidade de analgésicos. Eles relatavam também que se achavam mais dispostos para as atividades de vida diária para as quais fossem necessárias a marcha ou a permanência na posição de pé por períodos mais pro1ongados. Como pode ser observado na Tabela 2, todos os pacientes se beneficiaram do tratame~to .:fisioterápico e após as 1O sessões todos haviam melhorado suas condições de dor e capacidade funcional. Apenas em relação à dimensão rigidez, que só foi avaliada através do WOMAC, não ' . 27 . P roce d zmento estatzstzco A Dupla Análise de Variância por Postos ( y} de Friedman) foi utilizada para identificar se houve diferença Tabela 1. Dados demográficos de pacientes no grupo experimental (GE) c no grupo controle (GC) (n = 15pacicntes). Idade Sexo Lado Acometido Deformidade Grupo n No. Joelhos M F MédiaDP V algo Varo D E Bi GE 8 12 o 8 71,5 ± 1,8 10 2 3 o 5 GC 7 11 6 70,9 ± 3,3 9 2 2 4 Total 15 23 14 71,2 + 2,5 19 4 2 9 4 Vol. 3. No. I, 1998 Eficácia de Palmilhas na OA de Joelhos 25 Tabela 2. Evolução dos escores do KSS e do WOMAC para o grupo controle e o grupo experimental (n = 23 joelhos). Pré-Tratamento Instrumento Após I O sessões Após 3 meses GC GE GC GE GC GE 40,1 45,1 44,5 63,5 67,7 76,4 ± 5,0 ± 7,1 ± 10,6 ±2,1 ± 11,5 ± 4,1 62,8 58,7 79,2 84,4 80,0 95,6 ± 3,1 ± 8,7 ± 14,4 ± 5,3 ± 14,0 ± 5,3 38,5 36,4 18,3 6,7 11,7 4,4 ± 3,2 ± 3,8 ± 2,1 ±0,3 ± 0,9 ± 0,1 7,7 16,4 5,8 11,1 9,4 11, I ± 3,5 ±4,6 ± 1,3 ± 1,8 ± 1,9 ± 0,6 31,5 35,8 11,3 11,9 11,3 6,3 ± 2,9 ± 6,7 ±4,2 ±4,1 ± 1,2 ± 0,7 KSS Escore de Joelho Escore de Função WOMAC Dor Rigidez Função pôde ser evidenciada nenhuma tendência de melhora ou piora, pois a variabilidade dos resultados foi grande. Ainda em relação à evolução dos escores, pode-se observar que o grupo experimental continuou a melhorar seus escores após 3 meses do término das sessões de fisioterapia, ao passo que o grupo, controle teve uma tendência à manutenção dos ganhos e não de melhora. Para verificar se houve diferença estatisticamente significante entre os grupos, através do tempo e após o tratamento, foi utilizada a Análise de Variância por Postos de Friedman (x 2 ) para as variáveis do KSS (escores de joelho e de função), do WOMAC (dimensões: dor, rigidez e função) e para as medidas de força muscular do quadríceps e dos isquiotibiais. Foram encontrados valores estatisticamente significantes para as variáveis escore de joelho e escore de função do KSS , para as dimensões dor e função do WOMAC, mas não para as medidas de força muscular de quadríceps e isquiotibiais e para a dimensão rigidez do WOMAC (Tabela 3). Uma vez identificadas as variáveis com significância estatística no teste de Dupla Análise de Variância por Postos de Friedman (x\ realizamos um teste de contraste através da técnica do Ajustamemento de Bonferroni-Mann-Whitney, para identificar qual grupo havia sido responsável pela diferença. Assim, foram feitas 11 comparações de variáveis entre os grupos, ao nível de significância 0.20111, das quais pudemos concluir que o grupo experimental após 3 meses foi responsável pela diferença estatisticamente significante (0.002 < p < 0.01) para todas as variáveis detectadas como estatisticamente significantes na Dupla Análise de Variânc ia por Postos de Friedman ( x\ e) Tabela 3. Resultados da análise de variância por postos de Friedman para as variáveis do KSS e do WOMAC e para força muscular de quadríceps e de isquiotibiais (n = 23 joelhos, a :S 0.05). Variável (k= 3, gl p = 2) KSS Escore de Joelho 22,8 Escore de Função 18,1 :s 0.05 :s 0.05 11,4 NS** Rigidez 2,4 NS** Função 11,2 :s 0.05 Quadríceps 1,3 NS Isquiotibiais 1,7 NS WOMAC Dor Força Muscular *X 2 calculado (valor crítico 5,9); * * Estatisticamente não significante. Discussão Durante o período do desenvolvimento deste estudo, todos os pacientes alocados no grupo experimental aderi ram ao uso constante das palmilhas prescritas. Esta é uma informação significativa do ponto de vista clínico, pois em geral os pacientes tendem a rejeitar ou não se adaptar ao uso de órteses, quando esse uso traz mais ônus do que berre fiei os. Neste caso específico, os pacientes relatavam sentirse um pouco desconfortáveis nos primeiros 2 ou 3 dias de uso, mas logo começaram a perceber o alívio de alguns 26 Dias et ai. sintomas da OA, principalmente a dor. Decorrente desse alívio, eles passaram a relatar uma melhora da função, principalmente nas atividades onde os joelhos são altamente estressados pela descarga de peso corporal, como por exemplo a marcha e a permanência de pé por longos períodos. Relataram ainda que se sentiam mais dispostos e ativos para realizar tarefas domésticas leves, ir às compras ou subir e descer escadas. Esses resultados assemelham-se 14 aos obtidos por Tohyama et a/. , que utilizaram palmilhas para tratar a OA do compartimento mediai dos joelhos de idosos no Japão. Por tradições culturais, os japoneses não usam calçados dentro de suas casas e esses autores mandaram confeccionar órteses de tecido fixadas por velcro, com elevações na borda mediai, similares às palmilhas, para serem usadas em casa. Da mesma forma, os brasileiros costumam andar sem calçados ou com chinelos em suas casas e a aceitação da mudança desse hábito pelos pacientes no nosso estudo certamente garantiu a aderência ao tratamento. Como já descrito, eles foram aconselhados a usar sapatilhas de pano com as mesmas palmilhas que eram usadas com os calçados comuns nas atividades fora de casa. É importante salientar que dor e função são variáveis 18 22 alta e inversamente correlacionadas. Diversos autores • têm demonstrado essa correlação. Isto nos conduz a pensar que ao se estabelecer um protocolo de tratamento para pacientes polissintomáticos, como os portadores de OA, devemos hierarquizar nossas ações terapêuticas, de tal forma a estabelecer como prioritárias as estratégias de controle de dor, pois desse controle dependem todas as demais aquisições funcionais dos pacientes. Embora não tenha sido avaliada a significância estatística dessa in formação, ela é relevante do ponto de vista clínico, pois a satisfação do paciente com o tratamento é a chave para a aderência ao mesmo e conseqüentemente a obtenção dos resultados esperados com a administração dessa conduta terapêutica. O protocolo de exercícios realizados durante as dez sessões de fisioterapia enfatizava os alongamentos para melhorar as condições de equilíbrio biomecânico da articu!ação, bem como o fortalecimento muscular, com baixa carga (l kg) em cadeia cinética aberta. Esse protocolo visava melhorar os fatores de proteção articular proporcionados pela melhora da força e resistência dos músculos trabalhados, como tem sido preconizado por diferentes . de c10rtaIec1mento , . , os exerciciOs au t ores 7,8,18,19 . p orem, adotados foram insuficientes para conseguir uma mudança estatisticamente significante na mensuração da força mus cular. Talvez o pequeno número de sessões, as condições de desuso da musculatura da maioria dos pacientes e o método de mensuração, que não demonstrou boa sensibilidade, podem ter influenciado na observação dessas variá veis. As medidas de força muscular dos quadríceps e dos isquiotibiais não resultaram diferenças estatisticamente sig - Rev. Bras. Fisiot. nificantes, provalvelmente, devido à combinação desses fatores. Neste estudo foram incluídos pacientes com acometimento uni e bilateral. Aqueles com acometimento bilateral, em geral, tinham o mesmo grau de dificuldades em ambos os joelhos e seus escores não diferiram. Os pacientes com acometimento unilateral tendem a sobrecarregar o membro não envolvido, como forma de defesa antálgica em relação ao joelho afetado, trazendo conseqüências importantes como a fadiga, cãimbras e sintomas de disfunções fisicas. Com relação à eficácia do uso das palmilhas podemos observar na Tabela 2 que tanto o grupo que fez uso das palmilhas (GE), quanto o grupo controle (GC) obtiveram melhora dos escores em todos os domínios avaliados, após o término das 1O sessões de fisioterapia. Porém, após três meses do término das mesmas, os resultados, em termos de médias, ficaram praticamente estacionários para o grupo, controle, enquanto os do grupo experimental continuaram a melhorar. Isto explica porque o grupo experimental após três meses foi o que apresentou melhor evolução no controle da dor e na melhora das capacidades funcionais, como demonstrado na significância estatística do teste de contraste realizado. Como conseqüência do controle da dor, os pacientes do grupo experimental, conforme demonstrado pelos escores obtidos nos instrumentos de medida, melhoraram sua performance funcional de forma mais duradoura. A escolha desses instrumentos para avaliação dos resultados deste estudo baseou-se no fato de que é muito importante, do ponto de vista clínico, obtermos parâmetros separados para os aspectos específicos da articulação daqueles que avaliam o nível e a qualidade funcional do paciente. Esses aspectos são influenciados pela dor, pelo estado da musculatura e por condições específicas do osso, da cartilagem e dos ligamentos articulares. Ao serem avaliados em separado, não sofrem a influência dos aspectos funcionais que podem ser afetados de forma concomitante por outras condições sistêmicas dos pacientes (diversas daquelas causadas pela própria OA). Assim, ao obtermos esses escores separados podemos ter mais clareza dos efeitos do tratamento sobre as dimensões específicas de cada domínio avaliado. Por exemplo, os resultados obtidos com o uso das palmilhas demonstrou eficácia no controle da dor, dos aspectos articulares do joelho e nos aspectos funcionais, mas não conseguimos demonstrar o efeito desse tratamento sobre a queixa de rigidez articular matinal e após repouso. As palmilhas com pequena elevação no bordo interno, na deformidade em valgo, ou externo, na defonnidade em varo, parecem promover modificações biomecânicas que conduzem a uma melhor distribuição de forças ao redor do joelho e a uma melhor propriocepção, diminuindo as forças de impacto e aliviando a descarga de peso sobre o compartimento mais acometido, permitindo assim ao paciente desenvolver melhor suas A VDs. Apesar dos fatores Vol. 3. No. 1, 1998 Eficácia de Palmilhas na OA de Joelhos biomecânicos envolvidos não terem sido objeto de análise ' ' que tamb em' .mdo nosso estudo, outros autores 141517 cluíram o uso de palmilhas em seus protocolos de tratamento de pacientes com OA leve e moderada, sem outros comprometimentos de saúde ou alterações cognitivas importantes, relatam resultados que também apontam na mesma direção. Vale considerar que os efeitos obtidos sobre a dor e sobre os aspectos neuro-músculo-articulares, através do uso das palmilhas, têm um importante impacto sobre o controle da evolução da doença. Com os sintomas da doença sob controle, os pacientes podem demandar menos recursos dos serviços de saúde, pois eles aprendem a proteger e usar adequadamente a articulação, podendo inclusive limitar a necessidade de intervenções citúrgicas ou outros procedi mentos invasivos. Além disso, e talvez mais importante, a autonomia funcional desses indivíduos se mantém preservada e sua qualidade de vida tende a melhorar. Conclusões O presente estudo obviamente não esgota a aplicabilidade do uso de palmilhas como recurso terapêutico no tratamento conservador da OA de joelhos. Sendo a OA uma doença bastante heterogênea, o tamanho da amostra e o tempo de acompanhamento longitudinal dos pacientes não foram suficientes para consolidar os achados deste estudo, embora a análise estatística tenha indicado a tendência e o potencial do tratamento conservador com palmilhas. Naturalmente, recomenda-se o desenvolvimento de outros estudos com objetivos similares aos nossos, com amostras mais representativas e acompanhamento mais prolongado, para que as infonnações já obtidas possam ser ampliadas. Especialmente porque nossos resultados apresentam indicadores importantes para o fisioterapeuta clínico ao lidar com pacientes com OA de joelhos leve a moderada, que apresentem deformidades angulares em valgo ou varo, associadas a sintomas de dor e incapacidades funcionais. O tratamento de pacientes com essas características, considerando-se a tendência indicada neste estudo, deve incluir, além do uso de palmilhas, um protocolo de exercicios e de educação do paciente com o objetivo de se alcançar uma proteção articular eficaz. Desta forma, pode mos minimizar as conseqüências mais graves da doença, tanto do ponto de vista da saúde individual do paciente quanto do impacto das mesmas sobre os custos do sistema de saúde como um todo. 27 Referências 1. Marks, R. The effect of isometric quadriceps strength in mid-range for osteoarthritis of the knee. Arthritis Care and Research, 6 (1): 52-56, March, 1993a. 2. Panush, R. S.; Holtz, H.A. Is exercice good or bad for arthritis in the elderly? 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