Silent Spring Rachel Carson José Lima Santos (ISA/UTL) AMBIENTE: PORQUÊ LER OS CLÁSSICOS? Fundação Calouste Gulbenkian Lisboa, 7 Out 2011 Esquema da apresentação • a Autora e o seu contexto • o livro e o seu impacte • o programa ambiental implícito em Silent Spring – Jogar com (não contra) os equilíbrios naturais; – Aprender com os erros –humildade científica e a importância da monitorização; – O direito a saber e a decidir; – Um novo papel para os cientistas: comunicar saberes, informar o debate – A verdade, os interesses e a economia. • Conclusão: Silent Spring e o desenv. sustentável A Autora A Autora 1907 – Rachel Carson nasce em Springdale, Pennsylvania 1907/25 – Na sua infância, recebe da mãe um amor pela natureza e pelo mundo vivo que durará para toda a sua vida: “Rachel Carson first discovered nature in the company of her mother, a devotee of the nature study movement. She wandered the banks of the Allegheny River (…), observing the wildlife and plants around her and particularly curious about the habits of birds.” (Lear, 2002). Rachel bebeu, assim, da tradição do naturalismo amador através de sua mãe e das actividades de exploração da natureza que com ela iniciou. 1918 – Publica a sua primeira história numa revista de literatura infantil 1925-29 – Obtém uma bolsa para o Woods Hole Biological Laboratory para estudar biologia marinha 1932 – Graduada em Zoologia pela Johns Hopkins University 1935 – Escreve guiões para programas de radio para o Bureau of Fisheries, e publica artigos sobre a história natural da Chesapeake Bay para o Baltimore Sun. A Autora (Cont.) 1936-52 – Entra ao serviço do Bureau of Fisheries, mais tarde US Fish and Wildlife Service (USFWS), onde chega a desempenhar funções de Editor in Chief de todas as publicações do Serviço. 1941 – Publica o livro Under the Sea-wind. A Naturalist’s Picture of Ocean Life. “a masterpiece of nature-immersion, this was the book that first established Carson as perhaps our most prescient and influential observer of the natural world.” 1951 – Publica o livro The Sea Around Us (Oxford University Press) e deixa o seu trabalho no USFWS para escrever a tempo inteiro. “based on post World War II geographical and oceanographic evidence, this book won the National Book Award in 1952 and made Carson an international voice for the public understanding of science.” 1955 – Publica o livro The Edge of the Sea (Houghton Mifflin Co.). “…a practical guide to identifying the inhabitants of the sea which we find in the marshes, tide pools, and shallows that border it” A Autora (Cont.) Os livros The Sea Around Us e The Edge of the Sea fazem de Carson, nas palavras da sua biógrafa (Linda Lear) “ the foremost science writer in America. She understood that there was a deep need for writers who could report on and interpret the natural world. Readers around the world found comfort in her clear explanations of complex science (…) and her obvious love for the wonders of nature. Hers was a trusted voice in a world riddled by uncertainty.” 1956 – Terminou o livro Help Your Child to Wonder, Women’s Home Companion. Publicado a título póstumo como The Sense of Wonder (Harper& Row, 1965). Este livro concretiza a filosofia de Carson segundo a qual os adultos devem alimentar o sentimento, inato nas crianças, de assombro perante o mundo natural. A Autora (Cont.) 1958 – Janeiro, recebe uma carta de uma amiga que se lastima pela morte maciça de aves ocorrida em Cape Cod na sequência de uma pulverização por DDT. Nas palavras de Rachel, “Olga Owens Huckins told me of her own bitter experience of a small world made lifeless, and so brought my attention back to a problem with which I had long been concerned. I thus realized I must write this book.” 1962 – A partir de Junho, publica Silent Spring por partes no New Yorker; depois, em Setembro, na forma de livro (Houghton Mifflin). 1963 – Testemunha, por diversas vezes, em comissões do Senado sobre o mau uso dos pesticidas. 1964 – Morre em Silver Spring, Maryland, aos 56 anos de idade, após uma longa luta contra o cancro, com que se debatia desde 1950. O contexto • Silent Spring foi publicado após década e meia de expansão económica do pós-Guerra, • ... em tempos de elevada conformidade social, no pico da guerra fria, com o seu clima de suspeição e intolerância (Linda Lear); • A tecnologia do pós-guerra era uma conquista sagrada, nos planos militar e económico: tendo ajudado a América a esmagar os seus inimigos, prometia agora submeter totalmente a natureza ao homem. • A ciência, a indústria química e o DDT eram os actores e herois de todas estas conquistas e vitórias. O contexto (Cont.) • Em particular, o DDT prometia destruir hordas de insectos-peste que ameaçavam a produção agrícola e a saúde humana. • Tudo isto se enquadra num contexto de expansão do novo modelo tecnológico químico-mecânico em agricultura, que (no pósGuerra) multiplicou por 3 a produção mundial de cereais com base: – na utilização de variedades melhoradas – na multiplicação do uso de inputs industriais, como os pesticidas de síntese e os adubos químicos (estes últimos multiplicados por 11); – na artificialização acelerada dos agro-ecossistemas, com substituição de mecanismos e equilíbrios naturais por inputs de origem industrial (o azoto industrial representa hoje metade do ciclo planetário do azoto). O contexto (Cont.) • O livro apareceu assim, como uma pedra no charco, pondo em causa uma série de conquistas recentes e aclamadas. • Provocou, por isso, um debate intenso sobre o uso de pesticidas e o programa de submissão da natureza em que este se inseria. • O contexto tinha, por outro lado, também, aspectos favoráveis à emergência do debate: – O aparecimento da percepção de impactes ambientais claros do uso de pesticidas; – A ascensão, no pós-Guerra, de uma classe média com interesses claros na área do lazer e da qualidade de vida, os quais dependiam de qualidade ambiental. O contexto (Cont.) – A emergência dos primeiros sinais de fragilidade do programa de submissão da natureza em curso (e.g. resistência dos insectos aos pesticidas; surgimento de novas pragas); – A própria suficiência da produção agrícola e mesmo o aparecimento dos primeiros excedentes... • Rachel soube ler com mestria este contexto, perceber quem eram os seus aliados, e, com base numa pesquisa aprofundada, tecer o livro que lançou o debate. • O livro é, em primeiro lugar, uma excelente peça de argumentação e comunicação, em que ficam muito claras, desde o início, as alegações que pretende provar, e, em que a clareza e a fundamentação dos argumentos falam por si. (Os capítulos 2 e 17 aproximam-se muito, na forma, de alegações de um advogado em tribunal). O livro: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Uma fábula O direito a saber Os modernos pesticidas orgânicos de síntese Águas superficiais e subterrâneas O solo enquanto ecossistema O manto verde da terra Uma devastação desnecessária E não há aves a cantar Rios de morte Indiscriminadamente a partir dos céus O livro (Cont.) 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. Um mundo ensopado em venenos O custo humano: o homem faz parte da natureza Impactes ao nível da célula e da química da vida Os pesticidas e o cancro A natureza contra-ataca O estrondo de uma avalanche A outra via O impacte do livro • Silent Sprind desencadeou uma onda de indignação por parte da indústria química. • Foi argumentado que Carson não considerara os benefícios do uso dos pesticidas, e que, • ... a cumprirmos os seus conselhos, voltaríamos a tempos primitivos de fome, miséria e doença. • Um dos criticos chegou mesmo a afirmar que “...there has not been a mass murderer executed in the past halfcentury who has been responsible for as many deaths of human beings as the sainted Rachel Carson.” • Agricultores e cientistas do USDA argumentavam que sem pesticidas as colheitas cairiam drasticamente e a agricultura deixaria de ser capaz de alimentar o mundo. O impacte do livro (Cont.) • O resultado final foi, porém, favorável a Carson e aos seus argumentos claros e bem fundamentados. • O ataque maciço a Carson pela indústria química foi visto com desconfiança pelo público, que a via como uma mulher sincera que tinha já crédito como escritora e cientista. • Além disso, Silent Spring estava bem documentado com 55 páginas de referências bibliográficas e uma lista de cientistas que tinha revisto o livro (Lear 1997). • O uso de casos concretos bem documentados para fundamentar as suas alegações e, sobretudo, a inclusão das percepções do público face aos factos em causa (citando cartas e testemunhos de muitos) foram um factor de sucesso claro. • A aposta de Carson em escrever directamente para o público e não para cientistas, peritos ou decisores políticos foi talvez o elemento mais crucial no sucesso do seu livro. O impacte do livro (Cont.) • A maior consciência dos perigos dos pesticidas conduziu, pouco tempo após a publicação do livro, à oposição dos cidadãos face aos pesticidas. • Os residentes de Squirrel Island, no Maine, venceram em referendo a realização de uma pulverização aérea que estava já planeada. • Silent Spring teve um papel significativo no lançamento do movimento ambiental, em ambos os lados do Atlântico, • ... e na difusão da ideia de que temos todos um direito fundamental a um ambiente limpo – este direito veio a ter acolhimento, por exemplo, nos tratados da UE ou na CRP. • O debate desencadeado por Silent Spring acabou, finalmente, por conduzir a nova legislação e a novas agências governamentais para melhor regular o uso dos pesticidas e a poluição ambiental. O impacte do livro (Cont.) • A criação, em 1970, da Environmental Protection Agency (EPA) e a passagem da competência de regular os pesticidas do USDA para esta nova agência pode também ser claramente atribuída às preocupações expressas por Carson e à consciência que ela ajudou a construir. • A criação da EPA foi seguida da promulgação de importante legislação ambiental, como o Clean Air Act, o Federal Environmental Pesticide Control Act e o Safe Drinking Water Act. • 1970 e os dois anos seguintes assistiram à primeira celebração do Dia da Terra, à Cimeira de Paris, que criou a DG de Ambiente da CE, à Conferência de Estocolmo sobre o Ambiente Humano e à criação do Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA). O impacte do livro (Cont.) • No entanto, muito está ainda por fazer, como o demonstra a recente conclusão do programa de revisão das substâncias activas (s.a.) de pesticidas, na UE, que reduziu o número autorizado de s.a. de 1000 para 250, entre 1993 e 2007 (ver slide inicial). • Foram assim retiradas do mercado muitas s.a. na base da impossibilidade de demonstrar a sua segurança para a saúde humana e o ambiente • Note-se a inversão do ónus da prova: Carson teve de provar a perigosidade, agora a indústria tem de provar a segurança dos pesticidas O programa ambiental implícito em Silent Spring – Jogar com (não contra) os equilíbrios naturais; – Aprender com os erros – a humildade científica e a importância da monitorização; – O direito a saber e a decidir sobre os riscos que nos afectam; – Um novo papel para os cientistas: comunicar saberes, informar o debate – A verdade, os interesses e a economia. Jogar com (não contra) os equilíbrios naturais The predator and the preyed upon exist not alone, but as part of a vast web of life, all of which needs to be taken into account. … with a minimum of help and a maximum of noninterference from man, Nature can have her way, setting up all that wonderful and intricate system of checks and balances that protects the forest from undue damage by insects. (p. 293) Jogar com (não contra) os equilíbrios naturais Birds, ants, forest spiders, and soil bacteria are as much a part of a forest as the trees, in the view of European foresters, who take care to inoculate a new forest with these protective factors. The encouragement of birds is one of the first steps. In the modern era of intensive forestry the old hollow trees are gone and with them homes for woodpeckers and other tree-nesting birds. This lack is met by nesting boxes, which draw the birds back into the forest. Other boxes are specially designed for owls and for bats, so that these creatures may take over in the dark hours the work of insect hunting performed in daylight by small birds. (p. 293) Jogar com (não contra) os equilíbrios naturais There is a whole battery of armaments available to the forester who is willing to look for permanent solutions that preserve and strengthen the natural relations in the forest. Chemical pest control in the forest is at best a stopgap measure bringing no real solution, at worst killing the fish in the forest streams, bringing on plagues of insects, and destroying the natural controls and those we may be trying to introduce. By such violent measures, (…) “the partnership for life of the forest is entirely being unbalanced, and the catastrophes caused by parasites repeat in shorter and shorter periods…” (p. 296) Jogar com (não contra) os equilíbrios naturais Through all these new, imaginative, and creative approaches to the problem of sharing our earth with other creatures there runs a constant theme, the awareness that we are dealing with life – with living populations and all their pressures and counterpressures, their surges and recessions. Only by taking account of such life forces and by cautiously seeking to guide them into channels favorable to ourselves can we hope to achieve a reasonable accommodation between the insect hordes and ourselves. (p. 296) Uma ciência humilde – aprender com os erros The current vogue for poisons has failed utterly to take into account these most fundamental considerations. As crude a weapon as the cave man’s club, the chemical barrage has been hurled against the fabric of life – a fabric on the one hand delicate and destructible, on the other miraculously tough and resilient, and capable of striking back in unexpected ways. These extraordinary capacities of life have been ignored by the practitioners of chemical control who have brought to their task no “high-minded orientation,” no humility before the vast forces with which they tamper. (p. 296) Uma ciência humilde – aprender com os erros The “control of nature” is a phrase conceived in arrogance, born of the Neanderthal age of biology and philosophy, when it was supposed that nature exists for the convenience of man. The concepts and practices of applied entomology for the most part date from that Stone Age of science. It is our alarming misfortune that so primitive a science has armed itself with the most modern and terrible weapons, and that in turning them against the insects it has also turned them against the earth. [and against us]. (pp. 296-297). Uma ciência humilde – aprender com os erros At the end of a decade or more of intensive chemical control, entomologists were finding that problems they had considered solved a few years earlier had returned to plague them. And new problems had arisen as insects once present only in insignificant numbers had increased to the status of serious pests. By their very nature, chemical controls are self-defeating, for they have been devised and applied without taking into account the complex biological systems against which they have been blindly hurled. The chemicals may have been pretested against a few individual species, but not against living communities. (p. 246). Uma ciência humilde – aprender com os erros Aqui Rachel admite implicitamente que o teste só pode ser feito na natureza, não no laboratório. Só poderíamos ter aprendido o que aprendemos experimentando com a natureza... Deste modo, só pode ser objecto de crítica a escala a que procedemos à experimentação e o facto de não termos monitorizado rigorosamente os resultados – o que revela que não levámos a cabo estas experiências como experiências mas sim como aplicações em grande escala de tecnolgias supostamente já pre-testadas e seguras. Uma ciência humilde – aprender com os erros Em númerosas passagens, fica muito clara a importância que Rachel atribui à rigorosa monitorização das nossas experiências com a natureza: “All these facts are known because the Fisheries Research Board of Canada had been conducting a salmon study on the Northwest Miramichi since 1950. Each year it had made a census of the fish living in this stream. (…) With this complete record of prespraying condition, it was possible to measure the damage done by the spraying with an accuracy that has seldom been matched elsewhere. (p. 132) Uma ciência humilde – aprender com os erros No limite, podemos considerar que Rachel estava apenas a criticar a atitude arrogante do cientista face ao seu objecto: “… nowadays it is fashionable to dismiss the balance of nature as a state of affairs that prevailed in an earlier, simpler world – a state that has now been so thoroughly upset that we might as well forget it. Some find this a convenient assumption, but as a chart for a course of action it is highly dangerous. The balance of nature is not the same today that in Pleistocene times, but it is still there: a complex, precise and highly integrated system of relationships between living things which cannot safely be ignored any more than the law of gravity can be defied with impunity by a man perched on the edge of a cliff. The balance of nature is not a status quo; it is fluid, ever shifting, in a constant state of adjustment. Man, too, is part of this balance. Sometimes the balance is in his favor; sometimes – and all too often through is own activities – it is shifted to his disadvantage. (p. 246.) Uma ciência humilde – aprender com os erros • O que recomenda uma epistemologia humilde e uma tecnologia cuidadosa e respeitadora da natureza, • ...bem como uma monitorização séria e contínua do resultado da nossa experimentação com a natureza a fim de nos assegurarmos que aprendemos com os nossos erros. • Na base disto tudo, uma pedagogia do respeito pela natureza (que só pode ser motivada por uma certa reverência/assombro face à mesma), assente no papel da ciência como informadora dos cidadãos e do debate político e não apenas como criadora do saber. Uma ciência humilde – aprender com os erros A base da humildade científica é também ontológica – nós somos parte da natureza: Where do pesticides fit into the picture of environmental disease? We have seen that they now contaminate soil, water, and food, that they have the power to make our streams fishless and our gardens and woodlands silent and birdless. Man, however much he may like to pretend the contrary, is part of nature. Can he escape a pollution that is now so thoroughly distributed throughout our world? For each of us, as for the robin in Michigan or the salmon in the Miramichi, this is a problem of ecology, of interrelationships, of interdependence. We poison the caddis flies in a stream and the salmon runs dwindle and die. (…) We spray our elms and the following springs are silent of robin song, not because we sprayed the robins directly but because the poison traveled, step by step, through the now familiar elm leaf – earthworm – robin cycle. (p. 188) O direito a saber e a decidir No 2º capítulo (Obligation to endure), são esclarecidos os argumentos e alegações da autora em Silent Spring, uma vez que muitas falsas alegações que lhe podiam ser imputadas são afastadas explicitamente. Tudo assenta, em última análise, no direito a saber que decorre da obrigação de aguentar. Saber e poder decidir sobre o uso dos pesticidas, que a todos afecta, é um direito de todos. Esta participação de todos na gestão dos riscos ambientais das nossas escolhas tecnológicas é ainda hoje um eixo central, um desafio (muito pouco praticado) do desenvolvimento sustentável. O direito a saber e a decidir It is not my contention that chemical insecticides must never be used. I do contend that we have put poisonous and biologically potent chemicals indiscriminately into the hands of persons largely or wholly ignorant of their potentials for harm. We have subjected enormous numbers of people to contact with these poisons, without their consent and often without their knowledge. If the Bill of Rights contains no guarantee that a citizen shall be secure against lethal poisons distributed either by private individuals or by public officials, it is surely only because our forefathers, despite their considerable wisdom and foresight, could conceive of no such problem. (p.12) O direito a saber e a decidir I contend, furthermore, that we have allowed these chemicals to be used with little or no advance investigation of their effect on soil, water, wildlife, and man himself. Future generations are unlikely to condone our lack of prudent concern for the integrity of the natural world that supports all life. There is still very limited awareness of the nature of the threat. This is an era of specialists, each of whom sees his own problem and is unaware of or intolerant of the larger frame into which it fits. It is also an era dominated by industry, in which the right to make a dollar at whatever costs is seldom challenged. When the public protests, confronted with some obvious evidence of damaging results of pesticide applications, it is fed little tranquilizing pills of half truth. O direito a saber e a decidir We urgently need an end to these false assurances, to the sugar coating of unpalatable facts. It is the public that is being asked to assume the risks that the insect controllers calculate. The public must decide whether it wishes to continue on the present road, and it can do so only when in full possession of the facts. In the words of Jean Rostand, “The obligation to endure gives us the right to know.” (p. 12-13) O direito a saber e a decidir O direito a saber conduz à responsabilidade de decidir: “We stand now where two roads diverge (…). The road we have long been traveling is deceptively easy, a smooth superhighway on which we progress with great speed, but at its end lies disaster. The other fork of the road – the one “less traveled by” – offers our last, our only chance to reach a destination that assures the preservation of our earth. “The choice, after all, is ours to make. If, having endured much, we have at last asserted our “right to know”, and, if knowing, we have concluded that we are being asked to take senseless and frightening risks, then we should no longer accept the counsel of those who tell us that we must fill our world with poisonous chemicals; we should look about and see what other course is open to us. (p.277-278) O direito a saber e a decidir O direito a saber e decidir implica tirar aos especialistas o monopólio da decisão. Os especialistas devem informar sobre o risco na sua perspectiva específica, não decidir. Cabe a todos, através do sistema político, participar na gestão do risco, o que implica integrar toda a informação parcelar que provém dos especialistas. Isto implica também um novo papel para o cientista: ele é não só o especialista que cria, através do método científico, conhecimento, tipicamente especializado, capaz de resolver problemas através das suas aplicações tecnológicas, ... mas também aquele que informa o debate público e assim possiblita a decisão participada em matéria de gestão de riscos. Isto implica uma nova forma de comunicar ciência com o público, em que Rachel Carson demostra mestria no seu livro. Um novo papel para os cientistas: comunicar ciência Comunicar ciência é também transformar o conhecimento científico em senso comum para a deliberação política, o que implica: - falar para as pessoas e não apenas para os pares (especialistas), - integrar vários conhecimentos especializados para ajudar os cidadãos a formar as suas visões do mundo e entender o sentido das coisas e dos problemas com que se confrontram (ultrapassa-se aqui, em muito, o projecto positivista de uma ciência ao serviço do controlo do mundo e dos homens, através das suas aplicações tecnológicas.) Para Rachel, a ecologia (e não a química) é a chave para integrar os diversos conhecimentos disciplinares a fim de melhor informar a decisão. Um novo papel para os cientistas: comunicar ciência Não é difícil encontrar, no livro, passagens que demonstram a mestria de Rachel na comunicação de ciência, • ligando às percepções imediatas das pessoas • tratando temas complexos de forma simples e • exercendo uma pedagogia de respeito e reverência pelos mecanismos naturais. Este é, muito provavelmente, o ponto mais forte do livro. Most of us walk unseeing through the world, unaware alike of its beauties and the strange and sometimes terrible intensity of the lives that are being lived about us. So it is that the activities of the insect predators and parasites are known to few. … we see with understanding eye only if we have walked in the garden at night and here and there with a flashlight have glimpsed the mantis stealthily creeping upon her prey. Then we sense something of the drama of the hunter and the hunted. Then we begin to feel something of that relentlessly pressing force by which nature controls her own. A verdade, os interesses e a economia Over the past decade these problems [the destruction of nature’s resistance to pest surges] have cast long shadows, but we have been slow to recognize them. Most of those best fitted to develop natural controls and assist in putting them into effect have been too busy laboring in the more exciting vineyards of chemical control. It was reported in 1960 that only 2 per cent of all the economic entomologists in the country were then working in the field of biological controls. A substantial number of the remaining 98 per cent were engaged in research on chemical insecticides. A verdade, os interesses e a economia Why should this be? The major chemical companies are pouring money into the universities to support research on insecticides. This creates attractive fellowships for graduate students and attractive staff positions. Biological-control studies, on the other hand, are never so endowed – for the simple reason that they do not promise anyone the fortunes that are to be made in the chemical industry. Rachel não se pergunta aqui porque é que a indústria não pode fazer fortunas a partir de descobertas no domínio da luta biológica como faz a partir das descobertas no domínio da luta química. Isto pode em parte ser explicado pelo facto de o conhecimento em matéria de luta biológica, como todo o conhecimento em ecologia, ter, em grande medida, características de bem público: não gera produtos vendíveis pela indústria (como os pesticidas) mas sim conhecimento disponível para que todos possam produzir mais barato e com menos dano ambiental. A verdade, os interesses e a economia Isto mesmo é reconhecido numa passagem da página seguinte. “Dr Pickett and his associates struck out on a new road (...) Recognizing that they had a strong ally in nature, they devised a program that makes maximum use of natural controls and minimum use of insecticides. Whenever insecticides are applied only minimum doses are used – barely enough to control the pest without avoidable harm to beneficial species. Proper timing also enters in. Thus if nicotine sulphate is applied before rather than after the apple blossoms turn pink one of the important predators is spared, probably because it is still in the egg stage. Dr Pickett uses special care to select chemicals that will do as little harm as possible to insect parasites and predators. (…) They are getting [good] results, moreover, at a substantially lower cost. The outlay for insecticides in Nova Scotia apple orchards is only from 10 to 20 per cent of the amount spent in most other apple-growing areas. A verdade, os interesses e a economia Assim os lucros não vão para a indústria mas sim para os agricultures (na forma de menos custos). Não existe nenhum produto que a indústria possa vender mas sim conhecimento que pode ser usado por qualquer um para produzir mais barato e com menos impacte no ambiente. Este conhecimento é um bem público. Porque ninguém tem de pagar para o usar, ele não dá lucros privados à indústria. Quem tem de investir nele é o Estado. Um paper recentemente publicado na Research Policy, revela esta natureza diferente do conhecimento em biologia molecular (ou em OGM), que se traduz em bens privados vendíveis pela indústria, e o conhecimento geralmente produzido pela ecologia (bem público) – a qual explica o menor financiamento e o avanço mais lento desta última ciência. A verdade, os interesses e a economia Trata-se assim de uma falha do mercado que só poderá ser corrigida com intervenção pública no apoio à produção deste último tipo de conhecimento. Ironicamente, o referido artigo revela que o Estado tem também apoiado mais a investigação que produz conhecimento apropriável privadamente (e portanto privadamente rentável) e não necessariamente conhecimento com carácter de bem público, agravando assim (em vez de corrigir) a falha de mercado através de políticas de investigação mal orientadas, em que a ecologia acaba por ser o parente pobre. A verdade, os interesses e a economia This situation also explains the otherwise mystifying fact that certain outstanding entomologists are among the leading advocates of chemical control. Inquiry into the background of some of these men reveals that their entire research program is supported by the chemical industry. Their professional prestige, sometimes their very jobs depend on the perpetuation of chemical methods. Can we then expect them to bite the hand that literally feeds them? But knowing their bias, how much credence can we give to their protests that insecticides are harmless? (pp. 258-259) Conclusão: Silent Spring e o Desenvolvimento Sustentável • Todos estes temas do programa ambiental implícito em Silent Spring são, ainda hoje, enormes desafios para aqueles que tentam levar o desenvolvimento sustentável à prática. • Eles definem caminhos, ainda hoje, em grande parte por trilhar, não só no domínio do controlo das populações de insectos, mas em todos os domínios do desenvolvimento sustentável. • É isto que faz de Silent Spring um Clássico do Ambiente, • Portanto, leiam-no!!!