Por Uma Educação Crítica em Marketing: O Modelo das Três Dicotomias de Hunt
Como Ferramenta Introdutória?
“A atitude crítica é filha primogênita da dialética”
Délcio Vieira Salomon
Autoria: Carolina Machado Saraiva de Albuquerque Maranhão, Fernanda Miranda
Vasconcellos Motta, Pedro Cláudio Coutinho Leitão
Resumo
Pretendeu-se, neste artigo, refletir sobre a utilização do modelo das Três Dicotomias, proposto
por Hunt (1976, 2002) como uma ferramenta introdutória ao ensino crítico em marketing.
Neste sentido, os autores se propuseram o exercício de enquadramento dos artigos da área de
marketing publicados nos anais do Enanpad (1997-2004) nos parâmetros propostos pelo
modelo. Percebeu-se que este exercício pode ser uma rica maneira de introduzir o ensino
crítico em marketing, mesmo se usando como ferramenta um modelo advindo de uma
concepção positivista. Acredita-se que esta abordagem de ensino seja capaz de propiciar aos
alunos: (1) A compreensão do processo de construção histórica do marketing; (2) O contato
com as principais controvérsias a respeito da disciplina, (3) O questionamento crítico das
diferentes perspectivas adotadas pelo marketing; (4) A análise do processo de interação do
marketing com a sociedade em que se insere. Ao final do artigo, são apresentadas as
conclusões, apontando as principais contribuições desta experiência na promoção de um
ensino crítico em marketing, além de ressaltadas algumas limitações referentes a este estudo e
propostas algumas alternativas de futuras pesquisas sobre o tema.
Introdução
Este artigo constitui uma seqüência do projeto iniciado pos Saraiva e Motta, em 2005, que
tem como proposta evidenciar a relevância da condução de estudos sobre ensino crítico em
marketing, por meio da consideração da diversidade de correntes teóricas que o caracterizam.
O ensino de marketing costuma trazer desafios tanto para os alunos quanto para os
professores. Os alunos, muitas vezes, rejeitam qualquer aprofundamento conceitual referente
à disciplina, sob a alegação de que marketing é prática e não teoria. Tal fenômeno nada mais é
do que a conseqüência do que se pode considerar um movimento de “espetacularização” da
disciplina. O estereótipo de um profissional eminentemente técnico, cercado por prestígio
social, é intensivamente propagado na literatura da área e em cursos sobre o assunto, que se
multiplicam no mercado. A imagem do professor que se dedica a compreender com seriedade
o marketing, avaliando sua consistência teórica e metodológica, acaba sendo a antítese de
tudo isso.
Em muitos casos, observa-se que esta condição pragmática do marketing é transmitida no
próprio processo de ensino, com os alunos sendo doutrinados nas famosas “aulas-show”,
formuladas com fragmentos de teorias, muitas vezes desconexas entre si, que propõem
soluções milagrosas. “Muitos professores o fazem com tal propriedade, que aquilo que era
apenas uma suposição, ainda necessitando ser testada e validada, passa a ser uma verdade
absoluta, tirada da manga em momentos-chave, como panacéia para uma série de problemas
na empresa”. (SARAIVA e MOTTA, 2005).
1
Este trabalho tem como objetivo desenvolver uma reflexão sobre o uso de um modelo
positivista como ferramenta introdutória ao ensino crítico em marketing. Ao longo do
desenvolvimento, percebe-se que mais que uma possibilidade, este exercício pode ser uma
ferramenta importante para os professores que se dedicam a um ensino mais consistente,
promovendo o reconhecimento da diversidade teórica do marketing e o desenvolvimento de
um raciocínio analítico da disciplina. Esta nova postura do aluno frente a área é fundamental
porque “o profissional de marketing puramente tecnicista, desprovido de bagagem históricofilosófica e de habilidades analíticas e críticas, torna-se cada vez menos adequado às
necessidades contemporâneas”. (SARAIVA e MOTTA, 2005, p.15).
Proença et al (2005) corroboram esta idéia comentando que a adoção de uma perspectiva
utilitarista do marketing em nada contribui para a consolidação da disciplina como uma área
acadêmica, relegando-a às técnicas somente.
Na primeira parte do artigo é apresentada, sucintamente, a evolução histórica da teoria de
marketing e, de forma mais detalhada, o modelo das Três Dicotomias (HUNT 1976; 2002).
Em um segundo momento, realiza-se uma análise da experiência pedagógica realizada por
November (2002) com seus alunos, em que o autor adota uma perspectiva hermenêutica no
ensino de marketing, através do uso do modelo de Hunt (1976; 2002). Na terceira parte, é
realizada a categorização dos artigos dos Enanpad´s (1997 a 2004), de acordo com o modelo
estudado, evidenciando-se seus principais resultados. Ao final, são demonstradas as
conclusões, destacando-se de que forma este exercício pode gerar um ganho de aprendizado
para os estudantes de marketing, bem como apontado caminhos rumo à estruturação do ensino
crítico em marketing.
Uma incursão no debate acadêmico sobre o escopo e a natureza do marketing
A preocupação em sistematizar modelos e esquemas teóricos de marketing não pode ser
considerada recente. Desde a década de 40, acadêmicos se dedicam a este intento. As
primeiras publicações indicam duas razões para se estudar o tema: (1) os estudantes de
marketing produzem poucas generalizações, princípios ou teorias significantes e
compreensivas; e (2) a crença de que os problemas fundamentais do marketing e seus
procedimentos ainda não foram suficientemente abordados (BAKER, 2000). O tema voltou ao
centro do debate, no início da década de 80, com uma edição especial do Journal of
Marketing (1983), exclusivamente dedicada a esta questão. A partir de então, o debate sobre
teoria de marketing tem sido freqüente, incluindo uma nova edição do Journal of Marketing
(1999) sobre os caminhos propostos para a disciplina, sendo o desenvolvimento teórico
apontado como crucial no processo de consolidação da área (DAY e MONTGOMERY,
1999).
Na introdução do seu livro Marketing Theory: Evolution e Evaluation, Sheth, Gardner e
Garret (1988) fazem uma pesquisa histórica das escolas de pensamento do marketing. As
razões que os motivaram a desenvolver este estudo apresentam-se como sendo as cinco
maiores controvérsias do marketing: O que é, ou poderia ser a perspectiva dominante em
marketing? O que é, ou poderia ser, a relação entre marketing e sociedade? O que é, ou
poderia ser, o domínio próprio da teoria de marketing? Marketing é ciência ou uma arte
padronizada? É realmente possível criar uma teoria geral de marketing?
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A corrente européia do marketing, representada por Baker (2000), apresenta uma abordagem
mais substancial, através dos pilares função e filosofia que devem ser trabalhados
conjuntamente por empresas e escolas.
Infelizmente, o que se encontra na realidade, é que os pesquisadores que se envolvem em
temáticas mais críticas do marketing, tais como Firat et al (1995), Holbrook (2000); Brown et
al. (1996, 2000); Svensoon (2001) e Boje (2005) têm sido preteridos em benefício dos
trabalhos práticos, focados em resultados imediatos. O discurso teórico, que abarca a
consideração mais ampliada do papel da disciplina e de suas implicações, em longo prazo,
não é o encontrado nos programas das disciplinas de marketing para a sociedade. É necessário
pensar sobre os rumos que os próprios acadêmicos da disciplina a estão traçando para ela.
Hunt (2002, p. 153), já alertava para esta disfunção, destacando as principais críticas dos
estudantes quanto ao ensino de marketing: “Um curso muito teórico é difícil de ser entendido.
Ele é mais conjectural do que factual. Ele não está relacionado com o mundo real. Ele não é
prático o suficiente”. O autor, contudo, defende que estas são alegações injustificadas, fruto
de um sistema de ensino que, muitas vezes, camufla o trabalho árduo que necessita ser feito e
apresenta uma realidade fácil, ilusória, de entretenimento.
Segundo o autor, são justamente as teorias robustas, bem construídas, que são submetidas à
crítica por parte da academia, que acabam por oferecer os mais precisos indicadores para a
atuação gerencial. Deste modo, a alegação de que a avaliação de tais teorias pelos alunos
torna a aprendizagem excessivamente “teórica”, no sentido de ser descolada da realidade ou
pouco aplicável a ela, é equivocada.
Estas idéias sustentam a proposta deste artigo de que o ensino de marketing não tem feito jus
a toda a riqueza e diversidade da produção existente, resultando, muitas vezes, em um
processo enfadonho para os alunos e em uma missão inglória para os professores. Muitas
vezes, os professores, buscando apresentar aulas mais envolventes e participativas, acabam
levando um simulacro da realidade para a sala-de-aula, por meio de uma série de colagens de
fragmentos de teorias e de conjecturas que não evidenciam maior preocupação com a
coerência e mesmo com a eficácia das ações propostas.
O Modelo das Três Dicotomias de Hunt: uma proposta integradora
Shelby Hunt, aclamado como um dos mais importantes teóricos de epistemologia do
Marketing, foi o ganhador do prêmio “Harold H. Maynard Award”, com o artigo “The Nature
and Scope of Marketing”, no qual apresenta o Modelo das Três Dicotomias. A proposta deste
modelo é categorizar os estudos de marketing de acordo com as seguintes dicotomias: macro
ou micro; positivo ou normativo; e lucrativo ou não-lucrativo.
Conforme Hunt (1976, 2002), o modelo proposto representa a possibilidade de solucionar as
principais controvérsias da área: o marketing visto como ciência ou arte e a definição de seu
escopo. Ele estabelece-se como um modelo taxonômico do marketing, envolvendo, assim, a
maior parte de seus fenômenos, questões, esquemas, modelos, teorias e pesquisas.
O autor se inspirou na apresentação de Kotler, em 1972, que demonstrou uma classificação do
fenômeno de marketing em quatro paradigmas: micro/macro e positivo/normativo.
Adicionando as categorias lucrativo/não-lucrativo e desenvolvendo a operacionalização de
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cada uma das oito células propostas no modelo, Hunt (1976, 2002) o consolidou, passando a
defini-lo como um “paradigma geral do marketing” (ARNDT, 1982).
Através da classificação dos trabalhos em uma das oito células existentes, é possível
desvendar o objetivo e a natureza do conceito de marketing utilizado. Esta possibilidade do
modelo reforça sua importância como ferramenta introdutória para o ensino crítico de
marketing. Apesar de ser fruto de uma tentativa positivista de Hunt para classificar o
marketing, suas ambigüidades e abrangência oferecem aos alunos um conjunto de
informações que os estimularão a refletir sobre o marketing, inclusive questionando a
abordagem positivista na qual muitas vezes ele é apresentado.
A dimensão lucrativa compreende todos os estudos que adotam uma perspectiva de orientação
para o lucro, enquanto a não-lucrativa engloba os estudos de organizações cujos objetivos
declarados não incluem a realização de lucro.
A dimensão positiva adota a perspectiva de descrever, explicar, predizer e entender as
atividades e fenômenos de marketing. Em contraste, a normativa adota a perspectiva de
prescrever o que as organizações e indivíduos deveriam fazer ou que tipos de sistemas de
marketing a sociedade deveria ter. O pano de fundo para o “deveria” pode ser mais
ético/moral ou instrumental/racional.
A dimensão micro e macro, “das três dicotomias é a mais ambígua” (HUNT, 2002, p. 12) e
tem sua origem nos conceitos de micro e macroeconomia. A micro se referente às atividades
de unidades individuais (empresas, consumidores ou domicílios) e macro à aplicação a um
nível mais alto de agregação, tais como sistemas de marketing ou grupos de consumidores.
O modelo das Três Dicotomias é apresentado a seguir:
MODELO DAS TRÊS DICOTOMIAS
Positivo
Setor
Lucrativo
Micro
(1) Problemas, questões, teorias e pesquisas
referentes a:
a) Comportamento do consumidor individual;
b) Como as empresas determinam preços;
c) Como as empresas determinam produtos;
d) Como as empresas determinam promoções;
e) Como as empresas determinam canais de
distribuição;
f) Estudos de casos de práticas de marketing.
Normativo
(2) Problemas, questões, teorias e pesquisas
referentes a como as empresas devem:
a) Determinar o marketing mix;
b) Tomar decisões de preço;
c) Tomar decisões de produto;
d) Tomar decisões de promoções;
e) Tomar decisões de embalagem;
f) Tomar decisões de compra;
g) Tomar decisões de marketing internacional;
h) Organizar seus departamentos de marketing;
i) Controlar seus esforços de marketing;
j) Planejar sua estratégia de marketing;
k) Aplicar a teoria de sistemas aos problemas de
marketing;
l) Administrar estabelecimentos de varejo;
m) Administrar estabelecimentos de atacado;
n) Implementar o conceito de marketing.
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Macro
Micro
Setor
NãoLucrativo
Macro
(3) Problemas, questões, teorias e pesquisas
referentes a:
a) Padrões agregados de consumo;
b) Abordagem institucional de marketing;
c) Abordagem commodity de marketing;
d) Aspectos legais de marketing;
e) Marketing comparativo;
f) A eficiência dos sistemas de marketing;
g) Se os pobres pagam mais;
h) Se o marketing prejudica ou impulsiona o
desenvolvimento econômico;
i) Relações de poder e conflito em canais de
distribuição;
j) Se as funções de marketing são universais;
k) Se o conceito de marketing é consistente com
os interesses dos consumidores.
(5) Problemas, questões, teorias e pesquisas
referentes a:
a) Compra, pelos consumidores, de bens
públicos;
b) Como organizações que não visam lucro
determinam preços;
c) Como organizações que não visam lucro
determinam produtos;
d) Como organizações que não visam lucro
determinam promoções;
e) Como organizações que não visam lucro
determinam canais de distribuição;
f) Estudos de casos de marketing aplicado a
bens públicos
(7) Problemas, questões, teorias e pesquisas
referentes a:
a) Estrutura institucional para bens públicos;
b) Se a propaganda televisiva influencia as
eleições;
c) Se a propaganda de utilidade pública
influencia o comportamento;
d) Se os sistemas de distribuição existentes para
bens públicos são eficientes;
e) Como os bens públicos são reciclados
(4) Problemas, questões, teorias normativas e
pesquisas referentes a:
a) Como o marketing pode ser mais eficiente;
b) Se a distribuição custa muito caro;
c) Se a divulgação é socialmente desejável;
d) Se a soberania do consumo é desejável;
e) Se a estimulação da demanda é desejável;
f) Se os pobres deviam pagar mais caro;
g) Que tipo de leis de regulamentação do
mercado são ideais;
h) Se os sistemas verticais de marketing são
socialmente desejáveis;
i) Se o marketing deveria ter responsabilidades
sociais especiais;
(6) Problemas, questões, modelos normativos e
pesquisas referentes a como as organizações que
não visam lucro devem:
a) Determinar o marketing mix (marketing
social);
b) Tomar decisões de preço;
c) Tomar decisões de produto;
d) Tomar decisões de promoções;
e) Tomar decisões de embalagem;
f) Tomar decisões de compra;
g) Tomar decisões de marketing internacional;
h) Organizar seus esforços de marketing;
i) Controlar seus esforços de marketing;
j) Planejar sua estratégia de marketing;
k) Aplicar a teoria de sistemas aos problemas de
marketing.
(8) Problemas, questões, modelos normativos e
pesquisas referentes a :
a) Se a sociedade deve permitir que os políticos
sejam vendidos como pasta de dentes;
b) Se a demanda por bens públicos deve ser
estimulada;
c) Se o baixo conteúdo informacional da
propaganda política é socialmente desejável;
d) Se deveria ser permitido ao exército usar
propaganda para obter recrutas.
Fonte: adaptado de Hunt (1976, 2002)
Com base no modelo apresentado, há a possibilidade de classificação de todos os estudos de
marketing, independentemente da concepção epistemológica que o pesquisador tenha da área,
reforçando sua possibilidade de utilização como introdução ao ensino crítico.
Estudiosos eminentemente técnicos, tais como Hyman et al (1991), que analisam o marketing
sob uma perspectiva consultiva, o classificariam nas células normativas (2)
lucrativo/normativo/micro ou (4) lucrativo/normativo/macro.
Já os teóricos que dedicam sua carreira à caracterização do marketing como ciência (BAKER,
2000; HUNT, 1983), classificariam o marketing nas células (1) lucrativo/positivo/micro (3)
lucrativo/positivo/macro (5) não-lucrativo/positivo/micro e (7) não-lucrativo/positivo/macro.
Os que incluem no escopo do marketing as instituições sem fins lucrativos (KOTLER e
LEVY, 1969, ENIS, 1973 e LOVELOCK, 1978), por seu turno, poderiam classificar seus
estudos de acordo com as células (6) não-lucrativo/normativo/micro, (8) nãolucrativo/normativo/macro.
5
Como todo modelo apresentado à academia, este foi criticado sendo considerado por Robin
(1977, 1978) desnecessário e confuso. Os principais ataques foram desenvolvimento
impreciso de como deve ser realizada a classificação dos fenômenos de marketing nas oito
células do modelo. São também apontadas deficiências na estruturação teórica do modelo,
que, segundo Etgard (1977, p.146) “é fraca e falha em passar no teste de exclusividade do
escopo teórico que se propõe abarcar”.
Apesar de todas as críticas recebidas, Hunt (1976, 2002), manteve a estrutura original, não
agregando modificações substanciais ao modelo. Ao longo do tempo, inclusive, o autor
continuou reafirmando sua importância e explicando a estrutura científica do modelo, por
meio de inúmeros artigos (1978 e 2002).
As principais sugestões de alteração do modelo proposto foram as de Arndt (1982) e Hyman
et al (1991). Arndt (1982) propôs novas dimensões para facilitar a compreensão das
dicotomias. Assim, a dimensão “foco de análise” abarcaria os níveis positivo/normativo; a
dimensão “nível de agregação” estaria relacionada aos níveis micro/macro; e a dimensão
“objetivos das organizações e outras entidades”, referir-se-ia aos níveis lucrativo/nãolucrativo. Hyman et al (1991), por sua vez, questionaram a dimensão positiva, proposta para o
modelo das três dicotomias.
O que realmente constitui a ciência positiva do marketing? Nós acreditamos que
quase todos os fenômenos de marketing são fenômenos normativos, quase todos os
problemas de marketing são problemas normativos, quase todas as teorias de
marketing são teorias normativas e quase todas as respostas de marketing são
respostas normativas (...). Se marketing é normativo, nem seus critérios nem sua
aspiração deveriam ser aquelas das ciências positivas (HYMAN et al, 1991, p. 6).
O modelo das três dicotomias, apesar das críticas, vem sendo, desde a sua proposição,
considerado e defendido como um instrumento importante para o marketing por diversos
acadêmicos. Para Arndt (1982) este modelo apresenta-se como sucesso indiscutível para a
classificação dos fenômenos de marketing, já que é maciçamente aceito pela comunidade
acadêmica. Confirmando a solidez do modelo, Gumucio (1977, p. 8) afirma que “Hunt
direciona o leitor, passo-a-passo, na construção de uma consistente base teórica de que o
marketing pode, ao menos em algumas dimensões, ser ciência”.
Experiência Hermenêutica de Peter November no Ensino de Marketing
Peter November, professor da Victoria University of Wellington (Nova Zelândia), propôs a
utilização do modelo das Três Dicotomias como ferramenta pedagógica para o aprimoramento
do ensino de teoria do marketing. Ele acreditava que o exercício de classificação dos artigos
no modelo era capaz de otimizar o processo de compreensão do conteúdo da disciplina e sua
trajetória.
No artigo “Teaching Marketing Theory: a hermeneutic approach” (NOVEMBER, 2002), o
autor relata sua experiência com a aplicação desta metodologia de ensino, baseada em uma
abordagem interpretativista. Foram estabelecidos diversos recursos com o objetivo de
estimular os alunos a refletirem sobre o marketing, gerando discussões e comparando visões
diferentes acerca da disciplina. A ferramenta que alicerçou este seu trabalho foi justamente o
modelo das Três Dicotomias que, conforme November (2002), mostrou-se muito útil na
estruturação de uma visão crítica, por parte dos alunos, quanto aos artigos teóricos estudados.
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A importância do uso deste modelo deve-se à sua capacidade de apresentar ao aluno as
principais dimensões referentes ao escopo da disciplina, sem se deixar influenciar por uma ou
outra corrente predominante, apenas categorizando-as como dimensões diversas e
complementares de um mesmo construto: o marketing. Assim, perspectivas consultivas e
científicas, direcionadas ao lucro ou ao benefício social, convivem harmonicamente no
modelo, ocupando seus próprios espaços, sem haver necessidade da criação de simulacros ou
artifícios para transformá-las em algo que, originariamente, não são.
Nesse sentido, o estudante percebe que a escolha de uma determinada perspectiva para
abordar um problema de marketing representa somente uma de suas múltiplas possibilidades
de análise ao mesmo tempo em que se depara com grande parte da bagagem teórica vinculada
à disciplina, não se apoiando no equivocado contraste teoria versus prática.
Outra importante contribuição do modelo das Três Dicotomias, segundo November (2002), é
a provocação de discussões entre os alunos a respeito da classificação dos estudos de
marketing. Como o modelo é uma abstração teórica da realidade encontrada, têm-se limites
muito tênues entre as categorias de análise, o que gera, necessariamente, uma reflexão sobre o
que cada um compreende como sendo a contribuição principal dos artigos analisados,
envolvendo a estruturação de uma defesa de suas idéias através da construção de argumentos.
Os resultados advindos desta metodologia utilizada por November (2002) estimularam, então,
os autores deste artigo a problematizarem sobre o uso do modelo da três dicotomias como
ferramenta introdutória ao ensino crítico de marketing.
O modelo de Hunt: iniciando uma proposta de ensino crítico em marketing
Pretende-se, neste artigo, estabelecer algumas diretrizes para o uso do modelo das três
dicotomias de Hunt (1976, 2002) em sala de aula, despertando nos alunos o interesse pela
compreensão do marketing como disciplina acadêmica e não apenas como um conjunto de
ferramentas gerenciais.
Antes de ir a campo e testar esta metodologia nos alunos, os autores deste artigo se
propuseram este exercício, a fim de experimentá-lo e adequá-lo para a realidade nacional,
procurando pesquisar sobre a orientação epistemológica dos trabalhos de marketing
produzidos neste contexto.
Os classificados foram os da área de marketing publicados nos Anais do Enanpad, no período
de 1997 a 2004, totalizando um universo de 331 artigos, distribuídos da seguinte forma:
Ano de Publicação Quantidade de artigos da área de marketing publicados nos anais do Enanpad
1997
27
1998
29
1999
30
2000
43
2001
40
2002
51
2003
51
2004
60
FONTE: Dados Primários/2006
A escolha do Enanpad como fonte de dados deve-se à sua representatividade como foro de
discussão em relação à produção científica nacional em Administração e Marketing. É
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inegável o ganho qualitativo e quantitativo que vem sendo agregado ao Enanpad, a cada ano,
tanto em termos da diversidade dos temas tratados quanto em relação à quantidade e
qualidade dos artigos submetidos ao congresso.
Antes de passar à apresentação e análise dos dados obtidos, é fundamental, contudo, relatar
como se deu o processo de categorização dos artigos, uma vez que ele simboliza o caminho
percorrido pelos pesquisadores, servindo como referencial para sua utilização em sala-deaula.
Para categorizar os artigos, cada autor classificou primeiramente um terço do total e,
posteriormente, todos foram revisados de forma conjunta, possibilitando-se a discussão sobre
os parâmetros adotados para a classificação e uma reflexão sobre escopo e amadurecimento
do marketing no contexto brasileiro.
Na tabela apresentada a seguir são apresentados os principais resultados provenientes do
exercício de categorização dos artigos de marketing do ENANPAD nas categorias previstas
no modelo das Três Dicotomias (HUNT 1976; 2002).
CLASSIFICAÇÃO DOS ARTIGOS ENANPAD NO MODELO DAS TRÊS DICOTOMIAS
Célula
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 Total
(1) Positivo/Lucrativo/Micro
37% 38% 37% 40% 60% 49% 61% 48% 48%
(3) Positivo/Lucrativo/Macro
11% 28% 7% 14% 8% 12% 6% 10% 11%
(5) Positivo/Não-Lucrativo/Micro
11% 7% 10% 7%
3%
2%
5%
5%
(7) Positivo/Não-Lucrativo/Macro
7%
3%
9%
8%
6%
3%
5%
(2) Normativo/Lucrativo/Micro
21% 43%
23%
33% 30% 19%
(4) Normativo/Lucrativo/Macro
41%
28%
29%
3% 12%
(6) Normativo/Não-Lucrativo/Micro
2%
2%
1%
(8) Normativo/Não-Lucrativo/Macro
FONTE: Dados Primários/2006
Por meio desta tabela, é demonstrada a incidência, ano a ano, das dimensões abordadas no
modelo estudado, evidenciando-se, inclusive, o impacto benéfico que a ampliação da
quantidade de trabalhos aceitos têm gerado para o enriquecimento, em termos de diversidade
de abordagens para o Encontro.
Observa-se que a maior parte das publicações (48%), demonstrada pela somatória dos
resultados anuais, encaixa-se na dimensão (1) positiva/lucrativa/micro. Em seguida, tem-se o
segundo maior percentual, localizado na dimensão (2) normativa lucrativa, micro (19%). Este
resultado pode ser considerado extremamente favorável, evidenciando que a maior parte dos
artigos vinculados ao Encontro tem ênfase na proposição e teste de modelos de análise,
questões de pesquisa e hipóteses e no desenvolvimento de conceitos. O que é louvável, uma
vez que Proença et al (2005, p. 4) comentam que, em muitos casos,
os autores de marketing, (...) preferem relatar casos, descrever o que aconteceu.
Falta desenhar um quadro de análise, articular relacionamento entre os conceitos
para possibilitar o desenvolvimento de proposições. Hipóteses. (...) A comunidade
prefere adotar supostas teorias, normativas, que seriam mais especulações.
Outro dado importante diz respeito à predominância de artigos que abordam o marketing na
dimensão lucrativa, uma vez que 67% deles enquadram-se nesta categoria. Esta constatação
pode indicar uma preocupação dos pesquisadores em demonstrarem a relevância da disciplina
no processo de tomada de decisão gerencial, tanto em termos positivos, envolvendo a
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proposição e teste de modelos, como em termos normativos, evidenciando prescrições úteis
aos decisores.
Nas dimensões (5) positivo/não lucrativo/micro e (7) positivo/não lucrativo/macro, observa-se
um resultado equilibrado, pois ambas estabeleceram-se em 5%. Comparativamente aos
estudos direcionados ao setor lucrativo, os estudos de organizações que não visam lucro estão
em proporção significativamente menor. Uma possível explicação talvez seja o fato de que
uma parcela dos estudiosos de marketing pode não estar devidamente mobilizada para a
realização de pesquisas nesta área, uma vez que este setor ainda é alvo de polêmicas,
provocando desconhecimento do tema por muitos gestores.
Outro dado interessante corresponde à porcentagem global de artigos concentrados nas
dimensões micro (73%) versus macro (27%) do modelo. Tal resultado parece evidenciar que
há, realmente, uma preocupação maior com os benefícios da disciplina pode agregar ao meio
empresarial, que com seu impacto na sociedade.
Em relação a temáticas eminentemente ligadas à categoria macro, destacam-se os estudos
nacionais sobre auto-crítica (VIEIRA, 1998; 1999; e 2000; FARIAS, 2004; KOVACS et al,
2004; CARDOSO e FARIA, 2004), etnomarketing (BARROS, 2002; JAIME Jr. 2000,
ROCHA e BARROS, 2004; VILAS BOAS, SETTE e ABREU, 2004; NEVES e GIGLIO,
2004), cultura e consumo (ROCHA et al, 1999), ética (HUERTAS e URDAN, 2002), meta
análise (RÉVILLION, 2001; BOTELHO e MACERA, 2001), pós-modernismo (CASOTTI,
1998; LENGLER, VIEIRA e FACHIN, 2000) e teoria crítica e marketing (VIEIRA et al,
2002).
Vieira et al (2002, p.1), ao empreenderem uma análise sobre os artigos de marketing
apresentados nos Enanpad´s, ressaltam que:
As publicações da área de Marketing estão fortemente orientadas pelas ciências
empírico-analíticas. Este fato traz à tona uma lacuna no discurso crítico das teorias
de Marketing. Verifica-se, portanto, a necessidade de também se adotar uma
perspectiva emancipatória na tentativa de capturar a essência de um projeto
filosófico diferente.
Eles ainda complementam que a maioria dos estudos de marketing acaba tendo como foco o
processo de “fazer” marketing, ao invés de caminharem em direção a uma reflexão crítica a
respeito de como estão sendo conduzidos os estudos da área. Este esforço de análise dos
artigos publicados nos anais do Enanpad evidencia, então, exatamente o que se propõe neste
artigo: que há um fenômeno, possivelmente advindo da base de formação dos estudiosos
(alunos e professores), que faz com que eles se preocupem em versar sobre os aspectos
técnicos e conceituais do marketing, mas não sobre o processo de estudo crítico da disciplina.
à luz da problemática deste artigo, são feitas as algumas observações. Primeiramente, é
importante destacar a complexidade envolvida na tarefa de classificação dos artigos de
marketing dentro das categorias propostas pelo modelo. Durante todo o processo, a busca pela
objetividade foi entremeada por dúvidas e, conseqüentemente, por debates a respeito de qual
seria a melhor forma de classificação, com base nos parâmetros propostos para o modelo.
Observou-se que há uma subjetividade inerente ao modelo, presente na compreensão do
escopo do marketing. Pedagogicamente, o que se ganha com isto, é a possibilidade se
trabalhar a diversidade do marketing, reforçando sua vinculação à área das ciências sociais
aplicadas. Por esta sua filiação, os fatos abordados na disciplina não se apresentam como
9
dados externos ao indivíduo. Pelo contrário, são decorrentes do processo dialético de
construção da realidade.
Esta pode ser uma oportunidade de demonstrar ao aluno a necessidade da responsabilidade e
comprometimento do pesquisador frente ao objeto de estudo e, portanto, aceitar a
subjetividade como integrante deste processo de descoberta e análise de teorias. Apropriandose do pensamento de Schaff (1983, p. 292) sobre o trabalho dos historiador, tem-se que
se não se pode desfazer desta propriedade [subjetividade], inerente de certa maneira
a sua ‘essência’, o sujeito que a conhece pode tomar consciência dela, compreender
que ela é indissociável de todo a produção de conhecimento (...) e deve fazê-lo sob
pena de ver desqualificado o nível de sua reflexão científica
Outra contribuição pedagógica ao ensino crítico de marketing é a compreensão das limitações
de um modelo. Domingues (2004, p. 59) esclarece que “modelos não são meros decalques do
‘real’, mas construções do espírito que só existem na teoria e que têm por função, não
descrever o real empírico, mas justificar (dar razão) ao que se pensa dele ou sobre ele”.
Portanto, o papel de um modelo não é (ou não deveria ser) encerrar os debates, prevendo
todas as críticas, mas o contrário: estimular a sua análise com interferência de múltiplas
variáveis e pontos de vista, constituindo-se em um arcabouço inicial para a condução de
diversos estudos.
Assim, constata-se que o exercício de enquadramento dos artigos em cada um dos parâmetros
previstos no modelo, pode introduzir o ensino crítico em marketing. A atenção deve ser dada,
portanto, ao exercício de classificação e não ao modelo em si, uma vez que, advindo de uma
abordagem positivista, ele não permitiria o exercício crítico. Por que então escolher um
modelo positivista para este tipo de perspectiva de ensino? Várias razões podem ser
enumeradas: (1) o positivismo é, ainda, a corrente dominante no marketing; (2) os alunos
estão familiarizados com estes tipos de modelos; (3) Hunt é um importante autor da
epistemologia do marketing; (4) o modelo abrange todo o escopo do marketing e se propõe a
solucionar as controvérsias da área; e (5) o mais importante, o modelo é ambíguo, o que
levaria os alunos a um confronto com suas crenças, já que não estão acostumados a terem que
refletir, argumentar e discordar de um modelo apresentado.
Por uma Educação Crítica em Marketing
A busca por metodologias que possam promover uma educação crítica parece não ser um
problema somente do marketing, encontrando-se semelhante inclusive na área de Física. Isso
é evidenciado nos relatos de Richard Feynman (2000, p. 244), prêmio Nobel de Física, ao
descrever sua passagem como professor visitante no Departamento de Física da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, ilustrando a falta de contextualização e aprofundamento na forma
como o ensino brasileiro é conduzido:
Depois de muita investigação, descobri que os estudantes tinham decorado tudo,
mas não sabiam o significado de nada (...). Estava tudo decorado e, no entanto,
nada tinha sido traduzido para palavras com significado (...) Não via como eles
podiam aprender alguma coisa daquela maneira. Ali estava ele (aluno) a falar de
movimento de inércia, mas não se discutia a dificuldade em abrir uma porta,
empurrando-a.
Feynman (2000, 245), então, conclui, desolado, sobre a experiência vivida com o grupo de
alunos brasileiros:
10
Descobri mais uma coisa (...) posso demonstrar-vos que não é ciência, mas
memorização, em todas as circunstâncias. (...) Não concebia que alguém pudesse
ser educado por este sistema de autotransmissão, no qual as pessoas passam em
exames e ensinam outras a passar em exames, mas ninguém sabe nada.
Em uma pesquisa sobre a formação dos professores de marketing no Brasil, Bacelar et al
(2005) perceberam o baixo índice de publicação, inclusive no Enanpad, já que trabalhos
publicados na área de Ensino e Pesquisa em Administração, existente desde 2001, apenas três
são aplicados à área de marketing:
um deles se refere ao perfil do profissional de marketing e não a seu ensino
(MOLINA et al., 2001), outro trata de questões de pesquisa acadêmica em
Marketing (SAUERBRONN e CERCHIARO, 2004) e o terceiro, único a abordar o
ensino de Marketing, apresenta uma forma diferente de aplicação de uma técnica
tradicional, o método de caso, em uma disciplina de marketing para graduação em
administração (CAMPOS e LIMEIRA, 2003).
Soma-se a estas contribuições, os trabalhos de Saraiva e Motta (2005) e o próprio trabalho de
Bacelar et al (2005), ambos publicados na última edição do Enanpad.
Essa escassez de material revela o desprestígio da atividade de ensino na área. Persiste, no
imaginário acadêmico, principalmente da graduação, que qualquer abordagem que exija uma
maior capacidade analítica e crítica é entediante e não leva a nada. O professor passa até
situações constrangedoras, como pode ser percebido pelo depoimento de uma docente
entrevistada por Bacellar et al (2005):
Embora o professor, é... é... eu fui entendendo isso com o tempo, ele... ele... é uma...
é uma profissão que tá muito próxima do ator, do artista. Muitas vezes eu falo,
gente, não era para eu ser artista, mas a gente tem que ser artista, tem que ser uma
atriz muitas vezes, tem que representar, porque o aluno também quer essa
representação, né ? Isso é uma coisa muito cansativa também.
Assim, se torna cada vez mais difícil mostrar aos alunos que praticamente muitas das
ferramentas propostas como inovadoras pela literatura derivam, na verdade, de um complexo
trabalho de background realizado por diversos teóricos, muitas vezes remontando ao início e
meados do século XX. Bacellar et al (2005), nesse sentido, comentam que novos métodos no
ensino de marketing têm sido implantados, mas, basicamente, o que fazem é reafirmar a
mentalidade tradicional, impondo uma ênfase exacerbada na prática.
É importante quebrar este ciclo, considerando-se o argumento de Vieira et al (2002) de que a
única maneira de iniciar alguém num mundo do trabalho científico é dar-lhe uma experiência
do que tal mundo realmente é: uma arena de dissenso, de múltiplas versões que nem sempre
se encaixam umas nas outras. Torna-se de suma importância, portanto, a consideração de
novas formas pedagógicas que resgatem e valorizem o “velho marketing”, para que se possa
compreender que muito do que é hoje considerado novo deriva de debates que se iniciaram há
bastante tempo.
Ao resgatar essa essência do marketing, levantando a bibliografia científica da área e
exercitando seu confronto frente ao modelo de Hunt (1976, 2002), espera-se que os alunos
compreendam que há um esforço de consolidação da disciplina como campo científico do
saber. Cada aluno, segundo Vieira et al (2002) deve ser conduzido à maturidade do senso
11
crítico, tendo sua opinião, ou adesão de opiniões, cuidadosamente formada através da
observação e análise em um processo de evolução constante.
Uma questão relevante para o ensino crítico em marketing, conforme abordado neste artigo é
a utilização da hermenêutica como método de análise dos textos adotados. Para que os alunos
reflitam criticamente sobre o marketing, a bibliografia utilizada deve ser capaz de levantar
questionamentos acerca do tema, mais do que respondê-los. Assim, a proposta envolve a
adoção de artigos publicados em periódicos acadêmicos e anais de congressos científicos, e
não apenas a utilização de livros didáticos e revistas comerciais que enfocam o tema de uma
maneira usualmente pragmática.
Através das reflexões desenvolvidas, acredita-se que o exercício de classificação dos artigos
no modelo tem o potencial de auxiliar os alunos a:
•
•
•
•
•
•
•
Confrontarem suas crenças sobre o que é marketing (normalmente visto pela
perspectiva normativa) com o que pode ser o marketing como campo de conhecimento
(perspectiva positiva);
Exercitarem a estruturação de esquemas teóricos mentais para classificarem e
buscarem compreender os estudos científicos sobre o tema, ampliando, assim, o
conhecimento sobre todo o escopo do marketing;
Enxergarem que estes esquemas teóricos mentais prestam-se a abrir os horizontes dos
estudiosos para a diversidade de temáticas ligadas à área, e não para engessar a
disciplina, impedindo a agregação de novos conhecimentos e de contribuições vindas
de outras áreas de conhecimento;
Perceberem que um mesmo fenômeno em marketing (comportamento do consumidor,
por exemplo), pode ser estudado sob várias perspectivas diferentes, por vezes
complementares e por vezes contraditórias, e que isto implicará em problematizações
específicas e em metodologias diferenciadas, que levarão ao aprimoramento evolutivo
da disciplina;
Experimentarem vivenciar situações que levem ao questionamento a respeito de quão
isento de valores e julgamentos o estudioso consegue ser e de forma tal situação define
as características da disciplina;
Compreenderem que tão importante quanto ao objeto de estudo em si é a forma como
ele é problematizado pelo pesquisador, enfatizando-se a relação dialética da
construção do conhecimento;
Responsabilizarem-se por suas escolhas como profissionais, sabendo lidar com seus
referenciais subjetivos na proposição de teorias, buscando incorporar objetividade na
aplicação destas aos fenômenos de mercado e evitando a valorização de estudos sem
consistência, efêmeros.
Limitações e sugestões de estudos futuros
Uma limitação a ser destacada refere-se à subjetividade que, certamente, se fez presente no
esforço de classificação dos artigos por parte dos pesquisadores, conforme já foi mencionado
anteriormente neste trabalho. Outra limitação evidenciada consistiu no fato de esta
metodologia proposta de análise do modelo de Hunt (1976, 2002) ter sido apenas
experimentada pelos pesquisadores, e não utilizada junto ao público-alvo delimitado, que são
os estudantes de marketing. Assim, apesar de haver fortes indícios de sucesso, apresentado no
decorrer do texto, não é possível afirmar que esta metodologia realmente surta os efeitos
esperados junto ao público, podendo também haver variações de sua eficácia de aplicação
12
relacionadas a características peculiares, tais como grau de maturidade, interesse pelo tema,
etc. Parece provável que esta metodologia seja mais bem recebida em programas de pósgraduação em ensino de marketing do que em programas de graduação, embora não se saiba
avaliar o que ela efetivamente poderia causar em uma ou outra instância.
As sugestões de estudos futuros são:
•
•
•
Aplicar este estudo no ambiente empírico e registrar as percepções dos alunos em
relação ao trabalho de desenvolvimento crítico proposto, comparando, inclusive, as
reações e benefícios sentidos em relação a alunos de graduação e pós-graduação;
Utilizar-se de outros modelos de análise do escopo do marketing, como o de Enis
(1973), por exemplo, para a avaliação dos artigos do Enanpad no mesmo período
avaliado por este trabalho, a fim de verificar discrepâncias de escopo e buscar
compreender em que um modelo difere do outro e em que eles se complementam;
Desenvolver estudos metateóricos do escopo do marketing, como os propostos por
Bartels (1983) com o objetivo de construir um parâmetro brasileiro acerca do escopo
do marketing.
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ENANPAD).
* os nomes dos autores foram colocados em ordem alfabética, sendo que todos eles
participaram com igual importância neste artigo.
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1 Por Uma Educação Crítica em Marketing: O Modelo das