III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 O ensino/aprendizagem de filosofia através do blog: a nova ágora virtual1 Luciano Tavares TORRES (UFJF)2 Resumo em português O presente artigo tem como proposta empregar uma metáfora que “desse conta” de aproximar - em face do surgimento das novas tecnologias, em particular o computador/internet - o sentido antigo da “praça pública”, dos diálogos realizados na contemporaneidade, mediados pelos diversos ambientes virtuais: ÁGORA VIRTUAL. Nesse sentido, temos por objetivo discutir os desafios e as possibilidades do ensino/aprendizagem de filosofia por meio de blogs, como um instrumento que permite a extensão dos debates, a exposição de idéias e a autonomia argumentativa, bem como o desenvolvimento da escrita com alunos do ensino médio na cidade de Juiz de Fora-MG. Palavras-chave: Computador/internet; argumentação; “ensino/aprendizagem de Filosofia”. Desde o período clássico, a maneira de pensar e conceber o mundo ocidental se desenvolveu segundo os princípios da tradição filosófica e cultural do povo grego. Sabemos que a Grécia antiga estava subdividida em comunidades independentes que se alastravam junto à margem do mediterrâneo, e cujos modos de entender a vida se diferenciavam muito de uma cidade-estado para outra. Apesar disso, tais parcialidades continham em seu cerne algumas semelhanças, como a língua e a religiosidade, o que, em contato com outras culturas advindas dos povos que se estabeleceram na região, resultou tanto na difusão quanto na fusão da cultura grega. Dessa forma, na medida em que se forjaram novas teias de relações interculturais, o mosaico social, político, religioso e cultural inaugurou uma nova forma de pensar: saiu de cena a consciência mítica e religiosa para a entrada da consciência racional e filosófica. As explicações mitológicas de um mundo dado e previamente determinado sucumbiram face ao advento da razão, do empirismo e do debate racional. Essa nova forma de organização, baseada no logos, foi chamada de Pólis. Através da concepção racional da sociedade, o comércio ganhou impulso, a moeda foi cunhada e, principalmente, ganhou destaque a propalada Ágora Grega, que ao se tornar o centro da cidade, foi palco de transações comerciais e debates públicos. Temáticas como a defesa da 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Discussão 09 - ATIVIDADES HIPERTEXTUAIS: O QUE NOS DIZ A PRÁTICA, no III Encontro Nacional sobre Hipertexto, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2009. 2 Mestrando em Educação. [email protected] 1 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 cidade ou sua organização política eram proferidas por todos e a todos os cidadãos que a ela pertenciam, dando início ao sistema democrático direto de governo. A palavra, o discurso e a razão aos poucos tomaram conta da praça, e os oradores com seu poder de convencimento e retórica se tornaram determinantes para a elaboração de assuntos públicos. Agora, a razão cabia a quem sabia convencer. A argumentação na Ágora tinha como princípio reconhecer o “outro” como um ser constitutivo e pertencente àquelas discussões proferidas na praça. O “outro”, na Grécia Clássica, não era apenas alguém que expunha suas idéias e valores segundo princípios individuais, ele fazia parte de um conjunto, de um contexto e de um sistema de relações, em suma, de uma Pólis, em que o importante era a formação e compreensão do “todo” em que estava inserido. Ademais, nas praças públicas (Ágoras), o diálogo adquiriu força e foi considerado como a arte da persuasão. Ele não apenas possuía como função exprimir um discurso de cunho filosófico, em que a exposição de idéias está carregada de certezas e conceitos, mas percebia no “outro” uma possibilidade de encontro, permitindo àqueles que dialogavam seduzirem e serem seduzidos pela fala alheia. No diálogo, os participantes não presumiam deter o conhecimento, mas sempre tinham com o que contribuir. A existência dessa linguagem comum fez com que as discussões passassem a ser direito de todos, complexificando as relações interpessoais. O diálogo, na Grécia Antiga, surgiu como abertura para um novo modelo social: por meio do convencimento, do raciocínio, da exposição de idéias e da capacidade de falar e polemizar, o logos passou a ser critério para pensar e agir desse novo homem grego. Mesmo que hoje tenhamos nos distanciado historicamente da cultura grega, é inegável considerar que a capacidade do homem moderno de se relacionar, de dialogar racionalmente e de encontrar o “outro” é um espelho longínquo do pensamento clássico. Destarte, nos propusemos a empregar uma metáfora que “desse conta” de aproximar - em face do surgimento das novas tecnologias, em particular o computador/internet - o sentido antigo da “praça pública”, dos diálogos realizados na contemporaneidade, mediados pelos diversos ambientes virtuais: ÁGORA VIRTUAL. Entendemos que os novos instrumentos de comunicação e relacionamento surgidos no final do século XX, como o computador/internet e os múltiplos ambientes virtuais, assim como a Ágora na Grécia antiga, tornaram-se um expressivo centro de discussões, posto ter sido criada com essas tecnologias uma nova forma de comunicação digital, que além de ser integrada e hipertextual é, sobretudo, híbrida e inter-relacional. 2 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 Nos diversos ambientes virtuais, como chats, MSN, fóruns de discussões e blogs, o diálogo tornou-se significativa expressão de relacionamento, consolidando um novo modo de comunicação. O computador/internet e todo seu arsenal tecnológico ampliaram os horizontes de conhecimento do homem e, conseqüentemente, de sua linguagem. Assim, argumentar e dialogar por meio do mundo virtual tornaram-se práticas que ultrapassaram os limites de interlocução em face à presença física do outro. Nosso estudo tem como ponto de partida perceber e analisar os argumentos e seus desdobramentos como balizadores do ensino/aprendizagem de filosofia no interior de ambientes virtuais, em especial os blogs, que promovem a discussão crítica e reflexiva ocorrida em sala de aula. Nesse sentido, torna-se nosso objetivo proporcionar através de tal instrumento tecnológico mais um lugar possível para o pensamento reflexivo e argumentativo. Assim como nas praças, o blog no mundo contemporâneo lança e inaugura outro meio de relação. O contato virtual (em que não é necessária a presença física) e atemporal (cada participante pode acessar os diálogos e discussões no tempo em que considerar pertinente), bem como o registro escrito, são apenas algumas características que potencializam o questionamento e o argumento, como existiu um dia nas tradições do povo grego. Contudo, falar do relacionamento promovido através dos espaços virtuais e todo o diálogo possibilitado nos novos ambientes, em que a linguagem se encontra mais uma vez como pressuposto determinante da vida humana, não é nada simples e, por isso, convidamos o pensador da teoria da argumentação e da retórica, Chaïm Perelman, para nos ajudar a entender melhor esse movimento de diálogo, discussão, debate, questionamento e, sobretudo, de argumentação, tão recorrentes no mundo virtual dos blogs. Acreditamos no blog como ambiente de abertura ao diálogo reflexivo e à defesa de argumentos elaborados por seus participantes, por entendermos ser este espaço um meio pelo qual a mera deliberação das teses é sucumbida diante da pluralidade de culturas, pontos de vista e entendimentos partilhados por seus interlocutores. Como cita Perelman: “O campo da argumentação é do verossímil, do plausível, do provável, na medida em que este último escapa as certezas do cálculo”. (Perelman, 2005, P. 01). O Argumento é um ato em que é necessário o respeito ao interlocutor, como alguém que interfere, persuade e que tenta modificar pontos de vista. No diálogo argumentativo, o “outro” é um sujeito que concebe verdades e que ao contrapor idéias às teses anteriores defendidas, resignifica sentidos. Com efeito, para argumentar é preciso ter apreço pela adesão do interlocutor, pelo seu consentimento e pela sua participação mental (Perelman, 2005, P. 18). 3 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 Dessa forma, saber identificar o auditório que se faz presente no ambiente virtual é buscar meios para despertar o interesse, é criar condições e estratégias para o convencimento da tese que é debatida. É se posicionar como um ouvinte e ao mesmo tempo como um interlocutor de argumento interessado para o convencimento. A exposição dos pensamentos perante a multidão reunida somente é relevante se for para tentar obter adesão dos “espíritos”, por meio do argumento, às respectivas teses apresentadas pelo orador. Evidentemente, podemos entender o blog como um espaço plural, em que a relação existente entre o orador e o seu auditório é obtida pela capacidade de persuasão dos seus participantes. Como nos informa Perelman: Esse contato entre o orador e seu auditório não concerne unicamente às condições prévias da argumentação: é essencial também para todo o desenvolvimento dela. Com efeito, como a argumentação visa obter a adesão daqueles a quem se dirige, ela é, por inteiro, relativa ao auditório que procura influenciar. (Perelman, 2005, P. 21). Desse modo, podemos entender que o convencer e o persuadir são limites imprecisos e que o auditório está sempre suscetível à compreensão equivocada do seu orador, obrigando-o sempre a buscar novos caminhos que possam ajudá-lo a ser compreendido e a compreender. Acerca da importância do argumento e de sua dialeticidade, nos informa o pensador da argumentação: Toda argumentação que visa somente um auditório particular oferece um inconveniente, o de que o orador, precisamente na medida em que se adapta ao modo de ver de seus ouvintes, arrisca-se a apoiar-se em teses que são estranhas, ou mesmo francamente opostas, ao que admitem outras pessoas que não aquelas a que, naquele momento ele se dirige. (Perelman, 2005, P. 34). Portanto, a existência de uma linguagem comum que permita uma interação entre as pessoas e que seja uma ponte de ligação com o “outro” auxilia tanto na constituição formadora do ser, que ora influência e ora é influenciado pela linguagem, como na reformulação dos conceitos prévios estabelecidos pelas teses apresentadas. Como infere Perelman: “O mínimo indispensável à argumentação parece ser a existência de uma linguagem em comum, de uma técnica que possibilite a comunicação”. (Perelman, 2005, P. 17) Com o intuito de nos ajudar a desbravar esse complexo sistema de pensamento que é a linguagem - ressalvadas, todavia, as distinções entre as teorias do pensador a seguir mencionado e do teórico da argumentação Chaïm Perelman - nos sentimos na necessidade de recorrer ao filósofo russo Mikhail Bakhtin. 4 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 O pensador entende a língua como sendo parte de um processo evolutivo de apropriação do mundo pelo homem. Ela não nasceu pronta para ser utilizada e transmitida, mas sim para ser discutida, interpretada, compartilhada e recriada, estando de tal maneira em constante transformação. Bakhtin acrescenta ainda um atributo importante e inerente à língua: o de ser dialógica. A esse respeito, esclarece José Luiz Fiorin: Segundo Bakhtin, a língua, em sua totalidade concreta, viva em seu uso real, tem a propriedade de ser dialógica. Essas relações dialógicas não se circunscrevem ao quadro estreito do diálogo face a face. Ao contrário, existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada sempre pela palavra do outro, é sempre e inevitavelmente também a palavra do outro. Isso quer dizer que o enunciador, para constituir um discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu (Fiorin, 1996:128). Acerca da relevância da linguagem comum que aproxima os pares, nos informa Bakhtin: “A língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo individual dos falantes” (Bakhtin,1981:124). Acrescenta a professora Maria Teresa Assunção Freitas: “o homem é um ser expressivo e falante e a linguagem é constituidora de sua consciência. O discurso do sujeito falante é que liberta o homem de sua condição de objeto” 3. A linguagem assume um papel de interação dialógica, fundada e fundante das relações sociais. É através do contato entre o “eu” e o “outro”, mediado pela palavra, o argumento, o dizer - dado num determinado contexto – e sua significação segundo os valores partilhados, que o auditório reage à tese discutida. Por esse motivo, a apropriação que se faz da linguagem não pode ser rígida, determinada e reta, como supõem os lingüistas de corrente formalista, mas, ao contrário, a língua é um discurso fluido, variável e flexível e está estritamente ligada ao contexto da situação concreta da comunicação verbal em que atuam seus interlocutores: “quando as pessoas utilizam a linguagem, não atuam como se fossem máquinas que enviam e transmitem códigos, mas como consciências empenhadas em um entendimento simultâneo: o falante ouve e o ouvinte fala” (Clark & Holquist, 1998:237, apud JUNQUEIRA, Fernanda, 2003: 25). Bakhtin defende ainda a acepção de um novo conceito, que ultrapasse a noção comum de diálogo: o dialogismo. A necessidade de inaugurar um termo para explicitar as relações dialógicas existentes na comunicação verbal entre o “eu” e o “outro” decorre da observação 3 FREITAS, Maria Teresa de Assunção. “Bakhtin e A Psicologia”. In: Carlos Alberto Faraco; Cristovão Tezza; Gilberto de Castro. (Org.). Diálogos com Bakhtin. 3a. ed. Curitiba: Editora da UFPR, 1996, v. 1, pp. 165-187. 5 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 de que nos processos de linguagem, a palavra viva interage sempre com o discurso alheio, mesmo que ele não esteja presente. A língua não é neutra e não passa livre e facilmente a pertencer, como propriedade privada, às intenções do falante; ao contrário, ela é povoada - super povoada - pelas intenções dos outros. Impedir a influência do outro, submetendo-a apenas às nossas próprias intenções, é um difícil e complicado processo (Bakhtin apud Cazden, 1998:201). O dialogismo destaca-se pelo seu caráter contextual de interação, em que tanto o falante quanto o seu discurso só existem a partir da existência de um “outro”, quer seja este um interlocutor, um leitor ou um próprio sistema lingüístico, instigando o permanente diálogo nem sempre harmonioso, mas que inaugura, reflete e fomenta uma relação com o “outro” de modo interdiscursivo de compreensão do mundo. Bakhtin considera o diálogo como as relações que ocorrem entre interlocutores, em uma ação histórica compartilhada socialmente, isto é, que se realiza em um tempo e local específicos, mas sempre mutável, devido às variações do contexto. Segundo Bakhtin, o dialogismo é constitutivo da linguagem, pois mesmo entre produções monológicas observamos sempre uma relação dialógica; portanto, todo gênero é dialógico(RECHDAN, 2003: 02). É devido à dialogicidade que as relações são criadas e estabelecidas e que as teias são constituídas. As vozes dos interlocutores nos diálogos são entrelaçadas, entrecruzadas, nas quais a todo dizer corresponderá uma reação, uma réplica e uma atitude responsiva, gerando um caráter dialético para a efetivação do processo comunicativo. Em outras palavras, o dialogismo e toda a atividade discursiva e argumentativa exercida em seu interior, isto é, a influência da palavra do “outro” e deste “outro” sobre a sua, a contínua influência dos contextos sobre os entendimentos obtidos nos discursos e a interminável construção de significados e de enunciados são partes que determinam e constituem o próprio homem. Nos informa Bakhtin: “Em todo enunciado, contanto que o examinemos com apuro, levando em conta as condições concretas da comunicação verbal, descobriremos as palavras dos outros ocultas ou semi-ocultas, e com graus diferentes de alteridade” (Bakhtin, 2000:318). O blog se apresenta como um lugar possível para linguagem comum e, sobretudo, como um novo terreno para o desenvolvimento da racionalidade argumentativa. O exercício do ouvir e do falar neste espaço de relacionamento é como um campo em que as pessoas argumentam e exercem funções outras que ultrapassam o simples comunicar, pois tecem continuamente acordos, dissensos, rupturas, reformulações, resignificações e, sobretudo, novos sentidos tanto para si quanto para o outro. 6 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 Por considerarmos importantes em nosso trabalho a compreensão das noções explicitadas, assumimos as perspectivas perelmanianas e bakhtinianas como explicativas para as relações de comunicação e argumentação estabelecidas nos espaços virtuais, marcadas pelo dinamismo e “vivacidade” da língua, ou mais, pelo diálogo e interação estabelecidos entre o orador e seu auditório. Entendemos e acreditamos na comunicação virtual por meio do computador/internet e seus ambientes de relação, em especial o blog, como um instrumento legítimo para o desenvolvimento da subjetividade e da argumentação, bem como para o diálogo e a reflexão filosófica. A linguagem que marca os ambientes on-line possibilita a interatividade e, com ela, o embate de pensamentos diversos, ou mesmo confrontantes, num mesmo tempo e espaço, ocasionando a geração de uma criação coletiva, tal como ocorria na praça grega4. O computador/internet, nesse sentido, possibilita àqueles que participam de seus ambientes de relacionamento inaugurarem lugares outros legítimos para o saber, o pensamento e o conhecimento que circulam e se manifestam em um espaço invisível, dinâmico e vivo, onde aprender, inventar, conhecer e produzir são termos que somente têm sentido se fizerem parte de um pensamento e de uma consciência participativa, coletiva e responsável de que o “outro” faça parte: “não os organismos do poder, nem as fronteiras disciplinares, nem as estatísticas dos mercados, mas sim o espaço qualitativo, dinâmico, vivo, da humanidade que se inventa ao mesmo tempo em que produz o seu mundo.” (LÉVY, 1997, p.17). Portanto, podemos considerar os espaços virtuais, onde o “eu” e o “outro” se fazem presentes, como um campo de luta e de encontro das diversas vozes sociais existentes num determinado meio. Nos ambientes on-line, surgem novos processos de interlocução, relação e diálogo constituídos e alimentados por valores sócio-culturais partilhados e apreendidos com as trocas, divergências e diversidades do auditório que são inerentes em seu interior. O computador/internet instigou o homem a um mergulho profundo permeado pelas relações dialógicas, na perspectiva bakhtiniana, no qual o sujeito somente se constitui à medida que vai em direção ao “outro”, pois, como na Filosofia, este “outro” é fundamental para a constituição do seu “eu”. Diante deste olhar, retornamos à crença nas tecnologias virtuais como possíveis aliadas do homem ao retorno da discussão filosófica, segundo suas raízes gregas. Motivo pelo qual concluímos anteriormente ser pertinente comparar os ambientes constitutivos da 4 CENCI, Márcio Paulo; IBERTIS, Carlota. Internet: um recurso para o ensino de filosofia? p. 03. 7 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 virtualidade a outros lugares de mediação, participação, democracia e inclusão, como a citada Ágora grega. Neste momento, tornou-se o computador/internet uma nova praça pública, que, através de seus diversos programas de relacionamento, constitui-se num lugar dialógico para o embate de idéias, reflexões e para a exposição das diferentes opiniões e argumentações. Esta constatação nos levou a lançar um novo olhar para as aulas de Filosofia, que incluísse o computador/internet e toda sua potencialidade de comunicação. Refletimos que aprender Filosofia no ambiente escolar com o auxílio do computador/internet seria um modo de possibilitar ao aluno articular de maneira dialógica e interativa a compreensão de questões levantadas, ajudando-os em sua emancipação e em posicionamentos frente às indagações propiciadas pelos temas. É importante ressaltar que entendemos por aprender tudo aquilo que implica ao sujeito construir para si um mundo e um modo típico de se relacionar. O conhecimento filosófico, alcançado com a aproximação das diversas leituras possíveis que o homem é capaz de fazer, somente teria sentido se o aluno estivesse aberto a aprender com seu par e permitisse a ampliação de sua linguagem. Em relação a esse olhar aberto do homem para o mundo, o educador Jorge Larrosa nos informa que: O mundo não existe anteriormente a uma forma que lhe dê seu perfil. Ou existe, mas como algo amorfo, desordenado e sem delimitações e, portanto, sem sentido. Não há uma experiência humana não mediada pela forma e a cultura é, justamente, um conjunto de esquemas e mediação, um conjunto de formas que delimitam e dão perfis às coisas, às pessoas e, inclusive a nós mesmos. A cultura, e especialmente a linguagem, é algo que faz com que o mundo esteja aberto para nós (Larrosa, 2006: 49). Nesta perspectiva, o alargamento da linguagem propiciado pela multiplicidade de espaços de relação permitiria que o diálogo fosse uma atitude para o entendimento da reflexão filosófica. Como nos adverte Ludwig Wittgenstein: “os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo”5. Logo, buscar o conhecimento filosófico com o suporte da tecnologia virtual significaria permitir aos alunos a criação de espaços específicos para o diálogo, a crítica, a interatividade e as reflexões acerca do cotidiano da vida dos homens e do mundo. Citando novamente Jorge Larrosa, “ (...) cada um tenta dar um sentido a si mesmo, construindo-se como um ser de palavras a partir das palavras” 6. A aproximação de distâncias, a relativização do tempo e do espaço e a potencialização das relações dialógicas nos fizeram pensar na cultura digital como um lugar de produção 5 WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophical investigations. Oxford: Blackwell, 2ª edição, 1997, p.111. LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. 4 ed., Trad. Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte; Autêntica, 2006, p. 23. 6 8 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 significativo e criativo, de aprendizado filosófico e reflexão mútua. Como nos informa Pierre Lévy: A rede não tem centro, ou melhor, possui permanentemente diversos centros que são como pontas luminosas perpetuamente móveis, saltando de um nó a outro, trazendo ao redor de si uma ramificação infinita de pequenas raízes, de rizomas, finas linhas brancas esboçando por um instante um mapa qualquer com detalhes delicados, e depois correndo para desenhar outras paisagens de sentido.7 Por sermos professores e termos consciência clara do papel responsável da profissão, observamos a escola com o computador/internet reveladora e inauguradora de um novo momento na educação escolar. Essa tecnologia, aliada à aprendizagem da filosofia, poderão propiciar tanto ao educador como ao educando um real instrumento para o diálogo, tornandose um verdadeiro “locus” para o conhecimento científico e artístico e, sobretudo, sendo um ponto de partida para o saber, o encontro e a reflexão filosófica, que formam e transformam o homem. Em nossa atuação como profissionais da educação na área da Filosofia, observamos que os alunos do ensino fundamental e médio, ao se utilizarem do computador/internet para determinada pesquisa ou elaboração de trabalhos, acabavam por aguçar suas próprias indagações e percepções, o que contribuía muito para o enriquecimento das aulas. A partir dessa constatação inicial, ficamos instigados a elaborar junto aos alunos do primeiro ano do ensino médio, numa escola da rede particular da cidade de Juiz de Fora no corrente ano (2009), um fórum virtual de debate e discussão em filosofia (blog), com objetivo de estudo, de ampliação e troca de experiências e aprendizagem numa relação fratenal, dialogal e ao mesmo tempo acadêmica entre alunos e alunos/professor. Assim como a palavra na praça pública, a escrita no fórum adquire força, delimita seu espaço de interferência e se torna o lugar comum para o confronto de idéias. O primeiro passo para a constituição do dito blog foi apresentar o computador e a internet não apenas como espaços de consulta, conversas informais e acesso a conteúdo, mas sim como um lugar possível para o debate filosófico. Destarte, foi desfeita a rejeição por parte de alguns alunos, receosos em aceitar a utilização do computador/internet como meio de ensino/aprendizagem. Descobrimos em conjunto que a Filosofia não necessitava de um lugar específico para acontecer, desde que existissem espaços que posibilitassem o encontro, interferindo e modificando a todo instante a forma como enxergávamos o mundo. 7 LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência - O futuro do pensamento na era da informática. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 26. 9 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 A próxima etapa foi o levantamento em classe de temáticas de cunho filosófico que envolvessem e atraíssem os alunos para a amplição das discussões no ambiente virtual. É importante ressaltar que as questões escolhidas para o debate estavam de acordo com o conteúdo ministrado pela disciplina e com a possibilidade de intercessão com os diversos contextos sociais vividos pelos alunos. Feito isso, incentivamos os estudantes a registrarem suas falas e pensamentos apresentados em sala de aula no espaço virtual de relacionamento, com intuito de tornar pública a reflexão por eles realizada e propiciar a possibilidade de “resposta” por parte dos colegas. Nesse sentido, o fórum pôde se tornar um ambiente de discussão em que a linguagem escrita, para além da verbal já estabelecida na escola, ganhou importância por ser o “veículo” do argumento e permitir a réplica e o acréscimo ao conteúdo exposto no fórum. Como exemplo, citamos abaixo algumas postagens de alunos no blog, que reforçam nossa argumentação acerca do ensino/aprendizagem de filosofia com o auxílio do computador/internet. A questão levantada foi: “o que é política?”. A respeito desse tópico, destacamos alguns posicionamentos da turma: “Então, pelo que os textos falam política é quando o povo elege um representante no poder para prestar favores à sociedade, porém esses representantes usam o poder da política para seus privilégios assim prejudicando aqueles que os deram esse poder, irônico não? , o povo acredita no cara e ele simplesmente ignora o povo para benefício próprio. Por isso eu afirmo que a política de hoje é uma política para minoria (e não para todos como afirma a palavra democracia) porque os privilegiados são um numero bem menor que os não privilegiados, pois a maioria que elegeu esse representante visando um bem para o coletivo acaba não recebendo o prometido, pois o representante prefere esperar a próxima campanha eleitoral para que ele possa se eleger de novo. Como exemplo eu cito, para os moradores de jf , o hospital na zona norte que foi a promessa de muitos políticos (como o atual prefeito nas duas campanha que eu lembro) que ao longo do tempo prometeram e não cumpriram, assim o povo da zona norte simplesmente é ignorado por esses políticos com perdão da palavra de ‘merda’” (sic) Aluno: D.R “Interessante os textos, Luciano... Com eles você deixou bem clara a diferença entre a boa política e a que presenciamos, assim como também evidenciou os muitos passo errados do nosso histórico de eleições. Mas isso eu acho que todos já sabemos bem, e mesmo assim, nada muda. Não me entenda mal, professor, eu adorei os textos... Mas eu acredito que as soluções não estão localizadas na visualização do problema – já que isto vem sendo feito incessantemente já tem algum tempo, sem obtenção de resultados – e sim nas formas de melhoria, principalmente as que podem ser alcançadas pelo povo. Veja bem, nós sabemos da existência de corrupção no nosso governo, mas o que podemos fazer quanto a isso? Simplesmente não está ao nosso alcance, pelo menos não agora. Sugiro então lutar por causas menores, como a “limpeza” da nossa própria prefeitura, que seja, ou por algo menor se necessário. Pode ser que o senhor não concorde comigo, Luciano, eu também não daria muita atenção a um garoto de 15 anos que nunca sequer votou e aparece falando sobre política... Mas o meu ponto, concordamos, é algo a ser, pelo menos, considerado, levando em conta que existem fundamentos... Sejamos francos... Lutar por uma batalha ganha é preferível a morrer em uma guerra perdida. È bem o que dizem mesmo... ‘Antes de tentar limpar o mundo, dê três voltas dentro de sua própria casa’. Nosso destino político está sim em nossas próprias mãos, mas para que possamos exercer bem esse poder que temos, é preciso saber, antes, pelo menos que lutamos”. (sic). Aluno:H.D. “Apos ler todos os comentários resolvi debater um dos comentários que e do H. D. do 1°a , ele fala que para resolvermos o problema da política no nosso pais é necessário primeiro organizar a própria casa com isso eu concordo mas com a seguinte afirmação não ‘(...) nós sabemos da existência de corrupção no nosso governo, mas o que podemos fazer quanto a isso? Simplesmente não está ao nosso alcance, pelo menos não agora(...)’ eu 10 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 não concordo, pois está sim ao nosso alcance porque quando nós votamos elegemos mais que só vereadores com nossos votos nós elegemos muito mais cargos com senadores, governadores e deputados e está tanto ao nosso alcance quanto eleger um prefeito. Para isso acontecer e necessário que o povo todo se tome consciência de que isto não e algo impossível. Porém também concordo com isso pela dificuldade de que isso aconteça, pois, por exemplo, nos estados do nordeste tem deputado que era presidente roubou DESCARADAMENTE e esta eleito de novo. Nesses estados o voto não e direito e sim propriedade para ser vendido e ser comprado devido a alta necessidade de dinheiro assim deputados compram votos e se elegem de novo e de novo e de novo assim sucessivamente sempre roubando do povo e comprando votos, e ainda existem votos forçados e muitas outras artimanhas que os deputados usam para se reeleger”(sic) Aluno D.R. “De fato, concordo com a primeira postagem do H. D., todos nós sabemos que o nosso país não está legal, que a forma que se faz política aqui não é a mais coerente. E não fazemos nada para mudar isso, porque estamos acomodados com essa situação” (sic). Aluna: A. F. “Eu descordo da A.F. quando ela diz “(...) estamos acomodados com essa situação”. Não dá para generalizar ao dizer isso, pois há muitos que não estão nem um pouco satisfeitos. Nós, por exemplo, não estamos. Por isso estamos aqui discutindo sobre isso”(sic). Aluna: A.M. Ao analisarmos rapidamente os argumentos expostos no blog, podemos observar de dois modos distintos a mesma questão reflexiva. O primeiro aluno, ao se deparar com o problema, busca na própria questão razões que o permitam convencer o outro sobre o seu pensamento instigando o leitor a pensar de modo prático no cotidiano da vida, sem tentar impor uma conclusão e possibilitando a seu possível debatedor desenvolver um contraargumento. Os alunos seguintes, por sua vez, criam uma narrativa que dialoga com o expositor da opinião, estimulando os seus interlocutores a refletirem juntos sobre as questões e perguntas por ele formuladas, sobre a importância e a dificuldade de se chegar a um acordo sobre o que de fato é política. É importante ressaltar que os argumentos explicitados no blog têm uma carga significativa de questões que abrem novos olhares sobre o mundo, permitindo a todos exporem suas opiniões, dialogarem, interferirem no modo de pensar do outro e se transformarem. Como podemos concluir, o blog criado para as aulas de filosofia e realizado no computador/internet tem em sua essência, evidente que de modo distinto do que ocorria na Grécia antiga, retomar o pensamento reflexivo, autônomo e com suporte argumentativo, onde a escrita é um meio e o diálogo um caminho que reverbera no “outro” pela palavra e os seus contextos. 11 III ENCONTRO NACIONAL SOBRE HIPERTEXTO Belo Horizonte, MG – 29 a 31 de outubro de 2009 BIBLIOGRAFIA: ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad. Alfredo Bosi. 2.ed. São Paulo, Martins Fontes, 1998. ALVES, Lynn Rosalina Gama & SILVA, Jamile Borges (orgs). Educação e Cibercultura. Salvador: EDUFBA, 2001. BAKHTIN, Mikail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 1997. _______. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins fontes, 2000. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. Vol.I. 8ª ed. Trad. Roneide Venâncio Majer & Klauss Brandini Gerhart. São Paulo, SP: Paz e Terra, 1999. CAVALCANTI, Marcus & NEPOMUCENO, Carlos. O Conhecimento em Rede: Como implantar projetos de inteligência coletiva. Rio de Janeiro: Campus, 2007. CAZDEN, C. Vygotsky, Hymes and Bakhtin: from word to utterance and voice. In:FORMAN, E. A., MINICK, N., STONE, C. A. (Eds.). Contexts for learning: sociocultural dynamics in children development. Oxford: Oxford University Press, 1998. p.197-212. CENCI, M. P. ; IBERTIS, Carlota Maria. Internet: um recurso para o ensino de filosofia? In: V Simpósio Sul-brasileiro sobre Ensino de Filosofia. VII Encontro de Cursos de Filosofia do Sul do Brasil: Filosofia e Ensino - Filosofia na Escola, 2005, Santa Maria: CPD, Centro Universitário Franciscano, 2005. DIAS, Ângela A. C. & SANTOS, Gilberto Lacerda (orgs.). Tecnologias na Educação e Formação de Professores. Brasília: Plano, 2003. FARACO, C. A. , TEZZA, C., CASTRO, G. (Orgs.). Diálogos com Bakhtin. Curitiba: Editora da UFPR, 1996. p.127-152. FREITAS, Maria Teresa de Assunção. “A abordagem sócio-histórica como orientadora da pesquisa qualitativa”. Caderno de Pesquisas, São Paulo, n. 116, Julho de 2002. _______. Narrativas de Professoras: pesquisando leitura e escrita numa perspectiva sócio histórica. Rio de Janeiro: Ravil, 1998. (Coleção Da Escola de Professores) FREITAS, Maria Teresa de Assunção & COSTA, Sérgio Roberto (orgs.). Leitura e escrita de adolescentes na internet e na escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. _______. Leitura e escrita na formação de professores. Juiz de Fora: Musa/Inep/CompEd/UFJF, 2002 GASPARETTI, Marco. Computador na Educação: Guia para o ensino com as novas tecnologias. São Paulo: Esfera, 2001. JUNQUEIRA, C. G. Fernanda. Confronto de Vozes Discursivas no Contexto Escolar: percepções sobre o ensino de Gramática da Língua portuguesa.Rio de Janeiro: PUC, 2003. Dissertação (Mestrado em Letras). LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana: danças, piruetas e mascaradas. 4 ed., Trad. Alfredo Veiga-Neto. Belo Horizonte; Autêntica, 2006. LEMOS, André. Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002. LÉVY, Pierre. As tecnologias da Inteligência - O futuro do pensamento na era da informática. São Paulo: Editora 34, 2004. PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação. A nova retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2005. PRETTO, Nelson de Luca (org). Tecnologia e novas educações. Salvador: UDUFBA, 2005. Coleção Educação, Comunicação e tecnologia. Vol.I. RAMAL, Andréia Cecília. Educação na Cibercultura – hipertextualidade, leitura, escrita e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2002. RECHDAN, L. Maria. Dialogismo ou Polifonia? Taubaté – São Paulo. Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Taubaté, 2003. SOARES, Suely Galli. Educação e comunicação: o ideal de inclusão pelas tecnologias de informação: otimismo exacerbado e lucidez pedagógica. São Paulo: Cortez, 2006. TAJRA, Sanmya Feitosa. Internet na educação: o professor na era digital. São Paulo: Érica, 2002. WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophical investigations. Oxford: Blackwell, 2ª edição, 1997. 12