Contas de gastos públicos com HIV, Malária, Tuberculose e Dengue Joyce Mendes de Andrade Schramm; Maria Angélica Borges dos Santos; Marina Ferreira de Noronha; Adriana Pacheco Aurea; Raulino Sabino da Silva; Jurema Corrêa da Mota; Thiago Goes Pimentel RESUMO JUSTIFICATIVA: A elaboração de contas de saúde e de subcontas de enfermidades visa apoiar intervenções para tratamento e prevenção de patologias com alto impacto na morbimortalidade dos países, auxiliando o entendimento dos arranjos de financiamento e da alocação de recursos nos países Dados sobre recursos financeiros dedicados às distintas políticas púbicas têm potencial para melhor a eficiência alocativa do gasto em saúde e podem, quando associados a estudos de carga de doença, embasar a definição de prioridades em saúde e a elaboração de avaliações econômicas. Subcontas com especial interesse incluem aquelas relacionadas a doenças que representam especial carga de doença em países em desenvolvimento, como é o caso de HIV, malária, tuberculose e dengue no Brasil., contempladas nos ODM 6 – combater HIV, malária e outras doenças transmissíveis e erradicáveis. As doenças transmissíveis respondiam, na década de 1990, por 7,7% dos óbitos e 10,9% dos DALY (disability-adjusted life years) em países mais ricos, com uma participação bem maior, de 58,6% e 63,6%, respectivamente, nos países mais pobres (Gwatkin et al., 1999). Existe coleta de informações regulares sobre gastos com HIV, malária e tuberculose em âmbito mundial para gerar relatórios da OMS, mas as metodologias frequentemente não estão ajustadas às prioridades nacionais de acompanhamento das ações de vigilância e controle e tampouco a padrões internacionais de contabilidade em saúde. OBJETIVOS: Este projeto representa uma iniciativa de colaboração na elaboração de subcontas por enfermidade entre membros do grupo responsável pela Conta Satélite de Saúde brasileira, que contabilizam os chamados “gastos médicos diretos” em saúde, e o Núcleo de Pesquisa em Métodos Aplicados aos Estudos de Carga Global de Doença, que contabiliza os chamados “custos indiretos” das doenças, representados por mortes prematuras e incapacidade (Rice, 1967). Busca-se, além de estimar os gastos federais com vigilância, prevenção e controle da dengue, da tuberculose, da malária e da infecção por HIV/AIDS, harmonizar âmbitos de análise e metodologias de mensuração entre carga de doenças e gastos com as doenças para viabilizar a condução futura de estudos de custo de doença e outras análises econômicas a partir dos dados levantados. MÉTODOS: A metodologia de estimação é baseada nos Manuais existentes (OMS, 2011 e 2012) e no marco metodológico do System of Health Accounts- SHA 2.0 (OCDE, 2012) e na experiência metodológica do Núcleo de Pesquisa em Métodos Aplicados aos Estudos de Carga Global de Doença com as quatro enfermidades analisadas. As despesas serão computadas a partir da análise de ações do orçamento federal, de estados e municípios, computando-se também recursos de agências internacionais e de dados de utilização de serviços relacionados aos objetos de estudo. As bases de dados usadas incluem bases financeiras e orçamentárias federais, bases do DATASUS, do IBGE ou outras identificadas ao longo do processo. RESULTADOS ESPERADOS: Será produzido um [Digite texto] roteiro metodológico acompanhado de estimativas e indicadores para gastos públicos com vigilância, prevenção e controle da dengue, da tuberculose, da malária e da infecção por HIV/AIDS, que poderão subsidiar o acompanhamento das ações e a tomada de decisão baseadas em evidência sobre ações custo-efetivas. Palavras-chave: Custos de cuidados de saúde; carga de doença; doenças negligenciadas; Investimentos em saúde. INTRODUÇÃO As últimas décadas têm testemunhado um grande crescimento dos custos da atenção à saúde, que podem acentuar-se em função da necessidade de expandir a cobertura para torna-la universal (OMS, 2012)1, da acelerada incorporação de tecnologias (Bodenheimer, 2005)2 e do envelhecimento populacional (Marengonia et al, 2011)3. Nesse sentido, dispor de boas informações sobre quanto gastamos, em quê gastamos, quem paga, quem produz os bens e serviços que usamos e quanto recebem por isso e quais segmentos populacionais se beneficiam desse gasto, além da busca de critérios para priorizar a alocação dos recursos e gastos em saúde, têm sido preocupações constantes e crescentes de governos e organismos internacionais. Duas estratégias têm despontado como importantes instrumentos de apoio à tomada de decisão nesse âmbito: na primeira vertente, as contas de saúde (Raciborska et al, 2008)4, que contabilizam os gastos dos sistemas de saúde nacionais e, na segunda, os estudos de carga de doença (Murray, 1994)5, que consolidam, utilizando um indicador sintético, informações sobre impactos epidemiológicos das doenças. A partir de 2010, cresceu a mobilização internacional pela institucionalização das Contas de Saúde, liderada pelo Banco Mundial. O aumento do interesse no uso das informações de contas por gestores e como instrumento de advocacy junto a doadores internacionais passa pelo detalhamento de gastos relevantes e análises específicas segundo as intervenções adotadas para alguns segmentos de políticas/doenças mais 1 OMS-Organização Mundial da Saúde. System of Health Accounts 2.0. Genebra: WHO, 2012 Bodenheimer, Thomas. High and Rising Health Care Costs. Part 2: Technologic Innovation. Ann Intern Med. 2005; 142: 932-937 3 Marengonia, Alessandra; Anglemana, Sara, Melisa René , Mangialaschea, Francesca, Karpa Anita, Garmena Annika, Meinowa Bettina, Fratiglionia Laura. Aging with multimorbidity: A systematic review of the literature. Ageing Research Reviews 2011; 10: 430–439. 4 Raciborska, Dorota; Hernández, Patricia; Glassman, Amanda. Accounting for health spending in developing countries. Health Affairs 2008;27(5):1371-1380. 5 Murray CJL. Quantifying the burden of disease: the technical basis for DALYs. Bulletin of the World Health Organization, 1994 no. 72, p. 429-445 2 [Digite texto] relevantes, o que reforçou esforços de elaboração de subcontas de saúde por enfermidade. A elaboração de subcontas por enfermidade visa apoiar intervenções para tratamento e prevenção de patologias com alto impacto na mortalidade e morbidade dos países, auxiliando o entendimento dos arranjos de financiamento segundo as distintas intervenções possíveis e contribuindo para uma melhor eficiência alocativa do gasto em saúde (Cahuana-Hurtado, 2006)6. As análises de custo e rastreamentos de gastos, viabilizadas pelas subcontas de enfermidades, podem se constituir em ferramentas que ajudam a orientar e monitorar, com base em evidências, a definição do montante de recursos a ser destinado a estratégias de monitoramento, prevenção e controle de cada área de política dedicada à doença. Quando é possível utilizar dados desagregados de gastos e custos, habilita-se a realização de avaliações econômicas, com comparação de estratégias para controle da doença em estudo (como, por exemplo, custo-efetividade do investimento em produção de vacina versus controle entomológico no controle de dengue) (Armien et al. 2013)7. Quando associadas a estudos de carga de doença, as subcontas de saúde podem embasar avaliações econômicas mais sofisticadas. Doenças de especial interesse incluem as de linhas de cuidados e doenças que representam especial carga de doença em países em desenvolvimento. Esse é o caso de HIV/AIDS, malária, tuberculose e dengue no Brasil, que compreendem as chamadas doenças negligenciadas contempladas nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) 6 – “combater HIV, malária e outras doenças transmissíveis e erradicáveis” (United Nations, 2002)8. As chamadas doenças negligenciadas formam um grupo de doenças tropicais endêmicas que afetam, de forma mais incisiva, as populações menos favorecidas do planeta. O termo “negligenciadas” procura refletir o fato de que, apesar do progresso 6 Cahuana-Hurtado Lucero; Ávila-Burgos Letica; Pérez-Núñez Ricardo, Uribe-Zúñiga Patricia. Análisis del gasto en salud reproductiva en México, 2003. Rev Panam Salud Publica/Pan Am J Public Health 20(5), 2006. 287-298 7 Armien, B., J. Arredondo, M. Carabali, et al. Costing dengue cases and outbreaks: a guide to current practices and procedures. Baltimore, Johns Hopkins, Pan American Health and Education Foundation, IVAC: 61. 2013. 8 United Nations 2002. UN Millennium Development Goals (MDG). Disponível em <http://www.un.org/millenniumgoals/> [Digite texto] significativo em direção à sua erradicação, ainda persistirem como importante problema de saúde nos países em desenvolvimento. A persistência pode estar ligada tanto à alta prevalência ou incidência nos segmentos mais vulneráveis da população, quanto a uma baixa priorização na alocação de fundos para pesquisa e desenvolvimento (Morel, 2004)9. São doenças para as quais permanece a necessidade de investimentos substanciais e contínuos por parte de governos e doadores internacionais e que acometem preferencialmente regiões mais pobres da Ásia, África e Américas, afetando de forma importante países emergentes no cenário econômico. Nas últimas duas décadas, os estudos da carga de doença (Murray, 1994)5 ganharam espaço internacional na pesquisa epidemiológica considerando sua importância não apenas em relação às informações levantadas, mas nas discussões críticas que possibilitam. Seus resultados desafiam gestores nos critérios para tomada de decisões na alocação dos recursos na área da saúde, bem como em termos de investimentos globais e regionais. No Brasil, a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) realiza um trabalho pioneiro ao conduzir os dois estudos de Carga de Doença no Brasil, em 1998 e 2008, e o estudo de Carga de Doença de Minas Gerais, 2005 (Leite et al, 2005; Leite et al, 2013)1011. Apesar do aporte de informações geradas, a incorporação dos resultados por gestores na orientação das políticas e planejamento/gestão das ações de saúde ainda é baixa. A Conta brasileira de gastos com TB, HIV, malária e dengue, em processo de elaboração pelos membros do Grupo Executivo que representam a ENSP na plataforma das Contas de Saúde do Brasil, compõe uma iniciativa de colaboração que reune os dois grupos, incorporando um escopo comum de possibilidades de compartilhamento de bases de dados, métodos, recursos humanos e expansão do alcance do uso da informação, além de criaras bases para a futura realização de avaliações econômicas de custo de doenças. 9 Morel, Carlos M. A pesquisa em saúde e os objetivos do milênio: desafios e oportunidades globais, soluções e políticas nacionais Ciência & Saúde Coletiva, 9(2):261-270, 2004 10 Leite IC, Kaizo I, Rodrigues RN, Valente JG, Campos MR, Schramm JA. Projeção da carga de doença no Brasil (1998-2013) in: Buss PM, Temporão JG, Carvalheiro JR. Vacinas, soros e imunizações no Brasil, Fiocruz, 2005. 11 Leite C L, Valente JG, Schramm JMA. Carga Global de Doença Brasil, 2008. Relatório final. Rio de Janeiro: ENSP/Fiocruz, 2013. [Digite texto] Busca-se, além de estimar os gastos públicos com vigilância, prevenção e controle da dengue, da tuberculose, da malária e da infecção por HIV/AIDS, harmonizar âmbitos de análise e metodologias de mensuração entre carga de doença e gastos com as doenças, para viabilizar a condução futura de estudos de custo de doença a partir dos dados levantados. O presente trabalho inicia-se com uma breve apresentação das subcontas de saúde e dos estudos de carga de doença, localizando-os no escopo de estudos de custo de doença, onde se destaca a complementariedade das duas abordagens. As seções subsequentes abordam aspectos metodológicos da elaboração de subcontas e dos estudos de carga de doença, alguns resultados do estudo de carga de doenças negligenciadas no Brasil e finalizam apresentando uma síntese de dados de estudos nacionais para gastos com HIV, malária, tuberculose e dengue, compilados como etapa inicial para a elaboração da conta pública para essas doenças. Contas e carga de doença como parte do escopo de estudos de custo de doença As etapas clássicas de um estudo de custo de doença incorporam informações consolidadas no espectro das contas de saúde e de estudos de carga de doença. Estudos de custo de doença (Rice, 1966)12 são uma das formas mais antigas de avalição econômica e vêm se popularizando como ferramentas analíticas para uma quantidade crescente de doenças e fatores de risco, chamando a atenção do público e de especialistas para questões de impacto na saúde pública. Assim, esses estudos podem informar ações de planejamento de serviços de saúde e a priorização de temas de pesquisa e avaliação de opções de políticas públicas (Tarricone et al. 2006 )13 Em sua conformação mais tradicional, os estudos de custo de doenças são análises descritivas que avaliam a carga total das doenças sobre populações, priorizando a perspectiva do ônus econômico. Segundo este arcabouço teórico, as doenças impõem cargas econômicas aos países, representadas pelos custos diretos que incidem sobre o sistema de saúde (“custos médicos diretos”) e sobre as famílias (custos não médicos diretos, representados pelos gastos diretos incorridos pelas famílias em função de 12 Rice, Dorothy P. Estimating the cost of illness. Health Economics Series no 6, US Public Health Service, 1966 13 Tarricone, Rosana. Cost-of-illness studies: what room in health economics? Health Policy 2006; 77: 51-63 [Digite texto] situações de doença, como, por exemplo, gastos decorrentes da necessidade de contratar ajuda doméstica e com transporte até o local de atendimento) (Cooper & Rice, 1976)14. As perdas de produtividade relacionadas à morbidade e mortalidade associadas às doenças são tradicionalmente denominadas “custos indiretos” das doenças, ainda que este termo tenda a ser abandonado pela confusão possível com o termo usado na contabilidade gerencial para se referir a custos que precisam ser rateados entre centros de custos. Os custos intangíveis são aqueles percebidos pelos pacientes como impactos na qualidade de vida. Todos esses impactos são abrangidos no termo geral “custos” e sempre que possível, valorados em termos econômicos. Na perspectiva dos estudos de custo de doença (Rice, 1966)12 , as subcontas de saúde podem ser consideradas uma abordagem à mensuração dos “custos médicos diretos” com determinadas doenças e fatores de risco (obesidade, por exemplo). Os estudos de carga de doença, ao agregaram à mensuração inicial de DALY a percepção de utilidade dos pacientes (“custos intangíveis”) e transformadas em unidades monetárias, dimensionariam a perda de produtividade gerada pelas doenças. Aspectos metodológicos da elaboração de subcontas e dos estudos de carga de doenças Em termos metodológicos, as subcontas de saúde são estudos retrospectivos de custos médicos diretos das doenças na perspectiva dos prestadores públicos e privados, baseados em prevalências e, em geral, com consolidação anual dos dados. Para a padronização contábil internacional do consumo de recursos de atenção à saúde, a metodologia recomendada é a do System of Health Accounts (SHA) (OMS, 2012)1. O SHA descreve fluxos de gastos segundo três principais eixos de análise: esquemas e agentes de financiamento, prestadores e funções de saúde. Os agentes de financiamento correspondem às entidades que acumulam e redistribuem os recursos para adquirir bens e serviços de saúde dos fornecedores/prestadores de serviços. Respondem à pergunta sobre quem paga pelos gastos em saúde e podem ser divididos em públicos - Governo (e suas esferas subnacionais) e seguro social- e privados – representados pelo desembolso direto das 14 Cooper B, Rice DP. The economic cost of illness revisited.Soc Secur Bull.1976;39:21-36. [Digite texto] famílias, planos e seguros privados (correspondentes no Brasil à saúde suplementar) e organizações não governamentais. Os prestadores são as instituições que recebem os recursos para fornecer os bens e serviços, ou seja, representam quem produz os bens e serviços que usamos. Podem ser agrupadas em prestadores hospitalares e ambulatoriais (e suas subdivisões segundo especialidades e natureza jurídica), farmácias, programas de saúde pública e serviços de administração da saúde. As funções caracterizam a natureza da atividade realizada com o objetivo de melhorar o estado de saúde, ou seja, os produtos que representam em quê gastamos. Incluem: serviços de atenção curativa, hospitalar (internações) e ambulatorial (consultas para o diagnóstico e acompanhamento dessas doenças, inclusive, no caso da tuberculose, de esquemas terapêuticos especiais como o DOT - directly observed treatment); serviços de reabilitação; cuidados de longo prazo; serviços de apoio diagnóstico e terapêutico; produtos de saúde fornecidos a pacientes ambulatoriais, como medicamentos e redes impregnadas com inseticidas usadas para a proteção individual contra a malária; e serviços de saúde pública, como imunização e campanhas de conscientização para sexo seguro no caso da AIDS. Como funções relacionadas à saúde constam a administração de serviços, treinamento de pessoal, pesquisa em saúde e a formação bruta de capital fixo (investimentos em instalações e equipamentos) (OMS, 2012)1. A metodologia de estimação é baseada nos manuais existentes (OMS, 2012)1 e no marco metodológico do System of Health Accounts - SHA 2.0 (OECD, 2011)15. Entre as doenças negligenciadas, apenas a malária dispõe de um manual específico definido no âmbito do SHA até o momento. O processo de estimativa dos gastos nacionais com doenças de um modo geral abrange as seguintes etapas: descrição de políticas e programas aplicados a essas doenças no pais, para entendimento dos recursos mobilizados; análise dos fluxos de financiamento para controle dessas doenças; levantamento de fontes de informação disponíveis sobre orçamento em saúde e utilização de serviços, suas possiblidades de uso e lacunas de informação; construção de propostas metodológicas compatíveis com marcos internacionais para estimar gastos públicos com ações e serviços de saúde relacionados às doenças alvo do estudo; e consolidação da estimativa de gastos 15 OECD, European Union, World Health Organization. A System of Health Accounts 2011 [Digite texto] públicos com ações e serviços de saúde relacionados ao mesmo grupo de doenças. A análise dos fluxos de financiamento em um país com as dimensões e arranjos federativos e de financiamento para a saúde como o Brasil pode se constituir em um grande desafio. As ações orçamentárias claramente identificadas como vinculadas a doenças específicas são a exceção e não a regra. No caso do marco internacional das SHA, eventualmente alguns países realizam inquéritos específicos a fim de obter as informações necessárias. A opção ideal é sempre utilizar, ainda que de forma criativa, os sistemas de informações existentes. Como indicadores básicos de resultado das subcontas costumam ser apresentados os gastos com a doença como percentual do gasto total em saúde e a distribuição do gasto segundo as distintas funções de saúde: curativa hospitalar e ambulatorial; ações de reabilitação; serviços de saúde pública e prevenção, fármacos, administração, formação de Capital e Outros (OMS, 2012)1. Adicionalmente, podem ser informados o gasto per capita com ações preventivas, gastos por paciente com a doença e gastos per capita com internações e medicação. Com a revisão do marco contabil internacional para o sistema de Contas de Saúde ocorrida em 2011(OECD, 2011;World Bank, 2010)15 16 , a tendência é o surgimento de um número crescente de subcontas por doença. (Cahuana-Hurtado, 2006)6 Por seu lado, os estudos de Carga de Doença criam a base para dimensionar os chamados custos indiretos da doença. O aspecto central está ancorado na estimativa de uma métrica sintética de tempo – o DALY (Disability-Adjusted Life Years – Anos de Vida Perdidos Ajustados por Incapacidade) - capaz de integrar informações de mortalidade prematura (YLL ou anos potenciais de vida perdidos devido à morte prematura) e de morbidade, quantificando eventos não-fatais incapacitantes ( YLD ou anos de vida ajustados para incapacidade ). Assim, esse indicador amplia o conceito de 16 World Bank. Promoting the Institutionalization of National Health Accounts. A Global Strategic Action Plan, October 2010 [Digite texto] anos potenciais de vida perdidos devido à morte prematura (YLL), ao incluir os anos vividos com alguma doença ou agravo (Murray, 1994; Murray & Lopez, 1996)517. O componente que mede o efeito da mortalidade no DALY, o número de anos de vida perdidos devido à morte prematura para um indivíduo com idade x (YLL) é, basicamente, a expectativa de vida observada àquela idade. No cálculo do YLL é utilizado o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, considerando uma correção de sub-registro por sexo e faixa etária e redistribuição dos óbitos por causas mal definidas. O cálculo do YLD para uma doença ou agravo é feito com base no número de casos incidentes, ou seja, casos novos da doença/agravo ocorridos em um ano específico (Murray, 1994; Murray & Lopez, 1996)5 17. Para que os dois componentes do DALY possam ser adicionados, Murray e Lopez (1996)17 estimaram um conjunto de pesos para quantificar a perda de saúde ocorrida durante o tempo vivido com a doença ou agravo. No estudo da carga global de doença, os pesos variam entre 0, considerado o estado de saúde plena, e 1, entendido como o pior grau, equivalente à morte. Para o cálculo do YLD, é preciso conhecer a incidência e a duração das doenças, parâmetros que, na maioria das vezes, não se encontram disponíveis, sendo necessário, então, estimá-los com base em outros parâmetros clínico-epidemiológicos. Assim, informações sobre incidência, prevalência, mortalidade, letalidade, risco relativo, remissão e duração são coletadas por meio de análises de bases de dados (registros administrativos oficiais), revisão de literatura e consulta a especialistas. Carga de doenças negligenciadas no Brasil Na década de 1990, as doenças transmissíveis respondiam por 7,7% dos óbitos e 10,9% dos DALY (disability-adjusted life years) em países mais ricos, podendo alcançar uma participação bem maior, de 58,6% e 63,6%, respectivamente, nos países mais pobres (Gwatkin et al., 1999)18. 17 Murray CJL, Lopez AD. Global and regional descriptive epidemiology of disability: incidence, prevalence, health expectancies and years lived of disability. In: edit Murray CJL and Lopez AD, Global Burden of Disease. 201-246. Cambridge MA: Harvard University Press 1996. 18 Gwatkin DR, Guillot M, Heuveline P. The burden of disease among the global poor. Lancet. 1999 Ago; 354(9178): 586-89 [Digite texto] O estudo da Carga de Doenças Negligenciadas conduzido no Brasil para o período de 2007 a 2009 mostrou uma distribuição das doenças negligenciadas desigual no país, com padrões de ocorrência espacial distintos e específicos para cada enfermidade. Nesse contexto, apenas a tuberculose apresentou características de universalidade, sendo encontrada em todos os Estados brasileiros. Dengue hemorrágica também apresentou um grau de abrangência maior, pois esteve presente em quase todas as Unidades da Federação, exceto na Região Sul. Por outro lado, as demais doenças negligenciadas registraram maior ou menor grau de concentração em regiões específicas do país. Malária, por exemplo, só foi encontrada na Amazônia brasileira, ou seja, nos Estados do Norte, no Maranhão e em Mato Grosso. As doenças negligenciadas representaram 1,8% da carga de doença estimada para todo o Brasil. Entretanto, essa proporção representou 1,7% na Região Sudeste, 2,1% no Sul, 2,5% no Norte, 1,6% no Nordeste e 1,4% no Centro-Oeste (tabela 1). [Digite texto] Tabela 1: Distribuição proporcional do DALY por grandes grupos de causas, grupo de doenças negligenciadas e grandes regiões. Brasil, 2007-2009. Grupos de causas Nordest Sudeste Sul e 100,0 100,0 100,0 100,0 Norte Total Grupo I - Infecciosas e Parasitárias, Maternas, Perinatais e Nutricionais Negligenciadas Outras doenças do Grupo I Grupo II - Não Transmissíveis Grupo III - Causas Externas CentroOeste 100,0 Brasil 100,0 18,3 15,7 11,4 11,1 12,5 13,2 2,5 15,8 71,5 10,2 1,6 14,1 75,3 8,9 1,7 9,6 79,5 9,2 2,1 9,0 78,6 10,3 1,4 11,0 75,4 12,2 1,8 11,4 77,2 9,5 Fonte: Núcleo de Estudos de Carga Global de Doença, ENSP/Fiocruz Na Tabela 2, ressaltam-se os diferenciais encontrados entre os DALY. O HIV/AIDS, responsável por 73,5% do total obtido entre as doenças negligenciadas no Brasil, atingindo 87,9% no Sudeste, 79,0% no Centro-Oeste, 77,2% no Sudeste, 65,4% no Norte e 61,6% no Nordeste. Tuberculose e o HIV/AIDS, em conjunto, foram responsáveis por 96,3% da carga deste conjunto de doenças negligenciadas no Brasil, mas alcançaram 99,9%%, 98,4% e 95,6%, nas Regiões Sul, Sudeste e Nordeste, respectivamente. A participação bem menos expressiva dessas duas doenças no Norte (84,7%) deve-se, principalmente, à elevada incidência da malária nessa região. Dengue hemorrágica, a terceira doença mais frequente, representa 2,3% da carga deste grupo de doenças no Brasil e atingiu 4,6 no Centro-Oeste, 4,1% no Nordeste, 3,1% no Norte, 1,6% no Sudeste e apenas 0,1% no Sul. Tabela 2: Distribuição proporcional de DALY, segundo doenças negligenciadas selecionadas. Brasil, 2007-2009. Doenças negligenciadas Total HIV/AIDS Tuberculose Acumulado Tuberculose + HIV/AIDS Dengue Acumulado Tuberculose + HIV/AIDS + Dengue [Digite texto] Norte Nordeste Sudeste Sul 100,0 65,4 19,3 100,0 61,6 34,0 100,0 100,0 77,2 87,9 21,2 11,9 84,7 95,6 98,4 3,1 4,1 1,6 87,9 99,6 CentroOeste Brasil 100,0 79,0 15,9 100,0 73,5 22,7 99,9 94,8 96,3 0,1 4,6 2,3 99,9 100,0 99,4 98,6 12,1 Malária 0,4 0,1 0,0 0,6 1,4 Fonte: Núcleo de Estudos de Carga Global de Doença, ENSP/Fiocruz Estudos e dados nacionais para gastos com HIV, malária, tuberculose e dengue As informações e estudos já existentes sobre gastos frequentemente criam parâmetros para a crítica e estruturação da conta a ser elaborada. Além disso, sugerem as questões prioritárias a serem respondidas no tocante ao financiamento de interesse de gestores e pesquisadores. Todos os estudos e outras fontes de dados identificados devem ser analisados à luz das informações epidemiológicas existentes para as quatro doenças (Tabela 3), uma vez que os gastos tendem a guardar a proporcionalidade com a população acometida em várias de suas dimensões, em especial, a dos gastos com tratamento. Tabela 3: Vigilância em Saúde- Morbidade por AIDS, tuberculose, malária e dengue. Brasil, 2008-2013 2008 Taxa de incidência de Aids (por 100.000 hab.)* Taxa de incidência de Tuberculose todas as formas (por 100.000 hab.)* 38,85 Número absoluto de casos de Malária** 309.256 Taxa de incidência de Dengue (por 100.000 hab.)** 333,65 2009 2010 2011 2012 20,55 20,3 21,07 20,2 38,18 36,5 36,97 35,8 301.979 326.025 260.779 234.995 212,16 530,26 397,14 304,62 Fontes: *SISCEL/SINAN/IBGE; **SINAN/SIM/IBGE; ***SIVEP-Malária/SISMAL/SIM/SINAN/SIH/SUS/IBGE A Tabela 3 mostra, para as doenças endêmicas, a relativa estabilidade da incidência de AIDS, a discreta queda na tuberculose e a importante queda da malária entre 2008 e 2012. A dengue preserva um padrão epidêmico, com um pico em 2010. O Brasil informa regularmente à OMS gastos com ações de vigilância e controle da AIDS/HIV, malária e tuberculose. Porém não há padronização metodológica dessa informação e tampouco compatibilidade com padrões contábeis internacionais do System of Health Accounts, o que reduz seu potencial de utilização . No Relatório Global de Tuberculose de 201319, há informações do Brasil, onde se refere um gasto governamental de US$ 87 milhões em 2012, com US$ 60 milhões 19 WHO's 2013 global report on tuberculosis: successes, threats, and opportunities Alimuddin Zumla,Andrew George MP,Virendra Sharma MP,the Rt Hon Nick Herbert MP,Baroness Masham of Ilton The Lancet- 30 November 2013 ( Vol. 382, Issue 9907, Pages 1765-1767 ) [Digite texto] 2013 88,66 despedidos em casos de tuberculose suscetível, US$ 6,3 para TB multiresistente e US$ 2,3 milhões para TB-HIV. A informação sobre o gasto não discrimina a participação por açoes de vigilância , prevenção e tratamento e nem, tampouco, por elemento de despesa. Entre os estudos nacionais identificados sobre o tema, Costa e colaboradores (2005)20 estimaram os custos da prevenção e do tratamento de tuberculose tanto para o SUS como para o sistema de saúde privado e para as famílias, utilizando informações do município de Salvador no ano de 1999. Os custos SUS com prevenção foram estimados em US$69.216,00 (3% dos gastos totais), os do tratamento em US$ 695.137,00 (correspondendo a 32% dos gastos totais) e o hospitalar em US$1.412.375,00 (65% dos gastos totais). A vacinação de BCG custou, em média, R$2,53, casos novos custaram, em média, R$185,93 e os casos de tuberculose multirresistente R$4.966,66. Para o setor privado, os autores observaram que o custo médio por um caso novo foi de R$ 296,16 (correspondendo a 82% dos gastos totais), os custos de profilaxia foram em média R$ 284,46 (12% dos gastos totais) e o retratamento estimado em R$526,56 (6% dos gastos totais). Analisando todos os custos, concluíram que o setor público foi responsável por 62% dos gastos enquanto que as famílias com 32,7% e o setor privado com 5,3%. Os autores discorreram também sobre a fragmentação do envolvimento das entidades públicas que financiam o Programa Nacional de Controle da Tuberculose e a ausência uma unidade que realize o controle de custos contribuindo para dificultar uma visão abrangente do que é gasto e da eficiência do programa. (Costa et al, 2005)20 Para malária, também são enviados dados à OMS colhidos por instrumentos de coletas globais. O maior gasto informado ocorreu em 2011, quando se aproximou de US$ 100 milhões (WHO, 2013)21. Nesse ano, houve substancial aporte de recursos suplementares pela USAID. Desde 2005, os gastos informados com malária vêm se mantendo em patamares entre US$ 60 e 80 milhões de dólares anuais. A discriminação das despesas é pobre, com pouco menos de 70% alocado a administração e outros custos e o restante a recursos humanos, sem discriminar gastos com inseticidas, redes impregnadas de inseticida e medicação ou ações de vigilância, prevenção e tratamento. 20 Costa, João G.; Santos, Andreia C.; Rodrigues, Laura C.; Barreto, Maurício L.; Roberts, Jennifer A. Tuberculose em Salvador: custos para o sistema de saúde e para as famílias. Rev. Saúde Pública 2005; 39(1):122-8. 21 WHO.World Malaria Report 2013.Geneva: World Health Organization, 2013 [Digite texto] Um estudo realizado pela Organização Panamericana de Saúde mostrava gastos de US$ 13,5 milhões de dólares para 1999 e de US$ 16 milhões para 2000. O gasto estimado por paciente com a doença em 1996 era de US$ 21,49. Esses dados corroboram um aumento significativo nos esforços de combate à doença desde então. A AIDS é a área onde há mais informações sistematizadas há mais tempo, fato que se expressa tanto na sofisticação metodológica dos instrumentos de acompanhamento dos gastos quanto na quantidade de sistemas de informação voltados para a doença. Para 2009, foram registrados gastos totais com HIV no Brasil de US$ 623 milhões, sendo o gasto por pessoa vivendo com HIV de US$ 1593 (Aran-Matero et al, 2011)22 Ao contrário do verificado para as três primeiras doenças apresentadas, não há dados oficiais informados para gastos com dengue. A doença também não conta com um Programa especifico e tem um financiamento variável, que flutua ao sabor da ocorrência de períodos epidêmicos. Algumas tentativas foram feitas por autores nacionais de dimensionar gastos com dengue no Brasil. Os custos diretos do dengue na perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS) prestador incluem uma parcela importante de gastos com vigilância e prevenção. Dados da literatura estimam em mais de US$ 500 milhões os gastos com medidas de prevenção da dengue no Brasil em 2010 (Barreto et al, 2011)23. A literatura internacional também apresenta dados de custo médio direto e indireto por caso ambulatorial e hospitalar (Sheppard et al, 2011)24. Os custos médios diretos a US$ de 2010 foram estimados em US$ 49 e, para casos hospitalizados, em US$ 317. Um trabalho brasileiro (Taliberti e Zucchi, 2010)25 apresenta estimativas para custo da prevenção e controle do Aedes aegypti no município de São Paulo em 2005, identificando um gasto total de R$ 21.774 milhões e atribuindo 56,4% a gastos em 22 Aran-Matero, D; Amico P; Aran-Fernandez C; Gobet B; Izazola-Licea JA, et al. Levels of Spending and Resource Allocation to HIV Programs and Services in Latin America and the Caribbean. PLoS ONE 2011 6(7): e22373. doi:10.1371/journal.pone.0022373 23 Barreto ML, Teixeira MG, Bastos FI, et al. Successes and failures in the control of infectious diseases in Brazil: social and environmental context, policies, interventions, and research needs. Lancet 2011;377:1877-89 24 Shepard DS, Coudeville L, Halasa YA, et al. Economic impact of dengue illness in the Americas. Am J Trop Med Hyg 2011;84:200-7 25 Taliberti, H. e P. Zucchi. Direct costs of the dengue fever control and prevention program in 2005 in the City of Sao Paulo." Rev Panam Salud Publica 2010; 27(3): 175-180. [Digite texto] pessoal, 38,3% a custeio e 2,2% a investimento. O gasto per capita no combate ao vetor foi de R$ 1,99 anuais. Santos (2013)26 realizou uma análise retrospectiva dos custos do programa de prevenção de dengue em Goiânia considerando períodos epidêmicos e endêmicos de transmissão da doença entre 2009 e 2010. Os valores mensais identificados para o período epidêmico foram de R$ 1.400.819,00 e, no endêmico, de R$ 949.878,00. Entre 84% e 86% dos gastos estavam relacionados a recursos humanos. Há também alguns estudos que avaliam o conjunto dessas doenças na perspectiva dos gastos governamentais com medicamentos. Um deles, realizado pelo IPEA, analisou prioritariamente os gastos com medicamentos em 2007. Encontrou um valor de R$ 579.908.093,07 para antirretrovirais, que contrastou com os R$ 11.499.132,66 gastos com medicamentos para tuberculose e os R$ 1.116.108,07 despendidos em malária. Esses gastos estão longe de serem proporcionais à carga de doença desses agravos, em especial porque o perfil dos gastos com HIV hoje comporta uma intensiva participação dos antirretrovirais (Garcia et al, 2011)27 Fica claro a partir desses estudos que a definição do escopo de contabilização dos gastos e a abordagem adotada podem influenciar a magnitude das estimativas, sendo ambas influenciadas pela disponibilidade de dados. Diferentemente da informação sistematizada já disponível para carga de doença, até o momento as informações sobre gastos com doenças negligenciadas são extremamente fragmentadas, ressaltando a importância de implementar a abordagem mais sistematizada oferecida pela Conta de Saúde. Considerações finais Ainda que não sejam valorados segundo uma métrica econômica, pois há polêmicas sobre a viabilidade metodológica e ética da transformação de tempo em valores monetários (Coast, 2004)28, os estudos de carga já dispõem de dois ciclos de 26 Santos, Sandra Maria. Estimativa de custo do Programa de Controle e Prevenção da Dengue em Goiânia-Go. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação de Medicina Tropical e Saúde Pública. UFG. 2013 27 Garcia, Leila Posenat; Magalhãe,s Luís Carlos G. de, Áurea, Adriana Pacheco, Santo, Carolina Fernandes e Almeida, Raquel Filgueiras TD 1607 - Epidemiologia das Doenças Negligenciadas no Brasil e Gastos Federais com Medicamento s / Brasília, abril de 2011 28 Coast, Joana. Is economic evaluation in touch with society's health values? BMJ 2004;329:1233 [Digite texto] resultados e podem vir a ter um papel importante como ferramentas para priorização da alocação dos esforços e recursos em saúde. Como regra geral, os estudos de carga de doença podem ser realizados com periodicidades mais amplas que as Contas de Saúde, visto que o perfil epidemiológico muda com menor velocidade e gastos com as doenças podem ser extremamente variáveis entre um ano e outro. A otimização de recursos pelo compartilhamento de bases de dados, recursos humanos e experiências em desenvolvimentos metodológicos pode favorecer a ampliação das informações e a realização de análises econômicas mais sofisticadas, que aproveitem aportes metodológicos e informacionais das duas áreas. [Digite texto]