opinião 28 | novembro-dezembro 2014 | VIDA JUDICIÁRIA Promoção imobiliária – uma perspectiva da internacionalização A nuno Carro Fernandes Advogado RSA LP - Moçambique promoção imobiliária vem demonstrando ser uma actividade essencialmente nacional e resistente à intervenção de promotores estrangeiros - e este fenómeno não é sequer português. Aparentemente, nenhuma razão impede um promotor imobiliário com sucesso no seu país de origem de repetir a proeza num outro país, replicando aí uma organização equivalente. Numa visão simplificada, o factor primordial na promoção imobiliária é a localização do terreno onde se pretende promover. Grosso modo, o valor dessa “matéria-prima” é determinável com relativo rigor e facilidade. Os demais factores relevantes na equação da promoção imobiliária (por simplificação, custos fiscais, taxas e emolumentos, custo da construção e, no lado das receitas, o valor que o mercado paga pelo metro quadrado de área edificada afecta a um uso numa dada localização) são predetermináveis (em períodos económicos estáveis). O que limita então a entrada de operadores internacionais nos mercados nacionais da promoção imobiliária? É todo um conjunto de factores, por vezes quase intangível, mas não por isso menos relevante. É o débil relacionamento com o poder local e central; é o reduzido envolvimento com os operadores locais; é o desconhecimento das especificidades do mercado e a falta de informação, etc.. As regras de ordenamento do território, e em especial as suas variadas interpretações; as alterações nas opções estratégicas dos Municípios (associadas a ciclos eleitorais descompassados do ciclo de projectos imobiliários concretos), a capacidade de lobby dos promotores locais (que, através do seu domínio do modus operandi local, (…) que limita então a entrada de operadores internacionais nos mercados nacionais da promoção imobiliária? É todo um conjunto de factores, por vezes quase intangível, mas não por isso menos relevante” antecipam os respectivos projectos, potenciam a utilização dos seus imóveis e enredam os de terceiros durante o longo ciclo de produção do produto imobiliário), são o bastante para modificar os pressupostos que suportaram o “arranque” do operador internacional. Um caso: numa cidade com um poder de compra médio/baixo, dois promotores internacionais promoveram, cada um deles, um espaço comercial de média dimensão, ajustados ambos às características da cidade. Quando ainda estavam em construção, foi noticiado que um operador local fortíssimo iria promover uma área comercial com múltiplas valências e com muito maior dimensão. Pouco tempo após a sua inauguração, as duas primeiras encerraram. No caso, até a terceira poderá estar sobredimensionada, e não é líquido que tenha o sucesso pretendido, sendo, porventura, face ao investimento, escasso o retorno. Este caso sintetiza o exposto. A cidade, diga-se, situava-se na Europa, mas não em Portugal… por acaso. Para o promotor imobiliário que atravessa fronteiras, os parágrafos supra visam tão só alertar para a relevância de algumas opções estratégicas. Questões tão simples como: quais os riscos associados à promoção imobiliária num mercado concreto? Como se assegura que o eventual insucesso dessa “campanha” não contamina e coloca em risco a sustentação económica e financeira do resto da empresa ou grupo empresarial? Qual deve ser o posicionamento estratégico da empresa ou do grupo além-fronteiras, seja em termos de metodologia de financiamento dos seus projectos, seja da definição de parcerias estratégicas? Qual ou quais as actividades da empresa ou grupo empresarial que se pretende, ou melhor, que faz sentido, replicar no exterior? É ainda importante não esquecer que o negócio imobiliário é um negócio de permanente acompanhamento jurídico-formal. É também um processo de execução continuada onde o direito civil e o direito público (em especial as regras que giram sob a designação de direito do urbanismo), opinião caminham a par e em interacção. A compra de um terreno para construção; os contratos para o financiamento, os procedimentos de licenciamento, a comercialização do produto imobiliário, tudo é, quase sem excepções, formal ou formalizado. Os próprios promotores actuam através de veículos (sociedades comerciais, agrupamentos ou consórcios) com um processo formal de constituição e acompanhamento jurídico quase obrigatório. Equipas técnicas com juristas é o mote desta reflexão e, nesse contexto, a primeira nota vai para a palavra “equipa”. É que a “realidade”, embora, por comodidade de tratamento, muitas vezes se espartilhe em blocos, deixando-se aos juristas o que é de leis, aos engenheiros o que é de obra, aos economistas …., ela é una. Exemplificando, admitamos como altamente recomendável à internacionalização de um promotor imobiliário nacional, o apostar na prévia determinação e selecção de um parceiro de negócios local; admitamos de igual modo ser relevante que a empresa-mãe ou grupo económico queira proteger a sua organização nacional do risco associado aos seus investimentos no estrangeiro. Nessa óptica, será relevante o envolvimento da Administração e dos seus consultores internacionais, para detectar e seleccionar o parceiro apropriado. Determinado este, será essencial formalizar bem o acordo alcançado. São vários os modelos jurídicos utilizáveis para esse fim, e aqui não cabe analisá-los. Focamo-nos apenas nos objectivos estratégicos a prosseguir. Nesta lógica, o que releva é que, face aos objectivos definidos, a equipa, e o jurista em especial, formalize de modo adequado as prestações a que o parceiro local se obriga (aportação de montantes financeiros, know-how, lobby, prestação de garantias, etc,) e se assegure que a sua remuneração (e o seu momento) está, no limite do possível, associada ao seu desempenho e à rentabilidade efectiva do projecto. Também na óptica do financiamento do projecto, pode relevar que este seja predominantemente local, recorrendo-se, de preferência, a instituições financeiras que operam regularmente no país em causa, as quais, desse modo, podem, no futuro, ser parceiros envolvidos no bom desempenho do projecto. Tomada essa opção, na óptica de minimização dos impactos sobre a empresa-mãe VIDA JUDICIÁRIA | novembro-dezembro 2014 | 29 “A base de funcionamento de uma parceria, independentemente dos contratos estabelecidos, é a capacidade dos parceiros para manterem, no tempo, circuitos correctos de comunicação, formal e informal” ou sobre o grupo empresarial, dos investimentos em projectos noutro país, na negociação das garantias associadas ao específico project finance, a formalização contratual deve ser gerida cuidadosamente. A negociação de garantias que quantifiquem o risco máximo assumido pela organização do país de origem, ou o evitar regras de solidariedade para com a responsabilidade de terceiros, designadamente para com as responsabilidades assumidas pelo parceiro local, podem vir a ser muito relevantes. Os departamentos financeiros, pelo seu enfoque na optimização de taxas e prazos e na rotina muitas vezes estabelecida, de aceitar como boas os clausulados sugeridos pelas instituições financeiras, não têm por vezes capacidade para concluir a melhor negociação. Também a correcção da indexação de pagamentos ou investimentos a momentos em que os processos administrativos consolidam direitos é matéria em que o impulso jurídico deve relevar. O parágrafo anterior pretende apenas dar corpo (pela via do exemplo) ao conceito de equipa pluridisciplinar que se defende. Nela, o papel do jurista centra-se em dois pontos essenciais: o da estruturação (formal) das operações; o da segurança das operações e minimização do risco. Um como outro implicam que o jurista conheça e partilhe os objectivos da empresa e da equipe, da qual deve ser elemento. Por fim, ressalve-se o problema da manutenção das parcerias no tempo. A base de funcionamento de uma parceira, independentemente dos contratos estabelecidos, é a capacidade dos parceiros para manterem, no tempo, circuitos correctos de comunicação, formal e informal. O mínimo comunicacional pressupõe que se assegurarem (e reclamem), ao menos, as comunicações contratualmente previstas. Também neste capítulo o jurista pode, e porventura deve, ter um papel relevante. Este texto não segue o novo acordo ortográfico