Silent Spring
Rachel Carson
José Lima Santos (ISA/UTL)
AMBIENTE: PORQUÊ LER OS CLÁSSICOS?
Fundação Calouste Gulbenkian
Lisboa, 7 Out 2011
Esquema da apresentação
• a Autora e o seu contexto
• o livro e o seu impacte
• o programa ambiental implícito em Silent Spring
– Jogar com (não contra) os equilíbrios naturais;
– Aprender com os erros –humildade científica e a
importância da monitorização;
– O direito a saber e a decidir;
– Um novo papel para os cientistas: comunicar saberes,
informar o debate
– A verdade, os interesses e a economia.
• Conclusão: Silent Spring e o desenv. sustentável
A Autora
A Autora
1907 – Rachel Carson nasce em Springdale, Pennsylvania
1907/25 – Na sua infância, recebe da mãe um amor pela natureza e pelo
mundo vivo que durará para toda a sua vida:
“Rachel Carson first discovered nature in the company of her mother, a
devotee of the nature study movement. She wandered the banks of the
Allegheny River (…), observing the wildlife and plants around her and
particularly curious about the habits of birds.” (Lear, 2002).
Rachel bebeu, assim, da tradição do naturalismo amador através de
sua mãe e das actividades de exploração da natureza que com ela
iniciou.
1918 – Publica a sua primeira história numa revista de literatura infantil
1925-29 – Obtém uma bolsa para o Woods Hole Biological Laboratory para
estudar biologia marinha
1932 – Graduada em Zoologia pela Johns Hopkins University
1935 – Escreve guiões para programas de radio para o Bureau of Fisheries, e
publica artigos sobre a história natural da Chesapeake Bay para o
Baltimore Sun.
A Autora (Cont.)
1936-52 – Entra ao serviço do Bureau of Fisheries, mais tarde US Fish
and Wildlife Service (USFWS), onde chega a desempenhar funções
de Editor in Chief de todas as publicações do Serviço.
1941 – Publica o livro Under the Sea-wind. A Naturalist’s Picture of
Ocean Life.
“a masterpiece of nature-immersion, this was the book that first
established Carson as perhaps our most prescient and influential
observer of the natural world.”
1951 – Publica o livro The Sea Around Us (Oxford University Press) e
deixa o seu trabalho no USFWS para escrever a tempo inteiro.
“based on post World War II geographical and oceanographic
evidence, this book won the National Book Award in 1952 and made
Carson an international voice for the public understanding of
science.”
1955 – Publica o livro The Edge of the Sea (Houghton Mifflin Co.).
“…a practical guide to identifying the inhabitants of the sea which we
find in the marshes, tide pools, and shallows that border it”
A Autora (Cont.)
Os livros The Sea Around Us e The Edge of the Sea fazem de
Carson, nas palavras da sua biógrafa (Linda Lear)
“ the foremost science writer in America. She understood that there
was a deep need for writers who could report on and interpret the
natural world. Readers around the world found comfort in her clear
explanations of complex science (…) and her obvious love for the
wonders of nature. Hers was a trusted voice in a world riddled by
uncertainty.”
1956 – Terminou o livro Help Your Child to Wonder, Women’s Home
Companion. Publicado a título póstumo como The Sense of Wonder
(Harper& Row, 1965).
Este livro concretiza a filosofia de Carson segundo a qual os adultos
devem alimentar o sentimento, inato nas crianças, de assombro
perante o mundo natural.
A Autora (Cont.)
1958 – Janeiro, recebe uma carta de uma amiga que se lastima pela
morte maciça de aves ocorrida em Cape Cod na sequência de uma
pulverização por DDT. Nas palavras de Rachel, “Olga Owens
Huckins told me of her own bitter experience of a small world made
lifeless, and so brought my attention back to a problem with which I
had long been concerned. I thus realized I must write this book.”
1962 – A partir de Junho, publica Silent Spring por partes no New
Yorker; depois, em Setembro, na forma de livro (Houghton Mifflin).
1963 – Testemunha, por diversas vezes, em comissões do Senado
sobre o mau uso dos pesticidas.
1964 – Morre em Silver Spring, Maryland, aos 56 anos de idade, após
uma longa luta contra o cancro, com que se debatia desde 1950.
O contexto
• Silent Spring foi publicado após década e meia de
expansão económica do pós-Guerra,
• ... em tempos de elevada conformidade social, no pico
da guerra fria, com o seu clima de suspeição e
intolerância (Linda Lear);
• A tecnologia do pós-guerra era uma conquista sagrada,
nos planos militar e económico: tendo ajudado a
América a esmagar os seus inimigos, prometia agora
submeter totalmente a natureza ao homem.
• A ciência, a indústria química e o DDT eram os actores
e herois de todas estas conquistas e vitórias.
O contexto (Cont.)
• Em particular, o DDT prometia destruir hordas de insectos-peste
que ameaçavam a produção agrícola e a saúde humana.
• Tudo isto se enquadra num contexto de expansão do novo modelo
tecnológico químico-mecânico em agricultura, que (no pósGuerra) multiplicou por 3 a produção mundial de cereais com base:
– na utilização de variedades melhoradas
– na multiplicação do uso de inputs industriais, como os pesticidas
de síntese e os adubos químicos (estes últimos multiplicados
por 11);
– na artificialização acelerada dos agro-ecossistemas, com
substituição de mecanismos e equilíbrios naturais por inputs de
origem industrial (o azoto industrial representa hoje metade do
ciclo planetário do azoto).
O contexto (Cont.)
• O livro apareceu assim, como uma pedra no charco,
pondo em causa uma série de conquistas recentes e
aclamadas.
• Provocou, por isso, um debate intenso sobre o uso de
pesticidas e o programa de submissão da natureza em
que este se inseria.
• O contexto tinha, por outro lado, também, aspectos
favoráveis à emergência do debate:
– O aparecimento da percepção de impactes ambientais claros do
uso de pesticidas;
– A ascensão, no pós-Guerra, de uma classe média com
interesses claros na área do lazer e da qualidade de vida, os
quais dependiam de qualidade ambiental.
O contexto (Cont.)
– A emergência dos primeiros sinais de fragilidade do programa de
submissão da natureza em curso (e.g. resistência dos insectos
aos pesticidas; surgimento de novas pragas);
– A própria suficiência da produção agrícola e mesmo o
aparecimento dos primeiros excedentes...
• Rachel soube ler com mestria este contexto, perceber
quem eram os seus aliados, e, com base numa pesquisa
aprofundada, tecer o livro que lançou o debate.
• O livro é, em primeiro lugar, uma excelente peça de
argumentação e comunicação, em que ficam muito
claras, desde o início, as alegações que pretende provar,
e, em que a clareza e a fundamentação dos argumentos
falam por si.
(Os capítulos 2 e 17 aproximam-se muito, na forma, de
alegações de um advogado em tribunal).
O livro:
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Uma fábula
O direito a saber
Os modernos pesticidas orgânicos de síntese
Águas superficiais e subterrâneas
O solo enquanto ecossistema
O manto verde da terra
Uma devastação desnecessária
E não há aves a cantar
Rios de morte
Indiscriminadamente a partir dos céus
O livro (Cont.)
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
Um mundo ensopado em venenos
O custo humano: o homem faz parte da natureza
Impactes ao nível da célula e da química da vida
Os pesticidas e o cancro
A natureza contra-ataca
O estrondo de uma avalanche
A outra via
O impacte do livro
• Silent Sprind desencadeou uma onda de indignação por
parte da indústria química.
• Foi argumentado que Carson não considerara os
benefícios do uso dos pesticidas, e que,
• ... a cumprirmos os seus conselhos, voltaríamos a
tempos primitivos de fome, miséria e doença.
• Um dos criticos chegou mesmo a afirmar que “...there
has not been a mass murderer executed in the past halfcentury who has been responsible for as many deaths of
human beings as the sainted Rachel Carson.”
• Agricultores e cientistas do USDA argumentavam que
sem pesticidas as colheitas cairiam drasticamente e a
agricultura deixaria de ser capaz de alimentar o mundo.
O impacte do livro (Cont.)
• O resultado final foi, porém, favorável a Carson e aos seus
argumentos claros e bem fundamentados.
• O ataque maciço a Carson pela indústria química foi visto com
desconfiança pelo público, que a via como uma mulher sincera que
tinha já crédito como escritora e cientista.
• Além disso, Silent Spring estava bem documentado com 55 páginas
de referências bibliográficas e uma lista de cientistas que tinha
revisto o livro (Lear 1997).
• O uso de casos concretos bem documentados para fundamentar as
suas alegações e, sobretudo, a inclusão das percepções do público
face aos factos em causa (citando cartas e testemunhos de muitos)
foram um factor de sucesso claro.
• A aposta de Carson em escrever directamente para o público e não
para cientistas, peritos ou decisores políticos foi talvez o elemento
mais crucial no sucesso do seu livro.
O impacte do livro (Cont.)
• A maior consciência dos perigos dos pesticidas conduziu, pouco
tempo após a publicação do livro, à oposição dos cidadãos face aos
pesticidas.
• Os residentes de Squirrel Island, no Maine, venceram em referendo
a realização de uma pulverização aérea que estava já planeada.
• Silent Spring teve um papel significativo no lançamento do
movimento ambiental, em ambos os lados do Atlântico,
• ... e na difusão da ideia de que temos todos um direito fundamental
a um ambiente limpo – este direito veio a ter acolhimento, por
exemplo, nos tratados da UE ou na CRP.
• O debate desencadeado por Silent Spring acabou, finalmente, por
conduzir a nova legislação e a novas agências governamentais para
melhor regular o uso dos pesticidas e a poluição ambiental.
O impacte do livro (Cont.)
• A criação, em 1970, da Environmental Protection Agency
(EPA) e a passagem da competência de regular os
pesticidas do USDA para esta nova agência pode
também ser claramente atribuída às preocupações
expressas por Carson e à consciência que ela ajudou a
construir.
• A criação da EPA foi seguida da promulgação de
importante legislação ambiental, como o Clean Air Act, o
Federal Environmental Pesticide Control Act e o Safe
Drinking Water Act.
• 1970 e os dois anos seguintes assistiram à primeira
celebração do Dia da Terra, à Cimeira de Paris, que
criou a DG de Ambiente da CE, à Conferência de
Estocolmo sobre o Ambiente Humano e à criação do
Programa das Nações Unidas para o Ambiente (PNUA).
O impacte do livro (Cont.)
• No entanto, muito está ainda por fazer, como o demonstra a recente
conclusão do programa de revisão das substâncias activas (s.a.) de
pesticidas, na UE, que reduziu o número autorizado de s.a. de 1000
para 250, entre 1993 e 2007 (ver slide inicial).
• Foram assim retiradas do mercado muitas s.a. na base da
impossibilidade de demonstrar a sua segurança para a saúde
humana e o ambiente
• Note-se a inversão do ónus da prova: Carson teve de provar a
perigosidade, agora a indústria tem de provar a segurança dos
pesticidas
O programa ambiental implícito em
Silent Spring
– Jogar com (não contra) os equilíbrios
naturais;
– Aprender com os erros – a humildade
científica e a importância da monitorização;
– O direito a saber e a decidir sobre os riscos
que nos afectam;
– Um novo papel para os cientistas: comunicar
saberes, informar o debate
– A verdade, os interesses e a economia.
Jogar com (não contra) os
equilíbrios naturais
The predator and the preyed upon exist not
alone, but as part of a vast web of life, all of
which needs to be taken into account.
… with a minimum of help and a maximum of
noninterference from man, Nature can have her
way, setting up all that wonderful and intricate
system of checks and balances that protects the
forest from undue damage by insects.
(p. 293)
Jogar com (não contra) os
equilíbrios naturais
Birds, ants, forest spiders, and soil bacteria are as much
a part of a forest as the trees, in the view of European
foresters, who take care to inoculate a new forest with
these protective factors.
The encouragement of birds is one of the first steps. In
the modern era of intensive forestry the old hollow trees
are gone and with them homes for woodpeckers and
other tree-nesting birds. This lack is met by nesting
boxes, which draw the birds back into the forest.
Other boxes are specially designed for owls and for bats,
so that these creatures may take over in the dark hours
the work of insect hunting performed in daylight by small
birds.
(p. 293)
Jogar com (não contra) os
equilíbrios naturais
There is a whole battery of armaments available to the
forester who is willing to look for permanent solutions
that preserve and strengthen the natural relations in the
forest.
Chemical pest control in the forest is at best a stopgap
measure bringing no real solution, at worst killing the fish
in the forest streams, bringing on plagues of insects, and
destroying the natural controls and those we may be
trying to introduce.
By such violent measures, (…) “the partnership for life of
the forest is entirely being unbalanced, and the
catastrophes caused by parasites repeat in shorter and
shorter periods…”
(p. 296)
Jogar com (não contra) os
equilíbrios naturais
Through all these new, imaginative, and creative
approaches to the problem of sharing our earth with
other creatures there runs a constant theme, the
awareness that we are dealing with life – with living
populations and all their pressures and counterpressures, their surges and recessions.
Only by taking account of such life forces and by
cautiously seeking to guide them into channels favorable
to ourselves can we hope to achieve a reasonable
accommodation between the insect hordes and
ourselves.
(p. 296)
Uma ciência humilde – aprender
com os erros
The current vogue for poisons has failed utterly to take
into account these most fundamental considerations.
As crude a weapon as the cave man’s club, the chemical
barrage has been hurled against the fabric of life – a
fabric on the one hand delicate and destructible, on the
other miraculously tough and resilient, and capable of
striking back in unexpected ways.
These extraordinary capacities of life have been ignored
by the practitioners of chemical control who have
brought to their task no “high-minded orientation,” no
humility before the vast forces with which they tamper.
(p. 296)
Uma ciência humilde – aprender
com os erros
The “control of nature” is a phrase conceived in
arrogance, born of the Neanderthal age of biology and
philosophy, when it was supposed that nature exists for
the convenience of man.
The concepts and practices of applied entomology for
the most part date from that Stone Age of science. It is
our alarming misfortune that so primitive a science has
armed itself with the most modern and terrible weapons,
and that in turning them against the insects it has also
turned them against the earth. [and against us].
(pp. 296-297).
Uma ciência humilde – aprender
com os erros
At the end of a decade or more of intensive chemical
control, entomologists were finding that problems they
had considered solved a few years earlier had returned
to plague them. And new problems had arisen as insects
once present only in insignificant numbers had increased
to the status of serious pests.
By their very nature, chemical controls are self-defeating,
for they have been devised and applied without taking
into account the complex biological systems against
which they have been blindly hurled.
The chemicals may have been pretested against a few
individual species, but not against living communities.
(p. 246).
Uma ciência humilde – aprender
com os erros
Aqui Rachel admite implicitamente que o teste só pode
ser feito na natureza, não no laboratório.
Só poderíamos ter aprendido o que aprendemos
experimentando com a natureza...
Deste modo, só pode ser objecto de crítica a escala a
que procedemos à experimentação e o facto de não
termos monitorizado rigorosamente os resultados – o
que revela que não levámos a cabo estas experiências
como experiências mas sim como aplicações em grande
escala de tecnolgias supostamente já pre-testadas e
seguras.
Uma ciência humilde – aprender
com os erros
Em númerosas passagens, fica muito clara a
importância que Rachel atribui à rigorosa monitorização
das nossas experiências com a natureza:
“All these facts are known because the Fisheries
Research Board of Canada had been conducting a
salmon study on the Northwest Miramichi since 1950.
Each year it had made a census of the fish living in this
stream. (…) With this complete record of prespraying
condition, it was possible to measure the damage done
by the spraying with an accuracy that has seldom been
matched elsewhere.
(p. 132)
Uma ciência humilde – aprender
com os erros
No limite, podemos considerar que Rachel estava
apenas a criticar a atitude arrogante do cientista face ao
seu objecto:
“… nowadays it is fashionable to dismiss the balance of nature as a
state of affairs that prevailed in an earlier, simpler world – a state
that has now been so thoroughly upset that we might as well forget
it.
Some find this a convenient assumption, but as a chart for a course
of action it is highly dangerous. The balance of nature is not the
same today that in Pleistocene times, but it is still there: a complex,
precise and highly integrated system of relationships between living
things which cannot safely be ignored any more than the law of
gravity can be defied with impunity by a man perched on the edge of
a cliff.
The balance of nature is not a status quo; it is fluid, ever shifting, in
a constant state of adjustment. Man, too, is part of this balance.
Sometimes the balance is in his favor; sometimes – and all too often
through is own activities – it is shifted to his disadvantage. (p. 246.)
Uma ciência humilde – aprender
com os erros
• O que recomenda uma epistemologia humilde e
uma tecnologia cuidadosa e respeitadora da
natureza,
• ...bem como uma monitorização séria e contínua
do resultado da nossa experimentação com a
natureza a fim de nos assegurarmos que
aprendemos com os nossos erros.
• Na base disto tudo, uma pedagogia do respeito
pela natureza (que só pode ser motivada por
uma certa reverência/assombro face à mesma),
assente no papel da ciência como informadora
dos cidadãos e do debate político e não apenas
como criadora do saber.
Uma ciência humilde – aprender
com os erros
A base da humildade científica é também ontológica – nós somos
parte da natureza:
Where do pesticides fit into the picture of environmental disease?
We have seen that they now contaminate soil, water, and food, that
they have the power to make our streams fishless and our gardens
and woodlands silent and birdless. Man, however much he may like
to pretend the contrary, is part of nature. Can he escape a pollution
that is now so thoroughly distributed throughout our world?
For each of us, as for the robin in Michigan or the salmon in the
Miramichi, this is a problem of ecology, of interrelationships, of
interdependence. We poison the caddis flies in a stream and the
salmon runs dwindle and die. (…) We spray our elms and the
following springs are silent of robin song, not because we sprayed
the robins directly but because the poison traveled, step by step,
through the now familiar elm leaf – earthworm – robin cycle.
(p. 188)
O direito a saber e a decidir
No 2º capítulo (Obligation to endure), são esclarecidos
os argumentos e alegações da autora em Silent Spring,
uma vez que muitas falsas alegações que lhe podiam
ser imputadas são afastadas explicitamente.
Tudo assenta, em última análise, no direito a saber que
decorre da obrigação de aguentar.
Saber e poder decidir sobre o uso dos pesticidas, que a
todos afecta, é um direito de todos.
Esta participação de todos na gestão dos riscos
ambientais das nossas escolhas tecnológicas é ainda
hoje um eixo central, um desafio (muito pouco praticado)
do desenvolvimento sustentável.
O direito a saber e a decidir
It is not my contention that chemical insecticides must
never be used.
I do contend that we have put poisonous and biologically
potent chemicals indiscriminately into the hands of
persons largely or wholly ignorant of their potentials for
harm.
We have subjected enormous numbers of people to
contact with these poisons, without their consent and
often without their knowledge. If the Bill of Rights
contains no guarantee that a citizen shall be secure
against lethal poisons distributed either by private
individuals or by public officials, it is surely only because
our forefathers, despite their considerable wisdom and
foresight, could conceive of no such problem. (p.12)
O direito a saber e a decidir
I contend, furthermore, that we have allowed these
chemicals to be used with little or no advance
investigation of their effect on soil, water, wildlife, and
man himself. Future generations are unlikely to condone
our lack of prudent concern for the integrity of the natural
world that supports all life.
There is still very limited awareness of the nature of the
threat. This is an era of specialists, each of whom sees
his own problem and is unaware of or intolerant of the
larger frame into which it fits. It is also an era dominated
by industry, in which the right to make a dollar at
whatever costs is seldom challenged. When the public
protests, confronted with some obvious evidence of
damaging results of pesticide applications, it is fed little
tranquilizing pills of half truth.
O direito a saber e a decidir
We urgently need an end to these false
assurances, to the sugar coating of unpalatable
facts.
It is the public that is being asked to assume
the risks that the insect controllers calculate.
The public must decide whether it wishes to
continue on the present road, and it can do so
only when in full possession of the facts.
In the words of Jean Rostand, “The obligation to
endure gives us the right to know.”
(p. 12-13)
O direito a saber e a decidir
O direito a saber conduz à responsabilidade de decidir:
“We stand now where two roads diverge (…). The road we have
long been traveling is deceptively easy, a smooth superhighway on
which we progress with great speed, but at its end lies disaster. The
other fork of the road – the one “less traveled by” – offers our last,
our only chance to reach a destination that assures the preservation
of our earth.
“The choice, after all, is ours to make. If, having endured much, we
have at last asserted our “right to know”, and, if knowing, we have
concluded that we are being asked to take senseless and frightening
risks, then we should no longer accept the counsel of those who tell
us that we must fill our world with poisonous chemicals; we should
look about and see what other course is open to us.
(p.277-278)
O direito a saber e a decidir
O direito a saber e decidir implica tirar aos especialistas o
monopólio da decisão.
Os especialistas devem informar sobre o risco na sua perspectiva
específica, não decidir.
Cabe a todos, através do sistema político, participar na gestão do
risco, o que implica integrar toda a informação parcelar que provém
dos especialistas.
Isto implica também um novo papel para o cientista: ele é não só o
especialista que cria, através do método científico, conhecimento,
tipicamente especializado, capaz de resolver problemas através das
suas aplicações tecnológicas,
... mas também aquele que informa o debate público e assim
possiblita a decisão participada em matéria de gestão de riscos.
Isto implica uma nova forma de comunicar ciência com o público,
em que Rachel Carson demostra mestria no seu livro.
Um novo papel para os cientistas:
comunicar ciência
Comunicar ciência é também transformar o
conhecimento científico em senso comum para a
deliberação política, o que implica:
- falar para as pessoas e não apenas para os pares
(especialistas),
- integrar vários conhecimentos especializados para
ajudar os cidadãos a formar as suas visões do mundo e
entender o sentido das coisas e dos problemas com que
se confrontram (ultrapassa-se aqui, em muito, o projecto
positivista de uma ciência ao serviço do controlo do
mundo e dos homens, através das suas aplicações
tecnológicas.)
Para Rachel, a ecologia (e não a química) é a chave
para integrar os diversos conhecimentos disciplinares a
fim de melhor informar a decisão.
Um novo papel para os cientistas:
comunicar ciência
Não é difícil encontrar, no livro, passagens que
demonstram a mestria de Rachel na
comunicação de ciência,
• ligando às percepções imediatas das pessoas
• tratando temas complexos de forma simples e
• exercendo uma pedagogia de respeito e
reverência pelos mecanismos naturais.
Este é, muito provavelmente, o ponto mais forte
do livro.
Most of us walk unseeing through
the world, unaware alike of its
beauties and the strange and
sometimes terrible intensity of the
lives that are being lived about us.
So it is that the activities of the
insect predators and parasites are
known to few.
… we see with understanding eye
only if we have walked in the
garden at night and here and
there with a flashlight have
glimpsed the mantis stealthily creeping upon her prey.
Then we sense something of the drama of the hunter and the
hunted. Then we begin to feel something of that relentlessly
pressing force by which nature controls her own.
A verdade, os interesses e a
economia
Over the past decade these problems [the destruction of
nature’s resistance to pest surges] have cast long
shadows, but we have been slow to recognize them.
Most of those best fitted to develop natural controls and
assist in putting them into effect have been too busy
laboring in the more exciting vineyards of chemical
control.
It was reported in 1960 that only 2 per cent of all the
economic entomologists in the country were then
working in the field of biological controls. A substantial
number of the remaining 98 per cent were engaged in
research on chemical insecticides.
A verdade, os interesses e a
economia
Why should this be? The major chemical companies are pouring
money into the universities to support research on insecticides. This
creates attractive fellowships for graduate students and attractive
staff positions. Biological-control studies, on the other hand, are
never so endowed – for the simple reason that they do not promise
anyone the fortunes that are to be made in the chemical industry.
Rachel não se pergunta aqui porque é que a indústria não pode
fazer fortunas a partir de descobertas no domínio da luta biológica
como faz a partir das descobertas no domínio da luta química.
Isto pode em parte ser explicado pelo facto de o conhecimento em
matéria de luta biológica, como todo o conhecimento em ecologia,
ter, em grande medida, características de bem público: não gera
produtos vendíveis pela indústria (como os pesticidas) mas sim
conhecimento disponível para que todos possam produzir mais
barato e com menos dano ambiental.
A verdade, os interesses e a
economia
Isto mesmo é reconhecido numa passagem da página seguinte. “Dr
Pickett and his associates struck out on a new road (...) Recognizing
that they had a strong ally in nature, they devised a program that
makes maximum use of natural controls and minimum use of
insecticides. Whenever insecticides are applied only minimum
doses are used – barely enough to control the pest without
avoidable harm to beneficial species. Proper timing also enters in.
Thus if nicotine sulphate is applied before rather than after the apple
blossoms turn pink one of the important predators is spared,
probably because it is still in the egg stage.
Dr Pickett uses special care to select chemicals that will do as little
harm as possible to insect parasites and predators. (…) They are
getting [good] results, moreover, at a substantially lower cost. The
outlay for insecticides in Nova Scotia apple orchards is only from 10
to 20 per cent of the amount spent in most other apple-growing
areas.
A verdade, os interesses e a
economia
Assim os lucros não vão para a indústria mas sim para os
agricultures (na forma de menos custos). Não existe nenhum
produto que a indústria possa vender mas sim conhecimento que
pode ser usado por qualquer um para produzir mais barato e com
menos impacte no ambiente.
Este conhecimento é um bem público. Porque ninguém tem de
pagar para o usar, ele não dá lucros privados à indústria. Quem tem
de investir nele é o Estado.
Um paper recentemente publicado na Research Policy, revela esta
natureza diferente do conhecimento em biologia molecular (ou em
OGM), que se traduz em bens privados vendíveis pela indústria, e o
conhecimento geralmente produzido pela ecologia (bem público) –
a qual explica o menor financiamento e o avanço mais lento desta
última ciência.
A verdade, os interesses e a
economia
Trata-se assim de uma falha do mercado que só poderá
ser corrigida com intervenção pública no apoio à
produção deste último tipo de conhecimento.
Ironicamente, o referido artigo revela que o Estado tem
também apoiado mais a investigação que produz
conhecimento apropriável privadamente (e portanto
privadamente rentável) e não necessariamente
conhecimento com carácter de bem público, agravando
assim (em vez de corrigir) a falha de mercado através
de políticas de investigação mal orientadas, em que a
ecologia acaba por ser o parente pobre.
A verdade, os interesses e a
economia
This situation also explains the otherwise mystifying fact
that certain outstanding entomologists are among the
leading advocates of chemical control. Inquiry into the
background of some of these men reveals that their
entire research program is supported by the chemical
industry. Their professional prestige, sometimes their
very jobs depend on the perpetuation of chemical
methods. Can we then expect them to bite the hand that
literally feeds them? But knowing their bias, how much
credence can we give to their protests that insecticides
are harmless?
(pp. 258-259)
Conclusão: Silent Spring e o
Desenvolvimento Sustentável
• Todos estes temas do programa ambiental
implícito em Silent Spring são, ainda hoje,
enormes desafios para aqueles que tentam
levar o desenvolvimento sustentável à prática.
• Eles definem caminhos, ainda hoje, em grande
parte por trilhar, não só no domínio do controlo
das populações de insectos, mas em todos os
domínios do desenvolvimento sustentável.
• É isto que faz de Silent Spring um
Clássico do Ambiente,
• Portanto, leiam-no!!!
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