Conservative treatment of urinary stress incontinence Abstract Resumo Este artigo apresenta uma revisão bibliográfica acerca das modalidades de tratamento conservador para incontinência urinaria de esforço (IUE). Descreve-se a enfermidade, a epidemiologia, a classificação, a avaliação diagnóstica e as formas de tratamento conservador existentes. Objetivou-se verificar diferenças entre os resultados obtidos por protocolos que associam técnicas variadas no tratamento para IUE, daqueles que se utilizam apenas uma técnica. Entre os autores desta revisão, foi possível verificar que mesmo com o surgimento de estudos clínicos controlados, permanece a discrepância com relação à padronização do protocolo, para que seja possível definir qual o método mais eficaz de tratamento para esta patologia. Também foi possível constatar a importância de um trabalho preventivo e do tratamento conservador para a redução de custos. at u a l i z a ç ã o Tratamento conservador da incontinência urinária de esforço Raciele Ivandra Guarda1 Munir Gariba1 Percy Nohama1 Vivian Ferreira do Amaral2 Palavras-chave Incontinência urinária de esforço Fisioterapia Reabilitação Keywords Urinary stress incontinence Physiotherapy Rehabilitation This article presents a bibliographic review among the types of conservative treatment to urinary stress incontinence (SUI). It describes the illness, the epidemiology, the classification, the diagnostic evaluation and the forms of conservative treatment existent. It was the objective to verify differences between the results obtained by protocols that associate many techniques on the treatment to SUI, from those that is used only one technique. Among the writers of this review, it was possible to verify that even with the arisen of controlled clinical studies, remains the discrepancy related to the standardization of the protocol, to be possible to define which method is more efficient to treatment of this pathology. Also it was possible to check the importance of a preventive work and the conservative treatment to the reduction of costs. Departamento de Tecnologia em Saúde e Clínica de Fisioterapia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná 1 Faculdade Evangélica do Paraná e Faculdade Dom Bosco no curso de Fisioterapia 2 Programa de Pós-graduação em Tecnologia em Saúde da PUC-PR. Doutor em Engenharia Biomédica pelo Imperial College, Inglaterra 3 Programa de Pós-graduação em Tecnologia em Saúde da PUC-PR 4 Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da PUC-PR. Doutora em Ginecologia e Obstetrícia pela FMRP FEMINA | Abril 2007 | vol 35 | nº 4 219 Tratamento conservador da incontinência urinária de esforço Introdução Segundo a Sociedade Internacional de Continência (ICS), a incontinência urinária é definida como a perda involuntária de urina pela uretra, que acarreta em um problema social ou higiênico. É uma enfermidade que exerce um impacto muito pequeno sobre a mortalidade, porém, causa profundas alterações psicossociais para o indivíduo (Barroso, 2004). A incontinência urinária (IU) é fisicamente debilitante e socialmente incapacitante, pois promove a perda da autosegurança e auto-estima, causa depressão, neurose e isolamento (Polden e Mantle, 1997; Cordeiro et al., 2002). Está associada com alto custo, entre diagnósticos e tratamento, estimados em mais de US$ 31 bilhões anualmente somente nos EUA (Thompson, 2002). É mais comum em mulheres do que homens e afeta todas as idades (Bø et al, 1999; Blanes et al., 2001; Buback, 2001). Dados sobre a prevalência são variáveis, mas estima-se que a IU, independente da sua causa, afeta a vida psicológica, social, física e sexual de 15 a 30% das mulheres. A susceptibilidade ao seu desenvolvimento é maior nas mulheres durante a gravidez e após parto normal ou mudanças hormonais ocorridas na menopausa, pois nestes períodos ocorre fragilidade da musculatura pélvica e das estruturas de sustentação (Cordeiro et al., 2002; Morkved & Bø, 1997). A perda urinária durante o período gestacional geralmente é transitória. Estima-se que 80% dos casos de IU poderiam ser evitados se certas medidas fossem rotineiramente praticadas durante a assistência ao parto e puerpério (Dematté et al., 1999). Estudos comprovam que programas de prevenção à continência urinária, através de exercícios para fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico, aplicados por fisioterapeutas no pré e pós-parto são eficazes para a prevenção de IU nesta população (Chiarelli & Cokburn, 2002). Estima-se que a IU afeta 18 milhões de norte-americanas, sendo que 38% são mulheres idosas. A prevalência aumenta com a idade e na menopausa 31% das mulheres relatam pelo menos um episódio de incontinência por mês (Thompson, 2002). No Brasil, não existem estudos em grande escala sobre a prevalência e incidência da IU. O censo do IBGE, 1999, mostrou que o Brasil tem uma população feminina de 81 milhões de habitantes. Destas, 24 milhões têm idade superior a 40 anos. Portanto, existe a possibilidade de que cerca de 10 milhões de mulheres sejam incontinentes, segundo Barroso (2004). Sabe-se que a incidência tende a aumentar com a idade e dados estatísticos mostram que a expectativa de vida 220 FEMINA | Abril 2007 | vol 35 | nº 4 da população brasileira tem aumentado significativamente, sendo maior para o sexo feminino, indicando que o problema tende a se agravar (Urbanski, 1996). Estudo realizado em São Paulo com 400 voluntários para verificar o conhecimento da população frente a IU, aponta profundo desconhecimento e atitudes negativas dos entrevistados em relação a perda do controle urinário, o que implica na necessidade de intervenções educativas à população, que possibilitem a busca de soluções precoces para o problema (Blanes et al., 2001). Apesar desta alta incidência, segundo Rios, 1996 (apud Moreira et al., 2000), estima-se que apenas uma em cada 12 mulheres procura assistência médica, e que metade das que procuram a assistência clínica não obtém qualquer melhora de seus sintomas como resultado do atendimento. Há inúmeras causas para a IU, sendo a de maior prevalência resultado da fraqueza da musculatura do suporte pélvico, que pode estar relacionado à mudança evolutiva da espécie da posição horizontal para vertical, onde a bexiga deixa de ser suportada pela sínfise púbica e passa a sofrer ação da gravidade. De acordo com a ICS pode-se classificar a incontinência urinária em seis tipos: • Incontinência Urinária de Esforço (IUE): ocorre perda de urina secundária ao rápido aumento da pressão intra-abdominal, que acontece, por exemplo, ao tossir, espirrar, deambular, rir intensamente ou em mudanças de decúbito. A obesidade e a tosse crônica podem contribuir para a sua aparição. É a forma mais comum de IU em mulheres com idade inferior a 75 anos (Rexach e Verdejo, 1999); • Incontinência Urinária de Urgência (IUU): ocorre perda de urina por intenso desejo miccional (urgência), onde a pressão intravesical excede a pressão da uretra com contração simultânea do detrusor. Suas causas podem ocorrer devido à disfunção motora (hiperatividade do músculo detrusor) ou por hipersensibilidade vesical (demonstrada no estudo urodinâmico por contrações involuntárias da musculatura) que está relacionada à patologias vesicais locais como infecção, litíase e tumor. É a forma mais comum de IU em pacientes com mais de 75 anos, com predomínio para o sexo masculino (Rexach e Verdejo, 1999); • Incontinência Urinária Mista (IUM): ocorre por associação das duas anteriores; • Incontinência Urinária Reflexa: sua causa está associada à doença neurológica onde ocorre hiperatividade do detrusor, porém, sem urgência miccional como na IUU, observada geralmente em pacientes com lesão medular traumática em nível supra-sacral (Rubinstein, 2001); • Incontinência Urinária por Trasbordamento ou Paradoxal: esta modalidade decorre de lesões neurológicas periféricas, obstruções miccionais crônicas ou degenerações detrussoras senis que causam arreflexia vesical ou em situações de distensão crônica da bexiga, como na diabetes; Tratamento conservador da incontinência urinária de esforço • Incontinência Psicogênica: ocorre em pacientes com distúrbios psiquiátricos ou neurológicos com lesão a nível encefálico, que urinam em hora e local não apropriados (Rubinstein, 2001). Dentre todos os tipos apresentados, os de maior prevalência são a Incontinência Urinária de Esforço, Incontinência Urinária de Urgência e Incontinência Urinária Mista (Bø et al., 1999). O diagnóstico é realizado através da anamnese, do exame físico e dos exames subsidiários, sendo o estudo urodinâmico o mais utilizado. Classicamente, o tratamento da IU é cirúrgico existindo diversas técnicas, contudo, a eficácia cirúrgica muitas vezes é baixa devido ao diagnóstico incorreto. Os índices de cura com este tratamento variam entre 80 a 98% logo após a cirurgia, mas os estudos de seguimento têm demonstrado recidivas em torno de 30% em um período de 5 anos (Barroso, 2004), nas quais talvez o principal fator seja, mesmo na IUE pura, devido à fraqueza da fáscia endopélvica. O principal objetivo do tratamento deve ser a restauração integral da continência. Atualmente, preconiza-se que o tratamento para IU seja iniciado com a técnica menos invasiva e que apresente o menor índice de efeitos colaterais, para somente em caso de não ocorrer benefício submeter o paciente a um procedimento cirúrgico (Bø, 1999; Lightner e Itano, 1999; Martins, 2000). O tratamento conservador pode ser realizado através de farmacoterapia, terapias comportamentas, dispositivos de tampão uretral e terapias físicas como exercícios de Kegel, exercícios hipopressivos, cones vaginais, biofeedback, eletroestimulação e estimulação magnética. Grosse e Sengler, 2002, ainda descrevem o tratamento através do trabalho manual intravaginal e a correção da estática do complexo lombo-pelvi-femoral. O objetivo deste estudo é comparar a literatura acerca das modalidades de tratamento conservador para IUE, além de verificar diferenças entre os resultados obtidos por protocolos que associam técnicas variadas no tratamento, daqueles que utilizam apenas uma técnica. Metodologia Trata-se de uma pesquisa de revisão bibliográfica realizada nas bases de dados do Scielo e Proquest Medical Library em março de 2005. As palavras-chave utilizadas para a pesquisa foram: urinary, incontinence, rehabilitation, physiotherapy e exercise. As palavras poderiam aparecer em qualquer lugar do artigo, não sendo definida data específica. Utilizando o formulário informatizado de pesquisa no Scielo, o campo “assunto” foi preenchido com as palavraschave acima e operador booleano “and”, obteve-se: urinary (433 artigos), incontinence (72 artigos), urinary incontinence (61 artigos), urinary incontinence rehabilitation (162 artigos), urinary incontinence physiotherapy (25 artigos) e urinary incontinence exercise (0 artigos). Foram selecionados somente artigos cujo tipo de estudo fosse ensaio clínico e que descrevessem a técnica fisioterapêutica utilizada para o tratamento da IUE ou IUM com predomínio dos sintomas de IUE. Optou-se apenas por artigos completos, sendo fonte primária de informação. Obteve-se ao final apenas um artigo dentro destas condições. A mesma pesquisa foi realizada no banco de dados da Proquest Medical Library, no qual obteve-se: urinary (10.570 artigos), incontinence (2.741 artigos), urinary incontinence (1.589 artigos), urinary incontinence rehabilitation (30 artigos), urinary incontinence physiotherapy (12 artigos) e urinary incontinence exercise (115 artigos). Os critérios de seleção foram os mesmos, encontrando-se apenas três artigos para análise. Resultados A caracterização da amostra está resumida na Tabela 1. Para o estudo de Herrmann et al., 2003, foram selecionadas mulheres brancas, sem cirurgia prévia anterior ou distopia genital acentuada. O autor relata que 13,6% estão com sobrepeso e 4,5% são obesas. Todas apresentavam exame neurológico normal, 81,8% com cistocele grau I, 72,7% com retociscocele grau I. No estudo realizado por Aksac et al., 2003, as informações sobre a amostra incluem também a média do peso corporal sem relacionar com sobrepeso ou obesidade. A média de abortos para o grupo um foi de 0.55, para o grupo dois de 0.49 e para o grupo três de 0.41. A média do maior peso ao nascimento para o grupo um foi de 3.542,5 kg, para o grupo dois de 3.637,5 kg e para o grupo três de 3.595 kg. Bø et al., 1999, também especificam o índice de massa corporal sem definir porcentagem de obesos ou sobrepeso, e relatam que a porcentagem de mulheres que praticavam atividade física regular para o grupo um foi de 40%, para o grupo dois de 40%, para o grupo três de 48% e para o grupo quatro de 30%. Goode et al., 2003, apresentam maiores detalhes da caracterização da amostra, onde 18% era de raça negra, 94,5% com nível de escolaridade superior, 12,5% fazendo uso de diurético, 53% com histórico de histerectomia, 14% FEMINA | Abril 2007 | vol 35 | nº 4 221 Tratamento conservador da incontinência urinária de esforço submetidas a cirurgia prévia para IU, 56% restringiram suas atividades devido à IU, 93% sentem-se desconfortáveis pelo problema, 38,5% com cistocele grau II e III, 16% com retocistocele grau II e III, 5,5% com prolapso uterino e 43% com hipermobilidade de bexiga. Em relação à classificação de acordo com a severidade, 22,5% classificadas como leve, 27,5% moderada e 50% severa. O diagnóstico da IU é realizado através da anamnese e do exame físico associados a exames subsidiários (Rubinstein, 2001; Moreno, 2004) como: Pad Test, perineometria, sedimento urinário e urocultura, ultra-sonografia transvaginal, estudo urodinâmico, imagem funcional ou ressonância magnética. O exame físico compreende o exame ginecológico e neurológico, o teste de esforço (para verificar perda urinária após manobra de Valsalva), o toque vaginal ou retal (para graduar a força e a integridade da musculatura do assoalho pélvico) e o teste do cotonete ou Q-Tip test (para avaliar o desvio rotacional do colo vesical mediante esforço físico, através da introdução de um cotonete na uretra até a transição uretro vesical). Sugere-se que o Q-Tip test não seja mais utilizado, devido a sua baixa sensibilidade e especificidade, além da dor referida pela paciente (Moreno, 2004). Sedimento urinário e urocultura são solicitados para descartar a possibilidade de infecção urinária que pode levar a um quadro de urgência miccional. A avaliação funcional do períneo pode ser realizada através da perineometria para graduar a força e sustentação muscular do períneo e a capacidade de contraí-lo voluntariamente. Consiste de uma sonda de látex com ar compressível, inserida no canal vaginal, ligada por um tudo de borracha a um manômetro que registra numericamente diferenças de pressão. O Pad Test ou teste do absorvente quantifica a perda de urina em mulheres submetidas a manobras de esforço corriqueiras como agachar, andar, correr, subir e descer escadas; mensurada através da pesagem de um absorvente previamente aferido, junto ao meato uretral externo. O teste pode ser realizado em nível ambulatorial (curto período, geralmente 1 h), no qual perdas superiores a 1 g caracterizam a IU, ou domiciliar (24 h), no qual perdas superiores a 8 g caracterizam a IU. Testes de 24 h são mais fidedignos para representar a perda urinária. O diário miccional é um registro realizado pela própria paciente durante 2 a 7 dias, do horário e volume de urina produzido por ela. É possível verificar com objetividade a freqüência miccional comparada à impressão subjetiva da Tabela 1 - Caracterização da amostra das referências estudadas. Herrmann et al. Aksac et al. Bø et al Goode et al. 22 50 107 200 Nº participantes Grupos Nº participantes Idade (DP) Grupo Exp. 1 Grupo Exp. 2 Grupo Contr. Grupo Exp. Grupo Exp. 1 Grupo Exp. 2 Grupo Contr. Grupo Exp. 22 20 20 10 22 20 20 10 22 49 ( - ) 52,5 (7,9) 51,6 (5,8) 54,7 (7,8) 49 ( - ) 52,5 (7,9) 51,6 (5,8) 54,7 (7,8) 49 ( - ) Nº em pósmenopausa (%) 08 (36,3) 20 (100) 20 (100) 10 (100) 08 (36,3) 20 (100) 20 (100) 10 (100) 08 (36,3) Uso reposição hormonal (%) 02 (9,1) 20 (100) 20 (100) 10 (100) 02 (9,1) 20 (100) 20 (100) 10 (100) 02 (9,1) Paridade (DP) 2,2 * 2,8 (0,5) 3,5 (1,1) 3,4 (0,2) 2,2* 2,8 (0,5) 3,5 (1,1) 3,4 (0,2) 2,2* Cirurgia prévia 0 - - - 0 - - - 0 Tempo de início dos sintomas (DP), anos 8,4 * - - - 8,4* - - - 8,4* *mediana. 222 Grupo Exp. FEMINA | Abril 2007 | vol 35 | nº 4 Tratamento conservador da incontinência urinária de esforço paciente, o grau exato de perda urinária e noctúria, os volumes que estão sendo urinados, o volume ingerido de líquido e a presença de bebidas contendo cafeína ou produtos laticínios que são irritantes vesicais. O estudo urodinâmico é o principal exame utilizado no diagnóstico da IU. Serve para identificar as causas dos sintomas da paciente fornecendo dados para a melhor indicação do tratamento. É um exame invasivo no qual são introduzidos dois cateteres na bexiga, um para enchê-la e outro para registrar a pressão intra-vesical e do detrusor, e um terceiro cateter que é introduzido no reto para registrar a pressão intra-abdominal. As pressões são mensuradas em diferentes posições e atividades solicitadas. As informações são interpretadas eletronicamente via software e disponibilizadas em traços gráficos (Polden e Mantle, 2002). Apesar das informações e acurácia que a urodinâmica proporciona, direcionando com melhor precisão o tratamento a ser oferecido, trata-se de um exame de custo elevado pelo aparato tecnológico e profissionais especializados necessários, sendo, às vezes, inacessível. Sendo assim, Kawano, 2004, em seus estudos, verificou que a urodinâmica pode ser substituída por cistometria simplificada para melhora do custo-benefício. A ultra-sonografia é realizada através de transdutores por via retal, vaginal ou perineal, em posição ortostática ou ginecológica, objetivando avaliar a mobilidade do colo que é maior em mulheres incontinentes (acima de 10 mm). Porém, esta hipermobilidade ocorre em qualquer tipo de IU, sugerindo a baixa especificidade do exame. A ressonância magnética é um método acurado para detectar a IU e delinear a extensão do problema através da análise das estruturas envolvidas, porém, não é utilizado como rotina. Recentemente, devido à alta morbidade causada pela IU, a ICS tem recomendado medidas de avaliação de qualidade de vida como um complemento diagnóstico e como instrumento para pesquisas clínicas, objetivando avaliar o impacto que a doença e o respectivo tratamento causam sob o ponto de vista da paciente. Em estudo realizado por Tamanini et al., 2004, foi traduzido e validado o Internacional Consultation on Incontinence Quesionnarie (ICIQ-SF) para ser aplicado no Brasil como forma de avaliação para pesquisas clínicas e dados epidemiológicos. A forma de avaliação que os autores analisados utilizaram em seus estudos está apresentado na Tabela 2. Existem várias modalidades de tratamento conservador para a IU. A eficácia é variável e requer estudos para identificar qual a terapêutica mais indicada de acordo com o tipo de IU. Segundo estudos, a combinação de diferentes estratégias proporciona melhores resultados. A farmacoterapia, através do uso de anticolinérgicos e da reposição hormonal, é utilizada, porém, freqüentemente Tabela 2 - Formas de avaliação utilizadas pelos autores. Avaliação Exame Ginecológico Exame Neurológico Mini Mental State Examination Uroanálise e Urocultura Estudo Urodinamico Ultra-sonografia Transvaginal Q-tip test Pad-test 1 h Pad-test 24 h Perineometria Palpação digital para força muscular Leakage index Diário Miccional Social Activity index (SAI) The Hopkins Symptom Checklist 90-R Incontinence Impact Questionnaire Short Form 36 Health Survey Herrmann et al. X X X X X - Aksac et al. X X X X X X X X - Bø et al. X X X X X X X X X - Goode et al. X X X X X X X X X FEMINA | Abril 2007 | vol 35 | nº 4 223 Tratamento conservador da incontinência urinária de esforço causa efeitos colaterais (Sartori et al., 1999). Também são indicados obturadores e adesivos uretrais para ocluir mecanicamente a uretra ou dispositivos de tampão uretral que simulam o efeito de uma cirurgia corretiva. A terapia comportamental inclui mudanças de hábitos de vida através de diário miccional, exercícios de relaxamento, redução de alimentos irritantes vesicais na dieta (cafeína, adoçantes artificiais, frutas ácidas, tomates, chocolates, laticínios e álcool) e aumento da ingesta de líquidos para evitar a excessiva concentração de urina (Martins, 2000). As terapias físicas têm como objetivo a recuperação do reflexo perineal ao esforço, a conscientização da contração muscular e o fortalecimento do esfíncter estriado da uretra e das fibras musculares do períneo, além da reprogramação do sistema nervoso. Os exercícios de Kegel desenvolvidos pelo ginecologista norte-americano, Arnold Kegel, possuem a finalidade de fortalecer a musculatura do assoalho pélvico para melhorar a eficiência da função esfincteriana uretral e o suporte dos órgãos pélvicos para a manutenção de níveis pressóricos adequados. Em seus estudos, o autor relata um índice de cura de 84% (Martins, 2000) e melhora não só na continência urinária, mas também no prazer sexual. Sugere-se que o tratamento para a IUE seja inicializado com este método podendo estar associados a outras formas de terapia (Barroso, 2004). Os exercícios hipopressivos desenvolvidos pelo médico Marcel Caufriez, possuem ação reguladora das tensões intrínsecas músculo-conjuntivas-aponeuróticas, pois causam queda significativa da pressão intra-abdominal e contração dos músculos do assoalho pélvico, bem como do abdome por via reflexa, devido à normalização da posição dos órgãos pélvicos. Os cones vaginais, desenvolvidos por Plevnick, são utilizados para o fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico (Moore, 2000). O método utiliza cones de pesos variados que são introduzidos no interior da vagina, pois aumenta a força de contração (Bø, 2003) devido à retenção do cone através da contração reflexa (cone passivo) ou voluntária (cone ativo) da musculatura pélvica associada ao aumento progressivo dos pesos. O método associado com outros exercícios pélvicos possui efetividade de 6880%, porém, a desistência do tratamento tem sido elevada: 20 a 40%, por tratar-se de um método em longo prazo (Martins, 2000). O biofeedback propicia medição, avaliação e tratamento das disfunções neuromusculares. Consiste na captação 224 FEMINA | Abril 2007 | vol 35 | nº 4 do sinal eletromiográfico, no qual o paciente é provido de informações, através de estímulos visuais ou auditivos, que possibilitam a identificação contínua e instantânea da contração da musculatura do assoalho pélvico sem a utilização dos músculos acessórios, melhorando a percepção e o controle voluntário no ato miccional (Martins, 2000; Moore, 2000). Usando as informações provindas do equipamento, o paciente aprende a relaxar músculos excessivamente tensos, ativar a musculatura fraca e melhorar a coordenação motora. O método, segundo Martins, 2000, é efetivo em 55-87% dos casos. As combinações terapêuticas com biofeedback e eletroestimulação fornecem resultados superiores à utilização de apenas um método. A Functional Magnetic Stimulation (FMS) vem sendo usada no tratamento da incontinência de urgência. É um método não invasivo realizado através da estimulação da musculatura esfincteriana anal e vaginal produzida por um dispositivo em uma cadeira sem contato direto. Em um estudo comparativo empregando a eletroestimulação com FES (Functional Electrical Stimulation) e com FMS, os resultados apresentados foram semelhantes, porém a FMS trata-se de um método não invasivo e menos doloroso (Yamanishi et al., 2000). A eletroestimulação produz excitação da musculatura do assoalho pélvico, aumentando a percepção cortical para a contração voluntária (Cordeiro et al., 2002). Objetiva fortalecer a musculatura ou inibir as contrações involuntárias do detrusor, através da aplicação de eletrodos na vagina ou no ânus, conectados a um gerador externo com freqüências entre 5 Hz a 100 Hz. Segundo Yamanishi et al., 2000, apresenta índices de melhora clínica na IUU acima de 70% e índices de cura de 45% após 6 meses de tratamento. Para a IUE, os índices de melhora atingem 50 a 70% e de cura 35%. Apesar desses resultados, a eletroestimulação é um método pouco difundido para o tratamento da IU e os estudos existentes são na maioria de caráter experimental, não controlados e com parâmetros diversos. Estudos sobre a eletroestimulação variam quanto ao tipo e colocação dos eletrodos, além dos parâmetros (freqüência, duração, intensidade) utilizados e se a estimulação deve ser intermitente ou contínua. Geralmente são utilizados eletrodos intravaginais com freqüências de 5 Hz a 20 Hz para IUU e de 50 Hz para IUE. A duração da estimulação varia entre 15 a 30 minutos diários, de 2 a 3 vezes semanais ou em dias alternados (Siegel, 1997), com duração do tratamento de 4 a 20 semanas. Não há consenso também se existe a necessidade de tratamento de manutenção e os efeitos colaterais relatados são mínimos. Tratamento conservador da incontinência urinária de esforço As modalidades de tratamento utilizadas pelos autores pesquisados estão descritas na Tabela 3, bem como a freqüência, duração, período e local de tratamento. No estudo realizado por Herrmann et al., 2003, a aplicação de eletroestimulação transvaginal demonstrou resultados favoráveis com a redução do número de perdas urinárias (p < 0,01), aumento da pressão da continência sob esforço (64%), melhora objetiva através do registro no diário miccional de 81,7% e grau de satisfação com o tratamento de 77,3%. Na avaliação ultra-sonográfica não houve diferença significativa na mobilidade do colo vesical após terapia e foi possível constatar efeitos adversos (dor vaginal e infecção urinária) em 13,6%. Aksac et al., 2003, realizaram seus estudos com três grupos. O primeiro submetido à contração da musculatura do assoalho pélvico orientada por meio da palpação digital e subseqüentes sessões diárias de exercícios domiciliares. O segundo grupo realizou exercícios empregando biofeedback 3X/semana na clínica e o terceiro foi submetido somente à reposição hormonal. Foi possível constatar através do pad test, perineometria, palpação digital, diário miccional e SAI, que os dois primeiros grupos apresentaram resultados semelhantes, porém, estatisticamente superiores ao grupo submetido somente à reposição hormonal. Bø et al., 1999, realizaram seus estudos com 4 grupos. O primeiro submetido a exercícios de 8-12 contrações perineais 3 vezes por dia e exercícios em grupo sob a supervisão do fisioterapeuta uma vez por semana. O segundo grupo foi submetido à eletroestimulação transvaginal intermitente com 50 Hz, durante 30 min ao dia. O 3º grupo realizou exercícios com cones vaginais, 20 min por dia; e o grupo controle não realizou nenhuma técnica, porém eram submetidos à avaliação uma vez por mês. Os resultados encontrados foram estatisticamente superiores para o grupo de exercícios e semelhantes para eletroestimulação e cones vaginais. Após completar 3 meses de tratamento, 14 participantes do 1º grupo, 3 do segundo, 2 do terceiro e uma do grupo controle, não possuíam mais o problema. Goode et al., 2003, realizaram suas pesquisas com 3 grupos. O primeiro submetido à terapia comportamental, recebia orientações verbais e escritas uma vez por semana, por uma enfermeira especialista que ensinava através do biofeedback anoretal as contrações perineias para serem realizadas a domicílio 3 vezes por dia com protocolo que era modificado durante o período de tratamento. O segundo grupo realizava o mesmo protocolo que o grupo um mais a eletroestimulação transvaginal domiciliar realizada durante 15 min. O 3º grupo era tratado somente com a terapia Tabela 3 - Modalidades de tratamento utilizada pelos autores. Grupos Herrmann et al. Grupo Exp. Aksac et al. Grupo Grupo Grupo Exp. 1 Exp. 2 Contr. Grupo Exp. 1 Bø et al. Grupo Grupo Exp. 2 Exp. 3 Grupo Contr. Goode et al. Grupo Grupo Grupo Exp. 1 Exp. 2 Contr. Terapia Comportamental - - - - - - - - X X X Reposição hormonal - - - X - - - - - - - Exercícios PFM* - X - - X - - - X X - Cones vaginais - - - - - - X - - - - Biofeedback - - X - - - - - X X - Eletroestimulação X - - - - X - - - X - Terapia na clínica Freqüência 2X/sem 20 min - 3X/sem - Terapia em casa Freqüência - 3X/dia - Diária 3X/dia 10 min 1X/dia 30 min 1X/dia 20 min - Diária Diária Diária 2 meses 2 meses 2 meses 2 meses 6 meses 6 meses 6 meses 6 meses 2 meses 2 meses 2 meses Período de tratamento 1X/sem 1X/mês 1X/mês 1X/mês 1X/sem 1X/sem 45 min orient. orient. controle orient. orient. 1X/sem orient. *PFM: músculos do assoalho pélvico. FEMINA | Abril 2007 | vol 35 | nº 4 225 Tratamento conservador da incontinência urinária de esforço comportamental, sem a supervisão do profissional ou de equipamentos, recebendo orientações simples no primeiro encontro para realizar o programa de exercícios em casa. Os resultados encontrados demonstram que o primeiro e segundo grupos obtiveram resultados semelhantes na redução da incontinência (68,6 e 71,9% respectivamente), porém, estatisticamente superiores ao grupo submetido à terapia comportamental sem orientação do profissional (52,5%). Isto significa que a associação da eletroestimulação não demonstrou maior efetividade para o tratamento e que o autocontrole da terapia comportamental reduziu a incontinência e melhorou a qualidade de vida, porém, não dispensando a necessidade das orientações do especialista. Considerações Finais São poucos os estudos clínicos que comparam as técnicas fisioterapêuticas adotadas para mulheres incontinentes nas bases de dados pesquisadas. Existem várias modalidades de tratamento conservador para a IU, que proporcionam à mulher melhora ou cura do grande desconforto provocado pelo sintoma, e são menos invasivas e menos onerosas do que o tratamento cirúrgico, mas sua efetividade ainda é contestada pela carência de estudos na área. Além disso, o sucesso no tratamento depende da motivação e do empenho tanto do paciente, quanto da equipe multidisciplinar envolvida. Os estudos clínicos comparando técnicas de tratamento para IU apontam melhor eficácia com a utilização de exercícios para fortalecimento perineal. Não houve evidências quanto às diferenças entre os resultados obtidos por protocolos que associam técnicas variadas para tratamento, daqueles que se utilizaram apenas de uma. Entretanto, padronização dos parâmetros das técnicas utilizadas será necessária para permitir comparações de resultados de forma mais efetiva. A IU tornou-se um problema de saúde pública, apresentando índices cada vez mais alarmantes, que pode ser prevenida através de medidas simples e baratas como as apresentadas neste artigo. Leituras suplementares 1. Aksac B, Semih A, Karan A, Yalcin O et al. Biofeedback and pelvic floor exercises for the reabilitation of urinary stress incontinence. Gynecologic and Obstetric Investigation 2003; 56: 23-7. 2. Bø K, Talseth T, Holme I. Single blind randomised controlled trial of pelvic floor exercises, electrical stimulation, vaginal cones, and no treatment in management of genuine stress incontinence in women. British Medical Journal 1999; 318: 487-93. 3. Barroso JCV, Ramos JGL, Martins-Costa S, Sanches PRS et al. Transvaginal electrical stimulation in the treatment of urinary incontinence. BJU International 2004; 93: 319-23. 4. Blanes L, Pinto RCT, Santos VLCG. Urinary incontinence. Knowledge and attitudes in São Paulo. Brazilian Journal of Urology 2001; 27: 281-8. 5. Buback D. 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