O que é Literatura? Definições
CONCEITOS BÁSICOS DA LITERATURA
1) CONCEITO GENÉRICO
Num sen(do genérico, literatura é toda a palavra escrita. Assim, qualquer conteúdo material ou espiritual e qualquer experiência humana apresentados em linguagem escrita podem ser enquadrados neste conceito. Por isso nos deparamos com expressões (po "literatura médica", "literatura jurídica", "literatura espor(va", etc.
Contudo, tal conceito é tão abrangente que não possui u(lidade para nossos estudos. É preciso restringi-­‐lo àquelas obras que -­‐ por seus elementos internos -­‐ se des(nem não a especialistas de determinada área do conhecimento, mas a todas as pessoas indis(ntamente.
2) CONCEITO ESPECÍFICO
Procurando definir o conceito específico de literatura o crí(co mexicano Alfonso Reyes, vale-­‐se de três proposições de natureza diversa:
A) Proposição cienMfica: "O calor dilata os corpos."
B) Proposição histórica: "Napoleão morreu em Santa Helena, em 1821."
C) Proposição literária: "Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo."
A proposição A contém uma verdade cienMfica: o calor sempre dilata os corpos. É um fenômeno inques(onável e duradouro e que facilmente pode ser verificado na vida real.
A proposição B revela um fato histórico, transcorrido há muito tempo, mas que também pode ser comprovado através de documentos fidedignos, isto é, documentos cuja auten(cidade paira acima de qualquer suspeita. Napoleão de fato morreu na referida ilha e no referido ano.
Vejamos agora o texto C, produzido pelo romancista Gabriel García Marquez. Ele está nos colocando diante de um grave problema: em princípio, nunca houve na história da Colômbia (país onde transcorre a narra(va) alguém chamado Aureliano Buendía e que, antes de ser fuzilado, lembrasse de uma an(ga tarde onde, levado pelo pai, conheceu o gelo. É um evento sem qualquer comprovação.
Portanto, o escritor inventou esta história e, espertamente, tenta passá-­‐la como verdadeira. Como um mágico que não permite ver os mecanismos de seus truques, ele quer que aceitemos os dramas de várias gerações de Buendías, passados na imaginária cidade de Macondo, como se de fato eles fossem reais. Quer nos impingir a men(ra que criou, transformando-­‐a numa verdade arMs(ca.
Devemos aceitar esta aparente farsa? Será García Marquez um impostor? Chegamos aqui ao primeiro elemento fundamental da literatura: a ficção. O texto literário é ficcional, ou seja, ele nasce de uma representação da vida (mímese), inventada por um escritor. Ao elaborar sua narra(va (ou mesmo o seu poema), ele está criando uma nova estrutura, um mundo par(cular -­‐ provável ou improvável -­‐ e que é oferecido ao leitor.
Não importa se os fatos narrados tenham acontecido ou não. Geralmente nunca aconteceram, foram imaginados. Cabe ao leitor aceitá-­‐los e dar momentaneamente as costas para a vida co(diana, admi(ndo que esta ficção possa distraí-­‐lo ou comovê-­‐lo ou promover algum conhecimento ou, quem sabe, permi(r uma iden(ficação. Quer dizer, a boa ficção aparece aos olhos do leitor como se fosse a própria vida.
O SENTIDO DA FICÇÃO
O espetacular sucesso mundial de Cem anos de solidão, o romance onde García
Marquez conta a saga dos Buendía, mostra que milhões de pessoas dispõem-­‐se a acatar as regras do jogo literário. Entre elas, a básica é considerar o universo ficcional -­‐ esta supra-­‐realidade nascida da capacidade criadora do ar(sta -­‐ como um espelho mul(facetado da existência social e individual. Em função de tal acordo, o leitor pode rir, chorar, emocionar-­‐se ou mesmo se enfas(ar com certos textos literários, dependendo da força de convencimento que eles manifestem.
Não podemos negar que alguns autores servem-­‐se do ficcional com intuito de arremessar o leitor para fora da realidade vulgar. Nesse caso, a literatura é uma forma de evasão, de alienação, de fuga dos problemas diários. Mas a própria literatura possibilita a crí(ca dessa arte escapista. Cervantes atribui parte da confusão mental de Dom Quixote a sua desenfreada leitura de romances de cavalaria, com seu mundo de heróis idealizados. Também Flaubert culpa os livros sen(mentais que Ema Bovary devora, pelas fantasias amorosas que a conduzirão ao adultério.
As grandes obras de ficção, no entanto, trazem o leitor de volta ao co(diano. E ele retorna modificado e profundamente enriquecido por um (po par(cular de conhecimento: o conhecimento sensível da existência do qual a literatura é notável instrumento.
Os des(nos humanos, que no dia-­‐a-­‐dia nos parecem ilógicos, desconMnuos, sem explicação, ganham nas páginas dos livros uma lógica, uma linha de coerência, um significado. Através da ficção, adquire-­‐se uma percepção mais rica e coerente dos seres, já que na vida real esta noção dos outros se dá de maneira fragmentária e decepcionante.
A FORÇA DA PERSUASÃO
O efeito persuasivo das melhores obras de ficção é extraordinário. Napoleão, por
exemplo, que comandava suas tropas nas batalhas com total frieza e determinação, disse pessoalmente a Goethe ter se comovido até as lágrimas com a leitura de Werther, a obra-­‐prima român(ca do escritor alemão, causadora de incontáveis suicídios entre os jovens europeus, na virada do século XVIII para o século XIX.
Às vezes, a ficção apodera-­‐se tão completamente da realidade que seu efeito sobre a vida social é comparável a de um terremoto: Erich Marie Remarque, em seu romance Nada de novo no front, pintou os horrores da I Guerra Mundial com tamanho realismo que o livro despertou uma gigantesca onda pacifista em toda a Europa, obrigando Hitler a proibi-­‐lo por contrariar a ferocidade guerreira dos nazistas. Fatos como estes se sucedem durante toda a história da literatura, comprovando a importância e a força da ficção literária.
O austríaco Ernst Fischer explica a necessidade que os indivíduos têm de se entregar à leitura e à arte em geral:
Se fosse da natureza do homem o não ser ele mais do que um indivíduo, o desejo da arte (ler livros, ir ao teatro ou ao cinema, etc.) seria absurdo e incompreensível. Esse desejo do homem de se desenvolver e completar indica que ele é mais do que um indivíduo. Sente que só pode aMngir a plenitude se apoderar das experiências alheias que potencialmente poderiam ser dele. E o que o homem sente como potencialmente seu inclui tudo aquilo que a humanidade, como um todo, é capaz. A arte é o meio indispensável para essa união do indivíduo com o todo. Reflete a infinita capacidade humana para a associação, para a circulação de experiências e idéias.
AMPLIANDO A DEFINIÇÃO
O caráter ficcional não basta para caracterizar o fenômeno literário. Certos textos de conteúdo memorialista, por exemplo, apesar de não serem mera invenção de seus atores, são consideradas obras de literatura, caso de Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, Solo de clarineta, de Erico Veríssimo, e outras. Igualmente Os sertões, de Euclides da Cunha, foge da ficção: seu assunto é a Guerra de Canudos, e tudo o que o autor ali relata aconteceu de fato. Todavia, trata-­‐se de uma das mais soberbas obras de nossa história literária.
Também num poema -­‐ em que o eu expresse alguma verdade subje(va ou apenas faça retratos da natureza ou filosofe sobre o sen(do da vida -­‐ não ocorre, a rigor, a criação de uma supra-­‐realidade. Nem por isso tais textos perdem sua condição de literários. Isso significa que o conceito de literatura tem de ser mais abrangente.
Se compararmos três breves textos, alcançaremos uma melhor compreensão do fenômeno:
A) Os homens normalmente sentem saudades de sua infância. B) Estou com saudades da minha infância.
C) Oh! Que saudades que tenho
Da aurora de minha vida,
Da minha infância querida Que os anos não trazem mais!
Os três trechos tratam do mesmo assunto: a nostalgia da infância perdida. É visível, contudo, que há diferenças entre eles. O primeiro generaliza um sen(mento comum; o segundo e o terceiro o par(cularizam.
O autor do primeiro texto pode ter vivenciado a saudade, mas o que ele deseja é emi(r um pensamento universal a respeito dessa sensação comum a maioria dos homens. Pode-­‐se aceitar ou rejeitar sua conclusão. Já o autor do segundo fragmento parece simplesmente fazer o registro da nostalgia que está experimentando. Em compensação, o criador do terceiro fragmento quer que sintamos o que ele está sen(ndo. Ou seja, exige de nós uma disposição afe(va para mergulharmos juntos naquele mundo feliz que foi o de sua infância.
A diferença entre a generalização de um texto (A) e a singularidade de outros (B e C) assinala outra caracterís(ca da literatura: ela se assenta sobre existências e ações singulares. No entanto, fica claro que o texto B também não é literário e que, inversamente, o texto C o é. Qual o mo(vo de tal certeza? Tanto um quanto outro são de natureza subje(va e par(cular, mas o que configura o terceiro como literatura é a sua linguagem.
A LINGUAGEM ESPECÍFICA
Consideremos a hipótese de extrair dessa estrofe (C) -­‐ escrita por Casimiro de Abreu -­‐ o que na linguagem pertence aos recursos do es(lo literário. Eliminaríamos de imediato a interjeição (oh!) os dois quês (um no sen(do de quantas, outro subs(tuindo eu) e colocaríamos o resto do verso em ordem direta: tenho saudades.
Em seguida, trocaríamos a célebre metáfora do segundo verso -­‐-­‐ aurora de minha vida -­‐-­‐ por infância. O terceiro verso: -­‐-­‐ Da minha infância querida -­‐ apenas retoma e enfa(za a doce lembrança de tempos tão felizes. Poderia ser cortado sem qualquer prejuízo à mensagem. E por fim, o úl(mo verso: -­‐-­‐ Que os anos não trazem mais -­‐-­‐ cuja função poé(ca é ressaltar a impossibilidade de regresso ao passado, seria obviamente inú(l na linguagem comum porque todos sabemos que os anos não trazem a infância de volta. Em síntese, o conteúdo essencial do poema se resumiria a "Tenho saudades da infância".
O que Casimiro de Abreu faz é usar todas as possibilidades expressivas da linguagem (parMculas de ênfase, imagens, repe(ções, etc.), reforçando magicamente com outras palavras (outros giros expressivos) o mesmo sen(mento de perda causado pela passagem da infância, explorando os aspectos sonoros das rimas, da interjeição inicial (oh!), da duplicação dos quês, do ritmo fácil e suges(vo que emana da estrofe. Cortar estes elementos do poema significaria amputá-­‐lo, reduzi-­‐lo a uma única sentença: "Tenho saudades da infância".
Com isso prova-­‐se que o texto literário não é apenas uma criação ficcional. É também um trabalho de criação de linguagem. Em conseqüência, se mudarmos o modo de um escritor dizer as coisas, mudaremos simultaneamente o conteúdo de sua obra, que ficará alterado ou destruído.
O poeta francês Paul Valéry assinala uma interessante dis(nção entre o literário e o não-­‐literário:
Texto não-­‐literário: quando resumido, sobra o essencial. Texto literário: quando resumido, perde-­‐se o essencial.
A literatura tem, pois, uma linguagem específica. Uma linguagem que lhe é própria e que não pode ser mudada sem perder o seu encanto. Ela se diferencia das várias linguagens humanas por um complicado número de fatores, entre os quais, o mais importante é a vontade de beleza formal que quase todos os escritores possuem.
Este desejo de perfeição da forma (os aspectos específicos que a obra apresenta), este sonho de transformar palavras banais em palavras sublimes, este valor (o trabalho arMs(co da linguagem) que é a tenta(va de expressão mais eficaz e sedutora por parte de um poeta ou de um romancista, sedimenta o ponto nuclear da literatura. Sem tal esforço, sua existência se torna problemá(ca.
A LITERATURA COMO CONJUNTO DE OBRAS
Parece claro também que uma única obra isolada -­‐ ainda que tenha o caráter literário -­‐ não cons(tui a literatura. É necessário um conjunto de textos, escritos em língua comum, com intenção esté(ca, produzidos na mesma época, debaixo de influências e circunstâncias históricas próximas e, de alguma maneira, editados e disponíveis ao público, para que se possa falar de uma literatura no sen(do es(lís(co (literatura clássica); no sen(do de um povo ou país (literatura grega); ou ainda no sen(do de uma era (literatura medieval).
CONCLUSÃO
Conforme o que vimos até agora, uma definição mais ou menos totalizante de literatura seria a seguinte: Um conjunto de obras que, valendo-­‐se da ficção (ou não), expressa a visão par(cular do escritor e representa ações, idéias e sen(mentos humanos singulares, através de uma linguagem específica cujo propósito é a beleza arMs(ca.
ESTILO LITERÁRIO
Podemos tomar o termo es(lo em duas acepções:
Esclo individual: É a maneira pessoal do escritor manipular a linguagem literária, ou seja, a sua capacidade original e cria(va de formular expressivamente o texto (língua, técnicas, procedimentos, etc.), em busca de um melhor resultado esté(co.
Deste ponto de vista, o es(lo é a manifestação da individualidade. O "es(lo é o homem", disse no século XVIII o francês Buffon. Ele é intransferível, podendo ser imitado apenas como cópia servil. Por isso se fala no "es(lo do padre Vieira", no "es(lo de Machado de Assis" ou no "es(lo de Jorge Amado", e assim por diante.
No entanto, o escritor não existe isoladamente do mundo. Ele está condicionado pelo sistema cultural de seu tempo, por sua visão de classe, pelo debate arMs(co, pelas ideologias em confronto, pelos valores pessoais e sociais consagrados no período histórico em que vive e cria a sua obra. Existe, portanto, um outro (po de es(lo:
Esclo de época: Ocorre quando certos procedimentos arMs(cos individuais se reproduzem e se tornam repe((vos e constantes entre uma ou mais gerações de escritores -­‐ favorecidos e influenciados pelas coordenadas da época.
A crescente u(lização de adje(vos entre a maioria dos poetas e ficcionistas român(cos, por exemplo, parece traduzir a necessidade de expressão daquela força sócio-­‐histórica e daquele exagero sen(mental desencadeados pela vitória burguesa, no início do século XIX. Assim como o uso indiscriminado do verso livre por poetas do século XX corresponde à total desintegração dos modelos e normas culturais, até então vigentes, ocorrida a par(r da Primeira Guerra Mundial.
A repe(ção desses elementos técnico-­‐es(lís(cos -­‐ realizada por um grande número de ar(stas, em determinado período -­‐ é que denominamos es(lo de época. Em conseqüência disso, somos autorizados a falar no "es(lo barroco", no "es(lo simbolista", no "es(lo modernista", etc.
PERÍODOS LITERÁRIOS
Também conhecidos como escolas, correntes ou movimentos, os períodos literários correspondem à fases histórico-­‐culturais em que determinados valores esté(cos e ideológicos resultam na criação de obras mais ou menos próximas no es(lo e na visão de mundo. Diferenciam-­‐se do es(lo de época por terem uma abrangência maior, englobando circunstâncias como as condições do meio, as influências filosóficas e polí(cas, etc.
Assim, qualquer período literário (ou arMs(co) pressupõe:
·∙ momento histórico delimitado (normalmente algumas décadas), onde se dá a adesão de vários escritores à normas e princípios comuns;
·∙ conjunto similar de influências sociais, culturais e ideológicas agindo sobre as mentalidades;
·∙ elaboração esté(ca semelhante, seja nas técnicas de construção literária, no es(lo, na temá(ca e nos pontos de vista sobre o ser humano e a vida.
A ascensão, predominância e decadência de uma escola ou de um movimento não ocorrem arbitrariamente, apenas pela vontade dos ar(stas, mas resultam de um processo complexo de influências do espírito de cada época sobre os indivíduos.
Em certas circunstâncias históricas -­‐ crises polí(cas, mudanças violentas ou condições opressivas -­‐ a criação de uma arte nova, de um es(lo novo e de uma nova maneira de registrar as coisas torna-­‐se urgente para os escritores e os ar(stas em geral.
Entretanto, a vitória de uma nova corrente não apaga de todo o presMgio e a força da an(ga. Podemos assis(r à coexistência de movimentos opostos numa mesma faixa temporal. Logo as datas de início e fim de um período não implicam o predomínio automá(co de um período sobre outro, mas a tenta(va de ordenação e simplificação pedagógica dos fenômenos literários.
LITERATURA :: RESUMO
1) Sencdo lato: Tudo aquilo que está escrito
2) Sencdo arMscco
2.1) Ficcão
·∙ invenção, criação de personagens e acontecimentos
·∙ criação de uma supra-­‐realidade que reflete os
mecanismos da vida
2.2) Uclização da palavra escrita
2.3) Linguagem específica (linguagem onde há alguns elementos básicos: seleção vocabular, ritmo, disposição original das palavras, predominância de imagens, es(lo pessoal, etc.)
3) Conceito geral: Um conjunto de obras de ficção (ou não) que expressa a visão par(cular de um escritor e representa ações, idéias e sen(mentos humanos singulares através de uma linguagem específica cujo propósito é a beleza arMs(ca.
4) Esclo individual: É a maneira pessoal do escritor formular a sua linguagem literária.
5) Esclo de época: São os procedimentos arMs(cos comuns a vários escritores em um mesmo período histórico-­‐cultural.
6) Período Literário: Um espaço de tempo, iden(ficado com determinadas circunstâncias históricas, os autores lidam com conteúdos comuns e procedimentos formais semelhantes.
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