sanidade Texto: Susana N. de Macedo Cristina S. Cortinhas Marcos V. dos Santos Cultura microbiológica do leite na fazenda: uma nova ferramenta para o diagnóstico de mastite O tratamento para os casos de mastite clínica varia de acordo com o patógeno, que somente pode ser identificado após a realização da cultura microbiológica do leite. Nestes casos de mastite, os sistemas de diagnóstico microbiológico na fazenda possibilitam a tomada de decisão adequada quanto à utilização ou não de terapia antimicrobiana. Se as amostras forem coletadas e processadas de forma estéril a cultura microbiológica na fazenda apresenta boa acurácia e é uma ferramenta para a elaboração de uma terapia adequada para cada caso de mastite. maio | 2013 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 6 Introdução deve ser tomada com base em informa- tivos geralmente apresentam alta taxa A mastite é um dos grandes garga- ções específicas sobre o agente, a vaca de cura espontânea, entretanto, algu- los da pecuária leiteira, motivo de redu- e o tipo de droga a ser usado. Para es- mas cepas podem apresentar fatores de ção na qualidade e quantidade de leite tabelecer um esquema de tratamento virulência que aumentam a persistên- produzido. Caracterizada como proces- adequado é fundamental conhecer o cia na glândula mamária. Nestes casos, so inflamatório da glândula mamária patógeno causador a fim de escolher pode ser necessário o uso de protocolos causado por microrganismos, a mastite um antimicrobiano com um espectro de tratamento com maior duração. é a doença responsável pela utilização de atividade apropriado. Sendo assim, a terapia antimicrobia- de grande parte dos antibióticos em Os objetivos do tratamento da mas- na deve ser utilizada somente em casos rebanhos leiteiros. No mundo inteiro, tite são a prevenção da doença sistê- de mastite causada por patógenos que é crescente a pressão para a redução mica, o rápido retorno da vaca para a respondem ao tratamento com antibió- do uso de antibióticos em animais de ordenha e a produção de leite comer- ticos. Dessa forma, descarta-se menos produção, pois existe risco de que o uso cializável. Para o estabelecimento de leite com resíduo e o custo por caso de irrestrito destes antibióticos pode ser um protocolo de tratamento efetivo, mastite pode reduzir. Para atingir esse responsável por aumento da resistên- é necessária a avaliação de fatores de objetivo, pode ser utilizado um sistema cia aos antimicrobianos em medicina risco, tais como a idade e o histórico de de análise de cultura microbiológica do humana. Desta forma, faz-se necessá- mastite da vaca, além do conhecimento leite na fazenda. O princípio básico des- rio o conhecimento de informações do provável patógeno. Em geral, quan- se método é limitar o uso de antimicro- que orientem os técnicos em relação à do a mastite é causada por patógenos bianos e, consequentemente, reduzir a tomada de decisões quanto aos proto- Gram-positivos, é necessário tratamen- quantidade de leite descartado, além colos de tratamento da mastite a serem to intramamário com antibióticos. Já de estabelecer uma terapia de duração utilizados. para a mastite causada por patógenos adequada para cada caso. A cultura microbiológica do leite na Gram-negativos, o tratamento com fazenda é uma técnica já utilizada em antibióticos pode não ser necessário. Terapia da vaca seca seletiva outros países que, de forma geral, iden- Também há casos que o próprio siste- Desde o desenvolvimento do plano tifica a presença do microrganismo no ma imune da vaca pode combater o pa- de controle da mastite nos anos 1960, quarto mamário e fornece determinada tógeno, em particular nos casos em que tem sido recomendada a prática de tra- classificação, importantes na tomada a cultura microbiológica é negativa. Em tar todas as vacas na secagem com um de decisões quanto à utilização de tra- um estudo realizado no Canadá, 43,9% antibiótico intramamário. O objetivo da tamentos. Especificamente, a cultura de mais de 3 mil amostras de leite de terapia da vaca seca é eliminar infec- microbiológica de leite na fazenda au- vacas com mastite clínica apresentaram ções existentes e prevenir novas infec- xilia nas decisões de tratamento para resultado negativo na cultura microbio- ções durante o período seco. As infec- casos de mastite clínica e na utilização lógica. No Brasil, o índice de amostras ções intramamárias que ocorrem neste da terapia seletiva da vaca seca, além negativas é de aproximadamente 25%. período contribuem significativamente de identificar determinadas espécies de Em um estudo com sete antimicro- para o aumento no número de quartos bianos para tratamento de mastite, ape- infectados na lactação seguinte e para nas os patógenos Gram-positivos apre- a consequente redução da produção de Decisões de tratamento de sentaram taxa de cura que justificasse leite. A terapia da vaca seca consiste na mastite clínica o tratamento com antibióticos. Já para infusão intramamária de antibiótico de A mastite clínica pode ser causada os casos de mastite clínica, em cerca de longa ação específico para esse fim, em por grande diversidade de bactérias e 50 a 80% dos casos não foi necessário cada quarto mamário, após a última or- a utilização de uma terapia apropriada o uso de antimicrobianos. As infecções denha antes da secagem. para esses casos é uma decisão que causadas por patógenos Gram-nega- microrganismos. Com o uso da terapia da vaca seca maio | 2013 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 7 sanidade Cultura microbiológica do leite na fazenda: uma nova ferramenta para o diagnóstico de mastite Nos casos de infecções crônicas, nem sempre a terapia da vaca é efetiva, mas é preciso realizar os procedimentos de forma adequada, pois, caso contrário, podem ocorrer novas infecções. crobiológica na fazenda e nenhum antibiótico é aplicado até que se saiba o resultado (geralmente 24 horas). Se o caso de mastite for classificado como grau 3, o animal é tratado com protocolo específico para casos de mastite agu- há aumento da taxa de cura em relação seguir o protocolo de tratamento de aos tratamentos realizados durante a forma correta e respeitar a duração de lactação e diminuição do custo, pois pelo menos 60 dias do período seco. não há descarte de leite com resídu- da e a cultura do leite não é realizada. Os procedimentos para a realização de uma cultura microbiológica bem sucedida se iniciam com a coleta de os de antibióticos. Se for respeitado o Metodologias de cultura na leite, do quarto mamário com mastite, período seco de pelo menos 60 dias é fazenda antes da ordenha e de forma asséptica. mínimo o risco de ocorrer resíduos no Para o sucesso da utilização da cul- Para tanto, são necessários frascos es- leite após o parto. Porém, é crescente a tura de leite na fazenda faz-se necessá- téreis, algodão ou papel e álcool 70%, preocupação com o uso indiscriminado rio conhecer a classificação da mastite para desinfecção dos tetos. A cultura de antibióticos em animais de produ- clínica segundo o seu o grau de gravi- microbiológica do leite proveniente de ção e o uso da terapia da vaca seca em dade, descrita na tabela 1. um quarto mamário pode apresentar todos os animais tem sido questionado De forma prática, se o caso de mas- crescimento de um ou no máximo dois em alguns países nos quais o controle tite for classificado com gravidade de agentes causadores de mastite, mas se de mastite contagiosa já atingiu pa- grau 1 ou 2 uma amostra de leite é houver o crescimento de três tipos de drões de excelência. Nestes países, uma coletada para realização da cultura mi- microrganismos, a amostra deve ser alternativa é o uso da terapia da vaca seca seletiva. Este método consiste na Tabela 1. Escala de classificação da mastite quanto ao grau de gravidade da mastite clínica. aplicação do tratamento da vaca seca Grau de severidade Sintomas clínicos em apenas algumas vacas ou quartos, 1 (leve) Leite anormal baseando-se na cultura microbiológica 2 (moderado) Leite anormal + alterações no úbere 3 (grave) Leite anormal + alterações no úbere + vaca doente ou na CCS. Com a realização da cultura microbiológica do leite na fazenda, é possível selecionar quais animais devem receber o tratamento na secagem e quais podem ser tratadas somente com o selante de tetos. Os resultados da adoção dessa prática são evidenciados num curto prazo em rebanhos com alta incidência de mastite contagiosa. Nos casos de infecções crônicas, nem sempre a terapia da vaca seca é efetiva, mas é preciso realizar os procedimentos de forma adequada, pois, caso contrário, podem ocorrer novas infecções. Portanto, é necessário maio | 2013 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 8 Figura 1. Petrifilme para contagem de aeróbios sanidade Cultura microbiológica do leite na fazenda: uma nova ferramenta para o diagnóstico de mastite Figura 2. Petrifilme para contagem de coliformes considerada contaminada. Figura 3. Estufa para incubação um diagnóstico presuntivo do agente Atualmente, as metodologias mais causador. Nesta metodologia são utili- utilizadas para a cultura microbiológica zadas placas descartáveis bipartidas ou na fazenda são a por Petrifilme (Canadá) tripartidas com os seguintes meios de (Figura 4) e a em meios de cultura (Min- cultura: nesota – EUA) (Figura 7). A metodologia • Placas bipartidas divididas em canadense consiste na inoculação de meio de cultura Factor e MacConkey um microlitro de leite diluído (1:10), em seletivos para crescimento de bactérias placas petrifilme (3M) para contagem Gram-positivas e Gram-negativas, res- de aeróbios (Figura 1) e para a conta- pectivamente (Figura 5). gem coliformes (Figura 2), incubação • Placas tripartidas divididas em em estufa (Figura 3) à 35ºC por 24hs e meio de cultura Factor, TKT modificado leitura manual. Nesta metodologia os e MacConkey seletivos para crescimen- agentes causadores de mastite são clas- to de bactérias Gram-positivas, bacté- sificados como Gram-positivos, Gram- rias do gênero estreptococos e bacté- -negativos ou sem crescimento, com rias Gram-negativas, respectivamente sensibilidade (identificação dos positi- (Figura 6). vos) de 93,8% e valor preditivo negativo (identificação de negativos) de 89,7%. Após a coleta, as amostras de leite são inoculadas em toda superfície das A metodologia americana (Minne- placas bi ou tripartidas com o auxílio de sota Easy Culture System II) é realizada um swab estéril, são incubadas à 37ºC em meios de culturas que permitem a em estufa (Figura 3) e a leitura é realiza- identificação de bactérias Gram-positi- da após 24hs. Para o sistema Minnesota vas, Gram-negativas e, dependendo do Easy Culture System II a sensibilidade meio de cultura utilizado, é possível ter e valor preditivo negativo são 97,9% e 96,4%, respectivamente. Figura 4. Metodologia utilizada para a cultura microbiológica na fazenda por petrifilme (Canadá). 1o passo Leitura Petrifilm para coliformes De forma geral, a grande diferença entre os sistemas de cultura canadense e americano é a durabilidade dos meios de cultura. Os petrifilmes têm uma du- < 20 colônias > 20 colônias rabilidade (meia vida) de um ano, en- Gram-negativo quanto a durabilidade das placas bipar- Não tratar tidas ou tripartidas é de seis semanas. Desta forma, em fazendas de pequeno 2o passo Leitura Petrifilm para aeróbios > 5 colônias Gram-positivo Tratamento com antibiótico de acordo com o protocolo da fazenda maio | 2013 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 10 < 5 colônias Não tratar; Baixa contagem de bactérias porte, a utilização de placas petrifilme torna-se mais indicada. Uma das dificuldades para a implementação de um sistema de cultura microbiológica do leite na fazenda é a necessidade de um local apropriado para o laboratório. É imprescindível que o Figura 5. Placa bipartida para identificação de bactérias Gram-positivas e Gram-negativas Figura 6. Placa tripartida para identificação de Gram-negativas, Gram-positivas e estreptococos. Pesquisadores americanos avaliaram o uso da cultura microbiológica do leite em uma fazenda com rebanho leiteiro de 600 vacas que apresentava Bactérias Gram-positivas (Factor) Bactérias Gram-negativas (MacConkey) Bactérias Gram-negativas (MacConkey) Bactérias Gram-positivas (Factor) Bactérias do gênero estreptococcos (MTKT) mesmo esteja localizado em área limpa, coletadas e processadas de forma esté- bem iluminada, com temperatura es- ril para que não haja contaminação du- tável e longe de áreas de preparação e rante os procedimentos e os resultados estocagem de alimentos. Outra dificul- sejam confiáveis, por isso, a presença de dade é a necessidade de equipamen- uma pessoa treinada para ler as placas tos: um freezer, um refrigerador, uma e avaliar os resultados é um fator deter- estufa, em uma área de trabalho de fácil minante para o sucesso da implantação acesso. As amostras de leite devem ser desta metodologia. problemas com mastite clínica e excessivo uso de antibióticos. Para cada caso clínico foram coletadas duas amostras, sendo uma para análise na fazenda pelo método canadense (Petrifilm) e outra enviada para um laboratório especia- As amostras de leite devem ser coletadas e processadas de forma estéril para que não haja contaminação durante os procedimentos e os resultados sejam confiáveis. sanidade Cultura microbiológica do leite na fazenda: uma nova ferramenta para o diagnóstico de mastite Figura 7. Metodologia utilizada para a cultura microbiológica na fazenda em meios de cultura (Minnesota – EUA). Vaca com mastite clínica Lote de tratamento Febre 1)Banamine 2) Fluidos orais 3) Monitoramento Exame físico Lote de vacas com mastite 1) Aguardar resultado da cultura microbiológica 2) Monitoramento Sem febre Cultura microbiológica Gram-positiva Gram-negativa Sem crescimento Streptococcus agalactiae Staphylococcus aureus Staphylococcus sp. Streptococcus ambientais Coliformes Tratamento com antibiótico intramamário em todos os quartos; Monitoramento microbiológico; Tratamento com antibiótico intramamário; Monitoramento microbiológico; Descarte Tratamento com antibiótico intramamário; Monitoramento microbiológico; Descarte Tratamento com antibiótico intramamário Não tratar com antibióticos; Banamine (se tiver febre); Monitoramento Quarto perdido Resposta Não tratar com antibióticos; Banamine (se tiver febre); Monitoramento Descarte Retorno para o rebanho lizado. O treinamento adequado do ou não de terapia antimicrobiana. Se mastite da vaca, para que seja possível funcionário para a correta interpretação as amostras forem coletadas e proces- recomendar a melhor alternativa para dos resultados do Petrifilm foi essencial sadas de forma estéril, independente- cada caso: tratar ou não com antimicro- para o correto diagnóstico. O uso da mente do método utilizado (Minnesota bianos, segregar, secar ou descartar. cultura microbiológica na fazenda foi ou por Petrifilm), a cultura microbiológi- uma ferramenta efetiva para a adoção ca na fazenda apresenta boa acurácia e de um protocolo de tratamento racio- é uma ferramenta para a elaboração de nal e, consequentemente, redução do uma terapia adequada para cada caso custo com antimicrobianos e descarte de mastite. Entretanto, qualquer que do leite de US$ 264 para US$ 90 por seja o sistema utilizado, é importante caso de mastite. submeter rotineiramente amostras de leite para diagnóstico microbiológico Conclusão em laboratórios especializados, para o O tratamento para os casos de mas- controle de qualidade da técnica utili- tite clínica (de leve a moderada ou graus zada na propriedade 1 e 2) varia de acordo com o patógeno, A adoção de uma terapia diferen- que somente pode ser identificado ciada para cada caso de mastite dimi- após a realização da cultura microbioló- nui os custos com antibióticos e com gica do leite. Nestes casos de mastite, os o descarte do leite e eleva a eficácia do sistemas de diagnóstico microbiológico tratamento. A interpretação da cultura na fazenda possibilitam a tomada de de leite deve estar associada aos fato- decisão adequada quanto à utilização res de risco, como idade e histórico de maio | 2013 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 12 Susana Nóri de Macedo Mestranda em Nutrição e Produção Animal FMVZ - USP Cristina Simões Cortinhas Mestranda em Nutrição e Produção Animal FMVZ - USP Marcos Veiga dos Santos Professor Associado da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo (FMVZ/USP)