ISSN 0104-4931 A EXPERIÊNCIA DE ENCONTROS COM PRECEPTORES DE TERAPIA OCUPACIONAL DA UFES: ESTABELECENDO DIÁLOGOS. Meyrielle Belotti Mariana Midori Sime 1. INTRODUÇÃO O curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Espírito Santo – UFES, implantado no ano de 2009, é composto atualmente por 12 docentes em dedicação exclusiva e três técnicos administrativos em terapia ocupacional. No que se refere ao objetivo geral, o Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Terapia Ocupacional da UFES visa a formação de um profissional generalista apto a atuar no âmbito da prevenção, promoção, proteção e reabilitação do indivíduo e do coletivo, se norteando por princípios éticos, sociais, políticos, econômicos e culturais, conforme descrito nas Diretrizes Nacionais Curriculares dos Cursos de Graduação em Terapia Ocupacional. No que se refere aos estágios obrigatórios supervisionados, estes se caracterizam por disciplinas a serem cumpridas pelo aluno, visando proporcionar experiência profissional (Art. 6º da Resolução 74/2010–CEPE-UFES). São desenvolvidos a partir do 7º (sétimo) período com carga horária total mínima de 1080 horas, distribuída em quatro estágios (saúde física, saúde mental, campo social e área de preferência profissional) de 270 horas cada. Considera-se o estágio curricular como um espaço de formação importante na graduação do aluno, pois é por meio dessa vivência, que o graduando aprende a ter mais independência, trabalhar em equipe multiprofissional e lidar com o público, além de preparar o futuro terapeuta ocupacional para o desempenho de suas funções com responsabilidade, ética, liderança e tomada de decisões. Neste contexto, o Colegiado de Terapia Ocupacional da UFES, vem buscando desenvolver parcerias com instituições em que exista o profissional terapeuta ocupacional para a realização de estágio, uma vez que, compreende-se que a formação do aluno pode ser enriquecida com o contato com esses profissionais, que vivenciam o cotidiano institucional. Assim, a proposta de estágios do PPC de terapia ocupacional da UFES é possibilitar experiências de convivência em um ambiente de trabalho em que o terapeuta ocupacional esteja inserido; proporcionar a aplicação dos conhecimentos teóricos em situações de prática profissional; fornecer uma visão do conjunto das atividades ISSN 0104-4931 Cadernos de Terapia Ocupacional, UFSCar, São Carlos, v. 22, n. Suplemento Especial. 02, 2014. 503 ISSN 0104-4931 desenvolvidas dentro das instituições conveniadas; exercitar as habilidades já adquiridas pelo aluno com objetivo de superar situações ainda não vivenciadas academicamente; permitir o acompanhamento de situações de promoção e prevenção da saúde, de reabilitação e de inserção social. Os estágios podem ser desenvolvidos nos serviços hospitalares, nos demais serviços da rede de saúde municipal e estadual, nos serviços educacionais, na comunidade, em empresas, em organizações não governamentais (ONGs), nos serviços da assistência social, dentre outros, desde que conveniados com a UFES. No campo de estágio o aluno permanece quatro dias da semana, durante meio período, sendo acompanhado pelo terapeuta ocupacional da instituição ou por um dos técnicos administrativos em terapia ocupacional da UFES. Este profissional é denominado preceptor de estágio, ou seja, o profissional que não é da academia e que ensina um pequeno grupo de alunos com ênfase na prática e no desenvolvimento de habilidades para tal prática, tendo um importante papel para ajudar o aluno em sua inserção e socialização no ambiente de trabalho (Barreto et al, 2011). Botti e Rego (2008) ressaltam ainda que a característica marcante do preceptor é o conhecimento e a habilidade em realizar procedimentos e ações, se preocupando com os aspectos de ensino-aprendizagem de competências relacionadas ao desenvolvimento profissional do graduando. No que se refere ao docente, este exerce o papel de orientador, semelhante ao que Botti e Rego (2008) entendem como a ação do mentor, estabelecendo uma relação multifacetada com o graduando, para além da academia, interessando-se pelo crescimento pessoal, ético, psicossocial, educacional e profissional do aluno. Neste contexto, os encontros entre o professor orientador e os estagiários, na UFES, são realizados com frequência quinzenal, com duração de 4 horas, e não tem como proposta discutir casos clínicos ou de realizar estudos de caso, mas sim discutir questões realtivas à formação profissional do aluno através do desenvolvimento de uma capacidade crítica e reflexiva. Segundo Botti e Rego (2008) “refletir é analisar e avaliar uma ou mais experiências pessoais, generalizando determinado pensamento. Com isso o aprendiz se informa melhor, adquirindo mais habilidades e sendo mais efetivo que anteriormente” (p. 369). A partir dessa ideia, os autores enfatizam que ao estimular o pensamento reflexivo, o docente orientador ou mentor favorece a criação de habilidades para ISSN 0104-4931 Cadernos de Terapia Ocupacional, UFSCar, São Carlos, v. 22, n. Suplemento Especial. 02, 2014. 504 ISSN 0104-4931 resolver problemas pessoais e profissionais, fazendo com que o futuro profissional descubra ferramentas que possam o auxiliar na busca de um conhecimento próprio. Dessa forma, considera-se imprescindível o estabelecimento de mecanismos de comunicação efetivos entre os preceptores e os docentes orientadores, de modo a complementar essas discussões e contribuir para o processo de ensino-aprendizagem. Na UFES, nas primeiras turmas de estágio do curso de terapia ocupacional (2012-2013) a comunicação estabelecida entre os preceptores e os docentes orientadores da UFES ocorria de forma pontual, mediante ao surgimento de demandas específicas relacionadas ao estagiário ou ao campo de estágio, o que dificultava o processo de aprendizagem, o entendimento das atribuições dos preceptores e docentes orientadores e as formas de avaliação dos discentes. Perante as inquietações oriundas deste distanciamento existente entre os docentes de Terapia Ocupacional da UFES e os campos de estágio, foi elaborado um curso de extensão intitulado “Encontro de preceptores de estágio e docentes de terapia ocupacional da UFES”. O curso em questão teve como proposta a criação de um espaço de discussão para problematização e resolutividade das questões relacionadas à formação do aluno de terapia ocupacional da UFES; proporcionar uma integração entre a teoria e a prática; definir as atribuições dos preceptores, dos docentes orientadores, da coordenação de estágio e do estagiário; definir formas de avaliação do discente e proporcionar uma formação continuada aos preceptores. Acredita-se que uma reflexão acerca do processo de trabalho da terapia ocupacional nas diversas instituições, bem como a reflexão sobre a prática de preceptoria possibilitem uma melhor compreensão quanto a esse importante papel na formação dos alunos, e dos limites e possibilidades dessa prática. 2. METODOLOGIA Para obter uma maior adesão, foi elaborado um curso com uma carga horária total de 60 horas, para o qual seria emitido um certificado. Dessa forma esta proposta foi estruturada em seis módulos, que ocorriam com uma frequência bimestral. Cada módulo continha uma carga horária de 10h, sendo 8h presenciais e 2h de atividades não presenciais. ISSN 0104-4931 Cadernos de Terapia Ocupacional, UFSCar, São Carlos, v. 22, n. Suplemento Especial. 02, 2014. 505 ISSN 0104-4931 O público alvo consistiu nos preceptores terapeutas ocupacionais das 10 instituições conveniadas com a UFES onde são realizados os estágios do curso de terapia ocupacional. A divulgação do curso foi feita via e-mail, encaminhado para todos os preceptores, convidando a participarem, e às suas chefias imediatas, solicitando liberação de seus funcionários. Considerou-se importante também, para participar das discussões, convidar os docentes de terapia ocupacional da UFES, mesmo aqueles que não estavam envolvidos diretamente com os estágios naquele momento, visto que futuramente esses poderiam ser professores orientadores. No que se refere à metodologia, foi utilizada a problematização, como espaço para a discussão da articulação entre a teoria e a prática. A forma de organização ocorreu por meio de rodas de discussões, palestras, atividades de estudo não presenciais e grupo de trabalhos específicos de cada grande área (área social, saúde física e saúde mental). Para o primeiro encontro foram propostos os seguintes temas: apresentação e discussão do regimento de estágio obrigatório de terapia ocupacional da UFES; levantamentos de demandas para a efetivação da proposta de formação continuada para os próximos encontros. Assim, a programação dos encontros foi construída conjuntamente com os participantes do curso, levando em consideração a relevância da temática para o campo de estágio, visando aprofundar as questões relativas à formação do aluno e atuação da terapia ocupacional. 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO O curso aconteceu de outubro de 2013 a agosto de 2014. Ao todo, inscreveramse 17 preceptores terapeutas ocupacionais, das 10 instituições com as quais a UFES é conveniada. No primeiro encontro, após a apresentação do regimento de estágio, alguns questionamentos foram realizados por parte dos preceptores e em função disso foram realizadas algumas adequações tais como: definição das atribuições dos preceptores, dos docentes orientadores, e elaboração de formulário e critérios de avaliação do discente, contendo avaliação parcial e final, a fim de dar um feedback ao aluno durante o estágio. ISSN 0104-4931 Cadernos de Terapia Ocupacional, UFSCar, São Carlos, v. 22, n. Suplemento Especial. 02, 2014. 506 ISSN 0104-4931 Com relação às principais alterações do regimento de estágio, o termo preceptor não era contemplado anteriormente, sendo incluído a partir das discussões e do entendimento do conceito e da importância desta função. Considera-se como atribuições do preceptor planejar junto com o coordenador geral de estágios a distribuição dos alunos; inserir os alunos na prática dos serviços; acompanhar o processo de aprendizagem da prática profissional do estagiário durante o semestre; realizar avaliação do estagiário, juntamente com os docentes orientadores; discutir com o coordenador de estágios e os docentes orientadores, adaptações e mudanças que facilitem o aprendizado; contribuir com os alunos no aprendizado do comportamento ético; realizar reuniões semanais para discutir casos e a dinâmica da instituição; orientar o aluno estagiário quanto às normas institucionais; orientar o aluno quanto à prática profissional; participar de reuniões com a coordenação de estágios e com os docentes orientadores. Nesse sentido, o entendimento do colegiado de terapia ocupacional e dos terapeutas ocupacionais participantes do curso corrobora com a literatura acerca do assunto, uma vez que compreende que o preceptor tem um papel de integrar os conceitos da teoria e prática proporcionando suporte ao futuro profissional para que este desenvolva as estratégias e habilidades necessárias para o exercício da profissão (Botti e Rego, 2008). No que se refere ao docente orientador, foram estabelecidas as seguintes atribuições: acompanhar a integração dos alunos nos campos de estágios; discutir com o coordenador dos estágios e os preceptores alterações que visem à melhoria do aprendizado; avaliar o campo de estágio juntamente com o preceptor e a coordenação de estágio; reunir-se periodicamente com os alunos para discutir o papel profissional, trabalhar com o aluno a realidade do serviço e avaliar o desempenho do aluno no local do estágio; realizar avaliação do estagiário, juntamente com os preceptores. Ou seja, o docente orientador estimula o desenvolvimento ético e moral, permitindo que o estagiário aprenda e analise criticamente sobre o ambiente no qual está sendo inserido, assim como sobre as relações institucionais que fazem parte da vida profissional (Botti e Rego, 2008). Com relação à avaliação do estagiário, antes da construção do formulário neste curso, era realizada prioritariamente pelo docente orientador e ficava a seu critério incluir o preceptor nesse processo. Sua avaliação era feita com base nos relatos dos alunos durante os encontros quinzenais. Nas rodas de conversa, diversos preceptores ISSN 0104-4931 Cadernos de Terapia Ocupacional, UFSCar, São Carlos, v. 22, n. Suplemento Especial. 02, 2014. 507 ISSN 0104-4931 realizaram críticas a este modelo no qual sua avaliação não era contemplada, mesmo ele estando a maior parte do tempo com o estagiário. Este aspecto também é apontado por Monteiro, Leher e Ribeiro (2011) que observam dificuldades na participação do preceptor, ressaltando a total falta de ingerência e um não aprofundamento no processo de avaliação do aluno. Dessa forma, buscando a inclusão do preceptor no processo avaliativo, foi construído conjuntamente um formulário, que apresenta alguns critérios para nortear a avaliação. Os critérios norteadores definidos foram: desenvolvimento técnico cientifico; adaptação a situações não previstas; trabalho em equipe; assiduidade/pontualidade; desenvolvimento profissional; participação nas supervisões. O formulário possui um espaço em aberto para que o preceptor e o docente orientador possam incluir suas impressões sobre o aluno, de forma qualitativa. A nota final é um valor numérico, composta por 50% da nota do docente orientador e 50% da nota do preceptor. O processo avaliativo ocorre em dois momentos, sendo uma avaliação parcial, após 2 meses com objetivo dar um retorno ao aluno sobre o seu desempenho no estágio até aquele momento, e outra ao final do estágio. A avaliação parcial foi adotada devido a demandas trazidas pelos próprios estagiários que solicitavam um retorno de seu desempenho durante a prática. O feedback também foi apontado por Costa e Maximino (2010) como um importante momento para que os alunos pudessem se ver no processo. Os temas discutidos durante o curso foram: avaliações padronizadas em terapia ocupacional, Classificação Internacional de Funcionalidade Incapacidade e Saúde (CIF), terapia ocupacional e cotidiano, grupos terapêuticos e a atuação da terapia ocupacional no campo social. Para a apresentação desses temas, alguns docentes do curso de terapia ocupacional foram convidados à direcionar a discussão na roda de conversa, de acordo com sua área de conhecimento. Dessa forma, estes espaços foram caracterizados como momentos de aprimoramento e formação continuada, buscando atender uma demanda que os preceptores apresentaram, vinculados a seus campos de práticas. Segundo Rego (2011), os preceptores precisam ser estar em constante atualização para saberem como agir menos intuitivamente e com mais embasamento. De modo geral, o curso de extensão proporcionou uma melhor comunicação entre a universidade e os campos de estágio, sendo avaliado tanto pelos preceptores quanto pelos docentes como um espaço potente e importante para ampliar a discussão da profissão e da formação do futuro terapeuta ocupacional. ISSN 0104-4931 Cadernos de Terapia Ocupacional, UFSCar, São Carlos, v. 22, n. Suplemento Especial. 02, 2014. 508 ISSN 0104-4931 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO et al, V.H.L. Papel do Preceptor da Atenção Primária em Saúde na Formação da graduação e pós-graduação na Universidade Federal de Pernembuco – um termo de referência. 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